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Revista de Enfermagem Referência

versão impressa ISSN 0874-0283versão On-line ISSN 2182-2883

Rev. Enf. Ref. vol.serVI no.1 Coimbra dez. 2022  Epub 16-Nov-2022

https://doi.org/10.12707/rvi22003 

Artigo de Investigação (Original)

A influência do ambiente de prática de enfermagem nos cuidados omissos e na individualização dos cuidados

The influence of the nursing practice environment on missed care and individualized care

La influencia del ambiente de la práctica de enfermería en los cuidados omitidos y en la individualización de los cuidados

Filipe Manuel Paiva-Santos1  2 
http://orcid.org/0000-0003-0962-6635

Teresa Margarida Almeida Neves2 
http://orcid.org/0000-0002-1053-4909

Filipa Isabel Quaresma Santos Ventura2 
http://orcid.org/0000-0001-5722-5612

João Paulo de Almeida Tavares3 
http://orcid.org/0000-0003-3027-7978

António Fernando Salgueiro Amaral2 
http://orcid.org/0000-0001-9386-207X

1 Instituto Português de Oncologia de Coimbra, Coimbra, Portugal

2 Unidade de Investigação em Ciências da Saúde: Enfermagem (UICISA: E), Escola Superior de Enfermagem de Coimbra (ESEnfC), Coimbra, Portugal

3 Universidade de Aveiro, Aveiro, Portugal


Resumo

Enquadramento:

O ambiente de prática de enfermagem (APE) influencia a qualidade dos cuidados de saúde, a prática de cuidados centrados na pessoa e a segurança dos doentes. Concretamente, prestar cuidados seguros engloba não deixar cuidados omissos.

Objetivo:

Analisar a influência do APE nos cuidados omissos e na individualização dos cuidados.

Metodologia:

Estudo quantitativo, descritivo e correlacional, desenvolvido em três serviços de internamento de um hospital de oncologia em Portugal. A perceção dos enfermeiros acerca do APE foi avaliada pela Practice Environment Scale of the Nurse Work Index, sendo-lhes também solicitado que identificassem os cuidados omissos do último turno por falta de tempo. A perceção das pessoas internadas acerca da individualização dos cuidados prestados foi avaliada recorrendo à Individualized Care Scale Patient.

Resultados:

Participaram 66 enfermeiros e 40 pessoas internadas. O APE global foi avaliado como desfavorável. O serviço com ambiente no limiar favorável reportou menos cuidados omissos. As pessoas internadas perceberam os cuidados como sendo individualizados.

Conclusão:

O APE identificado pode colocar em causa a qualidade dos cuidados prestados.

Palavras-chave: ambiente de prática de enfermagem; cuidados centrados na pessoa; cuidados omissos; qualidade dos cuidados de saúde; investigação em enfermagem

Abstract

Background:

The nursing practice environment (NPE) influences the quality of care, person-centered care, and patient safety. More specifically, providing safe care includes not leaving care left undone.

Objective:

To analyze the influence of the NPE on missed care and individualized care.

Methodology:

A quantitative, descriptive, and correlational study was conducted in three inpatient wards of an oncology hospital in Portugal. Nurses’ perceptions of the NPE were assessed using the Practice Environment Scale of the Nurse Work Index. Nurses were also asked to identify types of care missed during their last shift due to lack of time. Inpatients’ perceptions of individualized care were assessed using the Individualized Care Scale Patient.

Results:

The sample consisted of 66 nurses and 40 inpatients. The overall NPE was rated as unfavorable. The ward with an environment in the favorable threshold reported less missed care. Inpatients perceived care as individualized.

Conclusion:

The identified NPE may call into question the quality of care.

Keywords: nursing practice environment; person-centered care; missed care; quality of care; nursing research

Resumen

Marco contextual:

El ambiente de la práctica de la enfermería (APE) influye en la calidad de los cuidados de salud, en la práctica de los cuidados centrados en la persona y en la seguridad del paciente. En concreto, proporcionar cuidados seguros implica no dejar cuidados omitidos.

