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Revista de Enfermagem Referência

versão impressa ISSN 0874-0283versão On-line ISSN 2182-2883

Rev. Enf. Ref. vol.serV no.3 Coimbra jul. 2020

https://doi.org/10.12707/RV20002 

ARTIGO DE INVESTIGAÇÃO (ORIGINAL)

RESEARCH PAPER (ORIGINAL)

 

Estudo preliminar da Escala do Medo do Parto antes da Gravidez numa amostra de estudantes universitários

Preliminary study of the Portuguese version of the Childbirth Fear Prior to Pregnancy Scale in a sample of university students

Estudio preliminar de la Escala del Miedo al Embarazo en una muestra de estudiantes universitarios

 

Marlene de Jesus da Silva Ferreira* 1
https://orcid.org/0000-0003-4469-7527

Zélia de Macedo Teixeira 1
https://orcid.org/0000-0001-8422-5239

 

1 Universidade Fernando Pessoa, Porto, Portugal

 

RESUMO

Enquadramento: O parto é temido por ambos os sexos, conduzindo ao aumento das taxas de cesariana eletiva e medicalização. Embora seja mais temido na gravidez, a sua avaliação em populações não-grávidas contribui para uma intervenção precoce.

Objetivo: Traduzir, adaptar e verificar as propriedades psicométricas de um instrumento que se propõe medir o medo do parto antes da gravidez, em população não-grávida.

Metodologia: Estudo metodológico, recorrendo à tradução-retroversão e análise das propriedades psicométricas (fidelidade e validade) recorrendo à administração da Escala do Medo do Parto antes da Gravidez (EMPAG) e da Escala de Ansiedade, Depressão e Stress de 21 itens (EADS – 21).

Resultados: A versão da escala adaptada, junto de 327 estudantes universitários, cumpriu os critérios de equivalência semântica, idiomática, experiencial e conceitual e apresenta boa consistência interna (a = 0,88) e estabilidade temporal. É constituída por 10 itens e explicada por 3 fatores, não existindo correlação com a EADS-21.

Conclusão: O estudo preliminar da EMPAG apresentou boas qualidades psicométricas. Sugere-se o alargamento da amostra para sustentação dos resultados obtidos.

Palavras-chave: medo; parto; gravidez; educação; psicometria

 

ABSTRACT

Background: Childbirth is feared by both women and men, leading to increased elective caesarean section rates and medicalization. Although it is most feared during pregnancy, its assessment in non-pregnant populations contributes to an early intervention.

Objective: To translate, adapt, and test the psychometric properties of an instrument to measure childbirth fear prior to pregnancy in non-pregnant populations.

Methodology: Methodological study, forward-backward translation, and psychometric analysis (reliability and validity) of the Portuguese version of the Childbirth Fear Prior to Pregnancy Scale (EMPAG). Both the EMPAG and the Portuguese version of the 21-item Anxiety, Depression and Stress Scale (EADS-21) were applied.

Results: The adapted version of the scale, which was applied to 327 university students, met the criteria of semantic, idiomatic, experiential, and conceptual equivalence and had good internal consistency (a = 0.88) and temporal stability. It consists of 10 items and is explained by 3 factors, without correlation with the EADS-21.

Conclusion: The preliminary study of the EMPAG showed good psychometric qualities. It is suggested that the sample should be larger to support the results obtained in this study.

Keywords: fear; parturition; pregnancy; education; psychometrics

 

RESUMEN

Marco contextual: Ambos sexos temen el parto, lo que lleva a un aumento de las tasas de cesárea electiva y de medicalización. Aunque se teme más en el embarazo, su evaluación en poblaciones no embarazadas contribuye a la intervención temprana.

Objetivo: Traducir, adaptar y verificar las propiedades psicométricas de un instrumento que se propone medir el miedo al parto antes del embarazo en una población no embarazada.

Metodología: Estudio metodológico, en el que se recurrió a la traducción-retroversión y al análisis de las propiedades psicométricas (fidelidad y validez) mediante la administración de la Escala del Miedo al Embarazo (EMPAG) y la Escala de Ansiedad, Depresión y Estrés de 21 ítems (EADS-21).

