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Revista de Enfermagem Referência

versão impressa ISSN 0874-0283

Rev. Enf. Ref. vol.serIV no.22 Coimbra set. 2019

https://doi.org/10.12707/RIV19023 

ARTIGO DE INVESTIGAÇÃO (ORIGINAL)

RESEARCH PAPER (ORIGINAL)

 

Quando os cuidados continuados chegam ao fim: perspetivas de cuidadores informais sobre o momento da alta

When long-term care comes to an end: informal caregivers’ perspectives on patient discharge

Cuando los cuidados de larga duración terminan: perspectivas de los cuidadores informales sobre el momento del alta

Adriana Carvalho*
https://orcid.org/0000-0002-6045-4413

Lia João Pinho Araújo**
https://orcid.org/0000-0001-8212-9235

Manuel Teixeira Veríssimo***
https://orcid.org/0000-0002-2793-2129

 

* Lic., Mestranda, Faculdade de Medicina da Universidade de Coimbra, 3000-370, Coimbra, Portugal [adri.fidalgocarvalho@gmail.com]. Contribuição no artigo: realizac¸a~o e análise de entrevistas e escrita do artigo.

** Ph.D., Professora Adjunta, Instituto Politécnico de Viseu. Investigadora, Centro de Investigação em Tecnologias e Serviços de Saúde (CINTESIS.UP), 4200-450, Porto, Portugal [liajaraujo@esev.ipv.pt]. Contribuição no artigo: orientação do estudo, pesquisa bibliogra´fica e escrita do artigo. Morada para correspondência: Rua Maximiano Aragão, 3504-509, Viseu, Portugal.

*** Ph.D., Professor Auxiliar, Faculdade de Medicina da Universidade de Coimbra. Médico Especialista, Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra, 3000-075, Coimbra, Portugal [mverissimo@fmed.uc.pt]. Contribuição no artigo: orientação do estudo.

 

RESUMO

Enquadramento: As unidades de cuidados continuados integrados (UCCI) têm como princípio a readaptação e reinserção familiar e social.

Objetivo: Conhecer as perspetivas de cuidadores informais sobre o momento da alta do internamento em cuidados continuados dos seus familiares com demência.

Metodologia: Quinze cuidadores (média de idades 60 anos) foram entrevistados e os dados analisados qualitativamente com recurso ao NVivo.

Resultados: Apesar da preocupação e medo relativamente ao momento de alta, a maioria dos participantes não tomou qualquer ação. Quando questionados sobre o que fariam se o seu familiar tivesse alta da UCCI, referem considerar o domicílio (n = 5) ou uma estrutura residencial para pessoas idosas (n = 10). Esta decisão tem em conta um ou mais motivos, nomeadamente fatores ambientais, indisponibilidade do cuidador, relação de proximidade, questões económicas e questões familiares.

Conclusão: Os motivos que pesam na integração e prestação de cuidados ao paciente após a alta devem ser considerados pelos profissionais, no sentido de um melhor apoio, formação e capacitação dos cuidadores informais, medidas que devem ser partes constituintes de uma rotina de cuidados.

Palavras-chave: assistência à saúde; cuidadores; demência; alta do paciente

 

ABSTRACT

Background: The purpose of long-term integrated care units is the readaptation and reintegration into family and social life.

Objective: To understand informal caregivers’ perspectives on the discharge of their relatives with dementia from long-term care facilities.

Methodology: Fifteen caregivers (mean age of 60 years) were interviewed, and data were qualitatively analyzed using NVivo.

Results: Despite the concern and fear about discharge, most participants did not take any action. When questioned about what they would do if their family member was discharged from the unit, they mentioned that they would return home (n = 5) or go to a residential facility for older people (n = 10). This decision is justified by one or more reasons, namely environmental factors, caregiver unavailability, relationship of proximity, economic issues, and family issues.

Conclusion: Healthcare professionals should consider the reasons influencing the integration and delivery of patient care after discharge to better support, train, and empower informal caregivers. These measures should be part of a care routine.

Keywords: delivery of health care; caregivers; dementia; patient discharge

 

RESUMEN

Marco contextual: El principio de las unidades de cuidados de larga duración integrados (unidades de cuidados integrados - UCCI) es la readaptación y reintegración familiar y social.

Objetivo: Conocer las perspectivas de los cuidadores informales sobre el momento del alta hospitalaria en cuidados de larga duración de sus familiares con demencia.