Objetivo:

Analizar la influencia del APE en los cuidados omitidos y la individualización de los cuidados.

Metodología:

Se trata de un estudio cuantitativo, descriptivo y correlacional desarrollado en tres unidades de hospitalización de un hospital oncológico de Portugal. La percepción de los enfermeros sobre el APE se evaluó mediante la Practice Environment Scale of the Nurse Work Index, y también se les pidió que identificaran los cuidados omitidos en el último turno por falta de tiempo. La percepción de los pacientes internos sobre la individualización de los cuidados se evaluó mediante la Individualized Care Scale Patient.

Resultados:

Participaron 66 enfermeros y 40 pacientes internos. El conjunto del APE fue evaluado como desfavorable. El servicio con un ambiente en el umbral favorable notificó menos cuidados omitidos. Los pacientes internos perciben los cuidados como algo individualizado.

Conclusión:

El APE identificado puede poner en peligro la calidad de los cuidados prestados.

Palavras clave: ambiente de la práctica de enfermería; atención dirigida al paciente, omissión de cuidados; calidad de la atención de salud; investigación en enfermería

Introdução

A preocupação com as questões da qualidade dos serviços de saúde está patente nas políticas e organizações de saúde, mas a literatura identifica vários fatores que podem colocar em causa essa qualidade, como por exemplo o ambiente de prática de enfermagem (APE) desfavorável (Amaral et al., 2014; Lake et al., 2019). Em consequência do APE desfavorável, a segurança dos doentes e a individualização dos cuidados são postas em causa (Amaral et al., 2014; Lake et al., 2019).

Deste modo, este estudo pretendeu analisar a influência dos APE, quer nos cuidados de enfermagem omissos (CEO), quer na individualização dos cuidados.

Desconhecemos estudos nacionais sobre a influência do APE, avaliado com a Practice Environment Scale of the Nurse Work Index (PES-NWI), nos CEO e desconhecemos estudos, nacionais ou internacionais, que relacionem o APE, avaliado com a PES-NWI, com a perceção das pessoas internadas acerca da individualização do cuidado, utilizando a Individualized Care Scale Patient (ICSP). Este é o primeiro estudo realizado em Portugal em contexto exclusivamente oncológico. O estudo do APE em contextos específicos é importante, uma vez que a tipologia das organizações pode influenciar o APE (Lake, 2002).

Enquadramento

O APE é reconhecido por influenciar a qualidade dos cuidados de saúde, nomeadamente pela sua associação à segurança e centralidade dos cuidados na pessoa (Lake et al., 2019).

Há um conjunto de fatores que influenciam o APE, tais como a descentralização da tomada de decisão, uma forte liderança dos enfermeiros, o reconhecimento da autonomia dos enfermeiros, recursos humanos adequados e aceitação do contributo dos enfermeiros nos resultados em saúde (Lake et al., 2019). Instituições com APE favorável têm melhores resultados para as pessoas internadas (menos quedas, menos erros de medicação, menos infeções associadas aos cuidados de saúde e menos lesões por pressão), para os profissionais (maior satisfação profissional, menor nível de burnout e menor intenção de trocar de local de trabalho) e para as organizações (menos dias de internamento e menor taxa de mortalidade; Jesus et al., 2015).

Prestar cuidados seguros pressupõe prestar todos os cuidados que são necessários. Isto porque a omissão de cuidados de enfermagem tem consequências negativas nos resultados em saúde, tais como cuidados com menor qualidade, menos satisfação do doente, menor satisfação profissional dos enfermeiros, aumento dos eventos adversos, aumento da duração da hospitalização e aumento dos reinternamentos (Chaboyer et al., 2021), além de contribuir para uma visão negativa da sociedade relativamente aos enfermeiros (Paiva et al., 2021).

