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Psicologia

versão impressa ISSN 0874-2049

Psicologia vol.24 no.1 Lisboa  2010

 

Violência conjugal: representações e significados no discurso mediático

Marital violence: Representations and meanings in the media discourse

 

Ana Rita Conde1,*; Carla Machado2

1-2Universidade do Minho, Instituto de Psicologia, Braga

*Autor para correspondência

 


RESUMO

O presente estudo teve como objectivo compreender os discursos culturais veiculados pelos media sobre a violência conjugal, analisando a sua transformação ao longo do tempo, desde 1965 até 2006, na imprensa não-jornalística portuguesa. Revendo as propostas mais tradicionais sobre a relação entre media e violência, as autoras propõem uma conceptualização construcionista da mesma, que simultaneamente considera os media reflexo da cultura dominante e elementos construtores dessa mesma cultura. Após uma revisão dos estudos internacionais sobre a representação mediática da violência conjugal, apresenta-se um estudo empírico baseado na análise dos textos sobre a violência conjugal, produzidos por seis perfis de publicação ao longo dos últimos 40 anos. Da análise efectuada, ressalta a reduzida produção discursiva sobre o tema, a sua associação às temáticas da emocionalidade/paixão e a sua atribuição a causas internas. Salienta-se também a procura de novos ângulos para o problema (e.g., violência feminina), que minimizam e obscurecem a violência conjugal mais comum, exercida pelos homens contra as mulheres, assim como a presença de viés de género nas explicações para a violência (e.g., violência masculina emocional vs. violência feminina deliberada). As implicações destas formas de representação na vivência pessoal e social da violência conjugal são discutidas.

Palavras-chave: violência conjugal, media, Portugal, estudo longitudinal


ABSTRACT

This study aimed to analyse media discourses about marital violence produced by the Portuguese non-journalistic press, from 1965 to 2006. It begins with an analysis of traditional explanations regarding the relationship between crime and the media, but the authors offer a constructionist approach to this relationship, considering the media both as construed by and constitutive of cultural discourses. After a revision of international studies on media representations of marital violence, this empirical study analyses the texts on marital violence published by six types of Portuguese magazines during the last 40 years. Results show a reduced attention to the theme, its association to emotionality and passion and the attribution of violence to internal causes. Also noticeable is the search for new angles to approach this topic (e.g., female marital violence), that minimize and obfuscate the most common form of violence, men abuse of their wives. Gender biases in the explanations for violence were persistent, male violence being mainly characteized as emotional and female violence being described as instrumental and vicious. Implications of these forms of representation on the public and personal experience of violence are discussed.

Keywords: domestic violence, media, Portugal, longitudinal study


 

Media e violência conjugal: uma relação interactiva

A relevância dos media na análise da forma como o género e a violência são culturalmente construídos decorre de duas dimensões centrais. Ao mesmo tempo que os media podem ser usados como barómetros dos processos sociais e dos processos de mudança, sendo indicadores de atitudes e comportamentos (Schofield, 2004), constituem também um dos recursos mais usados na construção do modo como se compreendem os fenómenos sociais (Gamson, 1992), tendo influência na forma como se vive o dia-a-dia, como as pessoas pensam e se comportam, como constroem a sua identidade e como se sentem consigo próprias e com os outros (Kellner, 1995 cit. in Berns, 2001).

Pretendemos, neste texto, enfatizar a importância da análise dos media para a análise cultural da violência contra a mulher, tendo em conta, simultaneamente, este seu papel “construtor” e a sua natureza “construída”. Para tal, primeiramente, procederemos a uma breve revisão das abordagens tradicionais dos media – focadas nos seus efeitos – e, como alternativa, destacamos a abordagem construcionista social. De seguida, procedemos à revisão dos poucos estudos desenvolvidos acerca da representação mediática da violência conjugal e, por fim, destacamos a importância de uma análise do papel dos media para a compreensão do fenómeno da violência conjugal mas, numa perspectiva construcionista social, defendemos a reconceptualização cultural do seu papel.

Abordagens tradicionais ao estudo dos efeitos dos media na violência

Os media são uma forte meio de disseminação de informação (Carll, 2003a) e de produção de factos (Penedo, 2003), abordando um leque variado de temas. No entanto, a forma como podem influenciar os comportamentos, atitudes, crenças e valores, tem gerado controvérsia na comunidade científica (Reiner, 1997). Assim, é possível distinguir as teorias mais tradicionais, que se enquadram dentro do paradigma dos efeitos limitados (que postulam um modelo transmissivo focado numa relação causal media/público e em situações específicas de persuasão) e as que se enquadram numa perspectiva construtivista (que enfatizam os efeitos dos media na perspectiva do seu papel na construção da realidade social).

Dentro do paradigma dos efeitos limitados, podemos identificar dois modelos teóricos que predominaram até aos anos 60: (i) o modelo de manipulação de massas, que atribui um papel determinista aos media, no sentido em que estes teriam uma influência directa no público, o qual, por sua vez, teria um papel passivo, assimilando as mensagens veiculadas; e (ii) o modelo comercial, atribuindo um papel mais activo ao público, que assumiria uma atitude crítica e selectiva face à diversidade de informação que lhe é apresentada (Penedo, 2003).

Parece-nos, contudo, que ambos os modelos têm uma visão reducionista do papel dos media, simplificando a sua influência numa relação linear. Dentro desta visão monolítica, enquadra-se a teoria hipodérmica do fenómeno comunicacional, a qual preconiza a influência directa dos media no público e no indivíduo, através de mensagens intencionais que teriam efeitos num público passivo e indiferenciado (Reiner, 1997). No entanto, estes pressupostos deterministas foram colocados em causa, quer pelos resultados da investigação no âmbito da psicologia experimental e da sociologia empírica quer, principalmente, pelo modelo funcionalista (idem).

Efectivamente, a psicologia experimental, ao analisar as características dos destinatários, chamou a atenção para a necessidade de compreender os mecanismos psicológicos que intervêm na apreensão das mensagens (e.g. motivação, memória, selecção das mensagens), em que o sujeito assume um papel activo. Os resultados da investigação apontam, por um lado, para a existência de uma exposição selectiva do público, o qual selecciona e filtra as mensagens dos media de acordo com as suas predisposições, motivações, interesses, atitudes e nível cultural; por outro, revelam que ao nível da mensagem existem factores que influenciam o poder persuasivo dos media, como a credibilidade das fontes, os argumentos, a estruturação interna e qualidade formal da mensagem (Heath, & Gilbert, 1996; Reiner, 1997).

No campo da sociologia empírica, por sua vez, há um foco crescente na análise dos públicos diferenciados e nos processos de mediação social que influenciam os padrões de consumo, assim como a formação ou mudanças de opinião. Neste contexto, a figura do líder de opinião e a influência do grupo de pertença surgem como elementos de mediação social, pelo que o poder persuasivo deixa de ser exclusivamente atribuído aos media. Assim,tanto a psicologia experimental como a sociologia empírica colocaram em causa a relação causal directa entre os media e o público, passando a considerar-se o contexto social desta relação. Os resultados da investigação retiraram a exclusividade do poder persuasivo aos media, apontando também para a minimização dos seus efeitos (Heath, & Gilbert, 1996; Penedo, 2003).

Por outro lado, no plano mais teórico, o funcionalismo estrutural – que preconiza a existência de um sistema global constituído por uma organização de subsistemas que interagem entre si, através de relações funcionais, no sentido de manterem o equilíbrio e estabilidade desse sistema (Parsons, 1967 cit. in Penedo, 2003) – conceptualiza os media como subsistemas de regulação social. O estudo dos media passa a focar-se no seu papel funcional dentro do sistema social, isto é, nas funções sociais que desempenham ao produzir e difundir mensagens para o espaço público (Penedo, 2003). O modelo funcionalista chamou a atenção para a função normativa dos media, de controlo social e regulação normativa, ao proporcionar elementos que ajudam a dar sentido ao mundo. Tal é particularmente visível na investigação acerca das notícias sobre o crime, que estabelecem parâmetros para o que é considerado desvio, traçando as fronteiras entre o Bem e o Mal (Welch, Fenwick, & Roberts, 1997).

Todos estes desenvolvimentos deslocam a análise dos efeitos limitados dos media para o seu impacto mais geral e complexo na produção de conhecimento social (Penedo, 2003), em que aqueles surgem como tendo um papel importante na construção social da realidade (Cohen, & Young, 1973 cit. in Penedo, 2003). A influência dos media deixa de ser reduzida à mudança de atitudes, opiniões ou comportamentos, passando a ser conceptualizada de uma forma mais complexa: incide nas próprias formas do conhecimento do quotidiano, influencia o modo como percebemos e organizamos o mundo, chama-nos a atenção para determinados temas (Sacco, 1995).

