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Revista de Enfermagem Referência

Print version ISSN 0874-0283On-line version ISSN 2182-2883

Rev. Enf. Ref. vol.serVI no.1 Coimbra Dec. 2022  Epub May 31, 2022

https://doi.org/10.12707/rv21061 

Artigo de Investigação (Original)

Unidade local de saúde: Um modelo de integração vertical dos cuidados de saúde

Local health units: A vertical integration model of health care

Unidad local de salud: un modelo de integración vertical de los cuidados de salud

João Ricardo Miranda da Cruz1 
http://orcid.org/0000-0002-4316-481X

Susana Rodríguez Escanciano2 
http://orcid.org/0000-0001-5910-2982

Ana Belén Casares Marcos2 
http://orcid.org/0000-0002-5842-4637

Maria Helena Pimentel3  4 
http://orcid.org/0000-0002-0930-7469

1 Unidade Local de Saúde do Nordeste - Unidade Hospitalar de Bragança, Bragança, Portugal

2 Universidade de León, Faculdade de Direito, Campus de Vergazana, Léon, Espanha

3 Instituto Politécnico de Bragança, Campus de Santa Apolónia, Bragança, Portugal

4 Unidade de Investigação em Ciências da Saúde: Enfermagem (UICISA: E), Escola Superior de Enfermagem de Coimbra, Portugal


Resumo

Enquadramento:

As unidades locais de saúde (ULS) concretizam a integração de cuidados de natureza vertical, reunindo numa única entidade e com a mesma gestão, diferentes níveis de cuidados.

Objetivos:

Analisar o modelo organizacional das ULS e os potenciais ganhos económicos e em saúde.

Metodologia:

Estudo exploratório em que participaram cinco ULS que se localizam na zona norte e interior de Portugal. Os dados analisados incidiram sobre o acesso dos cidadãos aos cuidados de saúde, qualidade dos cuidados, eficiência produtiva e desempenho económico-financeiro, referentes ao período de 2015 a 2018. A fonte dos dados foi a Entidade Reguladora da Saúde (ERS) e a Administração Central do Sistema de Saúde (ACSS).

Resultados:

Pela análise dos dados da ACSS e da ERS parece haver evidência de que o modelo organizativo em ULS não traduz na prática ganhos económicos e em saúde.

Conclusão:

Na génese das ULS está o objetivo de criar uma melhor interligação dos diferentes níveis de cuidados, concluindo-se que este modelo de governação não aporta o valor acrescentado que teoricamente previa.

Palavras-chave: instituições de saúde; administração de serviços de saúde; modelos organizacionais; qualidade da assistência à saúde

Abstract

Background:

The local health unit (Unidade Local de Saúde - ULS) model embodies the vertical integration of health care services, bringing together different levels of care within a single entity and under the same management.

Objective:

To analyze the ULS organizational model and its potential health and economic gains.

Methodology:

This is an exploratory study involving five ULSs located in Portugal’s northern and inland areas. The data analyzed focused on citizens’ access to health care, quality of care, productive efficiency, and economic and financial performance from 2015 to 2018. The Portuguese Health Regulation Authority (ERS) and the Central Administration of the Health System (ACSS) provided the data for analysis.

Results:

Considering the ACSS and ERS data analysis, there seems to be evidence that the ULS organizational model does not translate into economic and health gains.

Conclusion:

ULSs were created to allow a better interconnection between the different levels of care. However, this organizational management model does not provide the added value theoretically expected.

Keywords: health institutions; administration of health services; models, organizational; quality of health care

Resumen

Marco contextual:

Las unidades locales de salud (ULS) implementan la integración de los cuidados de carácter vertical reuniendo en una sola entidad y con la misma gestión diferentes niveles de cuidados.

Objetivos:

Analizar el modelo organizativo de las ULS y los posibles beneficios económicos y sanitarios.

Metodología:

Estudio exploratorio en el que participaron cinco ULS situadas en la zona del norte e interior de Portugal. Los datos analizados se centraron en el acceso de los ciudadanos a los cuidados de salud, la calidad de los cuidados, la eficiencia productiva y los resultados económico-financieros, para el período comprendido entre 2015 y 2018. La fuente de los datos fue la Entidad Reguladora de la Salud (ERS) y la Administración Central del Sistema de Salud (ACSS).

Resultados:

A través del análisis de los datos de la ACSS y de la ERS, parece que hay pruebas de que el modelo organizativo de las ULS no se traduce en la práctica en beneficios económicos y sanitarios.

