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Revista de Enfermagem Referência

versão impressa ISSN 0874-0283versão On-line ISSN 2182-2883

Rev. Enf. Ref. vol.serV no.4 Coimbra out. 2020

https://doi.org/10.12707/RV20065 

ARTIGO DE INVESTIGAÇÃO (ORIGINAL)

RESEARCH PAPER (ORIGINAL)

 

Adaptação transcultural brasileira do Resilience Safety Culture

Brazilian cross-cultural adaptation of the Resilience Safety Culture

Adaptación transcultural brasileña de Resilience Safety Culture

 

Isabelly Costa Lima Oliveira 1
https://orcid.org/0000-0002-7460-9244

Ítalo Lennon Sales Almeida 2
https://orcid.org/0000-0002-8013-8565

Samia Freitas Aires 3
https://orcid.org/0000-0003-1781-6623

George Jó Bezerra Sousa 2
https://orcid.org/0000-0003-0291-6613

Roberta Menezes Oliveira 4
https://orcid.org/0000-0002-5803-8605

Shérida Karanini Paz de Oliveira 2
https://orcid.org/0000-0003-3902-8046

Rhanna Emanuela Fontenele Lima de Carvalho* 2
https://orcid.org/0000-0002-3406-9685

 

1 Laboratório Emílio Ribas, Fortaleza, Ceará, Brasil

2 Universidade Estadual do Ceará, Fortaleza, Ceará, Brasil

3 Prefeitura Municipal de Fortaleza, Fortaleza, Ceará, Brasil

4 Universidade Federal do Ceará, Fortaleza, Ceará, Brasil

 

RESUMO

Enquadramento: Nos sistemas de saúde, a resiliência institucional refere-se à adaptação dos trabalhadores, de forma a preservar a relação saudável entre a pessoa e o seu trabalho num ambiente com considerável transformação e imprevisibilidade.

Objetivo: Realizar a adaptação transcultural da Resilience Safety Culture para o Brasil e para as organizações de saúde.

Metodologia: Estudo metodológico, cujo processo de adaptação e validação seguiu 6 etapas. O instrumento foi aplicado a 145 profissionais de saúde num hospital público.

Resultados: Na adaptação cultural, os itens foram ajustados conforme análise dos juízes com coeficiente global de validade de conteúdo de 0,95 e consistência interna dos itens 0,91. A análise fatorial confirmatória sugeriu um modelo com índices adequados (X2/dl = 5,315; SRMR = 0,079; TLI = 0,92; CFI = 0,93; RMSEA = 0,019).

Conclusão: A versão brasileira foi considerada válida e confiável, com 42 itens dispostos em 10 domínios, divergindo do modelo original. Recomenda-se que a versão adaptada seja utilizada em outras amostras, a fim de averiguar a sua validade e confiabilidade alcançadas neste estudo.

Palavras-chave: cultura organizacional; estudo de validação; psicometria; tradução; análise fatorial

 

ABSTRACT

Background: In health systems, institutional resilience refers to the workers’ ability to adapt to preserve their healthy relationship with their work in fast-changing and unpredictable environments.

Objective: To carry out the cross-cultural adaptation of the Resilience Safety Culture for Brazil and healthcare organizations.

Methodology: Methodological study with a six-step adaptation and validation process. The instrument was applied to 145 health professionals in a public hospital.

Results: In the cultural adaptation, the items were adjusted based on the expert judges’ analysis with a global content validity index of 0.95 and an internal consistency of 0.91. Confirmatory factor analysis suggested a good-fitting model (X2/dl = 5.315; SRMR = 0.079; TLI = 0.92; CFI = 0.93; RMSEA = 0.019).

Conclusion: The Brazilian version proved to be valid and reliable with 42 items arranged in 10 domains, differing from the original model. The adapted version should be used in other samples to verify the validity and reliability achieved in this study.

Keywords: organizational culture; validation study; psychometrics; translating; factor analysis, statistical

 

RESUMEN

Marco contextual: En los sistemas de salud, la resiliencia institucional se refiere a la adaptación de los trabajadores para preservar la relación saludable entre la persona y su trabajo en un entorno de considerable transformación e imprevisibilidad.