Metodología: Se entrevistó a 15 cuidadores (edad media de 60 años) y se analizaron los datos cualitativamente mediante NVivo.

Resultados: A pesar de la preocupación y el temor al momento de recibir el alta, la mayoría de los participantes no tomaron ninguna medida. Cuando se les preguntó qué harían si su familiar recibiera el alta de la UCCI, respondieron que considerarían el domicilio (n = 5) o una residencia para personas mayores (n = 10). Esta decisión tiene en cuenta uno o más motivos, a saber, los factores ambientales, la falta de disponibilidad del cuidador, la relación de proximidad, las cuestiones económicas y las cuestiones familiares.

Conclusión: Los motivos que influyen en la integración y la prestación de cuidados al paciente después del alta deben ser considerados por los profesionales, con el fin de apoyar, formar y capacitar mejor a los cuidadores informales, medidas que deberían formar parte de una atención rutinaria.

Palabras clave: prestación de atención de salud; cuidadores; demencia; alta del paciente

 

Introdução

A Rede Nacional de Cuidados Continuados Integrados (RNCCI), por se direcionar para pessoas com dependência funcional, doentes com patologia crónica múltipla e pessoas com doença incurável em estado avançado e em fase final de vida, tem vindo a assumir um papel de destaque no cuidado formal a pessoas com demência. Trata-se de um serviço inovador, por promover a continuidade de cuidados de forma integrada, envolve o trabalho adaptado e pró-ativo de equipas de saúde e de apoio social com o envolvimento dos utentes e familiares/cuidadores informais (Unidade de Missão para os Cuidados Continuados Integrados, 2007).

O Serviço Nacional de Saúde tem vindo a investir cada vez mais nos cuidados continuados, tendo-se verificado um aumento do número de camas de internamento de 4.465, em 2010, para 8.553, em 2018 (Ministério da Saúde, 2019). Acrescem-se os lugares de ambulato´rio e domicilia´rios, o que perfaz, atualmente, um total de 14.430 lugares (Ministério da Saúde, 2019). As pessoas idosas constituem os utentes mais representativos (85,5%), e a dependência nas atividades de vida diária e o ensino utente/cuidador informal, os principais motivos de referenciação (Administração Central do Sistema de Saúde, 2018).

Por serem cuidados de convalescença, recuperação e reintegração de doentes crónicos e pessoas em situação de dependência, visam a recuperação, readaptação e reinserção familiar e social. No entanto, o fim do período de internamento parece ser um desafio para muitas famílias e dúvidas permanecem quanto ao retorno do doente para o seu meio familiar e social. Este estudo tem como objetivo conhecer as perspetivas de cuidadores informais sobre o momento da alta do internamento em cuidados continuados dos seus familiares com demência.

 

Enquadramento

Portugal tem vindo a assistir a alterações na estrutura etária da população, nomeadamente na proporção do grupo etário com 60 e mais anos, que em 2017 representava 27,9% da população total e projeta-se que represente 41,7% em 2050 (United Nations, 2017).

O envelhecimento é um processo complexo que resulta da interação de fatores biológicos, psicológicos e sociais e implica modificações somáticas e psicossociais (Sequeira, 2010). Apesar de ser considerado um processo normativo e universal, acontecimentos e transições associados ao avançar da idade, como a perda do(a) cônjuge, familiares ou pares, ou a perda de estatuto e rede social com a passagem à reforma, podem constituir desafios desta fase da vida. Mas, para muitas pessoas, o envelhecimento é acompanhado de debilidade do estado de saúde e perda de capacidade funcional, muitas vezes devido a doenças crónicas e degenerativas, associadas a elevados índices de morbilidade e mortalidade e com significativas implicações da utilização de cuidados e serviços de saúde.

As doenças neurodegenerativas são uma das principais causas da síndrome demencial, a qual acarreta perda progressiva das capacidades cognitivas e da memória, com impacto na funcionalidade e autonomia do sujeito (Santana, 2012). Em Portugal, dados de 2013 apontam para que entre 50 a 70% das pessoas com demência apresentem doença de Alzheimer (Santana, Farinha, Freitas, Rodrigues, & Carvalho, 2015).