A abordagem construcionista social à relação entre os media e o público

Subjacente a esta transformação na conceptualização dos media encontra-se a perspectiva construtivista, que começou a ganhar relevo a partir dos anos 70. De acordo com esta perspectiva, os media surgem como construtores da realidade social, inseridos numa rede complexa de relações, em que a problemática dos seus efeitos assume outra dimensão (Penedo, 2003). Como indica Reiner (1997), o principal problema na maioria dos debates e investigação acerca dos efeitos dos media é que se têm centrado à volta da noção pouco plausível de efeitos “puros”, à qual subjaz a ideia de que os media são uma fonte de influência autónoma e poderosa sobre um público passivo, incutindo-lhes ideias e valores. Assim, subjacentes à noção de efeitos “puros”, encontramos duas ideias: por um lado, a ideia de coerência e uniformidade dos media e, por outro, a ideia de passividade do público.

Relativamente à noção de coerência, os media têm sido conceptualizados como sendo uma fonte de influência coerente, uniforme e poderosa sobre o público. No entanto, segundo Reiner (1997), existe um processo cíclico entre a realidade social e o discurso dos media e, ainda que não seja possível localizar o seu começo, faz algum sentido questionar as fontes ou mesmo os constrangimentos aos conteúdos dos media. Neste sentido, apesar de os primeiros estudos apoiarem a ideia de que a fonte imediata do conteúdo de uma determinada notícia seria a ideologia pessoal e profissional do jornalista, posteriormente verificou-se que uma série de imperativos organizacionais e profissionais exerciam pressão sobre a produção das notícias. Entre estes, destacam-se: (i) a ideologia política da imprensa, que pode ser mais ou menos conservadora; (ii) elementos de “noticiabilidade” – o que é que faz uma boa história, para que esta tenha audiência; (iii) determinantes estruturais, ou seja, uma grande variedade de pressões organizacionais concretas que delimitam a produção das notícias no sentido da lei e da ordem; e (iv) conflitos culturais, no sentido em que existe maior diversidade, negociação e contingência dentro das organizações noticiosas, assim como uma maior variedade de fontes do que habitualmente se entende, usadas na sua produção.

Assim, Machado (2004) considera que o discurso proposto pelos media constrange, mas não determina, o modo como as pessoas constroem significados e articulam posições face ao crime, à lei e à justiça, o que se aplica também à sua significação e posição face à violência conjugal. Embora os media possam favorecer determinadas leituras que beneficiem os interesses de determinados grupos ou a reprodução de determinadas normas sociais, também se verificam actualmente “espaços de abertura e de receptividade a posicionamentos alternativos e com algum potencial de transformação da ordem social” (Machado, 2004, p. 121).

Desta forma, as pessoas não são recipientes passivos mas construtores de significado activos, sendo mais plausível pensar que as representações e imagens dos media afectam as pessoas num processo complexo de interacção com outras práticas sociais e culturais (Reiner, 1997). Como afirma Ericson (1997), o conhecimento que deriva dos media é resultado de uma negociação entre a posição preexistente do leitor e a posição que lhe é apresentada pelo media. O significado ou sentido que retiramos dos conteúdos dos media é influenciado pelos “significados propostos, contextos interpretativos e pela subjectividade pessoal” (Machado, 2004, p. 120).

Por outro lado, ainda de acordo com com o mesmo autor, as representações dos media reflectem as constantes mudanças das percepções e práticas sociais, pelo que as suas imagens ou representações podem ser interpretadas de várias maneiras pelas diferentes audiências, de forma a reforçar ou alterar os padrões sociais emergentes. Na verdade, há uma relação dialéctica entre o desenvolvimento dos media e o desenvolvimento da própria sociedade. De acordo com Ericson (1997), os mediaestão imersos na própria realidade social que eles contribuem para construir, sendo este um processo cíclico. Vejamos, então, de que forma este processo interactivo se tem repercutido nas representações mediáticas da violência conjugal.

A representação mediática da violência e da violência conjugal

Pela análise da literatura, verificamos que a maioria dos estudos sobre a relação media-violência adoptou uma perspectiva tradicional, procurando analisar o efeito dos media nas atitudes e nos comportamentos violentos (e.g., Huesmann, & Malamuth, 1986 cit. in Bushman, & Geen, 1990). São estudos assentes num modelo positivista (tanto na linha behaviorista, como do processamento cognitivo até à aprendizagem social), desenvolvidos em laboratório, em que as pessoas são expostas a conteúdos ou imagens violentos e seguidamente se analisa o seu comportamento em determinadas tarefas (e.g. Cline, Croft, & Courrier, 1973; Geen, & Thomas, 1986; Monteiro, 1984; Vala, 1984) ou se avaliam os seus pensamentos e respostas emocionais relacionadas com a violência (e.g. Anderson, Carnagey, & Eubanks, 2003; Bushman, & Geen, 1990). Por exemplo, Bushman e Geen (1990) referem que a exposição a imagens violentas dos media aumenta as cognições e as respostas emocionais violentas, como a hostilidade e o aumento da pressão sanguínea. Trata-se de estudos “artificiais”, que retiram as pessoas dos seus contextos naturais, baseando-se em construtos internos (como a hostilidade ou os esquemas cognitivos) e medidas fisiológicas. Assim, estes estudos assentam numa perspectiva intra-individual da violência: consideram a existência de traços de personalidade que geram susceptibilidade à agressão e que são particularmente activados pelas mensagens violentas dos media (e.g. Bushman, 1995; Bushman, & Cantor, 2003).

Ainda dentro de um modelo positivista e experimental, são de destacar também alguns estudos que focam o efeito dos media sobre determinadas formas de violência mais específicas, como a violência contra a mulher (e.g. Donnerstein, 1980; Donnerstein, & Berkowitz, 1982; Linz, Donnerstein, & Penrod, 1984), ainda que com resultados inconclusivos. Por exemplo, Donnerstein e Linz (1986) procuram analisar a influência de imagens de violência sexual nos media (filmes) nas atitudes e comportamentos de violência contra a mulher. Não encontraram evidência empírica do efeito das imagens sexualmente explícitas, mas referem que são as imagens agressivas e não as imagens sexuais per se que têm impacto. Assim, referem que o que é crucial são as mensagens acerca da violência e a sua natureza “sexualizada”. No entanto, o resultados indicam que não é possível estabelecer uma relação de causa-efeito entre os media e as atitudes, ainda que, provavelmente, os media reforcem atitudes e valores pré-existentes acerca da mulher e da violência (idem).

Em síntese, trata-se de estudos de carácter quantitativo, baseados numa metodologia experimental, procurando relações de causa-efeito e que fornecem escassas evidências empíricas. Além disso, a análise dos media é superficial, focando os efeitos da mera “exposição” à violência (por vezes pela mera “contabilização” dos actos violentos transmitidos), negligenciando o contexto em que a violência é representada e os significados que lhe são associados.

Mais recentemente, vários estudos adoptando uma postura mais construcionista têm-se debruçado sobre os discursos e representações dos media acerca de vários fenómenos sociais, tais como: os grupos minoritários (e.g. Nafstad, Phelps, Carlquist, & Blakar, 2005), a feminilidade/masculinidade (e.g. Cavender, Bond-Maupin, & Jurik, 1999; Firminger, 2006; Jackson, 2005; Jackson, 2001; Mota-Ribeiro, 2005; Novikova & Raynor, 2003), o crime e a violência (e.g. Best, 1999; Brownstein, 2000; Coyne, & Archer, 2004; Ferrel, & Websdale, 1999; Fishman, & Cavender, 1998; Jenkins, 1994), o abuso e negligência infantil (e.g. Goddard, Bernadette, & Saunders, 2000), ou ainda as relações de intimidade (e.g., Rogers, 2005). Apesar da proliferação destes estudos, são escassos os que focam especificamente o fenómeno da violência conjugal.

Entre estes escassos exemplos, Berns (2001) procedeu a uma análise qualitativa de revistas políticas para homens e descreve como o discurso acerca da violência conjugal, por um lado, obscurece a violência do homem e, por outro, coloca a responsabilidade pela sua finalização na mulher. A autora denomina este fenómeno “resistência patriarcal”, identificando duas estratégias discursivas: (i) o tratamento da violência como sendo neutra em termos de género (“degendering the problem”) e (ii) a genderização da responsabilidade (“gendering the blame”). Berns (2001) conclui que este discurso tem implicações práticas: normaliza a violência conjugal, desvia a atenção da responsabilidade do homem pela violência e do papel dos factores culturais e estruturais, e distorce a violência exercida pela mulher, tendo repercussões no modo de actuação contra a violência conjugal.

