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Revista de Enfermagem Referência

versão impressa ISSN 0874-0283versão On-line ISSN 2182-2883

Rev. Enf. Ref. vol.serV no.4 Coimbra out. 2020

https://doi.org/10.12707/RV20039 

ARTIGO DE INVESTIGAÇÃO (ORIGINAL)

RESEARCH PAPER (ORIGINAL)

 

Aceitação de um programa mHealth para prevenção da obesidade em adolescentes: estudo misto sequencial

Acceptance of an mHealth program for obesity prevention in adolescents: mixed sequential study

Aceptación de un programa de mHealth para la prevención de la obesidad en adolescentes: estudio mixto secuencial

 

Pedro Miguel Lopes de Sousa* 1,6
https://orcid.org/0000-0002-6313-532X

Inês Margarida da Silva Ferreira 2
https://orcid.org/0000-0003-2665-0098

Maria João Oliveira Filipe 3
https://orcid.org/0000-0003-2900-0621

Patrick Monteiro Guerra 4
https://orcid.org/0000-0001-7613-7669

Raquel Antunes Ferreira 5
https://orcid.org/0000-0002-8269-0919

Marlene da Costa Coimbra Lages 6,7
https://orcid.org/0000-0002-7389-6368

Maria dos Anjos Dixe 6,7
https://orcid.org/0000-0001-9035-8548

 

1 Unidade de Investigação em Ciências da Saúde (UICISA: E), Escola Superior de Enfermagem de Coimbra (ESEnfC), Coimbra, Portugal

2 Centro Hospitalar Universitário Lisboa Norte, Hospital Santa Maria, Lisboa, Portugal

3 Centro Hospitalar Oeste Norte, Hospital São Pedro Gonçalves Telmo, Peniche, Portugal

4 Hospital de Cascais Dr. José de Almeida, Alcabideche, Portugal

5 Hospital Dom Manuel de Aguiar, Leiria, Portugal

6 Center for Innovative Care and Health Technology, Leiria, Portugal

7 Escola Superior de Saúde de Leiria, Politécnico de Leiria, Leiria, Portugal

 

RESUMO

Enquadramento: A área da saúde tem-se adaptado ao uso de tecnologia, recorrendo a esta como um aliado relevante em programas de monitorização e prevenção da obesidade e problemas associados.

Objetivo: Avaliar a aceitação do programa e-terapêutico TeenPower em adolescentes.

Metodologia: Estudo misto sequencial realizado em 47 alunos do 6º ao 8º ano de escolaridade em Portugal. Na primeira fase, os dados foram recolhidos através de questionário incluindo dados sociodemográficos, questionário de aceitação, escolhas alimentares, (in)satisfação com a imagem corporal, perfil do estilo de vida e e-literacia em saúde. A segunda fase incluiu uma sessão interativa online com fórum de discussão, seguida de análise de conteúdo de Bardin.

Resultados: A aceitação do programa TeenPower por parte dos adolescentes apresenta um valor médio positivo nos 4 fatores avaliados pela escala. Verificou-se ainda que a e-literacia em saúde está positivamente relacionada com a perceção de utilidade do TeenPower.

Conclusão: A aceitação favorável de programas e-terapêuticos pode permitir a inovação e melhoria na prevenção da obesidade, respondendo eficazmente às expectativas e necessidades dos adolescentes.

Palavras-chave: obesidade; adolescente; eHealth; saúde escolar

 

ABSTRACT

Background: The health area has been adapting to the use of technology, using it as an important ally in programs for monitoring and preventing obesity and associated problems.

Objective: To assess the acceptance of the TeenPower e-therapeutic program in adolescents.

Methodology: Sequential mixed-method study with 47 students in grades 6, 7, and 8 in Portugal. In the first phase, data were collected through a questionnaire consisting of sociodemographic data, acceptance questionnaire, food choices, body image (dis)satisfaction, lifestyle profile, and eHealth literacy. The second phase included an interactive online session with a discussion forum, followed by Bardin’s content analysis.

Results: The acceptance of the TeenPower program by adolescents had a positive mean score in the 4 factors assessed on the scale. eHealth literacy was also positively associated with the perceived usefulness of the TeenPower program.