Objetivo: Realizar la adaptación transcultural de la Resilience Safety Culture para Brasil y para las organizaciones de salud.

Metodología: Estudio metodológico, cuyo proceso de adaptación y validación siguió 6 etapas. El instrumento se aplicó a 145 profesionales de la salud en un hospital público.

Resultados: En la adaptación cultural, los ítems se ajustaron de acuerdo con el análisis de los jueces, con un coeficiente global de validez de contenido de 0,95 y una consistencia interna de los ítems de 0,91. El análisis factorial confirmatorio sugirió un modelo con índices adecuados (X2/dl = 5,315; SRMR = 0,079; TLI = 0,92; CFI = 0,93; RMSEA = 0,019).

Conclusión: La versión brasileña se consideró válida y fiable, con 42 artículos dispuestos en 10 dominios, que difieren del modelo original. Se recomienda que la versión adaptada se utilice en otras muestras para verificar la validez y fiabilidad conseguidas en este estudio.

Palabras clave: cultura organizacional; estudio de validación, psicometría; traducción; análisis factorial

 

Introdução

O conceito de segurança do paciente divulgado há mais de duas décadas tem vindo a ser questionado por investigadores, uma vez que este se associa a ausência de dano e implica uma postura reativa das instituições (Braithwaite, Hollnagel, & Hunte, 2019). Assim, em contraste com essa definição, surge o conceito de resiliência nos serviços de saúde, que se baseia nos pontos positivos e nas capacidades e competências dos profissionais que fazem o certo.

Quando a resiliência é entendida como uma capacidade, significa que não é um conceito fixo, mas dinâmico, que varia e pode mudar continuamente (Tjofla°t & Hansen, 2019). É nesse sentido que as instituições com altos níveis de resiliência elaboram condutas não apenas para evitar o erro, mas redefinem estratégias para sobrepor-se a este, adotando uma postura de aprendizagem e encorajamento, e não apenas punitiva.

Apesar de serem crescentes as investigações sobre cultura de segurança nas instituições de saúde, estudos sobre a resiliência no sistema de saúde ainda são escassas. Os instrumentos utilizados para avaliação de resiliência institucional foram criados para o uso na engenharia, fazendo-se necessária a investigação sobre a resiliência institucional na área da saúde. Face a este contexto, o objetivo do presente estudo foi realizar a adaptação transcultural da Resilience Safety Culture (RSC) para as organizações de saúde.

 

Enquadramento

A resiliência ressoa no momento atual da história, em que diversas situações, incluindo, entre outras, pandemias e distúrbios financeiros, tornaram-se parte das nossas expectativas, exigindo a capacidade de antecipar, adaptar-se a ambientes de mudanças incertas e potencialmente rápidas (Coze, 2019).

O termo resiliência institucional tem origem na engenharia de resiliência e é definido como uma nova direção para manter a segurança em sistemas complexos (Braithwaite et al., 2019). Refere-se à adaptação dos trabalhadores, de forma a preservar a relação saudável entre a pessoa e o seu trabalho num ambiente com considerável transformação e imprevisibilidade, como a área da saúde.

A resiliência é um constructo que pode ser avaliado e a RSC é uma escala desenvolvida com base nas dimensões da cultura de segurança e da engenharia de resiliência (Shirali, Shekari, & Angali, 2018). No entanto, é um instrumento desenvolvido para as engenharias e não foram identificados instrumentos direcionados para a área da saúde.

Assim, com o intuito de disponibilizar um instrumento válido e confiável para a avaliação da resiliência institucional, o presente estudo teve como objetivo adaptar para o Brasil e para as instituições de saúde o instrumento RSC. Este instrumento foi escolhido por apresentar boas propriedades psicométricas (KMO = 0.88; X² = 9951; p < 0,001) e alfa de Cronbach de 0,94, demonstrando consistência interna entre os itens e boas correlações entre os domínios (Shirali et al., 2018).

 

Metodologia

Trata-se de um estudo metodológico, transversal, de adaptação transcultural e de validação da RSC. Para alcançar o objetivo proposto, o estudo foi desenvolvido a partir das seguintes etapas: adaptação transcultural e validade de conteúdo e análise das propriedades psicométricas.

