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Revista de Enfermagem Referência

versão impressa ISSN 0874-0283versão On-line ISSN 2182-2883

Rev. Enf. Ref. vol.serV no.3 Coimbra jul. 2020

https://doi.org/10.12707/RV20033 

ARTIGO DE INVESTIGAÇÃO (ORIGINAL)

RESEARCH PAPER (ORIGINAL)

 

Vivências paternas na realização da posição canguru com recém-nascidos de baixo peso

Fathers’ experiences using the kangaroo position with low-birth-weight infants

Experiencias paternas en la realización de la posición canguro con recién nacidos de bajo peso

 

Luisamara Leal Lopes 1
https://orcid.org/0000-0002-1293-8229

Alessandra Vaccari 2
https://orcid.org/0000-0003-0195-073X

Fernanda Araújo Rodrigues 3
https://orcid.org/0000-0002-4679-0381

Silvani Herber* 4
https://orcid.org/0000-0002-7067-0101

 

1 Centro Clínico Gaúcho, Porto Alegre, Brasil

2 Departamento de Enfermagem Materno-infantil, Escola de Enfermagem da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, Brasil

3 Secretaria Estadual de Saúde do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, Brasil

4 Serviço de Neonatologia do Hospital de Clínicas de Porto Alegre, Brasil

 

RESUMO

Enquadramento: A posição canguru consiste em manter o recém-nascido em contacto pele a pele com mãe, pai ou cuidador eleito pela família. Os seus benefícios envolvem melhoria clínica e ganho de peso do recém-nascido.

Objetivo: Descrever a vivência paterna durante a realização da posição canguru com o seu recém-nascido de baixo peso.

Metodologia: Pesquisa de caráter exploratório-descritivo, com abordagem qualitativa, realizada em neonatologia, na região sul do Brasil. As informações foram colhidas por meio de entrevistas semiestruturadas e submetidas à análise de conteúdo temática.

Resultados: Participaram 5 pais. Foram construídas 3 categorias, que contemplaram a ambivalência de sentimentos; as facilidades e as dificuldades vivenciadas; e o fortalecimento do vínculo pai-filho.

Conclusão: É possível transcender os resultados deste estudo e pensar na posição canguru como uma estratégia para o estímulo da interação e do vínculo entre pai e filho, pode efetivamente ser o desencadeador para o desenvolvimento da paternidade.

Palavras-chave: método canguru; paternidade; recém-nascido; enfermagem neonatal

 

ABSTRACT

Background: The kangaroo position consists of keeping the newborn in skin-to-skin contact with the mother, father, or caregiver elected by the family. Its benefits include the newborn’s clinical improvement and weight gain.

Objective: To describe the fathers’ experiences using the kangaroo position with their low-birth-weight newborns.

Methods: A descriptive exploratory research, with a qualitative approach, was conducted in a neonatal unit, in southern Brazil. Data were collected through semi-structured interviews, and a thematic content analysis was carried out.

Results: Five fathers participated in the study, from which three categories resulted: the ambivalence of feelings; the ease and difficulty experienced; and the strengthening of the father-child bond.

Conclusion: It is possible to go beyond the results of this study and consider the kangaroo position as a strategy to stimulate the father-child interaction and bonding, while effectively acting as a trigger for the development of fatherhood.

Keywords: kangaroo-mother care method; paternity; infant, newborn; neonatal nursing

 

RESUMEN

Marco contextual: La posición canguro consiste en mantener al recién nacido en contacto piel a piel con la madre, el padre o el cuidador elegido por la familia. Sus beneficios implican una mejora clínica y el aumento de peso del recién nacido.

Objetivo: Describir la experiencia paterna durante la realización de la posición canguro con su recién nacido de bajo peso.

Metodología: Investigación de carácter exploratorio-descriptivo, con un enfoque cualitativo, realizada en neonatología, en la región sur de Brasil. La información se recopiló mediante entrevistas semiestructuradas y se sometió a un análisis de contenido temático.