Conclusion: The successful acceptance of e-therapeutic programs can lead to innovation and improvement in obesity prevention, thus providing an effective response to the adolescents’ expectations and needs.

Keywords: obesity; adolescent; eHealth; school health

 

RESUMEN

Marco contextual: El área de la salud se ha adaptado al uso de la tecnología y la ha utilizado como aliada relevante en los programas de monitorización y prevención de la obesidad y los problemas asociados.

Objetivo: Evaluar la aceptación del programa terapéutico electrónico TeenPower en adolescentes.

Metodología: Estudio mixto secuencial realizado en 47 estudiantes de 6.º a 8.º año de escolaridad en Portugal. En la primera fase se reunieron datos mediante un cuestionario que incluía datos sociodemográficos, cuestionario de aceptación, elecciones de alimentos, (in)satisfacción con la imagen corporal, perfil del estilo de vida y alfabetización electrónica en materia de salud. La segunda fase incluyó una sesión interactiva en línea con un foro de debate, seguida de un análisis del contenido de Bardin.

Resultados: La aceptación del programa TeenPower por parte de los adolescentes presenta un valor positivo promedio en los 4 factores evaluados por la escala. También se constató que la alfabetización electrónica en materia de salud se relaciona positivamente con la percepción de la utilidad del TeenPower.

Conclusión: La aceptación favorable de los programas terapéuticos electrónicos puede permitir la innovación y la mejora en la prevención de la obesidad, respondiendo así eficazmente a las expectativas y necesidades de los adolescentes.

Palabras clave: obesidad; adolescente; eHealth; salud escolar

 

Introdução

O aumento exponencial da prevalência de excesso de peso e obesidade em crianças e adolescentes tem sido uma preocupação mundial, tendo a prevalência aumentado cerca de um terço entre 2014 e 2018. Atualmente, um em cada cinco adolescentes (21%) tem excesso de peso ou obesidade, de acordo os dados do relatório dos comportamentos em saúde de crianças em idade escolar da Organização Mundial da Saúde (OMS; Inchley et al., 2018). Em Portugal, a prevalência de obesidade entre os adolescentes é de 8,7% (Lopes et al., 2017). As graves e múltiplas repercussões desta patologia tornam urgente a necessidade de definir novas estratégias de prevenção. A intervenção através de estratégias de saúde inovadoras, como a utilização de programas e-terapêuticos, baseados no modelo de aceitação da tecnologia de informação em saúde (Health Information Technology Acceptance Model - HITAM; Kim & Park, 2012), focadas na prevenção e alteração de comportamentos nocivos para a saúde dos adolescentes, poderá ser uma abordagem de sucesso.

Atualmente, em Portugal, não existem intervenções de e-saúde com validade clínica para adolescentes. As aplicações móveis internacionais que existem com o objetivo de promover comportamentos saudáveis são automatizadas e não são geridas por profissionais de saúde. O programa e-terapêutico TeenPower vem preencher esta lacuna, tendo sido desenvolvido no âmbito de um projeto transdisciplinar de investigação-ação que prevê o desenvolvimento de intervenções inovadoras de promoção de comportamentos saudáveis na adolescência, alicerçado na e-terapia e na metodologia de gestão de caso. O projeto está implementado em Portugal desde 2018 e tem como objetivo capacitar os adolescentes no domínio cognitivo-comportamental, recorrendo a estratégias interativas e de contacto aumentado com a equipa de saúde multidisciplinar (Sousa et al., 2019). Neste artigo, pretende-se avaliar a perceção dos adolescentes quanto à aceitação do TeenPower com base no modelo HITAM, avaliar a relação entre a aceitação do TeenPower e os dados sociodemográficos, cognitivo-comportamentais, estilo de vida e escolhas alimentares dos adolescentes.