A autora refere ainda que a negligência dos factores estruturais e culturais não se limita apenas às revistas masculinas e de temática política. Uma análise dos artigos sobre a violência conjugal em revistas femininas (Berns, 1999 cit. in Berns, 2001) revela que a responsabilidade de acabar com a violência é colocada principalmente na vítima: procurar ajuda terapêutica e deixar a relação é a solução mais comummente apontada. Assim, é dito à mulher que encontre a solução para este problema social dentro de si: que mude a sua personalidade, aumente a sua auto-estima, assuma o controlo da sua vida e se recuse a ser vítima, atribuindo-lhe o poder e o dever de acaba com a violência. Segundo Berns (2001), o foco dominante nas necessidades da vítima, nas suas síndromes clínicas, nas histórias de vitimação e na sua responsabilidade pessoal de terminar a violência, obscurecem as raízes culturais e sociais da violência doméstica. As revistas femininas acabam por fazer o mesmo que as masculinas: enquanto estas últimas podem explicitamente culpar as vítimas, as primeiras fazem-no de uma forma implícita.

Outro estudo que se destaca é o de Carll (2003b), que procedeu a uma análise qualitativa da cobertura feita pelos media dos casos de violência conjugal nos Estados Unidos. Segundo a autora, apesar da disseminação nos media de notícias acerca da violência contra a mulher, constata-se a existência de distorções relacionadas com a criação de estereótipos sobre a mulher, quer enquanto vítima, quer como perpetradora de violência conjugal. Da sua análise, conclui que as descrições dos media tendem a transmitir a noção de que a violência e a vitimação sexual da mulher são menos significativas do que outras formas de violência. Por exemplo, alguns estudos examinaram as notícias acerca da vitimação sexual e concluíram que estas tinham menos detalhes do que os crimes de homicídio e assalto e não davam informações que colocassem o crime em perspectiva (Lemert, 1989, cit. in Carll, 2003b), sendo perspectivados como casos isolados e menores de violência (Carll, 1999, cit. in idem). Soothill e Walby (1991) apontam no mesmo sentido: analisando os jornais ingleses que abordavam os crimes sexuais concluíram que há uma relutância em considerar estes crimes como estando relacionados com a posição da mulher e do homem na sociedade, preferindo focar-se na “doença” ou patologia individual de um pequeno número de indivíduos que cometem tais crimes (cit. in Meyers, 1994).

De acordo com Meyers (1994), ao apresentarem estas histórias de violência contra a mulher como acontecimentos isolados, os media acabam por reforçar a noção de patologia individual, negando as raízes sociais da violência contra a mulher e absolvendo a sociedade de qualquer obrigação em dar-lhe fim. Como afirma Pagelow (1981 cit. in Carll, 2003b), há um interesse excessivo nas procura de razões individuais que justificam porque é que uma dada mulher é batida ou porque é que é violada, o que não sucede noutro tipo de crimes – por exemplo, poucas pessoas perguntam porque é que uma pessoa foi roubada.

Por outro lado ainda, Carll (2003b) refere que o modo como as notícias relatam os casos de violência doméstica reflecte viés de género: por exemplo, nos casos em que o homem era o agressor surgia no título a razão que motivou o crime, enquanto no caso da mulher não era dada qualquer explicação; na descrição da notícia, enquanto nos casos da agressão masculina se enfatizava a razão, no caso da mulher enfatizava-se a natureza do crime; finalmente, não ficava claro se a agressão feminina tinha sido voluntária ou em autodefesa.

Para além do seu estudo concreto, a autora refere aspectos mais gerais dos media que expressam o tratamento diferencial face aos casos de violência perpetrados por mulheres: (i) o facto de estes constituírem manchetes principais de jornais, o que não sucede no caso da agressão masculina; e (ii) o facto de receberem maior cobertura jornalística, quer em termos de volume quer em extensão temporal. Carll (2003b) afirma que estes estereótipos de género na representação mediática da violência doméstica – em que quando a mulher é a vítima, os casos são tratados como crimes menores, mas quando a mulher é a agressora, são tratados como crimes hediondos – podem influenciar não só a opinião pública, mas também acabam por ser assimilados pelo sistema judicial.

Apesar de não haver uma investigação inter-cultural da representação da violência conjugal pelos media, o mesmo parece tender a verificar-se noutros países (Carll, 2003b). Por exemplo, de acordo com dados da Grécia (Antonopoulou, sem data cit. in Carll, 2003b), também neste país as notícias que relatam a violência perpetrada pelos homens focam a justificação das suas acções, muitas vezes colocando o agressor no papel de vítima ou como possuindo problemas psiquiátricos que explicam a violência. Contrariamente, as mulheres perpetradoras são descritas como possessivas, irracionais, como tendo relações extraconjugais e mesmo como imorais. Os crimes passionais são aceites no caso do homem, sendo descritos como honrosos e justificados, enquanto no caso da mulher são descritos como calculistas e cruéis. Comparando as penas, estas também são mais severas para as mulheres do que para o homem.

Por outro lado, os media podem desempenhar um papel importante e positivo no modo como se compreende o problema e, consequentemente, nas práticas sociais. Nas últimas décadas, tem havido, de facto, uma redefinição do que é considerado adequado como objecto de relato por parte dos media e mudanças sociais e políticas acarretaram mudanças ao nível da discussão pública de determinados temas, como o sexo e a violência. Ao mesmo tempo, a politização de crimes como o abuso sexual e a violência doméstica, levou a um maior foco nestes temas por parte dos media (Soothill, & Walby, 1991, cit. in Sacco, 1995).

Segundo Sacco (1995), o caso de O. J. Simpson foi, nos Estados Unidos, a pedra de toque para que se explorassem na esfera mediática a prevalência e causas da violência doméstica, se denunciasse a inadequação das respostas do sistema judicial e a necessidade de mudanças legislativas. Assim, o foco dos media neste episódio permitiu uma série de desenvolvimentos posteriores que contribuiram para a construção da violência doméstica como uma questão social e pública.

Também Carll (2003b) refere casos em que a representação mediática influenciou a opinião pública e chamou a atenção para determinados problemas, tais como: os “homicídios de honra” no Médio Oriente, cuja exposição e debate nos media tem ajudado a mudar o papel da mulher nas relações familiares e na comunidade; o foco na violência no namoro, que ajudou à consciencialização da existência de violência, nomeadamente sexual, nas relações de intimidade e à adopção de sanções legais e assistência às vítimas; e o tratamento dado ao “stalking”, cuja exposição mediática impulsionou também mudanças ao nível da legislação e apelou para a necessidade de assistência às vítimas.

Assim, porque os media são capazes de legitimar algumas versões da realidade e marginalizar outras, se queremos mudar a longa história e a tolerância cultural face à violência contra a mulher, é imperativo que a representação mediática deste fenómeno pelo menos se aproxime da sua real complexidade. Carll (2003a) afirma que os psicólogos e outros profissionais podem ter um papel importante nesta disseminação da informação. Salienta ainda que, com o aumento da influência global dos media, é essencial ter consciência das distorções mais comuns nesta representação, que reflectem determinados estereótipos (e.g., que as mulheres vítimas têm comportamentos imorais, provocatórios ou são infiéis), categorizações (e.g., o agressor como vítima de condições sociais, situacionais ou de problemas psicológicos) ou ideologias sócio-culturais (e.g. crimes de “honra”, tolerância à violência “passional”).

Em síntese, no âmbito da violência conjugal e da análise dos poucos estudos disponíveis, podemos retirar duas conclusões: i) por uma lado, que as representações e os discursos dos media reflectem as raízes históricas, sociais e culturais do fenómeno, espelhando os valores e normas culturais da sociedade; ii) por outro, que influenciam também o modo como as pessoas constroem a sua compreensão acerca do fenómeno, podendo contribuir para a sua erradicação, mas também para a sua manutenção e reforço. Assim, as representações e discursos dos media acerca da violência contra a mulher não só contribuem para a construção sócio-cultural do fenómeno como também são produto ou reflexo da própria cultura: possuem um carácter simultaneamente construtor e construído. Como aponta Reiner (1997), há um processo cíclico entre a “realidade” social e o discurso dos media.