Resultados: Cinco padres participaron. Se construyeron tres categorías, que contemplaban la ambivalencia de los sentimientos; las facilidades y las dificultades experimentadas, y el fortalecimiento del vínculo padre-hijo.

Conclusión: Es posible trascender los resultados de este estudio y pensar en la posición canguro como una estrategia para estimular la interacción y el vínculo entre padre e hijo, puede ser efectivamente el detonante para el desarrollo de la paternidad.

Palabras clave: método madre-canguro; paternidad; recién nacido; enfermería neonatal

 

Introdução

A posição canguru (PC) está contemplada no método canguru (MC), o qual é um modelo de assistência perinatal que visa a atenção humanizada e qualificada, além de reunir estratégias de intervenção biopsicossocial com uma ambiência que favoreça o cuidado prestado ao recém-nascido de baixo peso (RNBP) e à sua família. A PC consiste em manter o recém-nascido (RN) em contacto pele a pele em posição vertical junto aos pais ou demais familiares, o qual é realizado de modo seguro e supervisionado pela equipa de saúde (Ministério da Saúde [MS], 2017).

A PC proporciona um melhor crescimento e desenvolvimento ao RNBP, pois auxilia nos ciclos regulares de sono profundo, reduz o tempo de agitação e choro, melhora o peso e a estimulação sensorial adequada do RN. Ainda auxilia no processo do aleitamento materno, pois a mãe sente-se mais segura quando está próxima do seu filho e a produção do leite é estimulada pelo contacto. Outros benefícios podem ser aferidos no RNBP, tais como: manutenção da temperatura corporal, melhora da oxigenação e a diminuição da dor causada por stresse ao RN (Tamez & Silva, 2017; MS, 2014).

Os RN são classificados como RNBP quando ao nascimento o seu peso é menor que 2.500 gramas. Portanto, a maioria dos RNBP são prematuros. No Brasil, ainda ocorre um número elevado de nascimentos de RNBP, sem considerar a idade gestacional, o que constitui um importante problema de saúde, representando uma alta percentagem de morbimortalidade neonatal. Também, o nascimento prematuro tem implicações na imaturidade de todos os sistemas do organismo, gerando várias outras complicações, bem como internamentos prolongados. Por isso, o MS orienta que todos os RNBP sejam incluídos no MC para diminuir o tempo de internamento hospitalar e garantir o crescimento e o desenvolvimento adequados destes RNBP (MS, 2017; Tamez & Silva, 2017).

A manutenção térmica proporcionada pela PC é fundamental, pois os RNBP possuem pouca massa muscular e menor depósito de tecido adiposo castanho para produção de calor. Desta forma, é necessário ter um ambiente aquecido até atingirem a capacidade de manter uma estabilidade térmica. O stresse pela hipotermia tem como consequências para o RN a hipóxia, acidose metabólica e hipoglicemia. Devido ao frio, é ainda comum ocorrer um aumento do metabolismo, o qual gera uma compensação de oxigénio e calorias (Tamez & Silva, 2017; MS, 2014).

A partilha desta experiência pela mãe e pelo pai na PC, auxilia o casal a enfrentar o processo de recuperação do seu filho. É importante o apoio mútuo e a afetividade entre os pais e o RN no decorrer desta fase. O contacto com o RN gera segurança nos pais para realizar os cuidados e diminui os sentimentos de medo, angústia, tristeza e insegurança pelo internamento do filho, muitas vezes inesperado. Os profissionais de enfermagem e os pais devem estabelecer uma relação por meio da educação nos cuidados direcionados ao RN. Durante estes cuidados, inicia-se uma afetividade, o que gera mais segurança e dedicação. Neste sentido, a PC contribui para que o pai possa desenvolver a habilidade de cuidar do RN, além de desencadear a emoção de ser pai e cooperar nos cuidados com o RN, iniciando também o desenvolvimento da paternidade. Desta forma, existem evidências em que quando o vínculo da paternidade não ocorre desde cedo, e se instala tardiamente, gera possíveis repercussões negativas no desenvolvimento psicológico da criança (MS, 2014; MS, 2017; Shorey, He, & Morelius, 2016; Palmeira & Scorsolini-Comin, 2018).