Os CEO são definidos como os cuidados que não são prestados, mas deveriam ter sido, ou os cuidados que são adiados ou prestados parcialmente (Chaboyer et al., 2021). Os CEO mais frequentes estão relacionados com as intervenções autónomas dos enfermeiros, tais como o posicionamento de doentes, ensinos à pessoa e família, planeamento da alta, suporte emocional e espiritual, cuidados de higiene, registo de cuidados e vigilância de sinais e sintomas (Chaboyer et al., 2021). As principais causas para a ocorrência de CEO são a falta de enfermeiros, falta de tempo, delegação ineficaz, ambiente de trabalho desfavorável, hábitos dos enfermeiros, negação do erro e falta de vínculo profissional, assim como falta de recursos ou recursos inadequados (skill mix), falta de recursos materiais, pouco trabalho em equipa e má comunicação (Chaboyer et al., 2021).

A individualização dos cuidados está na base das atuais políticas de qualidade em saúde, em que a pessoa é vista como parceira no planeamento, desenvolvimento e avaliação dos cuidados, tem como foco a promoção da autonomia e do autocuidado (Amaral et al., 2014) e considera as necessidades pessoais, as condições clínicas, a história pessoal e as preferências das pessoas na tomada de decisão (Rodríguez-Martín et al., 2022). A individualização dos cuidados aumenta a satisfação das pessoas e a adesão terapêutica, melhoram a autonomia, a autogestão da doença, a qualidade de vida, a capacidade para o autocuidado e a facilita a transição saúde-doença (Rodríguez-Martín et al., 2022).

Este estudo pretende analisar a influência do APE, quer nos CEO, quer na individualização dos cuidados. Para dar resposta a este objetivo geral, delinearam-se os seguintes objetivos específicos: avaliar a perceção dos enfermeiros acerca do ambiente de prática; caracterizar os cuidados omissos reportados pelos enfermeiros; analisar a relação entre o APE e os CEO; avaliar a perceção das pessoas internadas acerca da individualização dos cuidados recebidos; e analisar a relação entre o APE e a perceção das pessoas internadas acerca dos cuidados recebidos.

Questão de investigação

Qual a influência do APE nos cuidados omissos e na individualização do cuidado?

Metodologia

Delineou-se um estudo quantitativo, descritivo e correlacional. O estudo foi desenvolvido nos serviços de especialidades médicas de um hospital de oncologia em Portugal. A amostra foi não probabilística do tipo consecutiva, constituída por enfermeiros e pessoas internadas. Foram excluídos enfermeiros em funções de chefia e enfermeiros com menos de um ano de exercício profissional no serviço atual. Quanto às pessoas internadas, foram excluídas pessoas com idade inferior a 18 anos, com alterações cognitivas ou que não soubessem ler e escrever. A recolha de dados ocorreu entre novembro de 2017 e fevereiro de 2018.

Aos enfermeiros pediu-se que preenchessem um questionário, composto por um conjunto de questões para caracterização sociodemográfica, uma escala para avaliar o APE e um conjunto de questões sobre o último turno, que inclui uma lista com 13 CEO possíveis. O APE foi avaliado através da Practice Environment Scale of the Nurse Work Index (PES-NWI), traduzida e validada para a população portuguesa (Amaral et al., 2012). Esta é constituída por 32 itens, distribuídos por cinco dimensões: participação dos enfermeiros nas políticas do hospital; relações colegiais entre enfermeiros e médicos; fundamentos de enfermagem para a qualidade dos cuidados; adequação dos recursos humanos e de materiais; e capacidade de gestão, liderança e suporte aos enfermeiros (Amaral et al., 2012). A PES-NWI é uma escala do tipo likert, pontuada de 1 a 4. Valores médios abaixo de 2,5 apontam para um APE desfavorável e valores acima para um APE favorável. A consistência interna global é de 0,89 e as dimensões variam entre 0,79 e 0,89 (Amaral et al., 2012).