Conclusión:

En la base de las ULS está el objetivo de crear una mejor interconexión entre los distintos niveles de cuidados, de lo que se concluye que este modelo de gobernanza no aporta el valor añadido que teóricamente prevé.

Palabras clave: instituciones de salud; administración de servicios de salud; modelos organizacionales; calidad de atención de salud

Introdução

A temática relativa à integração de cuidados de saúde tem adquirido nos últimos anos muita relevância, em especial, nos países desenvolvidos, cuja população está cada vez mais envelhecida, acarretando um número crescente de doentes crónicos. Estes sistemas de saúde estão pressionados por uma população com padrões de exigência elevados, culminando na expetativa de viverem mais anos e com melhor qualidade de vida (Raak et al., 2003). Tem-se por objetivo geral deste estudo analisar o modelo organizacional das unidades locais de saúde (ULS) e os ganhos económicos e em saúde decorrentes da integração dos cuidados. Tem como objetivos específicos: conhecer os processos de integração de cuidados de saúde e fatores envolvidos; analisar a integração de cuidados de saúde em Portugal; analisar um conjunto de indicadores de qualidade e eficiência decorrentes da integração dos cuidados que permitam questionar o modelo organizacional das ULS. Esses indicadores compreendem o acesso dos cidadãos aos cuidados de saúde, eficiência produtiva e desempenho económico-financeiro.

Enquadramento

A procura de cuidados de saúde evolui hoje sob o efeito das transformações de diversos determinantes de ordem epidemiológica, social, educativa, tecnológica e demográfica.

Os problemas supramencionados, resumidos na contínua procura de cuidados, exigem uma transformação ao nível da governação dos sistemas de saúde em geral. As unidades de saúde, enquanto estruturas basilares dos sistemas de saúde, possuem uma ação central e inequívoca na capacidade de resposta a todos estes desideratos, sendo curial a maximização da sua gestão visando uma resposta flexível e adaptativa constante ao novo meio envolvente emergente (Santana & Costa, 2008).

Com a criação das ULS, na sua génese, esteve o objetivo de formar uma única entidade responsável, na sua totalidade, pelo estado de saúde de uma determinada população, através de uma efetiva articulação entre os diversos níveis de cuidados (primários, hospitalares e continuados), com elevado grau de eficiência, qualidade e satisfação do utente, sendo expectável que daí advenham benefícios, no que concerne ao acesso dos cuidados de saúde para os utentes residentes na sua área de influência (Entidade Reguladora da Saúde [ERS], 2011).

A ERS (2015, p. 7) define as ULS como

uma concretização de integração de cuidados de natureza vertical, porque, como sabido, reúne numa única entidade e sob a alçada de uma mesma gestão, diferentes níveis de cuidados. Assim, da organização dos distintos prestadores surge uma entidade única, responsável pelo estado de saúde de uma determinada população e tem como objetivo criar, através de uma prestação e gestão integrada de todos os serviços e níveis de cuidados, uma via para melhorar a interligação dos cuidados de saúde primários com os cuidados hospitalares e, eventualmente, com outros cuidados, designadamente cuidados continuados, por intermédio de um processo de integração vertical desses diferentes níveis de cuidados.

Após a criação da ULS de Matosinhos em 1999 foi criada, em 2007, a ULS do Norte Alentejano e posteriormente mais três unidades, ULS do Alto Minho, Guarda e Baixo Alentejo. Em 2009 foi criada a ULS de Castelo Branco, em 2011 e 2012 foram criadas as ULS Nordeste e Litoral Alentejano, respetivamente.

Os habitantes abrangidos por unidades integradas (ULS) superam os 1.176.266, o que reflete uma abrangência de 11% de habitantes residentes em Portugal, referidos pelos Censos 2011, 10.555.853 habitantes.

Assim, a importância que a integração de cuidados de saúde tem despertado nos diversos intervenientes que compõem os sistemas de saúde, baseia-se na premissa de que níveis de integração de cuidados mais aprofundados permitem almejar melhores índices de performance das organizações de saúde.

Acredita-se, também, que as iniciativas de integração de cuidados de saúde possam constituir uma resposta mais adequada aos novos desafios colocados pela evolução prevista das características da oferta e procura do mercado da saúde (Lopes et al., 2014).

Questão de investigação

Quais os ganhos efetivos resultantes da criação das ULS ao nível do acesso dos cidadãos aos cuidados de saúde, qualidade dos serviços, eficiência produtiva e desempenho económico-financeiro?