O instrumento RSC contém 66 itens dispostos em 13 domínios: Cultura justa; Gerenciamento das mudanças; Cultura de aprendizagem; Gerenciamento de Risco; Preparação; Flexibilidade; Cultura relatora; Compromisso da gestão; Consciência; Gerenciamento de sistemas de segurança; Investigação de acidentes; Envolvimento da equipa; e Competência (Shirali et al., 2018). As respostas estão dispostas numa escala do tipo Likert de 5 pontos, na qual as respostas variam entre: (A) discorda totalmente, (B) discorda parcialmente, (C) concorda parcialmente, (D) concorda totalmente e (E) não se aplica.

Antes de iniciar o estudo foi solicitada a autorização do autor da escala, que consentiu a adaptação transcultural para a área da saúde e para o português do Brasil.

Para a adaptação transcultural da versão original para o contexto de saúde brasileiro, seguiu-se o processo proposto por Beaton, Bombardier, Guilemin, e Ferraz (2000).

Na tradução inicial, dois tradutores independentes bilingues do idioma original, inglês, realizaram a tradução do instrumento para o idioma de destino, português do Brasil, cada um produziu uma versão, em separado, denominada T1 e T2. O tradutor (T1) era licenciado em letras (português/inglês) e não conhecia o constructo estudado. O tradutor (T2) era profissional da área da saúde com experiência em tradução de instrumentos.

A síntese das traduções foi realizada pelos investigadores com o objetivo de obter uma versão única das duas traduções, tendo essa versão sido aprovada pelo tradutor profissional de saúde (T2), e sido denominada ST12.

Na retrotradução, ou backtranslation, a versão ST12 foi traduzida do idioma português novamente para o inglês, por outros dois tradutores independentes e nativos na língua original do instrumento, mas que não conheciam o constructo estudado. Cada tradutor dessa etapa produziu uma versão designada como BT1 e BT2. No final, uma versão síntese denominada BT12 foi realizada por um novo tradutor bilingue e não nativo.

Após a retrotradução, as sínteses do material produzido, ST12 e BT12, foram encaminhadas para um comité de especialistas/juízes, formado por 10 profissionais de saúde, de diferentes regiões do país, com experiência nas temáticas: cultura de segurança e adaptação transcultural de instrumentos na saúde. Para a definição do número de juízes seguiu-se a orientação de Lynn (1986), que recomenda um mi´nimo de cinco e um ma´ximo de 10 pessoas a participar neste processo.

Os especialistas receberam um questionário através de correio eletrónico, e avaliaram as equivalências semânticas, idiomáticas, conceptuais e culturais do instrumento. A validade de conteúdo foi realizada através do índice de validade de conteúdo (IVC), cujos valores adequados devem ser = 0,8 (Alexandre & Coluci, 2011) e por último, os especialistas acrescentaram considerações e sugestões na formulação dos itens.

A etapa seguinte foi o pré-teste com o público-alvo, profissionais de saúde de um hospital terciário de referência em transplantes, neurocirurgias e tratamento clínico especializado no estado do Ceará. Foram adotados os seguintes critérios de inclusão: estar a trabalhar há, pelo menos, 6 meses no setor e trabalhar, no mínimo, 20 horas semanais no local. Do estudo, foram excluídos os profissionais que, na ocasião da colheita de dados, estavam de férias, de licença ou afastados.

Esta etapa realizou-se com 13 profissionais de saúde (três fisioterapeutas, três enfermeiros, duas técnicas de enfermagem, dois farmacêuticos, duas fonoaudiólogas e uma terapeuta ocupacional). O processo de validac¸a~o, realizado pelos profissionais foi conduzido ate´ à ause^ncia de novas recomendac¸o~es. Este crite´rio foi seguido para determinar a quantidade de profissionais inclui´dos neste estudo.

Para avaliar as propriedades psicométricas do instrumento validado aplicou-se o instrumento a 145 profissionais de saúde. A seleção da amostra seguiu um processo de amostragem não-probabilística por conveniência, onde os profissionais eram convidados a participar no estudo e selecionados de acordo com os mesmos critérios de inclusão e exclusão da etapa do pré-teste. Uma amostra de, no mínimo, 100 respondentes é suficiente para realizar análise fatorial (Hair, William, Babin, & Anderson, 2009).