 

Enquadramento

As intervenções para prevenir ou reduzir a obesidade em crianças e adolescentes normalmente têm pouco efeito sobre o peso ou o índice de massa corporal (IMC), no entanto, o impacto no tratamento da obesidade a longo prazo ainda não está claro. Uma revisão sistemática da literatura demonstrou que as intervenções escolares baseadas no conceito de e-saúde e que abordam vários comportamentos de risco podem ser eficazes na melhoria dos estilos de vida (Champion et al., 2019). Atualmente, recorre-se ao uso da tecnologia como um importante aliado para a saúde e, em particular, para intervir nos adolescentes com o propósito de monitorizar e de prevenir a obesidade e problemas associados (Sousa et al., 2019). O processo de aceitação da tecnologia pelos adolescentes depende da própria tecnologia, da sua relevância e interesse para o público-alvo, mas também de questões culturais e económicas que condicionam o acesso a equipamentos e à internet. Por sua vez, o nível de educação e a experiência pessoal dos adolescentes representam fortes critérios para a interpretação que os mesmos fazem sobre a tecnologia (Franco-Aguilar, Alzate-Yepes, Granda-Restrepo, Hincapié-Herrera, & Muñoz-Ramírez, 2018). Uma vez que os adolescentes utilizam as tecnologias para atividades mais relacionadas com jogos, os sistemas de mobile health (mHealth) estão a usar uma experiência rica que inclui jogos para envolver os adolescentes. O objetivo é potenciar mudanças nos hábitos de vida dos adolescentes, centrando-se principalmente na saúde e na educação com o foco concreto na motivação humana e na satisfação de necessidades psicológicas (Reis et al., 2019). A presença da tecnologia no quotidiano gerou uma necessidade de adaptação da área da saúde. A e-saúde inclui todas as aplicações que integram as novas tecnologias da informação e comunicação (TIC) para tratar e cuidar de pessoas contribuindo para a sua capacitação. O TeenPower é um programa e-terapêutico que desenvolveu uma estratégia integrada, criativa e dinâmica de prevenção da obesidade e promoção de comportamentos saudáveis nos adolescentes. Para além da app TeenPower, o programa de intervenção inclui sessões presenciais sobre cinco temáticas: alimentação, atividade física, sono, stress, e relações interpessoais. Para que estas intervenções terapêuticas sejam eficazes, é aconselhável que tenham por base modelos de alteração comportamental. Um dos mais reconhecidos para descrever a aceitação pelo utilizador da tecnologia da informação, e que esteve na base da construção do projeto TeenPower, é o modelo HITAM (Sousa et al., 2019). Este modelo categoriza os fatores que influenciam a intenção comportamental de gerir dados relacionados com a saúde em três domínios: o da saúde, da tecnologia e da informação. No domínio da saúde existem fatores importantes como o estado e a crença na saúde. No domínio da informação destacam-se as normas subjetivas, como a pressão social. No domínio da tecnologia, a usabilidade percebida é afetada pela fiabilidade nas tecnologias de informação em saúde, que também afeta a facilidade de uso percebida. Os fatores-chave identificados nos três domínios são os fatores preditores que caracterizam o HITAM (Sousa et al., 2019).

 

Questões de investigação

Existe aceitação positiva do TeenPower com base no modelo de aceitação da tecnologia de informação em saúde? Existe uma correlação entre a aceitação do TeenPower e os dados cognitivo-comportamentais, estilo de vida e escolhas alimentares dos adolescentes? Existem diferenças na aceitação do programa TeenPower em função do sexo e IMC?

 

Metodologia

Trata-se de um estudo misto sequencial, com uma amostra não probabilística de 47 alunos de escolas da zona centro e Alentejo de Portugal que participaram em ambas as fases do estudo misto. Todos os participantes do programa TeenPower respeitaram os seguintes critérios de inclusão: adolescentes entre 12 e 16 anos, a frequentar o 6º, 7º ou 8º ano de escolaridade em três agrupamentos escolares selecionados na zona centro e Alentejo de Portugal, que aceitaram pertencer ao estudo mediante consentimento e autorização dos seus responsáveis legais, e utilizavam o programa e-terapêutico TeenPower; e os seguintes critérios de exclusão: incapacidade de comunicar por escrito e a presença de limitações cognitivas graves. Estes indivíduos foram convidados a participar no presente estudo através de e-mail. O protocolo de intervenção do programa TeenPower foi já previamente publicado (Sousa et al., 2019).