Resultados: La versión adaptada de la escala, junto con 327 estudiantes universitarios, cumplió los criterios de equivalencia semántica, idiomática, experiencial y conceptual, y tiene una buena consistencia interna (a = 0,88) y estabilidad temporal. Consta de 10 elementos y se explica por 3 factores, no existe correlación con EADS-21.

Conclusión: El estudio preliminar de EMPAG mostró buenas cualidades psicométricas. Se sugiere ampliar la muestra para respaldar los resultados obtenidos.

Palabras clave: miedo; parto; embarazo; educación; psicometría

 

Introdução

O parto é uma experiência multidimensional e única para os seus intervenientes, ainda que fortemente influenciada pelo contexto social envolvente. Deste modo, as expectativas face a este evento de vida podem oscilar entre uma dimensão positiva ou negativa, envolvendo sentimentos de alegria, mas também preocupações, ansiedade e medos (Nilsson et al., 2018). O medo do parto e as preferências da via do nascimento têm sido alvo de estudo em vários países. Contudo, estas investigações incidem essencialmente na figura feminina, descurando daquele que está envolvido em todo o processo da gravidez até ao puerpério e também influenciado pelas experiências e opiniões de terceiros (Stoll et al., 2016). Por outro lado, os estudos apenas se focam em população grávida, não incluindo a geração de futuros pais. Importa assim considerar uma população que, por medo do desconhecido, tende a temer a dor, a perda de controlo, assim como as mudanças físicas e psicológicas (Thomson, Stoll, Downe, & Hall, 2017). Entende-se assim que, ainda que os receios do parto tenham uma maior prevalência no período gestacional, os jovens que planeiam ter filhos são de igual forma influenciados pela partilha de experiências de terceiros, propiciando a formação de crenças positivas ou negativas acerca deste período do ciclo de vida (Stoll et al., 2016; Thomson et al., 2017).

Mediante investigações realizadas no âmbito desta problemática junto de população não-grávida, os níveis elevados de medo associam-se ao parto realizado pela via vaginal. Tais resultados justificam-se pela conceptualização da intensidade de dor elevada por parte dos estudantes universitários, conduzindo à preferência pela via transabdominal como forma de escapatória dolorosa (Hauck, Stoll, Hall, & Downie, 2016; Nilsson et al., 2018; Stoll & Hall, 2013; Stoll et al., 2016). Deste modo, o medo do parto contribui para o aumento das cesarianas eletivas e da medicalização, capaz de proporcionar sentimentos de dúvida e incerteza sobre a capacidade de dar à luz uma criança (Størksen, Garthus-Niegel, Adams, Vangen, & Eberhard-Gran, 2015).

Subjacente a esta dimensão extrema de medo do parto, surge o termo tokophobia ou maieusiophobia, definindo-se como um distúrbio psicológico que oscila de insignificante a excessivo medo do parto, afetando o ser humano, desde a infância até à velhice, interferindo no funcionamento das rotinas diárias (Demsar et al., 2018).

Atendendo ao estudo de Ryding et al. (2015), os estudantes universitários com níveis elevados de medo do parto tendem a sofrer de problemas psicológicos como ansiedade, depressão, e perturbações obsessivo-compulsivas relacionadas com a constante adoção de comportamentos de hipervigilância para não engravidar, comprometendo deste modo a sua qualidade de vida. Assim, lidar com o medo do parto durante a gravidez pode ser tarde demais. É importante avaliar e intervir previamente, em população não-grávida uma vez que é no período gestacional que os medos se tornam mais intensos (Stoll et al., 2016).

A adoção de medidas de avaliação e intervenção já foi realizada em vários países através do desenvolvimento e adaptação de instrumentos psicométricos capazes de avaliar o medo do parto antes da gravidez, bem como através da implementação de programas educacionais em estudantes do ensino médio e superior (Stoll et al., 2016; Thomson et al., 2017). A eficácia destas intervenções pré-natais é evidenciada em vários estudos cujos resultados demonstram que os estudantes que beneficiaram de programas educacionais sobre o parto revelam níveis mais baixos de medo, comparativamente com os jovens que têm contacto com as experiências de terceiros e não obtiveram conhecimento acerca deste evento de vida (McCants & Greiner, 2016; Stoll et al., 2016).