A confiabilidade do instrumento foi mensurada através do alfa de Cronbach, que avalia a consistência interna dos itens, sendo considerados valores aceitáveis acima de 0,70 (Taber, 2018).

A validade de constructo foi mensurada por meio da análise fatorial exploratória (AFE) e análise fatorial confirmatória (AFC). Inicialmente, para verificar a adequação da amostra foram realizados os testes de Kaiser-Meyer-Oklin (significativo quando KMO acima de 0,6) e o teste de esfericidade de Bartlett (valor significativo de p).

Na AFE, foi realizada a análise dos componentes principais, com rotação da matriz de componentes pelo método Varimax e retenção dos itens com cargas fatoriais acima de 0,5 (Hair et al., 2009).

Na AFC foram avaliados os seguintes índices: (a) o valor de Qui-quadrado (X²) sobre o grau de liberdade (gl), considerado aceitável quando o valor é inferior a 5,00 (b) raiz do erro quadrado médio de aproximação (root mean square error of approximation - RMSEA), no qual valores inferiores a 0,05 sugerem um bom ajuste do modelo; (c) raiz padronizada do quadrado médio residual (standardized root mean square residual - SRMR), cujo valor de corte é 0,08 e quanto mais próximo de zero, melhor o ajuste do modelo; e (d) índice de comparação (comparative fit index - CFI) e o índice de Tucker-Lewis (Tucker-Lewis Index - TLI), cujos valores recomendados são acima de 0,90 (Hair et al., 2009).

Os dados foram organizados e processados no software IBM SPSS Statistics, versão 19.0, e a análise fatorial com o software R, uso do pacote Lavaan. O estudo foi aprovado pelo Comité de Ética e Pesquisa do Hospital Geral de Fortaleza e obteve o parecer favorável nº 2.674. 967, CAEE: 85929618.5.3001.5040. Todos os participantes assinaram o termo de consentimento e o anonimato foi garantido.

 

Resultados

Depois de solicitada a autorização para a adaptação transcultural do instrumento para o Brasil, o processo de tradução e adaptação do instrumento foi realizado em 12 meses. As fases de tradução e retrotradução duraram 4 meses. De seguida, ocorreu a validação de conteúdo com os especialistas e a aplicação do instrumento com avaliação das propriedades psicométricas.

O comité de especialistas foi composto quase na sua totalidade por participantes do sexo feminino, com idade média de 41 anos, predominantemente enfermeiros, porém, foi possível contar com a contribuição de uma médica e uma nutricionista. Os profissionais exerciam função em instituições de ensino e de saúde públicas e privadas, das regiões nordeste, sudeste e centro-oeste do país.

Quanto à análise de conteúdo dos itens, o instrumento obteve um índice de validação de conteúdo de 0,95 para o instrumento total e valores que variaram entre 0,80 a 1 para cada item. Constatou-se que 21 (31,8%) dos 66 itens obtiveram índice de concordância 1,0. Entre os itens que receberam menor índice de concordância estão os itens 29, 45, 55 e 56.

Quanto ao título do instrumento, durante o processo de tradução o mesmo foi traduzido para português do Brasil, Questionário de Cultura de Segurança Resiliente, porém, o comité de juízes sugeriu manter o nome do instrumento na versão original Resilience Safety Culture - RSC, acrescentando versão brasileira, para facilitar a procura do mesmo nas bases de dados. Outra modificação solicitada junto do comité de especialistas diz respeito ao cabeçalho do instrumento, ao modificar a frase: “pensando na sua “unidade” como local de trabalho que você passa a maior parte do seu tempo” para “pensando na unidade em que você trabalha a maior parte do tempo”.

No item 8, foi sugerido acrescentar a definição de “Gestão da mudança” no início do questionário e, assim como no item 45, foram acrescentados exemplos a fim de dar uma conotação mais prática do item.

O termo “relatar” foi padronizado como “notificar”, pois o relato não implica necessariamente a notificação, e não é suficiente para registo, análise e tomada de medidas preventivas. No item 14, foi sugerido acrescentar a definição utilizada pela Organização Mundial da Saúde de “incidentes e falhas” no início do questionário, e no item, ao invés de utilizar a palavra “erro”, utilizar “incidentes e falhas” (WHO, 2009). As demais alterações estão relacionadas com a composição das frases, correções de grafias ou gramaticais.