Desta forma, uma análise dos media realizada a partir de uma perspectiva construcionista não deverá tentar estabelecer relações de causa-efeito entre os discursos mediáticos e as atitudes ou comportamentos individuais. Os seus esforços deverão, antes, dirigir-se a uma análise crítica dos discursos mediáticos, enquanto “espelho” da cultura, ao mesmo tempo que se esforçarão por perceber a forma como estas representações culturais, pela sua difusão e poder, poderão constranger as práticas sociais ou potenciar-lhes alternativas. Este foi o princípio orientador do nosso estudo empírico.

Objectivos e metodologia do estudo

Objectivos e questões de partida

No presente estudo, estabelecemos como principal objectivo analisar o discurso dos media sobre o fenómeno da violência conjugal, no período decorrido entre 1965 e 2005/06. Procurámos, num primeiro momento, perceber as transformações ocorridas na cultura dominante sobre o tema, para, posteriormente, discutir a forma como  os discursos disponíveis poderão influenciar a vivência do fenómeno da violência conjugal.

Para uma melhor definição do âmbito e foco do nosso estudo, procedemos à formulação de três questões mais específicas que orientaram a selecção do material e a análise dos dados:

  1. Quais as principais características do discurso dos media sobre a violência conjugal ao longo dos últimos 40 anos‌ Existem modificações‌ No caso de existirem, em que dimensões‌
  2. Podemos identificar marcadores temporais de mudanças significativas no conteúdo do discurso acerca da violência conjugal‌
  3. Se existirem períodos significativamente diferentes, haverá em cada um deles multiplicidade de discursos ou uma posição discursiva consensual‌ Que diferenças existem, no mesmo período temporal, entre os diferentes tipos de publicação, destinados a diferentes públicos‌ Quais os pontos de consenso e de discordância‌

Amostra e processo de amostragem

Atendendo aos critérios que começámos por definir para a amostragem dos textos – o facto de querermos analisar a evolução histórica do discurso, o reconhecimento da multiplicidade discursiva dos media e a aceitação do papel activo do receptor – entendemos que o processo de amostragem deveria contemplar activamente a possibilidade de analisar a produção discursiva dos media segundo estes três vectores. Este objectivo conceptual levou-nos a considerar os seguintes critérios de amostragem: (i) recolha de textos produzidos em diferentes momentos temporais da recente história política e cultural do país, (ii) recolha de textos provenientes de diferentes perfis da publicação (“generalista”/”social”/”romântica”) e (iii) e recolha de textos dirigidos a diferentes públicos-alvo (homem/mulher; jovem/adulto).

No sentido de podermos aceder ao discurso cultural dominante, a amostra incidiu sobre a imprensa não jornalística (revistas), opção esta que decorreu de três critérios: (i) o seu perfil comunicacional mais afectivo e informal; (ii) a sua menor ênfase nas notícias “quotidianas” e mais em temas “não datados”; (iii) a maior possibilidade que nos ofereciam de escolhe perfis de publicação variáveis, quer em termos temáticos quer em função do género e da idade do seu público preferencial.

Assim, a nossa amostra abrangeu um período alargado de 40 anos – de 1965 a 2005/06 –, de forma a incluir materiais correspondentes a diferentes fases significativas do recente percurso histórico-político do país e consequentes transformações nas práticas sociais e discursos culturais. Foram seleccionadas as revistas de maior tiragem/acessibilidade durante cada período, tendo como critério o perfil de publicação e os diferentes públicos alvo. Do cruzamento destes critérios, emergiram seis perfis de publicação: “romântica”/público-alvo feminino jovem ou adulto (ex.: Crónica Feminina, Maria), “social”/ público-alvo feminino adulto (ex.: Flama, Nova Gente), “generalista”/ público-alvo feminino jovem (ex.: Menina e Moça, Ragazza), “generalista”/ público-alvo feminino adulto (ex.: Modas e Bordados, Máxima), “generalista”/ público-alvo feminino ou masculino adulto (ex.: Selecções), “generalista”/ público-alvo masculino (ex.: Men’s Health). Relativamente a cada revista, foram analisadas duas edições anuais (Março e Setembro), sendo a amostra recolhida de cinco em cinco anos (início em 1965, seguido de 1970, 1975… até 2005/06).

É de notar que, devido a alterações nas próprias publicações, a amostra sofreu algumas alterações ao longo dos anos:

–No perfil de publicação “romântica”/público-alvo feminino jovem ou adulto” foi analisada a “Crónica Feminina” entre 1965 até 1985; após a extinção da revista nessa data, foi substituída na amostra pela revista “Maria”, a partir de 1990;

– O perfil “social”/ público-alvo feminino adulto foi representado pela revista “Flama” entre 1965 e 1980. A sua extinção levou à introdução na amostra da revista “Nova Gente” a partir de 1990;

– No perfil “generalista”/ público-alvo feminino jovem consideramos a revista “Menina e Moça” entre 1965 e 1970. Após a sua extinção logo após o 25 de Abril, apenas em 1995 ressurge no mercado uma publicação de perfil análogo, a “Ragazza”;

– O perfil “generalista”/ público-alvo feminino adulto foi representado entre 1965 e 1980 pela “Modas e Bordados”. O fim da sua publicação levou à sua substituição pela revista “Máxima” a partir de 1990;

– As Selecções foram publicadas apenas a partir de 1971, correspondendo ao perfil “generalista”/ público-alvo feminino ou masculino adulto até 1985, altura em que a sua perda de relevância no mercado nos levou a retirá-la da amostra;

– Finalmente, as revistas destinadas especificamente ao público masculino surgem apenas em 2001, pelo que, no sentido de conseguirmos mais material deste perfil de publicação, por um lado, seleccionámos as edições de Março dos anos 2001 e 2002, incluindo-as no período temporal de 2000 e, por outro, seleccionámos também a edição de Março de 2004 (além da edição de 2005), que incluímos no período temporal de 2005/06.

Há que realçar também que no último período temporal (2005/06), optámos por seleccionar as edições de Março de 2006 de todas as revistas, em lugar da edição de Setembro de 2005, no sentido de conseguirmos obter discursos os mais actuais possíveis. No total, foram analisadas 10 revistas, atendendo a que algumas foram extintas, sendo substituídas por outras publicações de perfil análogo, perfazendo o total de 67 edições (cf. Quadro 1).

 

 

Relativamente ao tipo de texto seleccionado para cada publicação, dado o objectivo do estudo, seleccionaram-se todos os que, de forma directa ou indirecta, abordassem a temática da violência nas relações de conjugalidade ou a violência de género. Assim, de um total de 270 textos lidos, foram seleccionados 15 textos em que este tema era abordado, correspondendo a um total de 1106 unidades de análise (parágrafos).

Análise, codificação e interpretação dos dados

A análise dos dados teve como referência metodológica a Grounded Analysis,utilizando como software informático o NUD*IST 4 – Non-numerical Unstructured Data Index, Searching and Theorizing (Qualitative Solutions & Research, 1997), para o desenvolvimento de uma estratégia sistemática e exaustiva de codificação. Durante o processo de codificação tivemos em conta alguns princípios orientadores, referenciados por vários autores que adoptaram esta abordagem metodológica (cf. Machado, 2004) – o princípio indutivo, o princípio da parcimónia, o princípio da teorização e o princípio da codificação inclusiva.

Tendo em conta o princípio indutivo, as categorias do nosso estudo foram construídas indutivamente a partir dos dados, sendo sistematicamente definidas e refinadas, à medida que se iam introduzindo novos textos, durante todo o processo de categorização. Assim, só no final da análise, quando a introdução dos textos foi terminada, é que a estrutura final das categorias se definiu.

O princípio da parcimónia postula que os diferentes tipos de categorias são estruturados de um modo progressivo numa rede hierárquica, construída a partir da raiz, em que as categorias mais descritivas são paulatinamente integradas nas de natureza mais teórica (Machado, 2004). Assim, as primeiras categorias que emergiram dos dados são categorias próximas dos significados e da linguagem presente nos media, tendo uma natureza descritiva. À medida que a nossa análise foi evoluindo, estabeleceram-se relações entre as diferentes categorias, o que permitiu a emergência de códigos mais teóricos que conceptualizam as relações entre categorias.