Assim, a adoção de medidas de avaliação e intervenção sobre o parto contribuem para a desmistificação de medos e crenças erróneas, contribuindo para o bem-estar e qualidade de vida dos jovens, reforçando os esforços internacionais na redução das taxas de cesarianas eletivas e medicalização (Stoll et al., 2016). Face ao exposto, o objetivo deste estudo visa traduzir, adaptar e avaliar as propriedades psicométricas de um instrumento que se propõe medir o medo do parto antes da gravidez, numa amostra portuguesa de estudantes universitários não-grávidos, uma vez que em Portugal não existem instrumentos disponíveis para esta finalidade.

 

Enquadramento

A versão original da Escala do Medo do Parto antes da Gravidez (EMPAG) foi desenvolvida por Kathrin Stoll e colaboradores (2016). Trata-se de um instrumento de autopreenchimento que tem por objetivo avaliar o medo do parto em jovens adultos, de ambos os sexos, que planeiam ter filhos no futuro, tendo por base três dimensões:

O medo da dor do parto, Medo dos danos corporais e Medo das complicações principalmente subjacentes ao bebé.

A EMPAG é composta por 10 itens, cujas opções de resposta variam do 1 - discordo fortemente, 2 - discordo, 3 - discordo parcialmente, 4 - concordo parcialmente, 5 -concordo ao 6 - concordo fortemente numa escala tipo likert. A cotação é realizada através do somatório dos itens, sendo que pontuações mais elevadas representam um medo mais intenso em relação ao parto.

Após o desenvolvimento da EMPAG, os autores procederam à sua adaptação para vários países como Austrália (N = 654), Canadá (N = 239), Inglaterra (N = 303), Alemanha (N = 206), Islândia (N = 460) e Estados Unidos da América (N = 378), recorrendo à técnica tradução-retroversão. Através da comparação das versões por profissionais de domínio bilingue, procedeu-se à realização de pequenas alterações nas versões finais da escala, devidamente adaptada para cada país. Atendendo às qualidades psicométricas obtidas nos estudos realizados para as populações referidas anteriormente, a EMPAG apresenta uma boa consistência interna, uma vez que apresenta um alfa de Cronbach superior a 0,8. A análise fatorial extraiu três fatores, que correspondem às dimensões do Medo do parto: Medo das complicações do parto (composto pelos itens 5, 7 e 8), Medo das alterações físicas após o nascimento (composto pelos itens 9 e 10) e Medo da dor e de perder o controlo (composto pelos itens 1, 2, 3, 4 e 6). Recorrendo à administração de outros instrumentos como a Fear of Birth Scale (FOBS) e a Escala de Ansiedade, Depressão e Stress (EADS-21), os autores procederam à análise da validade convergente e divergente. Os resultados obtidos evidenciaram que a EMPAG está altamente correlacionada com uma escala que mede o mesmo constructo (r > 0,7) – validade convergente – apresentando por outro lado fracas correlações com a EADS-21 (r > 0,2) – validade divergente. Face ao exposto, depreende-se que a EMPAG apresenta boas qualidades psicométricas para os países onde já se encontra adaptada, representando um ponto de partida para planeamento de futuras intervenções no âmbito do medo do parto antes da gravidez.

 

Questões de Investigação

A versão traduzida e adaptada da EMPAG demonstra qualidades psicométricas adequadas numa amostra de estudantes universitários da população portuguesa?

 

Metodologia

O presente estudo foi realizado em duas fases: a primeira compreendia a adaptação transcultural do instrumento para português e, após a recolha de dados, a fase da análise das propriedades psicométricas numa amostra de estudantes universitários.

Instrumentos de recolha de dados

Para a recolha de dados foi administrado um questionário sociodemográfico constituído por itens como sexo, idade, estado civil e habilitações literárias, a EADS-21, para a análise da validade divergente, e a EMPAG, descrita anteriormente no presente artigo.

Escala de Ansiedade, Depressão e Stress – EADS-21

A Escala de Ansiedade, Depressão e Stress, versão curta de 21 itens (EADS-21), foi traduzida e adaptada para a população portuguesa por Pais-Ribeiro, Honrado, e Leal (2004), e propõe-se medir os sintomas de ansiedade, depressão e stress. Cada uma destas dimensões compõe uma subescala do instrumento e é composta por 7 itens, perfazendo deste modo o total dos 21 itens. A subescala da Ansiedade engloba itens relacionados com a ansiedade situacional e experiências subjetivas de ansiedade. A subescala da Depressão é composta por itens inerentes a sintomas de disforia, desânimo, desvalorização, anedonia e inércia. E, por último, na subescala do Stress, os itens focam sintomas como a dificuldade em relaxar, a impaciência e irritabilidade.