No que se refere aos CEO, pediu-se aos enfermeiros que identificassem os cuidados que omitiram no último turno por falta de tempo, numa lista de 13 cuidados possíveis: vigiar adequadamente os doentes; cuidados à pele; higiene oral; controlo da dor; confortar/falar com os doentes; educar doentes e familiares; tratamentos e procedimentos; administrar medicação no horário; preparar os doentes e familiares para alta; documentar os cuidados de enfermagem de forma adequada; elaborar ou atualizar planos de cuidados de enfermagem; planear cuidados; e mudar o doente de posição com a frequência necessária. Esta lista foi utilizada noutros estudos que estudam os cuidados omissos em Portugal, como é o caso do estudo RN4Cast Portugal (Braga et al., 2018).

Às pessoas internadas aplicou-se um conjunto de questões para caracterização sociodemográfica e um questionário para avaliar a perceção sobre individualização dos cuidados recebidos. Estes cuidados foram avaliados com a escala Individualized Care Scale Patient (ICSP), traduzida e validada para a população portuguesa (Amaral et al., 2014). Esta é constituída por duas subescalas - a perceção das pessoas internadas acerca da preocupação dos enfermeiros com individualização dos cuidados (ICSP-A) e a perceção das pessoas internadas acerca da individualização dos cuidados recebidos (ICSP-B). Cada subescala tem 17 itens, divididos em três dimensões: situação clínica; vida pessoal; e poder de decisão (Amaral et al., 2014). A subescala ICSP-A tem uma consistência interna de 0,93 (as dimensões variam entre 0,85 e 0,86) e a ICSP-B tem uma consistência interna de 0,86 (as dimensões variam entre 0,65 e 0,85). A ICSP é uma escala do tipo likert, pontuada de 1 a 5. Quanto maior é a pontuação, melhor é a perceção das pessoas internadas acerca da individualização dos cuidados (Amaral et al., 2014).

Para o tratamento de dados utilizou-se estatística descritiva e inferencial. De acordo com os resultados da normalidade, foram usados testes paramétricos (teste-t para duas amostras e ANOVA) ou testes não paramétricos (teste de Mann-Whitney ou teste de Kruskal-Wallis). As correlações entre as variáveis foram analisadas com recurso ao coeficiente de correlação de Spearman. O nível de significância utilizado para os testes estatísticos foi de 0,05.

O estudo foi autorizado pelo Conselho de Administração e aprovado pela Comissão de Ética do hospital onde foi desenvolvido.

Resultados

Participaram 66 enfermeiros e 40 pessoas internadas. Em relação aos primeiros, maioritariamente eram do sexo feminino (83,3%), com uma média de 39,95 anos de idade (DP = 8,87) e exerciam a profissão há 16,94 anos (DP = 8,46). A maioria era licenciado (89,4%) e 13,8% tinham o título de especialista atribuído pela Ordem dos Enfermeiros. Estavam distribuídos por três serviços: 36,4% no serviço-A, 36,4% no serviço-B e 27,3% no serviço-C. Em média trabalhavam nesses serviços há 10,94 anos (DP = 7,26).

A perceção dos enfermeiros foi que o APE era globalmente desfavorável (M = 2,48; DP = 0,24), sem diferenças estatisticamente significativas consoante os serviços (F(2) = 1,361; p = 0,264), embora no serviço-B os enfermeiros percecionassem o APE no limiar favorável (M = 2,53; DP = 0,23). A dimensão relacionada com os fundamentos da enfermagem para a qualidade dos cuidados teve uma perceção global favorável em todos os serviços. Porém, todas as outras dimensões tiveram uma perceção global desfavorável, com a dimensão adequação de recursos humanos e de materiais a obter uma pontuação mais baixa (M = 2,19; DP = 0,48). A perceção dos enfermeiros acerca do APE pode ser visualizada com mais detalhe na Tabela 1.