Atualmente, a literatura descreve inúmeros benefícios para mãe e para o RN na realização da PC (Shorey et al., 2016). Porém, ainda são escassos os trabalhos que abordam a experiência paterna durante a prematuridade dos seus filhos, bem como na realização da PC e a sua influência na interação deste binómio (Darrif, Bortolin, & Tabaczinski, 2020). No entanto, a paternidade tem um papel fundamental em todo o processo, desde a gestação até à hospitalização do RN na Unidade de Tratamento Intensivo Neonatal (UTIN), devendo a sua participação ser priorizada e os seus sentimentos valorizados (Barcellos & Zani, 2017). Tal facto justifica a realização desta pesquisa. Deste modo, o presente estudo teve como objetivo descrever a vivência paterna durante a realização da PC com seu filho RNBP.

 

Enquadramento

A paternidade transcende o aspeto biológico, podendo ser considerada como um processo que ocorre a partir de ações de cuidado envolvidas na relação entre pai e filho (Dal-Rosso, Silva, Pieszak, Ebling, & Silveira, 2019). Neste sentido, a paternidade não deve ser compreendida somente como obrigac¸a~o legal, mas, principalmente, como um direito do homem em participar na decisa~o de ter ou na~o um filho, assim como do acompanhamento da gestação, do nascimento, do puerpério e da educac¸a~o da criança (MS, 2018).

Portanto, a relação afetiva entre o pai e o seu novo filho não é instantânea e deve ser compreendida como um processo contínuo. Assim, na estrutura familiar nuclear contemporânea, o pai deseja participar mais ativamente nos cuidados com o filho, tornando-se presente em diversos aspetos na vida da criança, exercendo assim a coparentalidade sobre a saúde e bem-estar do seu filho (Barcellos & Zani, 2017; Lopes, Santos, & Carvalho, 2019). Desta forma, quando o pai desenvolve mecanismos para suprir as necessidades físicas e emocionais do filho, o que inclui os cuidados com alimentação, higiene, saúde, amparo e afeto, ele desempenha um papel chamado de paternidade, que se caracteriza por um processo contínuo de aprendizagem desde os primeiros dias de vida do filho (Abade & Romanelli, 2018).

Nesta lógica, a participação paterna não se resume ao apoio da puérpera. No caso de o RN ter baixo peso e/ou ser prematuro, o pai deve ser considerado figura central na UTIN, pois geralmente encontra-se na condição de tomar difíceis decisões pela companheira e pelo filho RN (Barcellos & Zani, 2017).

Ainda, numa revisão desenvolvida por Darrif et al. (2020), revela que os pais (homens) vivenciam surpresa, medo e insegurança face ao nascimento de um filho com baixo peso ou prematuro, mesmo assim demonstram o sentimento de necessidade da sua inclusão nos cuidados com o RN dentro da UTIN, para a partir disso descobrirem o seu verdadeiro papel como pai.

Neste contexto, reiterando o objetivo desta pesquisa, torna-se importante identificar a compreensão paterna quanto à PC, bem como estimular a sua realização, esclarecendo a relevância na promoção do vínculo pai-RN, assim como a contribuição para a recuperação do filho (Rolim et al., 2018). Assim, a interação do pai com o RN deve ocorrer o mais precoce possível. Neste momento, os profissionais de saúde, principalmente a equipa de enfermagem, devem entender a intersubjetividade da interação do pai com o filho. Além de acolher os seus medos e inseguranças face ao cuidado com o RN (Lopes et al., 2019).

 

Questão de investigação

Quais são as vivências paternas durante a realização da PC com seus RNBP numa UTIN?