As opções de resposta distribuem-se numa escala tipo Likert, em que o valor 0 corresponde a não se aplicou a mim, o valor 1 corresponde a aplicou-se a mim algumas vezes, o valor 2 corresponde a aplicou-se a mim muitas vezes e o valor 3 corresponde a aplicou-se a mim, a maior parte das vezes, representando a severidade e frequência dos sintomas experienciados nos últimos 7 dias. A pontuação resulta num somatório dos pontos inerentes a cada opção de resposta oscilando assim entre os 0 e os 21 pontos para cada uma das três subescalas, sendo que os estados afetivos mais negativos estão associados a pontuações mais elevadas.

Primeira fase – Tradução e adaptação da EMPAG

A adaptação transcultural da EMPAG para português cumpriu as etapas metodológicas sugeridas por Ribeiro (2010) e Borsa, Damásio, e Bandeira (2012).

Segundo os autores, o processo de tradução e adaptação de um instrumento para uma nova cultura deve ser realizado em seis etapas.

Na primeira etapa existe uma tradução inicial realizada por duas pessoas de forma independente, com domínio bilingue e conhecimentos na problemática em estudo. Esta tradução inicial permite a realização de um esboço da escala, já traduzida para a língua do país alvo da adaptação transcultural. A segunda etapa remonta à retroversão da escala, ou seja, dois outros profissionais com domínio bilingue, sem conhecimento prévio da escala irão traduzir de novo a escala para a língua original. Na terceira etapa, serão comparadas as duas versões com o intuito de discutir e identificar incoerências ou discrepâncias sintáticas e consequentemente realizar reformulações, preservando sempre o sentido original dos itens. A quarta etapa conta com a participação de um painel de peritos com conhecimentos científicos na problemática em estudo, domínio bilingue e experiência em estudos de tradução e adaptação de instrumentos psicométricos. A participação desta multiplicidade de profissionais tem por finalidade a avaliação das versões traduzidas da escala obedecendo aos critérios de equivalência semântica, idiomática, experiencial e conceitual, originando, por fim, a versão final da tradução do instrumento. Mediante esta versão é construído o layout, simples, com instruções claras e objetivas para o participante, dando deste modo origem à quinta etapa. Por último, na sexta etapa é realizada a avaliação pelo público-alvo, com o intuito de verificar a compreensão global do instrumento e realizar alterações, caso sejam assinaladas, antes de efetuar a recolha de dados.

Segunda fase – Análise das propriedades psicométricas da EMPAG

Foi realizado um estudo metodológico, quantitativo, descritivo, transversal, recorrendo a uma amostragem não probabilística. Para análise das propriedades psicométricas, à vista dos procedimentos estatísticos realizados nos restantes países, optou-se por avaliar a fidelidade (alfa de Cronbach, split-half, correlação do item com o total da escala, teste-reteste) e a validade (validade de constructo, análise fatorial, validade divergente) do instrumento. Delinearam-se critérios de inclusão ser estudante universitário, maior de idade e não ter filhos. Após a autorização dos autores para utilização da escala, o projeto foi submetido e aprovado pela Comissão de Ética da Universidade Fernando Pessoa a 23/01/2017. A recolha de dados foi realizada através do Google Docs e divulgada em redes sociais, salvaguardando a voluntariedade da participação, confidencialidade e anonimato.

Técnicas Estatísticas

Para o tratamento de dados recorreu-se ao software IBM SPSS Statistics, versão 23. O campo omisso foi preenchido com o valor 999, de forma a assegurar que não existissem coincidências com valores válidos (Martins, 2011). Os valores de interpretação do alfa de Cronbach respeitaram a metodologia de Oviedo e Campo-Arias (2005) considerando uma consistência interna muito boa se a > 0,90, boa se a entre 0,80 e 0,90, razoável se a entre 0,70 e 0,80, fraca se a entre 0,60 e 0,70 e inadmissível se a < 0,60. Do mesmo modo, para a análise dos valores de correlação foram tidos em conta os valores de referência de Ribeiro (2010), que considera que uma correlação forte apresenta um r = 0,80, ainda que possam ser aceites valores com r = 0,60. Foram analisados os pressupostos da normalidade da variável intervalar através dos coeficientes de assimetria e curtose e teste da normalidade de Kolmogorov-Smirnov (sig = 0,08) e Shapiro Wilk (0,11). A análise exploratória de dados revelou estarem cumpridos os pressupostos subjacentes à distribuição normal da variável intervalar.