O princípio da teorização – que postula a integração do particular no geral, levando o investigador a movimentar-se entre os dados brutos e as categorias mais genéricas (Miles & Huberman, 1994) – revestiu-se de grande importância para o nosso estudo, na medida em que nos permitiu atingir dois objectivos essenciais: (i) a descrição densa dos significados impressos nos textos dos media e (ii) o desenvolvimento de conceitos e relações que estão na génese da leitura conceptual e teórica dos dados (idem). Por fim, o princípio da codificação inclusiva permite que cada unidade de análise possa ser atribuída às várias categorias que sejam necessárias para a descrever (Machado, 2004). Assim, possibilitou-nos, por um lado, a constituição de uma rede densa de codificações para posterior análise dos padrões de relação entre as diferentes categorias e, por outro, a preservação da complexidade do significado impresso nos textos.

Validação dos resultados

Um aspecto que é importante referir prende-se com a validação dos resultados, sendo pouco adequado no caso do presente estudo, de natureza qualitativa, adoptar os critérios tradicionais das investigações quantitativas (fidelidade e validade). Assim, adoptámos cuidados redobrados para assegurar a confiança e credibilidade dos nossos resultados, destacando, em particular, dois procedimentos: (i) a “descrição densa” (Geertz, 1973, cit. Vidich & Lyman, 1994, p. 41) dos significados identificados, com uma apresentação detalhada dos mesmos e ilustração textual de cada categoria (como veremos na descrição dos resultados); e (ii) e o recurso a um co-codificador na análise do material recolhido, obtendo-se um índice de fidelidade de 0.8 (Vala, 1986), considerado um valor de acordo substancial.

Resultados

Na sequência dos princípios que orientaram a nossa opção metodológica, começaremos por apresentar uma “descrição densa” dos resultados, através das categorias de natureza descritiva. Assim, procederemos a uma descrição sistemática da representação da violência conjugal emergente no discurso mediático, ano a anos3. Seguidamente, procederemos a uma análise transversal destes resultados, orientada pelas três questões de partida anteriormente referenciadas, permitindo-nos, por um lado, estabelecer a interligação entre as diferentes categorias e, por outro, fundamentar a leitura conceptual e teórica dos dados.

Descrição dos resultados

1980

A temática da violência conjugal e da violência contra a mulher surge pela primeira vez em 1980 – nos anos de 1965, 1970 e 1975 não há qualquer referência a esta questão. Mesmo em 1980, o tema não é abordado directamente, surgindo apenas nas cartas das leitoras às revistas, no contexto de um caso de violência parental (1) e outro de violência conjugal (4) (“Meu marido embriagava-se muito e quando chegava a casa partia a louça toda, era mesmo uma loucura…”).

Na descrição da violência conjugal, é possível identificar várias formas de agressão: violência física (1) (“...partia a louça toda…”), ameaças (2)(“… ele ameaçava matar-me”) e humilhações (3) (“Eu vivi três anos repartindo o meu marido com outra mulher, sofri muitas humilhações, vendo-o passar com ela na rua…”). Como estratégias de coping da vítima, surgem a tentativa de mudar o agressor (1) (“Tentei mudar o meu marido, falei-lhe com carinho, tentei fazer-lhe ver o erro que estava a cometer…”), a fuga (1) (“… às vezes eu tinha que fugir de casa.”) e, por fim, o divórcio (1) (“Resolvi pedir o divórcio para que ele deixasse de vir à minha casa dar-me desgostos…”). Ao nível dos sentimentos associados, destaca-se o medo (2) e uma forte preocupação com os filhos (4) (“Eu tive que consentir, de contrário ele era capaz de me matar, e eu não queria barulho em casa por causa das crianças.”). É de destacar que o consumo de álcool por parte do agressor (3)é representado como principal causa da violência (“Meu marido embriagava-se muito…Depois de lhe passar a bebedeira, era muito carinhoso mas o desgosto já me tinha marcado profundamente.”).

1990

Após omisso em 1985, em 1990 o tema da violência assume maior relevância: para além da sua referência nas cartas de algumas leitoras, já é abordado directamente. Como formas de violência, identifica-se a agressão física (5) (“O seu marido não lhe dá bom viver, trata-a mal e agride-a…”) e a restrição económica (1) (“… e sempre me fez passar muitas necessidades. Muitas vezes nem dinheiro para comer me dá…”).

As principais causas associadas ao fenómeno são de natureza contextual, como as situações de stress (3) (“os fins-de-semana são dias de contacto mais intenso, mas não necessariamente dias de grande harmonia. São estes dias longe do emprego que, por um lado, proporcionam a possibilidade de choque de interesses e, por outro, dão azo a emergirem agressões.”), as frustrações (1) (“…todas as frustrações, contudo, provocam agressões. Como não há colegas ao lado e nem outras possibilidades de se libertar dessas frustrações, estas acabam por cair sobre o companheiro.”) ou as pequenas tensões do quotidiano (2) (“…Uma observação por parte da sua mulher, ou um aborrecimento insignificante são, normalmente, o suficiente para iniciar uma briga.”). Além disto, o álcool (3) permanece representado como um causa importante (“…O meu marido embebeda-se e nessas alturas só sabe bater-me.”).

Como estratégias recomendadas para lidar com o problema, permanece a tentativa de a mulher mudar o agressor (2) (“…deveria motivar o seu marido para um tratamento. Fale-lhe e diga-lhe o mal que a bebida está a fazer a todos: a ele próprio, a si e aos seus filhos…”) e a separação como último recurso (1) (“ Se, porém, os seus esforços de nada servirem, então pense seriamente numa separação…”). Além disto, o sentido de humor (1) é apontado como forma de evitar o problema (“O sentido de humor é geralmente a salvação para muitas situações conflituosas.”). São dadas informações práticas (1) (“…antes de agir, não deixe de consultar um advogado e de se informar sobre os seus direitos. No tribunal pode obter, gratuitamente, todas as informações que deseja.”) para o caso da decisão ser a separação,referindo-se também a importância da rede de suporte (1) (“…De certeza que terá o apoio dos seus amigos e família, pois são eles os primeiros a aconselharem-na a separar-se.”).

Os filhos surgem como a principal razão que mantém a mulher na relação (3), sendo esta motivação vista sob uma perspectiva crítica (“…Temer pelos seus filhos também não nos parece razão para evitar a separação…”). O sofrimento (4) (“… vivo tremendamente infeliz. (…) Tudo tenho aguentado mas sinto as forças a fugirem de dia para dia…”) surge como o sentimento mais associado ao problema. É de referir que, no entanto, se verifica uma certa desculpabilização do agressor (1) (“Reconheça e enfrente o facto de o seu companheiro, como toda a gente, ter de se afirmar a si próprio e consegui-lo implica alguns momentos de cólera, cenas de ciúmes, urgências sexuais, ou manifestações de competição….”), o que também é visível nos discursos que atribuem ao álcool um papel causal.

1995

Em 1995, o tema da violência contra a mulher surge, mas no contexto da criminalidade em geral, não havendo referências específicas à violência conjugal. Assim, no que se refere à criminalidade, as mulheres surgem como mais vulneráveis e alvos preferenciais (3) (“… Assiste-se também a um recrudescimento da violência que vitima as mulheres e que se traduz por um aumento ou pelo menos pelo conhecimento de casos de violação, roubo e homicídio.”), enfatizando-se o aumento dos números e da gravidade dos crimes (2) (“Cada vez mais a criminalidade faz parte da ordem do dia e aumentam os casos em que a violência atinge graus extremos.”), assim como salientando-se os sentimentos de insegurança e medo (3) (“…a violência sobre as mulheres é agora mais visível e são elas que mais interiorizam sentimentos de insegurança, pelo que o receio de andar nas ruas é cada vez maior, especialmente à noite.”). Como causas atribuídas aos crimes mais violentos surge a noção de instintos (1), que remete para noção de impulsividade (“…foi vítima dos instintos animalescos de um homem…”). Por outro lado ainda, são apresentados com algum detalhe os casos mais mediáticos, nos quais as mulheres surgem como vítimas (4) (“…foi descoberto, num barracão em Odivelas, o corpo esventrado de uma prostituta…”).