Tabela 1 : Perceção dos enfermeiros acerca do ambiente de prática de enfermagem 

Serviço - A Serviço - B Serviço - C p Todos os serviços
M DP M DP M DP M DP α
PES-NWI 2,46 0,25 2,53 0,23 2,41 0,23 0,26 2,48 0,24 0,79
PPH 2,31 0,32 2,13 0,31 2,28 0,32 0,11 2,24 0,32 0,66
FEQC 2,84 0,20 2,89 0,28 2,89 0,25 0,75 2,87 0,24 0,52
CGLSE 2,37 0,58 2,71 0,43 2,21 0,55 0,01 2,45 0,55 0,73
ARHRM 1,98 0,29 2,57 0,40 1,96 0,46 0,00 2,19 0,48 0,72
RCEM 2,49 0,46 2,24 0,43 2,17 0,37 0,04 2,31 0,44 0,70

Nota. PES-NWI = Practice Environment Scale of the Nurse Work Index; PPH = Participação nas políticas do hospital; FEQC = Fundamentos da enfermagem para a qualidade dos cuidados; CGLSE = Capacidade de gestão, liderança e suporte aos enfermeiros; ARHRM = Adequação de recursos humanos e de recursos materiais; RCEM = Relações colegiais entre enfermeiros e médicos; M = Média; DP = Desvio-padrão; p = Valor-p; α = Alfa cronbach.

Quanto ao último turno realizado pelos enfermeiros, 42,42% referem ter sido o turno da manhã. Os enfermeiros referiram que trabalharam mais horas do que as contratualizadas (34,85%) e que a maioria das pessoas internadas que lhes estavam distribuídas eram total ou parcialmente dependentes, com um rácio médio 6,45 pessoas internadas por enfermeiro (4,89 no turno da manhã, 7,05 no turno da tarde e 8,47 no turno da noite). Referiram que tiveram de despender tempo a tratar de burocracias relacionadas com transferências ou transportes (30,03%), providenciar material e equipamentos (54,55%) e atender frequentemente telefonemas (56,06%).

Os enfermeiros referem ter omitido, no último turno, 183 cuidados por falta de tempo, nomeadamente confortar/falar com as pessoas internadas (40,91%), elaborar ou atualizar os planos de cuidados (39,39%), realizar ensinos às pessoas internadas ou seus familiares (37,88), documentar os cuidados de enfermagem de forma adequada (33,33%), higiene à boca das pessoas internadas (33,33%), vigiar adequadamente as pessoas internadas (28,79%), cuidados à pele (15,15%), preparar a alta (13,64%), administrar a medicação no horário prescrito (10,61%), alternar a posição da pessoa internada com a frequência necessária (10,61%) e controlar a dor (1,52%). A distribuição dos CEO pode ser visualizada com mais detalhe na Figura 1.

Figura 1: Cuidados de Enfermagem omissos no último turno por falta de tempo 

Dos 183 CEO reportados, 50,82% foram no turno da manhã, 33,33% no turno da tarde e 15,85% no turno da noite, com diferenças estatisticamente significativas consoante o turno (χ2(2) = 10,009; p = 0,007). Por serviço, os CEO foram 48,63% no serviço-A, 21,86% no serviço-B e 29,51% no serviço-C, com diferenças estatisticamente significativas consoante o serviço (F(2) = 5,724; p = 0,005).

Verificou-se que 16,67% enfermeiros omitiram um cuidado, 40,92% enfermeiros omitiram entre 2 e 4 cuidados, 22,74% enfermeiro omitiram entre 5 e 9 e 19,70% não omitiram nenhum dos cuidados listados.

Os enfermeiros que percecionaram um APE globalmente favorável omitiram, em média, 2,53 cuidados e os que percecionaram um ambiente de prática globalmente desfavorável omitiram, em média, 2,97 cuidados (U = 481,50; p = 0,446).

No serviço com APE favorável foram omitidos, em média, 1,67 cuidados por enfermeiro, e nos serviços com ambiente de prática desfavorável foram omitidos, em média, 3,40 cuidados por enfermeiro (U = 272,00; p = 0,002).