No presente estudo, a recolha de dados decorreu entre outubro de 2018 e abril de 2019. A primeira fase de recolha de dados foi realizada através de um questionário online. Para avaliar a perceção dos adolescentes quanto à aceitação do TeenPower com base no HITAM foi utilizado o Questionário de Aceitação do TeenPower, composto por 22 itens respondidos de acordo com uma escala do tipo Likert de 5 pontos. Quanto mais elevada for a pontuação final, melhor é a aceitação. Este instrumento apresenta quatro fatores: Utilidade percebida; Facilidade de uso percebida; Atitude face ao TeenPower; Intenção comportamental.

Para permitir a avaliação da relação entre a aceitação e os dados sociodemográficos foi realizado um questionário constituído por dados sociodemográficos. Os dados do IMC ajustado à idade e sexo foram calculados com base nas curvas de desenvolvimento da OMS, de acordo com os dados antropométricos avaliados pelos professores de educação física.

As versões portuguesas da Escala de Insatisfação com a imagem corporal (Stunkard, Sørensen, & Schulsinger, 1983) e Escala de e-Literacia em Saúde (Norman & Skinner, 2006) foram utilizadas para recolha dos dados que permitissem efetuar a análise da relação entre a aceitação do TeenPower e os dados cognitivo-comportamentais. A insatisfação com a imagem corporal é avaliada através de uma sequência de sete silhuetas femininas ou masculinas, desenvolvidas para ilustrar o peso corporal, variando da menos volumosa para a mais volumosa. Foi pedido ao participante que selecionasse o número da silhueta que considerava mais parecida consigo (imagem corporal real), e o número da silhueta que gostaria de ter (imagem corporal ideal), sendo a discrepância entre os valores utilizada como indicador da (in)satisfação com a imagem corporal. Valores negativos indicavam desejo de ganhar peso e valores positivos desejo de perder peso (Coelho, Padez, Moreira, Rosado, & Mourão-Carvalhal, 2013).

A Escala de e-Literacia em Saúde, baseia-se na perceção dos indivíduos relativamente às suas próprias competências e conhecimentos em cada um dos domínios avaliados da e-literacia em saúde. É composta por 10 itens, mas apenas oito itens fazem parte da escala. A pontuação vai de 1 a 5, e quanto maiores são os níveis de e-literacia em saúde, maior é a pontuação obtida (Norman & Skinner, 2006; Tomás, Queirós, & Ferreira, 2014). Para a avaliação da relação entre a aceitação do TeenPower e as escolhas alimentares dos adolescentes utilizou-se a versão portuguesa da escala Escolhas alimentares, constituída por 26 questões, cuja resposta vai de concordo totalmente a discordo totalmente. É estruturada em cinco fatores: Satisfação corporal/controlo de peso; Preocupações éticas; Conveniência; Qualidades sensitivas; Humor. Para cada fator é calculada a média que varia entre -2 e 2, sendo que quanto maior o resultado, maior será a sua influência nas opções alimentares (Pereira, Silva, & Sá, 2015).

Para avaliar a relação entre a aceitação do TeenPower e o estilo de vida foi utilizado o Perfil do Estilo de Vida do Adolescente (ALP), que mede a frequência de comportamentos de promoção da saúde. A versão portuguesa do ALP é constituída por 36 itens com pergunta de resposta do tipo Likert de 4 pontos, estruturado em sete fatores: Responsabilidade em Saúde; Atividade Física; Nutrição; Perspetiva de Vida Positiva; Relações interpessoais; Gestão do Stress; Saúde Espiritual. Uma pontuação alta refere-se a um estilo de vida mais saudável (Sousa, Gaspar, Fonseca, Hendricks, & Murdaugh, 2015). Todos os instrumentos utilizados estão validados para a população de adolescentes em Portugal, exceto o Questionário de Aceitação do TeenPower, que se encontra ainda em fase de validação preliminar.