2000

No ano 2000, o tema da violência conjugal é abordado, focando uma das suas manifestações específicas: o homicídio conjugal. Como causas associadas ao fenómeno surgem, em primeiro lugar, o amor/paixão (7) (“A paixão é uma energia sentimental tão incontrolável que pode levar ao homicídio da pessoa amada.”), seguindo-se o historial de carência e a patologia do homicida (5) (“…para trás existe sempre uma história pessoal e um conjunto de motivos e causas…”, “Nos crimes premeditados existe uma psicopatologia que o próprio doente não reconhece…”), os ciúmes (2) (“Ciúmes doentios terão sido a razão de tamanha tragédia…”) e mencionando-se também factores externos/sócio-culturais (1) (“…a educação, a convivência, a pressão dos amigos e familiares, o temperamento, os meios de divulgação com o paralelismo de situações retratadas na Imprensa, no cinema e na televisão são os factores externos que podem precipitar o crime passional”). No caso em que o crime é perpetrado pela mulher, o homicídio é descrito como resposta à agressão masculina (1) (“Farta de se sujeitar às ofensas, há um dia em que ela começa a premeditar de forma muito estruturada, lenta e progressiva, ou então agarra-se a ele e reage…”).

Apesar de surgirem mais referências a crimes em que o perpetrador é o homem (2) comparativamente com a mulher (1), as mulheres agressoras são retratadas como sendo mais violentas do que aqueles (2) (“Nas mulheres, os crimes acabampor ser um pouco diferentes dos cometidos pelos homens, (…). … acabando por cometer um crime muito mais violento….”).

2005/06

Em 2005/06, o tema da violência conjugal recebe especial atenção por parte dos media, contudo focando essencialmente a violência feminina contra o homem (“Violência doméstica aumenta– homem também sofre”; “Hoje em dia também os homens sofrem abusos e vivem histórias dramáticas…”).

No que respeita às formas de violência de que os homens são alvo, é caracterizada como predominante a violência psicológica (4) (“…as primeiras agressões são sempre psicológicas…”), seguindo-se a humilhação e agressão verbal (2) (“Gozava comigo e agredia-me psicologicamente….”), a agressão física (2) (“…num acesso de raiva, a minha mulher deu-me uma bofetada. Seguiram-se mais agressões.”), o isolamento (1) (“Depois de ela me ter proibido de contactar a minha família e até ter tirado o telefone…”), as ameaças (1) (“Eram frases indirectas, mas comecei a sentir medo de comer o que ela me servia, pois já tinha alertado que me envenenava”) e a coerção sexual (1) (“…mas também já há muitos que sofrem na pele pressões de características sexuais.”).

Como causas associadas ao fenómeno surgem, à semelhança do que sucedeu com o homicídio conjugal, a patologização do agressor (1) (“E quem é a agressora‌ Qualquer mulher com propensão para a violência, que odeie ser contrariada. Claro que há os casos mais perigosos: mulheres que sofrem de esquizofrenia …”) e, como temos constatado ao longo de todos os anos, o álcool (1), (“…ou alcoolismo, capazes de atrocidades devido ao seu estado alterado.”). São referidos também os perfis da vítima e da agressora. O perfil do homem vítima aponta para uma personalidade passiva e dependente (2) (“… é uma pessoa com uma personalidade passiva, deixando os outros decidirem tudo por si.”, “económica ou emocionalmente dependente da outra parte”). Por seu turno, a mulher é descrita como sendo especialmente maquiavélica (2) (“Requintes de malvadez”; “…mais requintadas e hábeis na arte de manobrar a psique dos homens.”).

Como principais consequências no homem vítima, salienta-se a estigmatização social (3) (“…quando contei a um amigo, fui gozado”) e a perturbação psicológica (1) (“…ficam muito afectados e enfrentam uma recuperação conturbada; só com ajuda conseguem ganhar auto-estima, força de argumentação e capacidade de reacção…”).

Relativamente às estratégias para lidar com o problema, é sugerida a apresentação de queixa e pedir ajuda (3) (“As muitas campanhas feitas com vista a diminuir os casos de violência doméstica, masculina e feminina, têm dado resultado, com os números a mostrarem um crescimento gradual de pessoas sem medo de apresentar queixa….”), sendo o silêncio, contudo, tido como mais comum. Como último recurso, surge mais uma vez a separação (1) (“Foi preciso coragem para pedir ajuda. E ainda mais para sair de casa e recomeçar a minha vida.”).

No contexto da abordagem à vitimação masculina, há, finalmente, que destacar a descrição de dados estatísticos acerca do número de queixas, supondo-se que o número de vítimas masculinas seja muito superior ao relatado, dado o estigma social do fenómeno (“…são ainda poucos os homens que apresentam queixa, com medo de serem gozados quando chegarem a uma esquadra. Muitos acabam por nunca chegar às forças de segurança nem às organizações de apoio, porque se sentem culpados pela situação.”).

A violência conjugal do homem contra a mulher não é focada directamente neste ano, sendo apenas mencionada no contexto dos ciúmes (3) (“«por amor», partem muitas vezes para a agressão. Ou para a perseguição implacável.”).

Finalmente, surge exclusivamente na revista que tem como público-alvo o homem, um discurso de desculpabilização ou justificação da violência masculina (4) (“…o que costuma acontecer a uma panela de pressão quando o pipo fica preso e não deixa o vapor sair gradualmente‌ Puf! A panela rebenta. É algo de semelhante que costuma acontecer também no caso do homem”, “Não pode chorar, não pode dar uns gritinhos de alegria, não pode ir a correr contar algo a um amigo, à mãe, à tia, à avó, etc. Pois, um homem forte, além de não poder chorar tem que ser auto-suficiente a nível emocional. (…) É por isso que, de vez em quando, há assim umas explosões de raiva sem se saber muito bem porquê. Foi da discussão com a namorada ou esposa...”).

Análise transversal das categorias

A análise transversal dos dados, isto é, a análise de significados expressos transversalmente em várias das categorias e períodos analisados, é apresentada de seguida, encontrando-se estruturada em função das três questões de partida formuladas.

1. Quais as principais características do discurso dos media sobre a violência conjugal ao longo dos últimos 40 anos‌ Existem modificações‌ No caso de existirem, em que dimensões‌

Analisando transversalmente os resultados descritos, um aspecto que nos parece relevante destacar e que caracteriza o discurso mediático acerca da violência conjugal ao longo dos últimos 40 anos é a sua escassez generalizada. Como pudemos constatar, o tema da violência nos primeiros anos analisados (1965, 1970 e 1975) não é sequer focado, surgindo pela primeira vez em 1980. Mesmo ao longo dos restantes anos, não é alvo de grande atenção por parte dos media, surgindo apenas no contexto da correspondência das leitoras ou de algumas reportagens que visam temáticas mais específicas (como a criminalidade em 1995 e o homicídio conjugal em 2000).

Neste contexto de reduzida atenção, é ainda assim possível identificarmos 3 dimensões centrais emergentes do discurso mediático: (i) formas de violência, (ii) causas associadas ao fenómeno/atribuições e (iii) estratégias de coping. Cada uma destas dimensões engloba várias noções, que lhe vão sendo associadas ao longo dos anos, sendo possível identificar concepções que se mantêm ao longo do tempo mas também algumas modificações.

(i) Formas de violência

À medida que vamos percorrendo os diferentes anos até à actualidade, verifica-se que é possível identificar no discurso mediático um leque mais alargado de formas de violência. Enquanto nos primeiros anos em que o tema surge a forma central de violência mencionada se prende com a violência explícita e ameaças à integridade física, passando pela agressão extrema (ex.: homicídio conjugal, em 2000),no último ano analisado podemos identificar menções a formas menos visíveis de violência (como o isolamento, agressão verbal e coerção sexual).

(ii)Causas associadas ao fenómeno/atribuições

Relativamente às causas associadas ao fenómeno, há noções que se mantêm mas também algumas transformações que nos parece relevante salientar. A ênfasenuma explicação psicológica/psicopatológica ou situacional (álcool, stress) da agressão masculina é uma noção que se mantém constante no discurso mediático, surgindo em 1980 e verificando-se ainda em 2005/06.Por outro lado, a partir do ano 2000 emerge uma “nova” atribuição, a associação entre a violência e a noção de paixão/amor/passividade – perspectivando, no nosso entender, a violência como um acto emocional e de descontrolo e não como intencional ou instrumental.

(iii) Estratégias de coping

Há dois aspectos que mantêm constantes ao longo dos anos relativamente às estratégias de coping faceà violência: por um lado, o discurso surge sempre dirigido à vítima, remetendo para esta a responsabilidade de terminar/lidar com o fenómeno; e, por outro, o divórcio ou a separação surgem sempre referenciado sem último lugar, quer em termos da sua localização no texto quer enquanto estratégias a adoptar quando outros recursos já se esgotaram.