Relativamente às pessoas internadas, optou-se por não colher dados no serviço-C, porque a situação clínica das pessoas internadas durante a colheita não o permitia. Mais de metade das pessoas internadas eram do sexo masculino (52,5%) e em média tinham 64,23 anos de idade (DP = 13,21). Mais de metade (52,5%) tinham o 4.º ano de escolaridade. A maioria das pessoas internadas já tinham tido internamentos prévios no serviço em que estavam (90,0%) e, à data da participação, a duração média do internamento era de 14,05 dias (DP = 13,37).

A perceção das pessoas internadas acerca da individualização dos cuidados recebidos (ICSP-B) foi mais alta (M = 4,40; DP = 0,73) do que a perceção acerca da preocupação dos enfermeiros com a individualização dos cuidados (ICSP-A; M = 3,81; DP = 0,73). Em ambas as subescalas, a dimensão com perceção mais elevada foi sobre os aspetos relacionados com a situação clínica e a dimensão com perceção mais baixa foi sobre os aspetos relacionados com a vida pessoal. O serviço-A obteve melhor perceção global em ambas as subescalas, comparativamente ao serviço-B, no entanto sem diferenças estatisticamente significativas.

A perceção das pessoas internadas acerca da individualização dos cuidados pode ser visualizada com mais detalhe na Tabela 2.

Tabela 2 : Perceção das pessoas internadas acerca da individualização dos cuidados (N = 40 ) 

Subescala Serviço - A Serviço - B Todos os serviços
Dimensão M DP M DP p M DP α
ICSP-A 3,84 0,65 3,78 0,83 0,775 3,81 0,73 0,89
Situação clínica 4,08 0,64 4,08 0,84 0,996 4,08 0,74 0,80
Vida pessoal 3,26 1,04 3,25 1,16 0,981 3,36 1,09 0,74
Poder de decisão 3,96 0,71 3,76 0,93 0,587 3,86 0,82 0,77
ICSP-B 4,45 0,46 4,34 0,54 0,516 4,40 0,50 0,84
Situação clínica 4,50 0,46 4,43 0,65 0,989 4,46 0,56 0,85
Vida pessoal 4,39 0,58 4,19 0,53 0,271 4,29 0,56 0,44
Poder de decisão 4,45 0,59 4,34 0,68 0,599 4,40 0,63 0,82

Nota. ICSP-A = Perceção das pessoas internadas acerca da preocupação dos enfermeiros com a individualização dos cuidados; ICSP-B = Perce-ção das pessoas internadas acerca da individualização dos cuidados recebidos; M = Média; DP = Desvio-padrão; p = Valor-p; α = Alfa cronbach.

Observou-se uma correlação moderada, estatisticamente significativa, entre a perceção que as pessoas internadas têm acerca da preocupação dos enfermeiros com a individualização dos cuidados e a perceção acerca da individualização dos cuidados recebidos (r s = 0,667; p = 0,000; N = 40).

Não se observaram diferenças estatisticamente significativas na perceção das pessoas internadas acerca da individualização dos cuidados em nenhuma das subescalas e dimensões, assim como na perceção das pessoas internadas acerca da individualização consoante o APE do serviço onde se encontravam internadas.

Discussão

Este estudo analisou a influência do APE na omissão de cuidados por falta de tempo e na individualização dos cuidados.

Os resultados do estudo revelam que o APE é desfavorável à semelhança de outros estudos realizados em contexto clínicos portugueses (Jesus et al., 2015; Tavares et al., 2017). Apenas um estudo realizado em Portugal revelou um APE favorável (Amaral & Ferreira, 2013). Ao contrário dos resultados obtidos, estudos internacionais apontam para ambientes de prática favoráveis à prática dos enfermeiros (Choi & Boyle, 2014; Fuentelsaz-Gallego et al., 2013; Hessels et al., 2015). Ao verificar-se APE desfavorável neste estudo torna-se urgente promover mudanças com vista a tornar esse ambiente mais favorável de forma a promover a qualidade do cuidado e reduzir o burnout e stresse dos enfermeiros.