 

Resultados

No que concerne à fase da tradução e adaptação da EMPAG, após análise das versões da escala provenientes do processo de tradução-retroversão, o painel de peritos da área da saúde obstétrica, com domínio bilingue e experiência em tradução e adaptação de instrumentos psicométricos, concluiu que estavam cumpridos os critérios de equivalência semântica, idiomática, experiencial e conceitual. A avaliação pelo público-alvo contou com 10 participantes de ambos os sexos, estudantes universitários, respeitando os critérios de inclusão e exclusão definidos. Não surgiram quaisquer equívocos evidenciados pelos participantes, afirmando tratar-se de um instrumento acessível, de resposta fácil e conciso. Alguns elementos do sexo masculino acrescentaram ainda que as instruções e exemplos para a formulação das suas próprias questões fomentavam uma maior compreensão.

Relativamente à avaliação das propriedades psicométricas do instrumento, o estudo é constituído por uma amostra de 327 estudantes universitários, com idades compreendidas entre os 18 e os 35 anos e uma média de 23,68 anos (Desvio-padrão - DP = 3,46), maioritariamente do sexo feminino (80,7%). O estado civil mais prevalente é solteiro (53,2%) e a licenciatura é o grau académico mais representativo (55%).

Análise da fidelidade

A EMPAG apresenta um alfa global de 0,88, revelando uma boa consistência interna, similar aos países para os quais já se encontra adaptada, tal como é possível compreender na Tabela 1.

O teste das duas metades ou bipartição (split-half), representado na Tabela 2, demonstra que as partes 1 e 2 da escala apresentam um alfa de 0,79 e 0,80 respetivamente. A correlação entre as duas metades é forte (r = 0,72), assim como os valores obtidos no coeficiente de Spearman-Brown (0,83), que se enquadram nas correlações pretendidas (= 0,8).

As correlações dos itens com o total da escala obtidas são superiores a 0,45, evidenciando a unidimensionalidade da EMPAG. Comparando os resultados obtidos na amostra do presente estudo com os restantes países para os quais o instrumento se encontra adaptado, constata-se que, na sua maioria, as correlações são superiores às demais, tal como é possível observar na Tabela 3.

Os resultados obtidos no teste-reteste, representados na Tabela 4, na amostra do presente estudo, permitem concluir a boa estabilidade temporal da EMPAG. Os scores totais da primeira e segunda administração do instrumento a um grupo de 25 estudantes universitários apresenta uma forte e significativa correlação (r = 0,79; sig = 0,00).

Análise da validade

A validade de constructo foi testada recorrendo à técnica de grupos de contraste. A EMPAG foi administrada a um grupo de mulheres sem filhos (N = 25) e a um grupo de mulheres com filhos (N = 25). Os resultados sugerem que, em média são as mulheres com filhos que têm mais medo do parto (µ = 38,6; DP = 9,18), não existindo diferenças significativas entre os grupos em análise (sig = 0,81 = 0,05). O teste Kaiser-Meyer-Olkin (KMO) e o teste de esfericidade de Bartlett indicaram que a técnica da análise fatorial é passível de ser realizada na EMPAG (r = 0,83; sig = 0,00). A análise das componentes principais extraiu três fatores com autovalores superiores a 1, que explicam cerca de 70% da variância total da escala. Associando uma rotação ortogonal Varimax, compreendemos que o fator 1 é composto pelos itens 1, 2, 3, 4 e 6 e corresponde ao Medo da dor e de perder o controlo; o fator 2 engloba os itens 5, 7 e 8 refere-se ao Medo das complicações do parto, e o fator 3, composto pelos itens 9 e 10 engloba o Medo das alterações físicas após o nascimento. Deste modo, a EMPAG é explicada pelos mesmos fatores que o instrumento original, representados na Tabela 5.