Metodologia

Trata-se de um estudo quantitativo e exploratório. As ULS que integram o estudo são cinco (ULS Alto Minho, ULS Matosinhos, ULS Guarda, ULS Castelo Branco e ULS Nordeste), de matrizes distintas tanto sociodemográficas como geográficas. Duas localizam-se na zona litoral norte de Portugal, a ULS do Alto Minho e ULS Matosinhos, abrangendo uma população mais jovem com menos co morbilidades e fruto da geografia do seu território, com mais facilidade de acesso aos serviços de saúde e, por conseguinte, aos cuidados. As restantes três ULS, ULS Castelo Branco, ULS Guarda e ULS Nordeste localizam-se na zona interior de Portugal com uma população mais envelhecida, mais comorbilidades, menor grau de instrução dos usuários destes serviços, mais dispersa geograficamente e, por conseguinte, com maior dificuldade de acessibilidade aos serviços de saúde.

As fontes de dados deste estudo foram os organismos do sistema de saúde português: a ERS e a Administração Central do Sistema de Saúde (ACSS), no período de 2015 a 2018. Os dados solicitados pelo investigador, por ofício à ERS, incidiram sobre o número de reclamações e motivos dessas reclamações em cada ULS estudada.

À ACSS, foi solicitado um conjunto de dados que compreendiam: o acesso dos cidadãos aos cuidados de saúde em número de médicos e número de enfermeiros, tempo médio de espera para marcação e realização de cirurgias programadas; eficiência produtiva: tempo médio de internamento, número total de doentes internados, número total de internamentos, total de urgências realizadas; desempenho económico-financeiro: custos com medicamentos e produtos farmacêuticos, prazo médio de pagamento aos fornecedores.

O processo conducente à obtenção dos dados da pesquisa desenvolveu-se em duas etapas, que compreenderam: solicitação dos dados à ERS e à ACSS em janeiro de 2017; em janeiro de 2020 solicitação de autorização de identificação das ULS, para efeitos de divulgação dados fornecidos pela ACSS.

Resultados

A apresentação dos resultados resulta da agregação dos dados em quatro dimensões. Assim sendo, as quatro dimensões referem-se a: acesso dos cidadãos aos cuidados de saúde, eficiência produtiva, qualidade dos cuidados e desempenho económico-financeiro. Os resultados servirão para avaliar o desempenho das ULS em estudo, em cada uma destas dimensões.

Uma componente crítica do desempenho dos serviços de saúde nacionais é a identificação de um conjunto de referenciais de desempenho e indicadores - e de meios para a sua medição - para monitorizar a força de trabalho em saúde (Organização Mundial da Saúde, 2008). Assim, o indicador analisado permite avaliar a cobertura de profissionais de saúde face à população residente, traduzindo a capacidade de resposta das ULS em estudo face às possíveis necessidades da população.

Através da análise da Tabela 1, constata-se que, à exceção da ULS Nordeste, relativamente ao número de médicos, dos CSP e hospitalares, globalmente, todas as restantes ULS, no período de 2015-2018, registaram um aumento da sua capacidade de resposta neste indicador. A ULS do Alto Minho apresenta um acréscimo na ordem dos 34 médicos, passando de 377 médicos no ano 2015 para 411 no ano 2018, o que confere uma perceção positiva na capacidade de promoção de uma resposta clínica e médica qualificada e diferenciada.

Tabela 1: Total de médicos e enfermeiros por ULS estudada (2015-2018 ) 

ULS Alto Minho ULS C. Branco ULS Guarda ULSMatosinhos ULS Nordeste
Médicos/ Enfermeiros Médicos/ Enfermeiros Médicos/ Enfermeiros Médicos/ Enfermeiros Médicos/ Enfermeiros
2015 377/618 150/362 192/470 387/620 201/434
2016 391/653 153/358 197/495 397/613 205/457
2017 392/681 155/367 202/526 400/618 204/470
2018 411/675 158/356 205/543 414/637 203/480

Nota. Adaptado de “Administração Central do Sistema de Saúde, 2018”

Por sua vez, o número de enfermeiros segue a tendência observada no número de médicos. De todas as ULS em análise, tanto no âmbito dos cuidados hospitalares como no âmbito dos cuidados de saúde primários, quatro registaram um aumento na capacidade de resposta pelo aumento do número de enfermeiros. A exceção verifica- se na ULS Castelo Branco, em que ocorreu um decréscimo do número de enfermeiros, passando de 362 (ano de 2015) para 356 (ano de 2018).