Na segunda fase, foi realizada uma sessão interativa online (fórum de discussão em grupo privado no Facebook) para discutir os tópicos: 1) experiências prévias em programas de promoção da saúde; 2) utilização de tecnologias em programas de promoção da saúde; 3) monitorização da saúde através de aplicações móveis; 4) comunicação com profissionais de saúde através de aplicações móveis e 5) balanço global do projeto TeenPower e sugestões de melhoria. As questões foram colocadas por escrito no fórum de discussão, sendo os investigadores os moderadores da discussão. As questões foram colocadas de forma sequencial com os moderadores a procurar que os adolescentes aprofundassem e fundamentassem as suas opiniões. Cada grupo de discussão durou cerca de duas semanas. O tratamento da informação foi feito com base na técnica de análise de conteúdo de Bardin, nas suas três fases: pré-análise, exploração do material e tratamento, e inferência e interpretação dos resultados (Bardin, 2016). Em relação à validade interna foi estabelecida uma estrutura teórica baseada na literatura, utilizando um conjunto de categorias e critérios claros para a análise dos dados. Quanto à validade externa foram estabelecidas as seguintes ações: a) critérios claros de seleção de casos; b) utilização de múltiplos casos; e c) comparação entre resultados da investigação e teoria (Castro & Rezende, 2018).

O estudo mereceu a autorização da realização do inquérito pelo Ministério da Educação (número de registo 0254300004) e a aprovação da Comissão Nacional de Proteção de Dados (nº11465/2017 de 12 de outubro), tendo sido obtido consentimento dos responsáveis legais e dos adolescentes para participar no estudo.

Os dados quantitativos foram analisados com recurso ao software de análise estatística IBM SPSS Statistics, versão 23.0 e submetidos a técnicas de análise de estatística descritiva e de estatística inferencial (teste do coeficiente de correlação de Spearman, e teste U de Mann-Whitney, dada a não normalidade da sua distribuição). Todas as opiniões dos alunos colocadas no fórum de discussão online (fase 2) foram alvo de análise de conteúdo com a seleção das unidades de registo, codificação e categorização.

 

Resultados

Dos 47 adolescentes participantes, 27 (57,4%) eram do sexo feminino e 20 (42,6%) do sexo masculino, com uma média de idades de 12,93 ± 1,11 anos. O número médio de membros por agregado familiar era de 3,93±1,32, sendo que 20,0% da amostra morava em zonas rurais, 53,3% em zonas urbanas e 26,7% em zonas suburbanas. Apenas foi possível calcular o IMC ajustado à idade e sexo para 12 dos adolescentes em estudo, uma vez que os restantes não apresentavam todos os dados antropométricos necessários. Dos adolescentes avaliados, 58,3% foram quantificados como detentores de um IMC saudável e 41,7% como não saudável.

Relativamente aos dados cognitivo-comportamentais, verificou-se a existência de uma reduzida, mas positiva, insatisfação média com a imagem corporal (0,19 ± 0,83), o que indica um ligeiro desejo de perda de peso. Os valores médios da e-literacia em saúde (3,23 ± 0,61) indicam um bom nível de competências na procura e interpretação de informação digital de saúde (Tabela 1). As várias dimensões do perfil do estilo de vida apresentaram, na sua maioria, índices médios entre 2,33 e 3,36, com exceção para a subescala de Saúde Espiritual, que apresentou a média mais baixa (1,95 ± 0,86). Em relação às escolhas alimentares dos adolescentes, é de destacar o facto de todos os seus indicadores apresentarem índices médios baixos, especialmente a escolha de alimentos pela sua Conveniência (0,21).

Os resultados referentes à aceitação do programa e-terapêutico TeenPower encontram-se sintetizados na Tabela 2. Verificou-se que as médias ponderadas de todas as dimensões e indicadores eram superiores ao valor da mediana.

Foi também analisada a relação dos dados sociodemográficos, cognitivo-comportamentais, estilo de vida e escolhas alimentares, e a aceitação do programa TeenPower (Tabela 3). Verificou-se a existência de uma correlação positiva e estatisticamente significativa entre o índice de e-literacia em saúde e a perceção de utilidade do TeenPower (p = 0,046). Por outro lado, verificou-se uma correlação negativa com significância marginal, entre a perceção de facilidade do TeenPower e a escolha de alimentos com base no humor (p = 0,053). As restantes variáveis analisadas não apresentaram correlações estatisticamente significativas com as dimensões da aceitação do programa TeenPower (p > 0,05).

As variáveis sexo e IMC (ajustado à idade e sexo) não apresentaram diferenças estatisticamente significativas com as dimensões da aceitação do programa TeenPower.