 

Metodologia

Trata-se de uma pesquisa de caráter exploratório-descritivo, desenvolvida com abordagem qualitativa (Minayo, 2014). Tendo como objetivo a qualidade desta investigação, contemplaram-se as normas preconizadas pelas guidelines Consolidated criteria for Reporting Qualitative research (COREQ; Tong, Sainsbury, & Craig, 2007).

O estudo foi realizado numa UTIN de um hospital privado da cidade de Porto Alegre, na região sul do Brasil. Ainda sobre o contexto do estudo, a instituição aplica a prática da PC com os pais e oferece um serviço de grupo de apoio aos pais de RNBP e prematuros desde 2004, no qual têm a oportunidade de trocar experiências sobre o seu filho com outros pais que vivenciaram uma situação semelhante.

Os participantes do estudo foram selecionados de forma intencional com o auxílio da equipa de enfermagem e atenderam aos seguintes critérios de inclusão: ser pai de RNBP; participar no grupo de pais de filhos RNBP da instituição; ter idade maior ou igual a 18 anos; e ter realizado a PC com o seu filho na instituição. Para a definição dos participantes, ainda se estabeleceu como critério de exclusão: pais com dificuldade de comunicação.

Considerando a abordagem qualitativa, o número de participantes foi definido conforme o critério de saturação de dados, quando as informações fornecidas pelos participantes passam a apresentar, na avaliação do investigador, uma certa repetição (Minayo, 2014). Frente a isso, o acréscimo de novas informações não alteraram a compreensão do fenómeno aqui estudado; portanto, foram incluídos na pesquisa cinco pais que realizaram a PC.

A colheita das informações ocorreu em ambiente reservado, livre de perturbações e contou com as seguintes perguntas para caracterização dos participantes: idade, grau de instrução, profissão e número de filhos. Algumas das perguntas abertas elaboradas previamente sobre a temática foram: “Quais foram os seus sentimentos em realizar a PC com o seu RN?”, “Quais foram as suas facilidades e dificuldades encontradas ao realizar a PC?”, “Como você acha que a PC auxiliou no vínculo com seu recém-nascido?”. No entanto, considerando a realização de entrevistas semiestruturadas, a pesquisadora tinha flexibilidade para aprofundar o assunto, visando identificar as vivências paternas durante o momento da realização da PC com o RNBP.

A participação na pesquisa ocorreu voluntariamente, mediante a aplicação do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. Para garantir o sigilo quanto à identificação dos participantes, os nomes dos entrevistados foram trocados por codinomes: P1, P2, P3, P4 e P5.

As entrevistas foram gravadas em áudio, conforme autorização dos participantes, e transcritas na íntegra. Após a transcrição das informações, as entrevistas foram impressas e entregues aos participantes para leitura e validação do conteúdo. As análises das informações colhidas foram realizadas conforme a técnica de análise de conteúdo do tipo temática, seguindo as etapas preconizadas: pré-análise, exploração do material e tratamento dos resultados, inferência e interpretação (Minayo, 2014).

O estudo contemplou todos os aspetos éticos previstos na Resolução no 510/2016, do Conselho Nacional de Saúde, a qual regulamenta as pesquisas com seres humanos. Ainda, houve a aprovação pelo Comissão de Ética e Pesquisa (CEP) de uma universidade da região do Vale dos Sinos no sul do Brasil com a numeração 979.099 e também pelo CEP da instituição hospitalar coparticipante, sob o no 627.537.

 

Resultados

Participaram na pesquisa cinco pais que realizaram a PC, os quais eram adultos jovens, de classe média, com pouca ou nenhuma experiência paterna anterior, como observado na Tabela 1.

Após a sistematização das informações, as categorias construídas para expressar as vivências paternas durante a realização da PC foram: Ambivalência de sentimentos ao realizar a PC; Facilidades e dificuldades vivenciadas na realização da PC; e Fortalecimento do vínculo pai-filho.