Por conseguinte, os resultados do presente estudo alertam para a urgência em melhorar o APE, uma vez que quanto melhor, melhores são os resultados em saúde (Jesus et al., 2015).

À semelhança de outros estudos, também a dimensão do PES-NWI resultados mais elevados foi ‘fundamentos da enfermagem para a qualidade dos cuidados’ (Amaral & Ferreira, 2013; Ferreira & Amendoeira, 2014; Hessels et al., 2015; Jesus et al., 2015). No entanto, a consistência interna desta dimensão pode revelar a preocupação dos enfermeiros em evidenciar os aspetos da qualidade, mais como um modelo exposto do que um modelo em uso.

A dimensão do PES-NWI com pontuação mais baixa foi ‘adequação de recursos humanos e recursos materiais’, um resultado igualmente evidenciado noutro estudo realizado em Portugal (Jesus et al., 2015; Neves et al., 2018). Os recursos humanos, especificamente no que se refere ao rácio doentes por enfermeiro, têm impacto direto nos resultados em saúde, uma vez que rácios elevados resultam em piores resultados, tais como pneumonias adquiridas no hospital, exteriorizações acidentais de cateteres, falência respiratória, falhas no resgate de doentes cirúrgicos, paragem cardíaca e aumento da duração do internamento (Kane et al., 2007).

As atividades realizadas pelos enfermeiros que não estão diretamente relacionadas com o cuidar, e que foram referidas com frequência (e.g. burocracias relacionadas com transferências ou transportes, providenciar material e equipamentos, atender frequentemente telefonemas), podem contribuir para o aumento da omissão de cuidados (Aiken et al., 2018).

Os CEO identificados com maior frequência estão de acordo com estudos anteriores (Aiken et al., 2018; Braga et al., 2018; Hessels et al., 2015). No entanto, no que respeita a ‘falar/confortar os doentes’ e à ‘gestão da dor’, neste estudo observam-se menores percentagens de omissão. Isto poderá estar relacionado com o contexto específico de oncologia, cuja filosofia do cuidar está muito associada ao alívio do sofrimento, existindo uma preocupação intrínseca com o controlo da dor nas pessoas com cancro. Nenhum enfermeiro reportou ter omitido ‘tratamentos e procedimentos’ no último turno, o que poderá sugerir que os enfermeiros tendem a priorizar os cuidados interdependentes em detrimento das intervenções autónomas.

Mesmo não se observando diferenças estatisticamente significativas no valor global do PES-NWI consoante o serviço, é relevante referir que no serviço com APE favorável (serviço-B) há menos cuidados omissos, comparativamente aos que detêm APE desfavorável. Isto reforça a importância do APE na qualidade dos cuidados, principalmente na segurança do doente, relação já suportada pelos estudos de Aiken et al. (2018) e Hessels et al. (2015). As organizações devem apostar na melhoria do ambiente de prática, uma vez que, para além de ser custo-efetivo, melhora a qualidade dos cuidados prestados (Aiken et al., 2018).

A perceção das pessoas internadas acerca da preocupação dos enfermeiros com a individualização dos cuidados (ICSP-A) é ligeiramente inferior à perceção acerca da individualização dos cuidados recebidos (ICSP-B). Em ambas as subescalas, a dimensão com melhor perceção foi a relacionada com a ‘situação clínica’ e a dimensão com menor perceção a relacionada com a ‘vida pessoal’, à semelhança de outro estudo realizado em Portugal (Amaral et al., 2014). Apesar de que nesse estudo a pontuação fosse maior para a subescala ICSP-A, mas menor para a subescala ICSP-B. Esta variação sugere que as pessoas internadas que participaram no presente estudo percecionam os cuidados como sendo individualizados, mesmo que os enfermeiros não demonstrem tanta atenção à individualização quanto nos outros contextos. Comparando com o estudo de Gurdogan et al. (2015), em Portugal a perceção das pessoas internadas acerca da individualização dos cuidados é melhor.