As modificações sugeridas pelo comité de especialistas estão descritas na Tabela 1, que apresenta a versão original e a versão do item após considerações dos especialistas assim como também o índice de validade de conteúdo do item.

Para a análise das propriedades psicométricas o questionário foi preenchido por 145 profissionais de saúde, na sua maioria do sexo feminino (84,8%), com média de idade de 33 anos. A Tabela 2 apresenta as características dos profissionais participantes no estudo.

A avaliação do alfa de Cronbach geral da RSC versão brasileira foi de 0,91. Na avaliação por domínio, identificou-se que quatro domínios alcançaram alfa acima de 0,70. O domínio Competências foi o que apresentou a melhor consistência interna (0,80). E três domínios, Consciência (0,31), Envolvimento da equipa (0,33) e Gerenciamento de sistemas de segurança (0,48) apresentaram valores inferiores aos índices preconizados. A Tabela 3 apresenta a descrição dos valores obtidos no questionário geral e por domínios.

O valor de KMO foi de 0,81 e no teste de esfericidade de Bartlett, o valor de X² foi 5987,6; gl = 2145 e p < 0,000. Portanto, tais resultados, revelam que a amostra é adequada para análise fatorial.

Na AFE, para extração dos fatores foi utilizada análise de componentes principais. Evidenciaram-se 13 componentes que explicaram 60,7% da variância total assumida por cada fator, sendo que 23,4% foram explicadas no primeiro fator. A matriz de correlação foi rotacionada pelo método ortogonal Varimax, usando os 66 itens que identificaram as cargas nos seus devidos fatores. Observou-se que, para cada fator, houve agrupamento de itens de diversos domínios da escala original. Os agrupamentos dos itens nos componentes são apresentados na Tabela 4.

Na AFC, realizou-se a especificação de três modelos de equações estruturais (SEM), na tentativa de verificar o modelo de ajuste mais adequado nos critérios teóricos e metodológicos. O primeiro modelo contempla todos os itens da RSC versão brasileira, independentemente da carga fatorial, agrupando todas as cargas em apenas um fator, considerando a escala unidimensional devido à variância explicada do primeiro fator em relação aos demais. Este modelo, apesar de apresentar um valor de RMSEA satisfatório (0,017), os demais índices SRMR e CFI, TLI (0,093, 0,922 e 0,919, respectivamente) foram insuficientes para adequar o modelo.

O segundo modelo contempla apenas os itens com carga fatorial acima de 0,5, novamente todas as cargas em apenas um único fator. O segundo modelo, por sua vez, ao contrário do primeiro, apresentou índices insuficientes no X²/gl e no RMSEA (12,2 e 0,032, respetivamente).

O terceiro modelo origina-se na AFE, elencando cargas fatoriais acima de 0,5. Inicialmente, foram propostos 13 componentes seguindo o modelo do instrumento original, porém, os fatores 11, 12 e 13 saturaram com apenas um item no componente, o que tornou inviável a estimação do modelo. Portanto, para solucionar este impedimento, foi necessário realocar os itens de acordo com a literatura pertinente. O item 48 foi alocado no fator 4, o item 26 foi alocado no fator 5 e o item 45 foi alocado no fator 8.

O último modelo testado apresentou valores adequados em todos os índices, aproximando-se dos valores obtidos na escala original. Este foi o modelo escolhido como sugestão para a versão adaptada da RSC para português do Brasil e para a área da saúde. Os dados relativos às modelagens na AFC são apresentados na Tabela 5.

 

Discussão

A utilização de um instrumento, tanto no idioma de origem como num ambiente distinto ao de origem requer um processo de tradução e adaptação transcultural para constatar as equivalências necessárias, e permitir a aplicação de uma escala confiável, que mantém as mesmas características da original.

Portanto, no processo de adaptação transcultural do instrumento RSC a composição do grupo de especialistas de diferentes regiões do Brasil, multiprofissional com vasta formação e experiência na temática, contribuiu para a obtenção de uma avaliação integral, criteriosa e de credibilidade do instrumento.