No entanto, há algumas modificações ao longo dos anos: enquanto nos primeiros anos em que o tema surge (1980 e 1990) se veicula a ideia de que a vítima poder tentar mudar o agressor (e, deste modo, terminar a situação de violência), nos anos subsequentes esta noção desaparece. Outro aspecto que surge de novo prende-se com a verificação de que apenas no último ano analisado se referencia a menção ao recurso à intervenção das autoridades e de outros serviços especializados (APAV).

2. Podemos identificar marcadores temporais de mudanças significativas no conteúdo do discurso acerca da violência conjugal‌

Através dos dados apresentados na abordagem descritiva, podemos identificar 3 momentos temporais na abordagem à violência conjugal:

(i) 1965 a 1975 – período temporal caracterizado pela invisibilidade mediática do fenómeno, em que o tema não surge nos textos integrados na amostra. Embora não descrito neste artigo, precisamente por não abordar as questões específicas da violência, o discurso dos anos 1965 e 1970 sobre as relações de conjugalidade (cf. Dias, 2007) caracteriza-se pelo seu carácter tradicional e “fechado”(e.g., restrição ao casamento ou ao namoro com a finalidade de casar, noção da constituição/preservação da família e indissolubilidade do casamento, relações de género assimétricas – homem como chefe de família versusmulher como esposa, mãe, dona de casa).Por sua vez, o ano de 1975 caracteriza-se por um discurso centrado na reivindicação e crítica social,focando questões políticas e sociais mais alargadas mas não tematizando a violência.

(ii) Anos 80 e 90 – São os anos em que o tema da violência conjugal começa a surgir nos media, embora não seja directamente referenciado (emerge das cartas das leitoras) e havendo uma exploração restrita do fenómeno (a forma como são, neste período, abordadas as formas de violência, atribuições e estratégias de coping confirma esta ideia).

(iii) A partir de 2000 – Como verificámos na questão anterior, as mudanças que identificámos nas três dimensões associadas à violência surgem a partir do ano 2000 (o alargamento das formas de violência, a associação do fenómenos a factores sentimentais – amor, paixão, ciúmes –, o recurso às autoridades/serviços como estratégia de coping e o abandono da prescrição de tentar mudar o agressor). Por outro lado, é também a partir do ano 2000 que se verifica a busca de “novos ângulos” de abordagem ao problema da violência – homicídio conjugal, violência feminina – que, no nosso entender, desviam o foco da violência mais típica sofrida pelas mulheres no contexto conjugal e tendem a minimizar a sua relevância e significado social.

Outro aspecto que nos parece de especial relevância é o facto de se verificar explicitamente a partir do ano 2000 uma notória e explícita desculpabilização da agressão masculina. Enquanto anteriormente o discurso veiculava a sua desresponsabilização (associação da agressão a problemas de álcool ou psicológicos), a partir de 2000 consideramos existir, em certos media, uma desculpabilização explícita da mesma (em que a agressão surge como uma resposta “compreensível” face a situações de stress ou como manifestação da emocionalidade masculina reprimida).

3. Se existirem períodos significativamente diferentes, haverá em cada um deles multiplicidade de discursos ou uma posição discursiva consensual‌ Que diferenças existem, no mesmo período temporal, entre os diferentes tipos de publicação, destinados a diferentes públicos‌ Quais os pontos de consenso e de discordância‌

Tendo em conta os três períodos temporais identificados, no primeiro não é possível analisar a questão em epígrafe, já que o tema da violência não é abordado. A omissão verificada nos primeiros anos do estudo reflecte a invisibilidade do fenómeno que, no contexto social, político e cultural pré-revolucionário e ainda até há poucos anos, era percebido como um problema privado. Segundo Dias (2007), nos anos entre 1960 e 1975 há, no discurso dos media em Portugal, uma clara “idealização” da família, com prescrições no sentido da sua protecção e preservação. Por outro lado, a marcada diferenciação e assimetria de papéis de género na família e na sociedade e o próprio estatuto da mulher, considerada inferior ao homem, constituíam elementos adicionais de legitimação e ocultação da violência até ao 25 de Abril.

Face às grandes transformações políticas, económicas e sociais que se operaram então em Portugal, à mudança na lei (em 1976, com a nova Constituição, institui-se a igualdade de direitos entre o homem e a mulher em todos os domínios; em 1982, pelo artigo 153º do Código Penal, passam a ser crime os maus tratos entre os cônjuges e, em 1995, passa a ser designado pelo artigo 152º), e aos debates públicos e as conferências internacionais sobre os direitos das mulheres, seria esperado que nos anos subsequentes a violência conjugal tivesse maior visibilidade e começasse a ser foco de atenção mediática.

No entanto, verificámos que o tema surge explicitamente pela primeira vez apenas em 1980, de uma forma pontual e não intencionalizada e que, nos restantes anos, não é foco de grande atenção, continuando a ser referido na correspondência das leitoras ou em artigos que focam temáticas mais especificas da violência. Por exemplo, apesar de, no ano 2000, o Código Penal Português ter tipificado os maus tratos aos cônjuges como um crime público e as Nações Unidas terem definido neste ano o dia 25 de Novembro como o Dia Internacional de Eliminação da Violência Contra a Mulher, não verificamos o tratamento destas questões na agenda mediática. Assim, podemos considerar que relativamente ao segundo e terceiro períodos temporais há, de um modo geral, uma posição discursiva consensual que remete para o seu “silenciamento” e individualização.

Dado que os media reflectem os significados culturais associados ao fenómeno da violência conjugal, poderemos hipotetizar que muito provavelmente persiste ainda entre nós a herança cultural da “privacidade” do problema e uma cultura tolerante à violência contra a mulher. Por outro lado, ao não existir uma discussão pública destas questões, mais difícil será a mudança nessa longa história de “silêncio”. Considerando também que os media têm influência no quotidiano, no modo como as pessoas pensam e se comportam (Gamson, 1992; Kellner, 1995 cit. in Berns, 2001), consideramos que este “silêncio” mediático poderá ter impacto nos envolvidos: tanto nas vítimas (sentimento de impotência, vergonha, medo, inibição das denúncias e falta de consciencialização da sua natureza criminal) como nos ofensores (ausência de crítica social e sanções penais, reforço e manutenção das atitudes e comportamentos de violência).

No quadro desta escassa atenção, as referências presentes parecem-nos, ainda assim, significativas, destacando-se a ênfase na explicação psicológica e situacional da agressão masculina, atribuindo-a por exemplo ao consumo de álcool ou ao stress. Esta ênfase limita a explicação do fenómeno à esfera individual, e caracteriza-o implicitamente como algo de excepcional e pontual, negligenciando a ampla disseminação do fenómeno e os factores sociais, estruturais e culturais que o sustentam. Assistimos, assim, por um lado, a uma desresponsabilização do agressor e, por outro, a uma desresponsabilização ou afastamento da própria sociedade.

Apesar desta posição consensual genérica, podemos identificar diferenças entre os diferentes perfis de publicação nos dois últimos períodos temporais: a violência conjugal só é abordada nos perfis de publicação femininos mais populares/românticos (“Maria” e “Nova Gente”), não sendo alvo de atenção por parte da revista destinada a classes sociais mais elevadas (“Máxima”). Esta omissão poderá dever-se, no nosso entender, ao facto de se associar o problema a classes socio-economicamente mais desfavorecidas, bem como à relutância em abordá-lo junto de públicos mais afluentes. De facto, este tipo de publicação é marcado por um “tom emocional” positivo e pela orientação para a satisfação e realização pessoal da mulher, estando esta visão do mundo claramente associada ao marketing de produtos e serviços específicos (e.g., cosméticos, serviços de beleza, lazer e moda). Neste contexto, a discussão do tema da violência conjugal poderá ser representada quer como alheia à vivência das potenciais leitoras, quer como contraditória com a ideologia da publicação e interesses comerciais que lhe estão associados.

Por sua vez, a violência é também um tema ausente nas revistas para adolescentes. Tal poderá relacionar-se, na nossa perspectiva, com o facto de a violência no namoro ser um fenómeno que só recentemente tem sido alvo de estudo no nosso país, recebendo ainda pouca atenção social. A sua ocultação neste perfil de publicação parece-nos, ainda assim, claramente problemática, dado que a literatura indica que os comportamentos violentos tendem precisamente a iniciar-se na adolescência e no período do namoro, apelando para a necessidade de desenvolver programas de prevenção nesta população (Caridade, & Machado, 2007; Machado, Matos, & Moreira, 2003; Magdol, Moffit, Caspi, Newman, Fagan, & Silva, 1997; Matos, Caridade, Silva, & Machado, 2006).