Na Tabela 4 apresentam-se os dados relativos à análise qualitativa dos conteúdos da sessão interativa online, tendo sido identificadas quatro categorias principais: Importância da tecnologia na saúde; Aplicações móveis de saúde; Impacto do programa e Sugestões de melhoria (TeenPower). Foram ainda identificadas as unidades de registo que se associam a cada um dos indicadores de cada categoria.

Na categoria da Importância da tecnologia na saúde, é evidente o valor que os adolescentes atribuem à facilidade de acesso a informações e cuidados de saúde que a app TeenPower lhes faculta. Na categoria do Impacto do programa TeenPower, identificaram-se declarações dos adolescentes associadas à aprendizagem, responsabilização, interatividade, diversão e monitorização do programa. É patente pelos discursos dos adolescentes que participaram na sessão, a relevância que atribuem ao programa TeenPower na promoção e melhoria do seu estado de saúde. Em relação às Sugestões de melhoria, os adolescentes destacaram o desenvolvimento da versão iOS da app TeenPower, assim como a criação de conteúdos mais interativos, como jogos e vídeos focados na alimentação e atividade física.

 

Discussão

Apesar do crescente aumento das aplicações móveis em saúde, muitas falham ainda durante o processo de desenvolvimento ou implementação em contexto real. Entre as falhas de implementação, 30% podem ser atribuídas a fatores não técnicos, dos quais o mais significativo é a aceitação insuficiente do utilizador, um fator há muito considerado um obstáculo à adoção bem-sucedida das TIC (Jeon & Park, 2015). Neste estudo em particular, a análise dos resultados quantitativos permitiu verificar que a apreciação global feita pelos adolescentes foi positiva. A intenção de usar as apps mHealth pode ser explicada ou prevista através da utilidade percebida e da facilidade de uso percebida dos utilizadores das mesmas. A acessibilidade das aplicações mHealth, em termos de facilidade de uso, foi citada como um dos principais contribuintes, se não mesmo o principal, da determinação da aceitação destas aplicações (Pan & Zhao, 2018). No estudo de Wu, Wang, e Lin (2007) foi possível verificar que a utilidade percebida e facilidade de uso percebida eram dos fatores específicos que mais contribuíam para a aceitação da utilização dos sistemas móveis de saúde, sendo que estes dados vão ao encontro aos resultados encontrados no presente estudo.

No presente estudo, apesar dos adolescentes percecionarem a aplicação como fácil de usar, a sua intenção comportamental, ou seja, a intenção de continuarem a utilizar a aplicação TeenPower, apresenta o valor médio mais baixo. De acordo com Nunes, Limpo, e Castro (2019), quanto mais os jovens percecionam as TIC como fáceis, menos pretendem utilizá-las. Isto poderá estar relacionado com a interpretação que os jovens fazem de facilidade de uso, relacionando-a com a falta de inovação da tecnologia. Como tal, os jovens podem sentir-se menos motivados para utilizar as aplicações móveis de saúde por as considerarem menos desafiadoras e interessantes do que outros tipos de tecnologias de informação e comunicação, conforme demonstrado na avaliação qualitativa: “um pouco lentas e chatas” (P2, fevereiro de 2019). A diversão ou o prazer derivado do uso de uma tecnologia pode estar subjacente à decisão de utilizar esse recurso: “a app ajuda de uma maneira divertida e educativa” (P4, fevereiro de 2019). Foi por isso sugerido que, para além de considerar a perceção de utilidade e a perceção de facilidade, os mais jovens tendem a procurar a inovação ao contemplar o uso de novas aplicações.

Na avaliação dos dados qualitativos, as quatro categorias temáticas e identificadores associados foram definidos pela equipa após a análise dos contributos dos adolescentes, não tendo sido seguido nenhum modelo dadas as particularidades da intervenção. É de salientar a importância que os adolescentes dão à tecnologia nas suas vidas e o facto de reconhecerem o potencial que esta pode ter no acesso aos cuidados de saúde. De acordo com o feedback dos utilizadores, o uso da aplicação poderia ser aumentado, se esta fosse mais interativa e permitisse uma maior personalização. Um estudo destacou estes recursos como importantes para os utilizadores de aplicações móveis, para além de recursos como a função de feedback e as informações personalizadas (Mateo, Granado-Font, Ferré-Grau, & Montaña-Carreras, 2015).