No indicador tempo médio de espera para marcação e realização de cirurgias programadas no âmbito do Sistema Integrado de Gestão de Inscritos para Cirurgia (SIGIC; Tabela 2), constata-se, numa primeira análise, uma estabilização dos tempos médios de espera por parte dos utentes, no horizonte temporal 2015-2018. Pormenorizando, a ULS de Matosinhos alcançou maior redução no tempo médio de espera, passando de 4,5 meses em 2015 para 3,7 meses em 2018. No plano oposto, a ULS do Nordeste registou o pior resultado com o aumento do tempo de espera de 0,7 meses (3,14 em 2015; 4,14 em 2018). Na ULS do Alto Minho, ULS da Guarda e ULS de Castelo Branco verifica-se uma pequena variação nos tempos médios de espera. Em 2018 de 3,2 meses, 3,3 meses e 2,7 meses, respetivamente.

Tabela 2: Tempo médio de espera em cada ULS para marcação e realização de cirurgias programadas no âmbito do SIGIC (2015-2018) 

ULS que opera Média do TE Op (meses) (Hosp) 2015 Média do TE Op (meses) (Hosp) 2016 Média do TE Op (meses) (Hosp) 2017 Média do TE Op (meses) (Hosp) 2018
ULS Matosinhos 4,51 4,7 4,65 3,79
ULS Alto Minho 3,22 3,94 3,21 3,24
ULS Guarda 3,26 3,53 3,2 3,37
ULS Castelo Branco 2,8 2,42 2,52 2,7
ULS Nordeste 3,44 3,87 4,04 4,14

Nota. TE = tempo de espera; Op = operação; Hosp = hospital; ULS = unidade local de saúde.

Adaptado de “Administração Central do Sistema de Saúde, 2018”

Já no que diz respeito à qualidade do atendimento, avaliada através do número de reclamações, como se pode observar na Tabela 3, houve um aumento do número de reclamações submetidas à ERS em quatro ULS, embora tenha havido um crescimento menos acentuado em três, verificando-se que a ULS Matosinhos registou um aumento acentuado (em 2015, 920 reclamações; em 2018, 1663 reclamações). Por outro lado, a ULS do Alto Minho seguiu uma trajetória descendente neste indicador (em 2015, 933 e em 2018, 635). A ULS Alto Minho face à população que serve, com a maior densidade populacional das cinco ULS em análise apresentou em 2018, um número de reclamações muito próximo ao das ULS de menor densidade populacional, o caso da ULS da Guarda e Castelo Branco.

Tabela 3: Número de Reclamações, por ano de submissão à ERS (2015-2018) 

Unidade Local de Saúde 2015 2016 2017 2018
ULS da Guarda 362 328 312 411
ULS de Castelo Branco 369 457 527 513
ULS de Matosinhos 920 959 1669 1663
ULS do Alto Minho 933 760 777 635
ULS do Nordeste 287 311 283 371
Total/Ano 2871 2815 3568 3593

Nota. Adaptado de “Entidade Reguladora da Saúde, 2018”

Relativamente aos assuntos mais visados nas reclamações efetuadas (Tabela 4), a focalização no utente surge como o primeiro motivo de reclamação: na ULS Guarda com 22,6%; ULS do Alto Minho com 23,3% e na ULS Nordeste com 25,4%. O segundo motivo diz respeito às dificuldades no acesso aos cuidados de saúde.

Tabela 4: Assuntos mais visados nas reclamações efetuadas (2015-2018) 

Focalização no utente Assuntos que se prendem com o grau de humanização dos serviços, incluindo práticas diárias, procedimentos internos, direitos dos utentes, publicidade e relações interpessoais.
Acesso a cuidados de saúde Questões relacionadas com dificuldade na obtenção de cuidados de saúde.

Nota. Adaptado de “Entidade Reguladora da Saúde, 2018”

Um dos aspetos que tem dificultado a avaliação da eficiência da integração de cuidados em ULS é o facto de, historicamente, a oferta se caracterizar por uma menor orientação para a prevenção da doença e mais para a resposta à doença aguda, episódica, pelo que as medidas e as metodologias de desempenho tradicionalmente utilizadas são, também elas, coerentes com uma oferta fragmentada. Esta constatação pode observar-se na Tabela 5, pelo elevado número de internamentos.