Essa diversificação regional dos especialistas é fundamental em estudos desta natureza, devido à heterogeneidade da população brasileira, que utiliza variados termos regionais, os quais podem não ser conhecidos no restante país. Além disso, a formação e a experiência profissional dos especialistas com a temática abordada possibilitam maior legitimidade ao processo (Arthur et al., 2018).

Tendo em conta as modificações sugeridas pelos especialistas, foi acrescentada a definição de “gestão da mudança”, palavra não usual no ambiente da saúde, e “incidente” no início do instrumento. O termo “gestão da mudança” refere-se à forma como orientamos, preparamos, equipamos e apoiamos indivíduos para adotarem mudanças com sucesso. As práticas de gestão da mudança são intervenções organizacionais que facilitam a promulgação de mudanças e, quando utilizadas no âmbito da saúde, podem auxiliar a gestão na inserção de novas tecnologias, rotinas ou procedimentos (Machado & Neiva, 2017).

Quanto ao termo “incidentes”, em 2009 a Organização Mundial da Saúde desenvolveu a Classificação Internacional de Segurança do Paciente, com o intuito de padronizar os vocábulos relacionados com segurança do paciente e, desta forma, definiu-se incidente e falhas como “evento ou circunstância que poderia ter resultado, ou resultou, em dano desnecessário ao paciente” (Agência Nacional de Vigilância Sanitária, 2014, p. 7). A classificação permite-nos organizar as informações numa estrutura que realça a identificação, prevenção, deteção e a redução de riscos dentro do sistema de saúde. Contudo, a redução de incidentes ainda é um grande desafio para o cuidado em saúde de qualidade.

Ainda durante a adaptação transcultural, a padronização do termo “notificar” em substituição do termo “relatar”, foi necessária visto que a notificação de incidentes, eventos adversos e queixas técnicas é considerada um ato obrigatório nas organizações de saúde, portanto, torna-se imperativo a disseminação e estimulação da prática no quotidiano. A inserção de exemplos, como foi realizado em alguns itens, tem sido utilizada por outros investigadores que realizaram estudos de adaptação transcultural (Zambardi et al., 2019; Gonçalves, Arciprete, Barroso, & Pillon, 2018).

Por fim, após avaliação do comité de especialistas constatou-se que a escala adaptada para o Brasil apresentou equivalência semântica, idiomática, cultural e conceptual. Medeiros et al. (2015) e Souza, Alexandre, e Guirardello (2017) afirmam a necessidade de associar a validação de conteúdo a outros tipos de validação, sendo assim o instrumento passou pelo processo de validação de constructo. Durante a etapa do pré-teste com a população-alvo, o instrumento não sofreu modificações e foi considerado interessante e relevante mediante a temática abordada e que os itens estavam claros.

Na validação clínica do instrumento, a predominância do sexo feminino nos participantes do estudo justifica-se pela maior inserção das mulheres do que homens nas profissões da área da saúde, em especial na enfermagem, e porque culturalmente associa-se à mulher os cuidados com os enfermos, que de certa forma, influenciam na decisão das mesmas para profissões com esse fim (Marinho, Paz, Jomar, & Abreu, 2019).

Relativamente ao título académico dos participantes, houve predominância de profissionais especialistas, acredita-se que tal resultado se atribui ao nível terciário da instituição, com carácter de referência em cuidados especializados e, portanto, espera-se que os profissionais que atuem em setores específicos possuam o domínio pertinente a cada especialidade atendida no hospital. Esse acréscimo ao currículo profissional deve ser incentivado, pois possibilita o aprimoramento e desenvolvimento pessoal, com consequente aplicabilidade nas práticas do profissional na instituição (Costa et al., 2014).

Na análise da confiabilidade, por meio da consistência interna dos itens, a versão adaptada apresentou valor de alfa de Cronbach muito próximo ao apresentado na versão original (Shirali et al., 2018), com variação entre os domínios de 0,31 (Consciência) a 0,80 (Competência). Na versão original da RSC, a variação entre os domínios foi de 0,67 (Competência) a 0,91 (Preparação). Importa salientar que na versão adaptada, o domínio Competência foi o que apresentou maior consistência interna, em oposição ao resultado da versão original, que foi o domínio de menor consistência. Acredita-se que no contexto da saúde os itens que envolvem tal domínio representem, de maneira mais fidedigna, o constructo. Desta forma, considera-se o instrumento homogéneo, com boa consistência e com forte correlação entre os itens.