Ambivalência de sentimentos ao realizar a PC

Esta categoria expõe os diversos sentimentos vivenciados pelos pais. No entanto, os sentimentos positivos foram os mais relatados. Logo, todos os participantes manifestaram interesse em dividir estes sentimentos e foi possível observar, por meio de sorrisos e gestos, a satisfação que os pais sentiram quando descreveram o momento em que ficaram com o seu filho nos braços a realizar a PC.

Entre as respostas obtidas, o amor e o carinho foram os sentimentos mais relatados pelos pais neste estudo da prática da PC, porém três destes pais discorreram melhor sobre este sentimento. As falas apresentadas ilustram este aspecto:

“Um amor, eu acho, que eu não experimentei até então, sabe? Um carinho, uma paz interior, eu consegui! Estar ali presente com ela, querer abraçar, ficar olhando, fazer carinho. Acho que a sensação principal foi de paz assim, sabe? Paz e afeto. (P3; maio, 2014)

Muito amor! Algo que eu nunca senti, nunca senti, imaginei. Imaginava que ia ser ia ter bastante carinho assim, mas quando eu vi ela a primeira vez que eu peguei ela no colo, foi uma sensação que eu nunca senti na minha vida.(P4; maio, 2014)

“A sensação que eu tive foi de troca e essa troca foi um sentimento de amor.”. (P5; mai, 2014)

Ainda neste contexto, dois pais demonstraram sentimento de realização, conforme os depoimentos a seguir: “Foi único o momento!”. (P1; maio, 2014). “Foi uma das melhores sensações da minha vida.”. (P2; maio, 2014).

Outro sentimento evidenciado foi o sentimento de proteção, pois, neste momento, o pai tem a oportunidade de ficar mais próximo do filho, acolhendo-o nos braços, conforme evidenciado na fala a seguir: “Foi uma sensação de como se eu a estivesse protegendo. A sensação principal é de amparo em relação ao RN, de aconchego. De tornar real todo aquele planejamento que aconteceu antes do nascimento” (P5; maio, 2014).

No entanto, dois dos cinco pais relataram medo e insegurança ao realizar a PC: “A gente não sabia como era, foi uma gravidez bem complicada da minha esposa e a gente tinha bastante medo. Os prematuros são mais molinhos, então tu tem medo.”. (P1; maio, 2014)

Eu tinha medo no início, mas logo que nasceu, a médica colocou ela no meu colo, eu já fui me adaptando. Eu fiquei um pouco inseguro por ser um ser assim muito frágil, e também inseguro de machucar de alguma forma, mas como o amor é tão grande, acaba superando essa insegurança. (P2; maio, 2014)

Facilidades e dificuldades vivenciadas na realização da PC

Todos os participantes do estudo demonstraram facilidade em realizar a PC com o seu filho. No entanto, apenas um pai falou expressamente sobre o assunto, conforme evidenciado no trecho destacado: “Eu achei fácil, achei confortável, gostoso fazer carinho nela assim, e gosto quando ela fica tranquilinha assim no peito” (P3; maio, 2014).

Neste cenário, em relação a possíveis facilidades, apenas um pai ainda referiu a sua vivência em relação às orientações da equipa de enfermagem quanto à realização da PC: “O pessoal [equipe de enfermagem] é maravilhoso ali [UTIN]” (P1; maio, 2014).

Em contrapartida, apenas um dos pais relatou aspetos quanto às condições da unidade, como a acomodação física oferecida pela instituição para a realização desta prática: “A única dificuldade realmente aqui no hospital foi em relação ao local, à acomodação. Talvez em função de estar em uma cadeira” (P5; maio, 2014).

Fortalecimento do vínculo pai-filho por meio da PC

Em relação ao vínculo do pai com o RNBP ao realizar a PC, todos os pais consideraram que auxiliaram na aproximação entre pai e filho, porém três participantes discorreram melhor sobre o assunto. Os excertos a seguir demonstram tal vivência: “Eu acho que veio a fortalecer né? O vínculo já existia, desde o momento que eu acompanhei o nascimento. Na verdade, veio intensificar” (P5; maio, 2014).