Tabela 5: Número total de internamentos por cada ULS (2015-2018 ) 

ULS em estudo 2015 2016 2017 2018
ULS Guarda 9698 9383 9031 8544
ULS Castelo Branco 8136 8155 7850 7751
ULS Matosinhos 16210 16356 15780 15297
ULS Alto Minho 17994 18110 17539 17552
ULS Nordeste 11467 11211 10734 10667

Nota. Adaptado de “Administração Central do Sistema de Saúde, 2018”

Contudo, esta tendência poderá começar a inverter-se pela constatação, em todas as ULS em estudo e no período em análise, do decréscimo gradual no número de internamentos. A ULS da Guarda registou um decréscimo mais significativo, de 1154, do número de doentes internados (em 2015, 9698; em 2018, 8544). A ULS de Castelo Branco registou uma diminuição de 385 doentes; a ULS de Matosinhos de 913 doentes; a ULS do Alto Minho de 442 doentes e a ULS Nordeste de 800.

No tempo médio de internamento, tabela 6, verificam-se diferenças nas cinco ULS em estudo, contudo, um dado é transversal, o aumento do tempo médio de internamento em todas as ULS. A ULS da Guarda em 2015 registou uma estadia média de internamento relativa a cada doente de 9,2 dias; a ULS Castelo Branco de 7,3 dias; a ULS de Matosinhos de 7,2 dias; a ULS do Alto Minho de 7,2 dias e a ULS Nordeste um de 9,0 dias. As ULS que apresentam um maior aumento no tempo médio de estadia em internamento são a ULS da Guarda e a ULS Nordeste, sendo esse aumento na ordem de1,4 dias e 1,3 dias, respetivamente. Nas restantes ULS o aumento pode considerar-se pouco expressivo (0,3 dias na ULS de Castelo Branco; 0,2 dias na ULS de Matosinhos; 0,1 dias na ULS do Alto Minho).

Tabela 6: Tempo médio de internamento por cada Unidade Local Saúde (2015-2018) 

ULS em estudo 2015 2016 2017 2018
ULS Guarda 9,2 9,6 9,9 10,6
ULS C. Branco 7,3 7,3 7,6 7,6
ULS Matosinhos 7,2 7,1 7,1 7,4
ULS Alto Minho 7,2 7,3 7,4 7,3
ULS Nordeste 9,0 9,3 10,2 10,3

Nota. Adaptado de “Administração Central do Sistema de Saúde, 2018”

Analisando a Tabela 7 os dados relativos ao número de urgências, constata-se que os episódios de urgências foram aumentando progressivamente em todas as ULS em estudo. Na ULS da Guarda, ULS de Castelo Branco e a ULS Matosinhos o acréscimo foi menos expressivo. A ULS do Alto Minho foi a que registou a subida mais significativa no número de urgências, 8803 (em 2015, 96512 episódios; em 2018,105315). A ULS do Nordeste em 2015 registou um total de 74340 episódios de urgências e no ano de 2018 realizou 77161, um aumento de 2821.

Tabela 7 : Número total de urgências realizadas (2015-2018) 

ULS em estudo 2015 2016 2017 2018
ULSGuarda 60610 63489 51737 61360
ULSCastelo Branco 63363 67300 64536 63091
ULSMatosinhos 85545 90741 90373 87158
ULS Alto Minho 96512 100264 102298 105315
ULSNordeste 74340 77261 74240 77161

Nota. Adaptado de “Administração Central do Sistema de Saúde, 2018”

Respeitante ao desempenho económico-financeiro, quatro das cinco ULS em estudo, excluindo-se a ULS da Guarda por insuficiência de dados, todas apresentam um aumento progressivo de custos com medicamentos e produtos farmacêuticos consumidos em internamento (Tabela 8). A ULS de Castelo Branco teve um aumento contínuo, embora pouco expressivo (em 2015, de 3.000.000€; em 2016 aproximadamente de 2.000.000€; em 2017 superava os 3.000.000€; em 2018 situou-se num valor próximo dos 3.500.000€). A ULS de Matosinhos teve um aumento constante, aproximadamente 1.000.000€ ao ano. A ULS do Alto Minho registou um crescimento semelhante à ULS de Matosinhos. A ULS do Nordeste, em 4 anos, teve um aumento na ordem dos 40%.