A complexidade dos sintomas mais comuns num processo demencial, que incluem perdas e alterações ao nível da capacidade intelectual, funcional, competências sociais e emocionais, fazem com que a demência não afete só o indivíduo, mas também a vida dos que o rodeiam e, (in)diretamente, toda a sociedade. Face ao aumento tendencial da população idosa e, por conseguinte, da prevalência de casos de demência que se espera para os próximos anos, entidades internacionais de referência identificam a demência como uma prioridade de saúde pública, alertando para a necessidade de intervenc¸o~es que visem dar respostas ajustadas a`s necessidades de sau´de e sociais que promovam a autonomia, a funcionalidade e a autodeterminac¸a~o do doente (World Health Organization & Alzheimer’s Disease International, 2012).

As unidades de cuidados continuados integrados (UCCI) têm vindo a assumir um importante papel no apoio a pessoas com demência. A par da reabilitação e readaptação, têm como principal objetivo a reinserc¸a~o familiar e social (Unidade de Missão para os Cuidados Continuados Integrados, 2007), pelo que partem do princípio de que os cuidadores informais devem ser considerados no processo de cuidados, simultaneamente como utentes e como parceiros. Como utentes, na medida em que eles próprios necessitam frequentemente de cuidados, e como parceiros porque sendo esses cuidadores não profissionais, precisam de ser capacitados para um melhor cuidado (Ministério do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social & Ministério da Saúde, 2016). Esta lógica faz ainda mais sentido num país como Portugal, onde a família é culturalmente considerada como responsável pela prestação de cuidados. Mas, também como parceiros, no sentido em que podem ser agentes importantes para uma efetiva conquista de processos de readaptação e reinserção das pessoas com demência, consagrando-se assim os pressupostos da RNCCI (Unidade de Missão para os Cuidados Continuados Integrados, 2007).

No entanto, dados de estudos que analisam o estado de saúde e bem-estar dos cuidadores informais de pessoas com demência apresentam, unanimemente, resultados preocupantes. Estão particularmente suscetíveis a elevados níveis de sobrecarga, tanto em medidas objetivas como subjetivas, sobretudo pela dificuldade em assistirem os seus familiares nas tarefas do quotidiano e em gerir e supervisionar comportamentos problema´ticos (Eloia et al., 2018). Sequeira (2010) acrescenta que devem ser considerados os diferentes tipos de sobrecarga, nomeadamente física, psicológica e emocional, social e financeira, e a maior fragilidade dos cuidados quando não são devidamente apoiados por serviços de cuidados formais. A sobrecarga a que os cuidadores de pessoas com demência estão sujeitos condiciona negativamente a sua saúde física, mas também psicológica, apresentando níveis mais elevados de depressão e ansiedade que cuidadores de pessoas idosas sem demência (Seeher, Low, Reppermund, & Brodaty, 2013). A nível social, o cuidado a pessoas com demência está associado a maior ocorrência de conflitos familiares, menor suporte e interação social (Etters, Goodall, & Harrison, 2008). As intervenções psicoeducativas e psicoterapêuticas demonstraram ser as que mais contribuem para as melhorias ao nível da sobrecarga, depressão, bem-estar subjetivo, satisfação, competências e conhecimentos do cuidador (Sörensen, Pinquart, & Duberstein, 2002).

 

Questões de investigação

Qual a decisão acerca da integração da pessoa com demência na comunidade ou numa estrutura residencial no momento da alta? Quais os fatores que condicionam essa decisão?

 

Metodologia

Participantes

Partindo-se de uma abordagem exploratória e qualitativa, este estudo recorreu a uma amostra intencional, homogénea, sendo constituída por cuidadores familiares de pessoas com demência integradas em UCCI, preferencialmente em tipologia de longa duração e manutenção (ULDM) no distrito da Guarda e de Viseu. Num primeiro momento, 20 UCCI dos distritos considerados foram contactadas telefonicamente e/ou por correio electrónico. As UCCI selecionaram os potenciais participantes partindo do conhecimento de caso e informações privilegiadas que detinham. De seguida, estabeleceram o primeiro contacto com os mesmos, informando sobre o estudo, assim como a possibilidade e importância da sua participação. Os cuidadores que aceitaram participar foram posteriormente entrevistados.

Foram 15 os participantes neste estudo, tendo este número sido definido por ter-se atingido o ponto de saturação da amostra, ou seja, a continuação da realização de entrevistas não acrescentaria novas informações às já obtidas.