Eu acho que estimula, a fala estimula, conversar com ela, estar junto, em contato com ela, com certeza! Estar no colo, acho que estimula, porque ela vai se acostumando, eu tenho essa impressão. Ela pode estar chorando, mas ela vem no teu colo e fica olhando, observando e se acalma. (P3; maio, 2014)

“Com certeza ajudou bastante. A gente vê que elas percebem. Elas conhecem o pai e a mãe pela voz.” (P3; maio, 2014).

 

Discussão

Na categoria Ambivalência de sentimentos ao realizar a posição canguru, ficaram evidenciados os diversos sentimentos apresentados pelos pais. Tal resultado corrobora com outro estudo, o qual apontou que, devido à hospitalização de um RNBP, os pais vivenciam uma ambivalência de sentimentos, com alternância de sentimentos positivos e negativos (Fernandes & Silva, 2015).

Diante destes sentimentos, percebeu-se que a PC gera sentimentos de imenso amor, além de fortalecer os laços afetivos entre pais e filhos, ampliando a intimidade entre eles. Assim, o suporte familiar é essencial para a recuperação do RN nesta etapa, pois amor, confiança e tempo são fatores indispensáveis para os pais se dedicarem a vivenciar este momento como uma prática para a melhoria clínica do seu filho (Jesus et al., 2015; Shorey et al., 2016).

Atualmente, muitos estudos indicam a importância da presença paterna na vida dos filhos desde o nascimento, e também enfatizam os prejuízos que a ausência do pai pode gerar no desenvolvimento infantil (Palmeira & Scorsolini-Comin, 2018). Portanto, salientam-se os diversos benefícios existentes da prática da PC pelo pai, possibilitando ao mesmo vivenciar a paternidade de forma plena, significativa e consciente das suas atitudes e responsabilidades quanto ao cuidado (Lopes et al., 2019).

Numa investigação semelhante também foram apresentados pelos pais sentimentos positivos na realização da PC com o seu RN; existiram ainda relatos de como a experiência foi maravilhosa para eles e o quão emocionados se sentiram (Jesus et al., 2015). Muitos pais choram de alegria e emoção ao segurar seu RN nos braços pela primeira vez, ao realizar a PC.

A posição valoriza a participação do pai no processo de recuperação do seu filho, além de fazer com que ele se sinta útil nesta etapa. Para além de ser prazerosa, esta prática também desencadeia o sentimento de realização quanto à paternidade, conforme relatado por um dos pais. Este resultado vai ao encontro de estudos que evidenciam o desejo do pai de acalentar seu filho, transmitindo amor e aconchego ao seu filho através do contacto físico, da fala e toque, assumindo desta forma o seu papel na paternidade como indispensável na realização desta prática (Barcellos & Zani, 2017).

Em relação aos sentimentos de realização e proteção relatados pelos pais, o nascimento de um filho pode gerar novos papéis tanto para a mulher quanto para o homem, os quais assumem uma função parental (Fernandes & Silva, 2015). Há evidências na literatura que relatam que, ao realizar a PC com o filho, o pai utiliza as sensibilidades tátil, olfativa, visual e auditiva, as quais promovem segurança e afeto ao RN (Lopes et al., 2019).

Em oposição, a separação dos pais e do RN, logo após o nascimento, gera sentimentos negativos relacionados com questões sobre a sobrevivência do seu filho. Neste sentido, a PC também pode auxiliar o pai na superação dos sentimentos negativos relacionados com hospitalização do RNBP, a qual, frequentemente, ocorre por um período prolongado (Barcellos & Zani, 2017).