Tabela 8 : Custos com medicamentos e produtos farmacêuticos consumidos em internamento em cada Unidade Local Saúde (2015-2018 ) 

Consumo interno de medicamentos 2015 2016 2017 2018
ULS Guarda não disponível não disponível não disponível 6.298.152,2€
ULS C. Branco 3.071.328,9€ 2.174.419,04€ 3.332.789,65€ 3.543.340,3€
ULS Matosinhos 8.947.346,5€ 9.439.173,07€ 10.475.868,1€ 11.285.561,36€
ULS Alto Minho 9.317.665,0€ 10.552.372,9€ 11.391.181,8€ 11.295.551,25€
ULS Nordeste 2.488.789,0€ 2.356.605,80€ 3.475.419,04€ 4.631.817,15€

Nota. Adaptado de “Administração Central do Sistema de Saúde, 2018”

Numa análise relativa ao prazo médio de pagamento aos fornecedores (Tabela 9), ressalta-se o número médio de dias na ULS de Castelo Branco pelo seu valor menor no conjunto das 5 ULS em estudo, no ano de 2018, de apenas 66 dias. Relativamente às restantes quatro ULS, apresentam valores médios de pagamento aos fornecedores muito próximos. A ULS da Guarda de 200 dias; a ULS de Matosinhos de 218 dias; a ULS do Alto Minho 4de 171 dias e a ULS do Nordeste de 175 dias.

Tabela 9: Prazo médio de pagamento aos fornecedores por cada Unidade Local Saúde (2015-2018) 

Prazo Médio de Pagamento 2016 2017 2018
ULS Guarda 246 274 200
ULS C. Branco 62 78 66
ULS Matosinhos 331 385 218
ULS Alto Minho 139 192 171
ULS Nordeste 235 264 175

Nota. Adaptado de “Administração Central do Sistema de Saúde, 2018”

Numa observação mais detalhada e, numa perspetiva temporal, de 2016 a 2018, apenas uma das cinco ULS aumentou o tempo médio de pagamento a fornecedores, mais concretamente a ULS do Alto Minho, situando esse aumento em 32 dias (em 2016 de 139 dias; em 2018 de 171 dias). As restantes ULS assinalaram um decréscimo no número de dias, mais especificamente, 46 dias na ULS da Guarda, 60 dias na ULS do Nordeste e 103 dias na ULS de Matosinhos.

Discussão

Segundo Campos et al. (2009), entidadeassimetrias geográficas e sociais na repartição de meios humanos conduzem a iniquidades de acesso aos serviços, tendo sido apontado pelos governos da maioria dos países como um problema relevante, e constante, não obstante, das profusas estratégias empreendidas na sua resolução. Em geral, são as camadas mais pobres e desguarnecidas das populações que são mais afetadas pelo défice de assistência em saúde, propiciadas pela falta de profissionais.

Pela análise dos dados relativamente ao número de médicos, das cinco ULS em estudo, quatro registaram um aumento do número destes profissionais, o que pressupõe um aumento na capacidade de resposta às necessidades das populações de cuidados médicos. Quanto ao número de enfermeiros, quatro ULS registam um aumento destes profissionais, embora residual.

Segundo a ACSS (2017), a visão holística que a integração vertical de cuidados proporciona, simultaneamente com o seguimento transversal de todo o percurso do utente e a monitorização dos tempos de resposta globais e transversais dos vários níveis de cuidados, concorrem para aumentar a produtividade global do Serviço Nacional de Saúde (SNS).

Os tempos de espera podem indicar barreiras ao acesso a cuidados de saúde, de índole organizacional, por deficiente planeamento de recursos e por ineficiente utilização da capacidade existente (Barua, 2012).

Segundo Barros (2009), esperar por cuidados de saúde tem sempre resultados negativos, quer pelo impacto na própria saúde, quer de natureza económica, suscitando ainda o risco de ocorrência de eventos adversos nos doentes. A redução dos tempos de espera para cirurgia é um dos grandes objetivos estabelecido para o SIGIC, sendo mesmo considerado como “uma alteração fundamental na discussão pública sobre as listas de espera. Em lugar de se apresentarem e discutirem os números referentes à dimensão das listas de espera, passou-se a discutir os tempos de espera” (p. 342).

No que concerne ao conjunto das ULS em estudo, referente ao tempo médio de espera para marcação e realização de cirurgias programadas no âmbito do SIGIC, constata-se uma estabilização dos tempos médios. A ULS de Matosinhos foi a que alcançou maior redução no tempo médio de espera, passando de 4,5 meses em 2015 para 3,7 meses no ano 2018. A ULS do Nordeste viu agravado este indicador com um aumento de 0,7 meses (3,14 em 2015; 4,14 em 2018). A ULS do Alto Minho, ULS da Guarda e ULS de Castelo Branco apresentam um valor constante nos tempos médios de espera para marcação e realização de cirurgias programadas.