Os resultados obtidos na correlação entre as subescalas da EADS-21 e os scores totais da EMPAG permitem concluir que não existe correlação significativa entre os dois instrumentos (sig = 0,69 = 0,05), cumprindo deste modo os pressupostos da validade divergente.

 

Discussão

O presente estudo dividiu-se em duas fases, respeitando os objetivos inicialmente delineados: (1) adaptação transcultural da EMPAG e (2) análise das propriedades psicométricas do instrumento numa amostra portuguesa de universitários não-grávidos.

A versão traduzida e adaptada da EMPAG seguiu as etapas metodológicas propostas por Ribeiro (2010) e Borsa et al. (2012). Após as etapas de tradução e retroversão, a avaliação do painel de peritos concluiu que a EMPAG cumpria os critérios de equivalência semântica, idiomática, experiencial e conceitual, permitindo manter a estrutura e conteúdo da escala original. Respeitando as etapas metodológicas propostas pelos autores supracitados foi realizado o estudo piloto junto de 10 estudantes universitários que descreveram a EMPAG como um instrumento acessível, de resposta fácil e conciso. Atendendo aos resultados da adaptação para os outros países, constata-se que apenas a Alemanha e a Islândia adaptaram o instrumento recorrendo à técnica da tradução-retroversão (Stoll et al., 2016).

Com vista à análise das propriedades psicométricas da versão traduzida e adaptada para o contexto português recorreu-se a uma amostra constituída por 327 estudantes universitários, maioritariamente do sexo feminino (80%), em média com 24 anos, predominantemente solteiros (53%) e licenciados (55%). A caracterização sociodemográfica obtida é semelhante aos estudos realizados nos restantes países, devido particularmente à similaridade dos critérios de inclusão e exclusão para todas as populações (Stoll et al., 2009; Stoll & Hall, 2013; Stoll, Hall, Janssen, & Carty, 2014; Stoll et al., 2016).

À vista dos estudos enumerados anteriormente optou-se por avaliar as qualidades psicométricas da EMPAG ao nível da fidelidade e da validade.

No que respeita à fidelidade, a escala apresentou boa consistência interna (a = 0,88 > 0,80). Atendendo aos valores do alfa de Cronbach das versões dos restantes países, compreende-se que a versão portuguesa apresenta uma consistência interna mais elevada que a Austrália, Canadá, Alemanha e EUA (Stoll et al., 2016). Do mesmo modo, através do cálculo do coeficiente de Spearman-Brown, procedimento estatístico adotado apenas para a versão portuguesa, observa-se que as duas metades da escala apresentam uma forte correlação, mantendo a boa consistência interna (r = 0,72; a = 0,79; 0,80). A correlação de cada item com o total do teste demonstra a unidimensionalidade da escala, uma vez que todos os itens apresentam uma correlação superior a 0,45. Constata-se que, na sua maioria, as correlações obtidas são superiores às dos restantes países, nomeadamente às da Alemanha e dos EUA (Stoll et al., 2016). O teste-reteste e a técnica de grupos de contraste foram análises estatísticas realizadas apenas na versão portuguesa, não existindo por isso resultados para comparação com os demais países. Os resultados conseguidos através do teste-reteste na nossa amostra demonstram a estabilidade temporal do instrumento (r = 0,79; sig = 0,00). Por sua vez, os resultados da técnica de grupos de contraste permitiram concluir que não existem diferenças significativas do medo do parto de mulheres com filhos e mulheres sem filhos (sig = 0,81). Tais resultados vão ao encontro da literatura científica que demonstra que é no período gestacional que os medos se tornam mais intensos, e as experiências condicionam as perceções, atitudes e crenças face ao parto (Stoll et al., 2016; Thomson et al., 2017). Do mesmo modo, o estudo de Larkin, Begley, e Devane (2017) realizado na Irlanda junto de 531 mulheres que já tinham dado à luz, revela que o medo do parto é influenciado pela experiência do mesmo. Assim, mulheres que já tenham tido filhos apresentam níveis mais elevados de medo do parto, principalmente quando este foi realizado por via vaginal, onde a dor é deveras mais sentida. Assim, concordando com os autores, é importante uma avaliação do medo do parto e a implementação de programas educativos o mais precocemente possível (Stoll et al., 2016).