Finalmente, a revista masculina apresenta também especificidades no seu tratamento do tema. Aqui a violência não é referenciada em si mesma, mas antes de uma forma indirecta: no contexto da reivindicação de que a emocionalidade masculina possa ser expressa, o facto de esta ser alvo de repressão/constrangimento cultural é usado como justificação da agressão masculina. O agressor não é apresentado como alguém que faz escolhas e é responsável pelas suas acções, mas antes como vítima dos constrangimentos sócio-culturais.

Discussão dos resultados

Analisando as continuidades e as “modificações” entre os três períodos temporais identificados, consideramos que há três aspectos essenciais a destacar. Em primeiro lugar, a desresponsabilização do agressor, quer através da ênfase numa explicação psicológica ou situacional (álcool, stress) da agressão masculina (presente em todos os anos analisados), quer através da sua persistente associação, nos últimos anos, à noção de paixão/amor/passividade.

Assim, o discurso oculta a dimensão intencional e instrumental da violência, negligenciando claramente que esta é uma forma de exercício de poder e controlo que reflecte e perpetua as desigualdades de género que tendem a persistir na actualidade. O discurso sobre o homicídio conjugal revela claramente esta associação da violência ao “amor”, desresponsabilizando o agressor. Quando, como acontece em certos casos, este tipo de conceptualização é reforçada pelos especialistas que os media consultam, tal tipo de explicações resulta reforçado e credibilizado (2000: “Nos casos em que se «mata por amor», para trás existe sempre uma história pessoal e um conjunto de motivos e causas, que nem sempre são facilmente perceptíveis pela pessoa que mata. Nos crimes premeditados existe uma psicopatologia que o próprio doente não reconhece. Noutras vezes, o crime pode ocorrer de uma forma impulsiva, sem premeditação, explica um psicólogo”).

É de notar que esta desresponsabilização surge exclusivamente associada ao agressor masculino, perspectivando-se o seu comportamento violento como um acto emocional e de descontrolo. Nos últimos anos surge ainda a desculpabilização da agressão masculina assente na sua emocionalidade “reprimida” – que converte o agressor em vítima dos constrangimentos culturais exercidos sobre a masculinidade. Pelo contrário, a mulher agressora é conceptualizada de uma forma bastante negativa, sendo descrita como maquiavélica/perversa. Assim, identificámos claramente diferenças no discurso mediático dependentes do género do agressor, à semelhança do que outros estudos apontam (e.g. Carll, 2003b). Quando a agressão é masculina, o discurso enfatiza a dimensão “passional” do acto ou identifica causas psicológicas e situacionais; quando a agressão é feminina, enfatiza-se o seu carácter racional e premeditado, assim como a sua função instrumental. Comparativamente, parece haver uma maior tolerância da agressão masculina e uma clara desaprovação da agressão feminina. Com verificou Carll (2003b), esta diferença no discurso mediático tem implicações nas sanções penais aplicadas, sendo que, nos casos de homicídio conjugal nos EUA, as mulheres acabam por receber penas mais pesadas comparativamente com os homens, apontando para um diferença entre os 5 e os 10 anos de prisão.

Um terceiro aspecto prende-se com a busca de “novos ângulos” de abordagem ao problema da violência – homicídio conjugal, violência feminina – que desvia o foco da violência mais típica sofrida pelas mulheres no contexto conjugal e tende a diminuir a sua relevância e significado social. No conjunto dos artigos recolhidos, verificamos que a violência conjugal surge como tema de análise específico apenas em 2005/06 e, aqui, é explorada sob um “novo ângulo”: a violência perpetrada pela mulher contra o homem. Assim, consideramos que, para além da escassa atenção mediática de que é alvo, a ênfase em aspectos menos comuns desvia o foco da violência mais típica, que é sofrida pelas mulheres, e oculta a ampla disseminação e amplitude do fenómeno.

Conclusão

 

Como ponto de partida para este texto, considerámos que os media constituem, na actualidade, um dos recursos mais usados no modo como as pessoas compreendem o “mundo” e, simultaneamente, reflectem os discursos sociais dominantes (normas e valores culturais), devendo, por isso, constituir um objecto de análise central numa abordagem cultural à violência conjugal. Através do nosso trabalho empírico, verificámos a escassa representação e problematização deste tema por parte do discurso mediático, o que nos levou a hipotetizar que, muito provavelmente, tal traduz o legado tradicional da “privacidade” do problema e de uma cultura tolerante face à violência contra a mulher. Concluímos, ainda, por um lado, que predomina uma representação patologizante e situacional da agressão masculina e a sua associação à dimensão passional – acabando ambas por, de algum modo, legitimar ou desresponsabilizar o agressor – e, por outro, a exploração de novos ângulos do problema – que acaba por obscurecer violência mais típica, isto é, perpetrada no masculino e sofrida no feminino. Este efeito de obscurecimento da violência dominante no mundo social é reforçado pela forma comparativamente mais negativa e demonizada com que é retratada a violência perpetrada pelas mulheres.

Tendo em conta estes resultados e a nossa premissa teórica de base, torna-se importante questionar em que medida estas representações podem constranger/influenciar a vivência da violência conjugal.

É nossa convicção que os discursos dos media, contribuindo para a construção do feminino e do masculino e das relações de género (Dias, 2007), podem também influenciar/constranger a vivência da violência conjugal. Desde logo, a sua ocultação ou reduzida representação poderá contribuir para reforçar algumas crenças culturais que têm sido apontadas como desempenhando um papel importante na perpetuação da violência (Levesque, 2001): a “santidade” e necessidade de preservação da família e a sua privacidade e protecção de intrusões externas.

Por outro lado, a constatada associação da violência ao amor e à paixão pode reforçar a tolerância da violência por parte da vítima e legitimar o seu uso pelo agressor. A associação, verificada noutros estudos (e.g., Dias, 2007), da felicidade/realização feminina ao contexto da conjugalidade, conjuntamente com a responsabilização exclusiva da mulher pelo êxito das relações pode, neste contexto, influenciar a vítima a manter-se na relação abusiva, sujeitando-se aos maus-tratos não só para sustentar a relação mas também pela responsabilidade social que recai sobre si quando uma ligação fracassa.

Por fim, há que referir que os media – pelo menos no perfil de publicações por nós analisado – não parecem contribuir para uma maior consciencialização social face ao problema da violência conjugal. Assim, apesar da maior visibilidade actual do fenómeno, não nos parece que o discurso mediático comunique a mensagem que o problema dos maus-tratos à mulher é uma questão pública e social. Na verdade, parte do discurso remete a responsabilidade de acabar com a violência para a mulher vítima (e.g., procurar ajudar o marido, deixar a relação), veiculando a noção da responsabilidade pessoal de terminar a violência. Assim, as raízes culturais e sociais do problema surgem obscurecidas, desresponsabilizando a sociedade da obrigação de agir em prol da mudança.

Apesar desta análise algo pessimista, não podemos, pelo nosso próprio posicionamento teórico, deixar de reconhecer que existe diversidade e multiplicidade nos significados veiculados pelos media sobre a violência conjugal. Desta forma, não podemos deixar de reconhecer que há mudanças no discurso sobre a violência (e.g., esta é “falada”, a possibilidade de separação é reconhecida) nem, tampouco, seria justo dizer que o discurso sobre a mesma é hegemónico (é notório, por exemplo, o discurso mais claramente desculpabilizador da violência na revista masculina). Por outro lado, será de realçar que, mesmo considerando o relativo silenciamento e pobreza discursiva sobre o tema, o público não se trata de um recipiente passivo mas sim de um construtor activo de significados que os media não determinam inteiramente (Reiner, 1997). É, por isso, plausível que a mera referência ao tema seja socialmente transformadora, assumindo a possibilidade de este ser objecto de discurso público e suscitando outros enquadramentos de significado para além dos que os media fornecem. Na medida, contudo, em que os medianos proporcionam importantes recursos para a construção da realidade e funcionam como “gatekeeper” das nossas percepções do mundo (Carll, 2003b), consideramos que estes têm uma responsabilidade, que ainda nos parece estar longe de ser inteiramente assumida, de constituir-se como uma força que promova mudanças sociais desejáveis em direcção à igualdade e à minimização da violência.

 

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*Autor para correspondência:

Ana Rita Conde, Instituto de Psicologia, Universidade do Minho, Campus de Gualtar, 4710-057 Braga, Portugal. E-mail: cmachado@psi.uminho.pt

 

Notas

3O número entre parêntesis que surgirá logo após a denominação de cada categoria corresponde ao número de unidades de texto integradas na categoria.