Assim, além de desenvolver programas de e-saúde úteis e fáceis de usar, deve ser também dada mais atenção à análise dos requisitos do utilizador para determinar as suas expectativas para o conteúdo das aplicações em saúde. Quando os participantes têm perceções altas na compatibilidade com a sua prática atual há uma maior possibilidade de uma aceitação bem-sucedida do programa.

Como limitações do estudo destaca-se a reduzida participação dos adolescentes, o que influenciou o tamanho da amostra. O número de respostas aos questionários pode ter sido reduzido pelo facto de estes terem sido realizados online, ou por o convite para adesão ao grupo nas redes sociais ter sido enviado por e-mail, ao invés de diretamente para a rede social; e ainda pelo facto de alguns e-mails terem sido enviados para os responsáveis legais, e não para os adolescentes. A existência de registos incompletos das medições antropométricas impossibilitou o cálculo do IMC para a totalidade da amostra, inviabilizando assim a extrapolação de conclusões. De salientar que o instrumento de avaliação da aceitação do TeenPower foi desenvolvido pelos investigadores com base em sólida sustentação teórica, mas que se encontra ainda em processo de validação. Como ponto forte do estudo, destaca-se o seu carácter inovador e a contribuição para o conhecimento científico neste domínio, uma vez que existem poucos trabalhos que avaliam uma intervenção e-terapêutica para adolescentes, baseada na gestão de caso.

 

Conclusão

Este estudo permitiu verificar que a maioria dos adolescentes atribuíram uma avaliação positiva em termos de perceção de utilidade, facilidade e atitude em relação ao programa e-terapêutico TeenPower. O programa TeenPower foi ainda avaliado como sendo útil, de fácil utilização e como tendo informação pertinente, que permitiu aos adolescentes assumirem mais responsabilidade pela monitorização da sua saúde. Estes resultados abrem igualmente a oportunidade para que o programa TeenPower seja implementado em outros contextos, como por exemplo, associações, grupos de apoio, ou outras instituições que apoiem os jovens adolescentes. Assim, os resultados deste estudo poderão ser úteis para o planeamento e criação de novos programas e-terapêuticos que se encontrem ajustados às necessidades e interesses dos adolescentes, ou mesmo, para a adequação de programas que já foram implementados.

 

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Financiamento

Projeto financiado pela Fundação para a Ciência e Tecnologia (SAICT-POL/23557/2016).

 

Contribuição de autores

Conceptualização: Sousa, P. M., Dixe, M. A.

Análise formal: Sousa, P. M., Ferreira, I. M., Filipe, M. J., Guerra, P. M., Ferreira, R. A., Dixe, M. A.

Aquisição de financiamento: Sousa, P. M., Dixe, M. A.

Investigação: Sousa, P. M., Ferreira, I. M., Filipe, M. J., Guerra, P. M., Ferreira, R. A., Dixe, M. A.

Metodologia: Sousa, P. M., Dixe, M. A.

Administração do projeto: Sousa, P. M., Dixe, M. A.

Recursos: Sousa, P. M., Dixe, M. A.

Supervisão: Sousa, P. M., Dixe, M. A.

Validação: Sousa, P. M., Dixe, M. A.

Visualização: Sousa, P. M., Dixe, M. A.

Redação - rascunho original: Sousa, P. M., Ferreira, I. M., Filipe, M. J., Guerra, P. M., Ferreira, R. A., Lages, M. C., Dixe, M. A.

Redação - análise e edição: Sousa, P. M., Lages, M. C., Dixe, M. A.

 

Autor de correspondência:

* Pedro Miguel Lopes de Sousa

E-mail: pmlsousa@esenfc.pt

 

Como citar este artigo: Sousa, P. M., Ferreira, I. M., Filipe, M. J., Guerra, P. M., Ferreira, R. A., Lages, M. C., & Dixe, M. A. (2020). Aceitação de um programa mHealth para prevenção da obesidade em adolescentes: estudo misto sequencial. Revista de Enfermagem Referência, 5(4), e20039. doi:10.12707/RV20039

 

Recebido: 31.03.20

Aceite: 02.09.20

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