Este estudo apresenta algumas limitações, tais como o tamanho da amostra e o espaço temporal da colheita de dados (i.e. logo após um período de grandes manifestações e reivindicações dos enfermeiros portugueses). No entanto, salientamos que todos os enfermeiros elegíveis aceitaram participar no estudo. Seria importante replicar o estudo noutros contextos de oncologia e alargar a amostra para uma melhor compreensão da influência do APE, principalmente na individualização dos cuidados. Outras limitações prendem-se com a baixa consistência interna da dimensão ‘fundamentos da enfermagem para a qualidade de cuidados’ da PES-NWI e da dimensão ‘vida pessoal’ da subescala perceção das pessoas internadas acerca da individualização dos cuidados da ICSP.

Conclusão

A qualidade dos cuidados é cada vez mais importante, principalmente por estar relacionada com a prática de cuidados centrados na pessoa e com a segurança dos doentes. O estudo dos fatores que influenciam a qualidade dos cuidados é, por conseguinte, de grande importância no sentido de identificar domínios de melhoria para uma posterior definição de estratégias específicas a cada contexto de cuidados.

Este estudo revela globalmente um APE desfavorável, embora um dos serviços tenha um APE favorável muito próximo do ponto corte. Identifica ainda, as dimensões do APE que necessitam de ser melhoradas, nomeadamente no âmbito dos recursos humanos e materiais. Os cuidados omissos mais frequentes foram confortar/falar com as pessoas internadas, elaborar ou atualizar os planos de cuidados de enfermagem, educar os doentes e familiares, documentar os cuidados de enfermagem de forma adequada, higiene oral e vigilância adequada de doentes. Verificou-se que o serviço com APE favorável reportou menos cuidados omissos e que é no turno da manhã que os cuidados omissos ocorrem com mais frequência.

Mesmo com APE desfavorável, a perceção das pessoas internadas é que os cuidados são individualizados.

Os resultados evidenciados por este estudo exigem a discussão e adoção de estratégias a nível organizacional, quer a nível de recursos humanos em função do número de doentes internados, como nas políticas de gestão e cultura organizacional, com o objetivo de diminuir a omissão de cuidados.

Os resultados deste estudo foram apresentados ao Conselho de Administração e aos enfermeiros (gestores e não gestores) do hospital onde foi realizada a investigação. Alguns médicos dos serviços onde foi realizado o estudo também assistiram à apresentação dos resultados.

Sugere-se a replicação do estudo noutros contextos de oncologia para uma melhor compreensão dos resultados encontrados bem como a discussão desses resultados com os enfermeiros para se delinearam estratégias de melhoria.

Agradecimentos

Instituto Português de Oncologia de Coimbra.

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7Como citar este artigo: Paiva-Santos, F. M., Neves, T. M., Ventura, F. I., Tavares, J. P., & Amaral, A. F. (2022). A influência do ambiente de prática de enfermagem nos cuidados omissos e na individualização dos cuidados. Revista de Enfermagem Referência, 6(1), e22003. https://doi.org/10.12707/RVI22003

Recebido: 29 de Dezembro de 2021; Aceito: 03 de Agosto de 2022

Autor de correspondência Filipe Manuel Paiva-Santos E-mail: filipesantos@esenfc.pt

Conceptualização: Paiva-Santos, F., Amaral, A.

Tratamento de dados: Paiva-Santos, F., Amaral, A.

Análise formal: Tavares, J., Amaral, A.

Metodologia: Paiva-Santos, F., Amaral, A.

Redação - rascunho original: Paiva-Santos, F.

Redação - análise e edição: Paiva-Santos, F., Neves, T., Ventura, F, Tavares, J., Amaral, A.

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