As reclamações dos utentes constituem uma fonte de informação importante, obtendo-se dados respeitantes aos problemas funcionais de uma organização de saúde. Os utentes, como utilizadores diretos, constituem-se como atores críticos do funcionamento das unidades de saúde e da qualidade dos cuidados prestados, identificando problemas, por vezes impercetíveis, aos modelos de monitorização utilizados para detetar eventuais anomalias (Reader et al., 2014). Examinando os dados constata-se que, no período de 2015 a 2018, houve um aumento do número de reclamações submetidas à ERS respeitante a quatro ULS, a exceção foi a ULS do Alto Minho que seguiu uma trajetória descendente relativamente ao número de reclamações (933 no ano, de 2015 e 635 em 2018). A ULS Matosinhos registou um aumento exponencial (em 2015 apresentava um valor que se cifrava em 920 reclamações; em 2018 o número cifrou-se em 1663 reclamações).

Para os autores Evans et al. (2013), há um claro desígnio nas várias políticas de saúde, visando aperfeiçoar a interligação entre as organizações e os seus distintos níveis de cuidados. A criação de organizações verticalmente integradas tem apontado para um incremento na qualidade de atendimento, como para uma maior eficiência e satisfação dos utentes.

Relativamente ao assunto mais focado nas reclamações diz respeito à focalização no utente. De acordo com a ERS, a sua matriz compreende os assuntos que se prendem com o grau de humanização dos serviços, incluindo práticas diárias, procedimentos internos, direitos dos utentes, publicidade e relações interpessoais (ERS, 2015).

Os cuidados de saúde prestados passam a privilegiar as especificidades/ características e patologias dos utentes, conferindo menor relevância às necessidades dos prestadores (Ackerman, 1992). Byrne e Ashton (1999) acrescentam que a integração vertical de cuidados fomenta, por parte das instituições de saúde, a ênfase na promoção e prevenção da saúde, em detrimento do enfoque apenas no tratamento da doença, visando melhorar o estado global de saúde da pessoa.

Tendo como base a premissa exposta por estes autores, importa discutir os dados e a sua evolução, relativos ao número total de internamentos, tempo médio de estadia em internamento e número total de urgências realizadas. Da análise dos dados constata-se que todas as ULS em estudo, no período em análise, registam um decréscimo no número de internamentos, sendo o decréscimo do número de doentes internados feito de forma gradual. Dos dados referentes ao tempo médio de estadia em internamento observam-se diferenças face às ULS em estudo, contudo um dado é transversal, o aumento do tempo médio de internamento, oscilando apenas a dimensão desse aumento no número de dias. Ligando os dados relativos ao número de urgências, na globalidade das ULS, constata-se que os episódios de urgência foram aumentando progressivamente, em todas as ULS em estudo.

Segundo Santos (2015), a integração vertical de cuidados tem sido considerada por muitos como um modelo organizacional fulcral para fazer face às pressões económicas atuais. Apesar de não existir consenso no que respeita às suas vantagens, este modelo de prestação é apontado como uma mais-valia na redução e contenção da despesa em saúde. (p. 81)

Pela análise dos dados extrai-se que, no ano de 2018, quatro ULS têm valores médios depagamento aos fornecedores muito próximos, que incluem a ULS da Guarda, a ULS de Matosinhos, a ULS do Alto Minho e a ULS do Nordeste. Numa perspetiva temporal, de 2016 a 2018, apenas uma das cinco ULS aumentou o tempo médio de pagamento a fornecedores, mais concretamente a ULS do Alto Minho, situando-se esse aumento em 32 dias. As restantes ULS, ULS da Guarda, ULS de Matosinhos e ULS do Nordeste assinalaram um decréscimo no número de dias no prazo médio de pagamento aos fornecedores.

Examinando os custos relativos a medicamentos e produtos farmacêuticos consumidos em internamento, quatro das cinco ULS em estudo, exclui-se a ULS da Guarda por insuficiência de dados, todas as ULS apresentam um aumento progressivo, no decurso do quatriénio em estudo, deste indicador de desempenho económico-financeiro, em contraciclo ao que a literatura sugere. De acordo com Santana e Costa (2008) a integração de cuidados de saúde, pressupõe um aumento das economias de escala através de coordenação dos diversos níveis de cuidados.