Assim, pode ser natural que os pais demonstrem sentimentos negativos, angústias medos e insegurança em relação ao quadro de saúde do seu filho; para isso, são importantes as reuniões em grupo de pais a fim de clarificar possíveis dúvidas que a família apresenta. Neste contexto, destaca-se a relevância de um grupo de apoio, o qual pode apoiar o casal na superação do nascimento e da hospitalização do seu filho. Os grupos também proporcionam uma maior integração dos pais com a equipa de profissionais que está a cuidar do seu RN (Carvalho & Pereira, 2017).

Já em relação à categoria Facilidades e dificuldades vivenciadas na realização da posição canguru, os cinco participantes compreenderam a realização da PC como uma prática fácil. Apesar disso, o cuidado com o filho na PC ainda se configura como um desafio para o pai, o qual está relacionado com fatores pessoais, sociais, culturais e institucionais (Lopes et al., 2019). Os cuidados com os filhos ainda estão intimamente ligados às características sociais de cada género e repercutem-se na condição de pai e na paternidade (Abade & Romanelli, 2018). A realização da PC pode diminuir esta divisão cultural, fortalecendo o vínculo entre pai e filho, instituindo o desenvolvimento da paternidade.

Uma das facilidades relatadas está relacionada com as orientações fornecidas pelos profissionais da enfermagem. Nesta lógica, também é fundamental que a equipa de saúde seja flexível para adaptação dos horários de permanência do pai, além de oferecer ambiente adequado para aproximação do pai e filho (Fernandes & Silva, 2015; Rolim et al., 2018).

Neste sentido, ainda compete aos profissionais de saúde assinalar as mudanças ambientais e comportamentais necessárias para garantir um ambiente adequado e mais humanizado na assistência do RNBP e no acolhimento aos pais (Barcellos & Zani, 2017; Jesus et al., 2015; Soares, Christoffel, Rodrigues, Machado, & Cunha, 2015). No entanto, de uma forma geral, observaram-se fragilidades relacionadas com a acessibilidade dos pais ao serviço de saúde, principalmente pelo estabelecimento rígido de horários (Dal-Rosso et al., 2019).

Sobre as possíveis dificuldades, um pai relatou a acomodação oferecida na unidade. No entanto, num estado semelhante, os progenitores relataram que não vivenciaram dificuldade em relação à permanência na UTIN e às suas condições estruturais; contudo, esses participantes ressaltaram que foram bem acolhidos pelos profissionais de enfermagem (Rolim et al., 2018). No presente estudo, o acolhimento e as orientações da equipa de enfermagem quanto à realização da PC foram relatados por apenas um participante.

Na terceira categoria, Fortalecimento do vínculo pai-filho por meio da PC, percebeu-se que, da mesma forma que evidenciado em pesquisa recente, a realização da PC configura-se como uma estratégia que minimiza a distância entre pai e filho devido à hospitalização (Lopes et al., 2019). Assim, ao realizar a PC, além da aproximação afetiva ao filho, o pai está a ser inserido no cuidado, assumindo as suas responsabilidades no período pós-natal. Sabe-se ainda, que o exercício da paternidade é um processo vivido gradualmente pelos homens, não se trata de um atributo natural ou automático; e quanto mais cedo se iniciar o envolvimento do pai com o filho mais hipóteses existem de este pai assumir a posição da paternidade (Abade & Romanelli, 2018).

Desta forma, o contacto pele com pele é um fator determinante para o desenvolvimento do vínculo entre pai e filho. A PC é considerada um cuidado essencial em UTIN, auxilia o pai a enfrentar de forma mais confiante os desafios emocionais agregados ao quadro de risco de saúde do RN (Barcellos & Zani, 2017; Medeiros & Piccinini, 2015).

Neste contexto, a participação paterna também é fundamental para o processo de recuperação do RN e, portanto, o pai deve receber todas as orientações sobre o seu filho, incluindo a prática da PC e os demais cuidados com o seu RN (Barcellos & Zani, 2017; Soares et al., 2015). Ainda considerando a hospitalização do filho, existem registos de alguns pais que expressaram a necessidade de acolhimento por uma equipa de saúde sensível à efetivação das relações afetivas entre pai e filho (Rolim et al., 2018).