Remetendo para a validade da escala, os resultados do teste de KMO (r = 0,83) e do teste de esfericidade de Bartlett (sig = 0,00) indicaram que a análise fatorial podia ser aplicada à EMPAG. A análise de componentes principais, com rotação ortogonal pelo método Varimax, revelou a existência de três fatores, que explicam cerca de 70% da variância do instrumento. O primeiro fator engloba o Medo da dor e de perder o controlo e é composto pelos itens 1,2,3,4 e 6. O segundo fator respeita ao Medo das complicações do parto e é constituído pelos itens 5,7 e 8. O terceiro fator reporta ao Medo das alterações físicas após o nascimento e conjuga os itens 9 e 10. Atendendo à revisão da literatura, os três fatores extraídos reportam aos principais medos dos jovens universitários (Hauck et al., 2016; Nilsson et al., 2018; Stoll & Hall, 2013; Stoll et al., 2016). Todos os itens apresentam valores de comunalidades iguais ou superiores a 0,5, permitindo a perseveração da estrutura original do instrumento, sem que haja supressão de itens. Desta forma, à vista da escala original, a EMPAG é constituída por 10 itens e explicada por três fatores, tal como nos restantes seis países (Stoll et al., 2016). A escala não apresenta uma correlação significativa com as subescalas da EADS-21 (r = - 0,08; sig = 0,70), cumprindo os pressupostos teóricos da validade divergente (Pasquali, 2007).

Atendendo aos objetivos previamente enunciados podemos considerar que a EMPAG mostrou ser um instrumento com boas qualidades psicométricas, testadas ao nível da fidelidade e da validade, na amostra que constitui o presente estudo. Não obstante, são necessários mais estudos, com um maior número de participantes, a fim de comprovar e alargar a análise estatística realizada na presente investigação. Por outro lado, apesar das vantagens associadas à recolha de dados online, as respostas ao questionário podem inevitavelmente sofrer enviesamento, impactando nas consequentes análises estatísticas. Finalmente, embora o instrumento se proponha medir o medo do parto antes da gravidez, a informação que se conseguiu obter não reporta ao medo do momento do parto mas sim a dimensões como o medo da dor, o medo das complicações do parto e o medo das alterações físicas. Deste modo, a maioria dos itens remete para os receios associados ao pós-parto, pelo que seria importante incluir itens que nos permitissem avaliar a dimensão do medo do parto no seu sentido mais restrito.

 

Conclusão

Após a tradução e adaptação transcultural da EMPAG constatou-se que a escala apresentou boas qualidades psicométricas, testadas ao nível da fidelidade e da validade, numa amostra de estudantes universitários não-grávidos.

O objetivo proposto no presente estudo foi atingido, contudo, sugere-se a utilização de uma amostra de maior dimensão, representativa da população portuguesa, de modo a possibilitar a generalização dos resultados para o nosso país. De igual modo, uma vez que o score total da EMPAG permite apenas uma leitura geral medo do parto sugere-se a criação de pontos de corte que permitam estratificar os níveis de medo de forma mais precisa.

A EMPAG encontra-se assim disponível à comunidade científica podendo servir de ponto de partida a futuros estudos e programas educativos multidisciplinares com vista a uma pré-educação e desmistificação de crenças erróneas, uma vez que, intervir apenas no período gestacional pode ser tarde demais.

 

Referências bibliográficas

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Contribuição de autores

Conceptualização: Ferreira, M., Teixeira, Z.

Metodologia: Ferreira, M., Teixeira, Z.

Tratamento de dados: Ferreira, M.

Redação - preparação do rascunho original: Ferreira, M

Redação - revisão e edição: Teixeira, Z.

 

Autor de correspondência:

* Marlene de Jesus da Silva Ferreira

E-mail: marlene.silva.ferreira11@gmail.com

 

Como citar este artigo: Ferreira, M. J., & Teixeira, Z. M. (2020). Estudo preliminar da Escala do Medo do Parto antes da Gravidez numa amostra de estudantes universitários. Revista de Enfermagem Referência, 5(3), e20002. doi:10.12707/RV20002

 

Recebido: 20.12.19

Aceite: 31.05.20

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