Como limitações do estudo, de referir que não foi possível obter dados acerca do tempo de espera para marcação e realização de meios complementares de diagnóstico e terapêutica. Conhecer o tempo médio de espera é um indicador de acesso dos cidadãos aos cuidados de saúde relevante, pelo facto de uma grande percentagem das decisões médicas se basearem em resultados de exames laboratoriais, que podem ser considerados como sendo a ferramenta de elevada relação custo/efetividade para serem utilizados para fins de diagnóstico, prognóstico e prevenção.

Conclusão

Pela análise dos resultados da ACSS e da ERS, que incidem sobre o acesso dos cidadãos aos cuidados de saúde, a qualidade dos cuidados, a eficiência produtiva e desempenho económico-financeiro, parece haver evidência que o modelo organizativo em ULS não aportou ganhos significativos ao SNS que teoricamente este modelo de governação produz.

Os dados permitem-nos concluir que o tempo médio de espera para cirurgias programadas estagnou na globalidade das ULS em estudo. Importa, por isso, destacar que estes resultados podem revelar um problema de acesso dos cidadãos aos cuidados de saúde.

Ao nível da qualidade dos cuidados o número de reclamações submetidas à ERS aumentou na globalidade das ULS que foram objeto deste estudo, sendo o tema mais visado a focalização no utente, reportando-se exclusivamente ao grau de humanização dos serviços, que incluem práticas diárias, procedimentos internos, direitos dos utentes, entre outros assuntos.

Conclui-se dos dados referentes ao tempo médio de estadia em internamento um aumento do tempo médio de internamento em todas as ULS, oscilando apenas a dimensão desse aumento no número de dias. Esta conclusão permite sugerir que os eventuais benefícios aportados pela integração dos dois níveis de cuidados de saúde, não tem expressão na redução do tempo de internamento, sugerindo a necessidade de uma maior integração e interligação entre os profissionais dos vários níveis de cuidados, tendente a um melhor acompanhamento e monitorização do estado da saúde dos seus utentes, por exemplo vigilância e monitorização das doenças crónicas, que se traduziriam numa menor agudização das patologias prévias dos utentes e consequentemente menor necessidade de cuidados hospitalares, ou diferenciados, e menor número de dias de internamento. Pode-se acrescentar que o aumento do tempo de estadia, além dos prejuízos óbvios para o agravamento do estado geral do doente, vai também refletir-se na componente económico-financeira, aumentando os custos diretos com os cuidados que cada ULS tem com os seus utentes.

Respeitante aos dados relativos ao número de urgências realizadas na globalidade das ULS, conclui-se que os episódios de urgências foram aumentando progressivamente em todas as ULS em estudo. Contudo, esperava-se que este modelo de integração vertical de cuidados apresenta-se uma notória descida do número de episódios de urgência resultante da dinâmica de interligação entre os cuidados de saúde primários e hospitalares. Estes dados são mais um contributo para a conclusão de que a coordenação entre os diferentes níveis de cuidados é deficitária ou incompleta.

Conclui-se que na dinâmica económico-financeira os custos com medicamentos e produtos farmacêuticos consumidos em internamento aumentaram no decurso do quadriénio em estudo.

Contudo, é indispensável aduzir a todas as conclusões anteriormente apresentadas, que os resultados em análise, objeto de inferências, não apresentam uma tendência definida e definitiva, tal como não podem ser extrapolados para instituições e períodos temporais não contemplados.

De incluir também a existência de disparidades entre as diversas ULS em estudo, o que prognostica diferentes níveis de integração em termos totais, contudo já era previsível e não constituiu essa análise o foco deste estudo de investigação.

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6Como citar este artigo: Cruz, J. R., Escanciano, S. R., Marcos, A. B., & Pimentel, M. H. (2022). Unidade local de saúde: um modelo de integração vertical dos cuidados de saúde. Revista de Enfermagem Referência, 6(1), e21061. https://doi.org/10.12707/RV21061

Recebido: 04 de Setembro de 2021; Aceito: 19 de Janeiro de 2022

Autor de correspondência João Ricardo Miranda da Cruz E-mail: j_r_cruz@sapo.pt

Conceptualização: Cruz, J. R.,

Tratamento de dados: Cruz, J. R., Pimentel, M. H., Escanciano, S. R., & Marcos, A. B.

Análise formal: Cruz, J. R., Pimentel, M. H., Escanciano, S. R., & Marcos, A. B.

Redação - rascunho original: Cruz, J. R.,

Redação - análise e edição: Pimentel, M. H., Escanciano, S. R., & Marcos, A. B.

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