Por fim, como limitações deste estudo aponta-se para a realização do mesmo numa instituição hospitalar privada que realiza periodicamente grupo de apoio, o qual inclui e auxilia os pais na superação das dificuldades relacionadas com o filho RNBP, facilitando o processo de paternidade. Portanto, não condiz na sua totalidade com a realidade de outros serviços. No entanto, este trabalho torna-se pertinente pois existe uma escassez de estudos que tratem as vivências paternas em relação ao nascimento prematuro e de RNBP, e principalmente as suas vivências relacionadas com a realização da PC.

 

Conclusão

O objetivo da investigação foi alcançado na medida em que os pais descreveram as suas vivências paternas durante a realização da PC com o seu RNBP. Os depoimentos contemplaram os diversos sentimentos vivenciados pelos pais. Dentre eles, os sentimentos de amor, carinho, bem como o desejo de permanecer com o seu filho, superando o medo e a ansiedade. Evidenciou-se que, apesar de algumas dificuldades enfrentadas, a prática da PC trouxe benefícios, como o fortalecimento dos laços afetivos entre pai e filho, e o sentimento de pertença do pai face à situação do filho internado, ressignificando a paternidade.

É possível transcender os resultados deste estudo e pensar na PC, como uma estratégia para o estímulo da interação e do vínculo entre pai e filho, pode efetivamente ser o desencadeador para o desenvolvimento da paternidade. Neste cenário, entende-se que a equipa de enfermagem desempenha um papel fundamental no encorajamento, na orientação e no auxílio à inclusão do pai na realização da PC, o que poderá possibilitar o aprimoramento dos cuidados prestados pelo pai ao filho; assim como o acolhimento do pai como membro fundamental na recuperação do filho e, posteriormente, ser mais ativo na sua educação.

A PC é a principal estratégia utilizada pelo MC, política pública que objetiva os cuidados voltados para o neurodesenvolvimento saudável do RNBP, e que relaciona os resultados deste estudo, pode-se inferir que se torna mais forte o vínculo entre pai e filho, auxiliando no início da paternidade. Portanto, o MC pode ser considerada uma política pública destinada a estimular os cuidados paternos desde a UTIN, prevenindo a violência contra crianças e mulheres através do fortalecimento do vínculo, promovendo a igualdade entre os sexos e a paternidade responsável.

Assim, os resultados podem contribuir para a reflexão dos profissionais, especialmente para a equipa de enfermagem, no que respeita à inclusão do pai como membro efetivo no cuidado, procurando qualificar a assistência ao RNBP. Além disso, o desenvolvimento de novos estudos, em diferentes cenários, pode contribuir para que os profissionais prestem um cuidado holístico ao RNBP, visto que a PC traz benefícios que vão além da melhoria do quadro clínico do RN, iniciando também a conceção da paternidade.

 

Referências bibliográficas

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Contribuição de autores

Conceptualização: Lopes, L. L., Vaccari, A., Herber, S.

Tratamento de dados: Lopes, L. L., Vaccari, A., Rodrigues, F. A., & Herber, S.

Metodologia: Lopes, L. L., Vaccari, A., Rodrigues, F. A., & Herber, S.

Redação - preparação do rascunho original: Lopes, L. L., Vaccari, A., Rodrigues, F. A., & Herber, S.

Redação - revisão e edição: Lopes, L. L., Vaccari, A., Rodrigues, F. A., & Herber, S.

 

*Autor de correspondência:

Silvani Herber

E-mail: silvanienfherber@yahoo.com.br

 

Como citar este artigo: Lopes, L. L., Vaccari, A., Rodrigues, F. A., & Herber, S. (2020). Vivências paternas na realização da posição canguru com recém-nascidos de baixo peso. Revista de Enfermagem Referência, 5(3), e20033. doi:10.12707/RV20033

 

Recebido: 11.03.20

Aceite: 07.07.20

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