A confiabilidade não é uma propriedade fixa do instrumento, pode variar de acordo com a função do instrumento, da população avaliada, do contexto, inclusivamente, o instrumento pode até não ser considerado confiável segundo as diferentes condições. Nesta aplicação, mesmo com a mudança de contexto na utilização do instrumento, o mesmo mostrou-se consistente (Medeiros et al., 2015).

Em referência à análise de constructo, Hair et al. (2009) afirmam que na modelagem de equações estruturais (SEM), o tamanho da amostra pode afetar o modelo, pois a análise das covariâncias baseia-se em teorias com grandes amostras e, com isso, os modelos hipotéticos podem ser subestimados, desta forma, salienta-se que o modelo proposto para a amostra brasileira pode ser reformulado a partir de novos estudos de validação com tamanho amostral maior.

Por fim, a diferenciação da estruturação dos fatores da versão brasileira da RSC para a versão original explica-se devido à realocação de itens únicos nas três últimas dimensões, e para tal, utilizando a literatura pertinente ao constructo, foi possível a alocação dos itens nos fatores de maior similaridade e representação. Outros estudos de adaptação transcultural também apresentaram nos seus resultados diferenciação quanto ao número de fatores entre os modelos propostos e a versão original, reiterando que as modificações ocorrem de acordo com a população do estudo (Gonçalves et al., 2018; Stacciarini & Pace, 2017).

Como limitação deste estudo, ressalta-se a ausência de estudos quanto ao processo de tradução, adaptação e validação, inclusivamente de aplicação do instrumento RSC em outros países e em instituições de saúde, dificultando a discussão e comparação de resultados. Outro fator de limitação é o tamanho da amostra na validação externa do instrumento. Como avanço científico, este estudo disponibiliza o primeiro instrumento de avalição de resiliência institucional na área da saúde para a língua portuguesa e este pode, a partir da sua utilização, despertar nas organizações de saúde as características de resiliência e, assim, manter a segurança do paciente.

 

Conclusão

A versão brasileira da RSC é a primeira versão válida e confiável quanto à consistência interna dos itens, capaz de mensurar a resiliência nas instituições de saúde. Na versão adaptada para português do Brasil, o instrumento ficou com 41 itens e seis dimensões.

Esta pesquisa finaliza uma das etapas do processo de validação da RSC versão brasileira e para as instituições de saúde, mas o processo não está concluído neste estudo, pelo contrário, pressupõe continuidade e pode ser continuado em outros estudos com ampliação da amostra. Espera-se que este instrumento subsidie a investigação dos pontos de vulnerabilidades e de potencialidades dos profissionais e da gestão, perante o dinâmico cenário da saúde, e assim possa contribuir para o aprimoramento da capacidade adaptativa das organizações, elevando a qualidade e excelência do cuidado prestado.

 

Referências bibliográficas

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Contribuição de autores

Conceptualização: Oliveira, I. C., Almeida, I. L., Aires, S. F., Carvalho, R. E.

Análise formal: Oliveira, I. C., Almeida, I. L., Aires, S. F., Sousa, G. J., Oliveira, R. M., Oliveira, S. K., Carvalho, R. E.

Redação - rascunho original: Oliveira, I. C., Almeida, I. L., Aires, S. F., Carvalho, R. E.

Redação - análise e edição: Sousa, G. J., Oliveira, R. M., Oliveira, S. K., Carvalho, R. E.

 

Autor de correspondência:

* Rhanna Emanuela Fontenele Lima Carvalho

E-mail: rhannal.lima@uece.br

 

Como citar este artigo: Oliveira, I. C., Almeida, I. L., Aires, S. F., Sousa, G. J., Oliveira, R. O., Oliveira, S. K. & Carvalho, R. E., (2020). Adaptação transcultural brasileira do Resilience Safety Culture. Revista de Enfermagem Referência, 5(4), e20065. doi:10.12707/RV20065

 

Recebido: 08.05.20

Aceite: 26.10.20

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