Recolha de dados

Recorreu-se a um guião de entrevista, constituído por questões sociodemográficas sobre o cuidador informal e questões abertas que procuraram explorar a experiência e opinião dos cuidadores informais das pessoas com demência integradas em unidades de cuidados continuados sobre as expectativas de futuro relacionadas com o período da alta do internamento. Antecipando-se a participação de pessoas cuidadoras mais velhas, possivelmente com baixos níveis de escolaridade e com eventuais dificuldades de compreensão e de desenvolvimento do discurso, optou-se por incluir um conjunto de questões subsidiárias, nomeadamente “No momento da alta do seu familiar, qual a decisão a tomar quanto aos cuidados?” e “O que teve/está a ter em conta para tomar essa decisão?”. O guião foi elaborado pelo entrevistador com base na revisão da literatura e nos objetivos do estudo e, de forma a atestar a pertinência e sensibilidade das questões previstas para a entrevista, foram auscultados alguns profissionais que trabalham em cuidados continuados e que acompanham cuidadores informais. Mais especificamente, dois técnicos, da área da psicologia e do serviço social, leram, exploraram e deram a sua opinião acerca do guião, de forma a torná-lo o mais adequado e completo possível.

Foi agilizado todo o processo para que decorressem individualmente as entrevistas, num local com privacidade na UCCI, que sinalizou o participante e sempre num horário escolhido pelo cuidador. As entrevistas foram realizadas num só momento, que teve a duração média de 45 minutos, e foram conduzidas pelo mesmo entrevistador, um técnico superior com experiência na área da intervenção com pessoas idosas e seus familiares. Houve o cuidado na preservação da confidencialidade e anonimato no registo das respostas, garantidos pelo termo de consentimento livre e esclarecido que cada participante assinou. Mediante o consentimento do participante, as respostas foram gravadas através de um gravador áudio, não tendo existido por parte de nenhum dos participantes recusa relativamente a este método.

Análise de dados

A análise de informação e sistematização dos dados foi realizada através de análise de conteúdo, em que, após uma pré-análise de leitura flutuante, com a finalidade de captar o sentido global de cada entrevista para proceder a uma aproximação dos dados, foram identificadas as diferentes áreas temáticas, conceptualmente válidas, e procedeu-se à sua categorização, através da semelhança de conteúdos. Todos os temas que representavam um mesmo significado foram agrupados na mesma categoria, compostas por subcategorias e vários indicadores que representam unidades de registo presentes no texto. O processo de identificação e codificação das entrevistas foi realizado pela mesma pessoa que fez as entrevistas e revisto por um investigador externo, tendo sido utilizado o software para análise qualitativa NVivo no processo de codificação e análise dos dados.

 

Resultados

Os 15 cuidadores informais que participaram neste estudo apresentaram idades entre os 22 e os 80 anos (Média - M = 60; DP = 16,64), sendo, maioritariamente, do sexo feminino (n = 10) e casados (n = 10). Todo o grupo é escolarizado, sendo o grau menos elevado a 4ª classe (n = 6) e o mais elevado a licenciatura (n = 4). Ao nível da situação profissional e ocupacional, seis estão reformados, quatro empregados, três são domésticos, um é estudante e um é desempregado. Quanto ao tipo de relação com a pessoa integrada em UCCI, seis dos entrevistados são cônjuges, seis são filhos, dois são netos e um é sobrinho (Tabela 1).

Quando questionados sobre o momento da alta dos seus familiares integrados em UCCI, verificou-se muita dificuldade por parte dos participantes em desenvolver o assunto, pois essa possibilidade é perspetivada com medo, existindo até negação. Alguns dos participantes já consideraram essa possibilidade e tomaram diretrizes, mas a grande maioria não o fez e tem consciência disso. Exemplo são os testemunhos que se seguem: “tenho consciência do que pode vir a acontecer, mas não vivo esses momentos antecipados” (E3; fevereiro, 2017); “O quê? Não quero pensar, não, não, não penso nisso. É uma doença, já há tanto tempo assim nisto” (E13; outubro, 2017).

Quando questionados sobre o que fariam se o familiar tivesse alta da UCCI, duas categorias emergiram das respostas: a ida para o domicílio (n = 5) e a institucionalização (n = 10). Desta decisão, diferentes motivos emergiram, nomeadamente fatores ambientais (n = 8); indisponibilidade do cuidador (n = 3); relação de proximidade (n = 5); questões económicas (n = 2) e questões familiares (n = 3; Figura 1).

Estes motivos são detalhados na Tabela 2, em que é possível verificar o significado atribuído pelos participantes. Os fatores ambientais apresentam-se como importantes na decisão, no sentido em que os participantes referem que devido a barreiras arquitetónicas (e.g., escadas), problemas de transporte (e.g., ausência de carro próprio) e habitações deficitárias ao nível das infraestruturas (e.g., compartimentos pequenos onde a pessoa não pode movimentar-se), as pessoas não podem regressar ao domicílio próprio ou ir viver em casa dos cuidadores informais. Outros cuidadores apontam razões relacionadas com a sua indisponibilidade para considerarem uma resposta formal, pois alguns ainda se encontram a trabalhar e porque não têm outra retaguarda informal que possa ajudar. Também as questões familiares são referidas como justificação para considerarem uma estrutura residencial, sobretudo por conflitos que existem entre irmãos ou inaceitação no seio do agregado familiar.

Já os cuidadores que preferem a possibilidade de integração na comunidade, isto é, viver do domicílio, valorizam aspetos relacionados com a relação de proximidade que têm com o seu familiar. A retribuição de cuidados, o respeito pela decisão do familiar, que não quer ser institucionalizado, mas também o desconhecimento pela vontade do familiar, que já não tem capacidade para demonstrar a sua vontade, são as situações que mais se evidenciam. Mas, também os problemas económicos são apontados, no sentido em que os cuidados formais são muito dispendiosos e, muito deles, encontram-se indisponíveis por não terem vagas.

 

Discussão

O perfil dos entrevistados coincide com aquele encontrado na literatura (Sequeira, 2010), com uma média de idades de 58 anos, na sua maioria do género feminino, com uma forte relação afetiva à pessoa com demência, cônjuge ou filhas, os quais na sua maioria são reformados ou domésticos, o que constituiu um dos fatores facilitadores para assumirem o papel de cuidadores.

Verifica-se que muitos dos cuidadores ainda respondem com alguma incerteza acerca do tipo de decisão posteriormente à alta na UCCI, o que confirma os resultados de outros estudos, nomeadamente de Tobias (2017), que assinalou a angústia e a incerteza como os sentimentos mais frequentes nas famílias dos utentes da RNCCI na perspetiva dos assistentes sociais.

A maioria dos cuidadores informais assume a integração posteriormente à alta na UCCI da pessoa com demência numa estrutura residencial para pessoas idosas, relatando como principais motivos os fatores ambientais, alegando que as habitações são deficitárias ao nível das infraestruturas, de forma à pessoa poder movimentar-se. Os cuidados de saúde reconhecem cada vez mais a importância do mundo físico, tal como reconhecido na mais recente Tabela Nacional da Funcionalidade no Adulto e no Idoso (Direção-Geral da Saúde, 2019), que preconiza que o profissional de sau´de deve identificar o fator ambiental facilitador ou barreira, que podera´ influenciar, de forma positiva ou negativa, o desempenho de cada uma das atividades e participac¸a~o que estejam em ana´lise ao nível da funcionalidade.

As questões económicas também foram assinaladas por alguns dos participantes do estudo, o que vai ao encontro dos resultados de Carvalho (2016) e Tobias (2017), que também reportaram os problemas financeiros como um dos desafios dos cuidadores informais de pessoas integradas em UCCI. Neste estudo, por serem cuidadores de pessoas com demência, esta questão assume ainda maior importância, visto que em estrutura residencial uma pessoa com demência pode ficar 1,2 vezes mais dispendiosa do que um utente sem quadro demencial (Caravau, 2013).

Aspetos mais subjetivos relacionados com a relação de proximidade, a indisponibilidade do cuidador e questões familiares, alertam para o peso que determinados aspetos da perspetiva, sentimentos e relações do cuidador podem ter. Outros autores já tinham alertado para a sua consideração, as quais podem ser mesmo mais perentórias na decisão do destino da alta do que a própria capacidade funcional do utente (Tobias, 2017).

É certo que serviços mais individualizados e regulares de apoio ao domicílio, fortalecendo uma relação de proximidade e ajuda entre a pessoa com demência-cuidadores informais-cuidadores formais assim como ajudas ao nível económico, poderiam favorecer o regresso da pessoa com demência ao domicílio. Mockford (2015) reforça a necessidade de serem desenvolvidos serviços que sejam personalizados, e centrados na pessoa, destacando que na preparação da alta hospitalar existe insatisfação com a informação disponível e a gestão das condições, nomeadamente devido ao pouco tempo que têm para se prepararem e à pouca comunicação entre familiares sobre serviços. Alerta ainda para a inexistência de serviços de apoio após alta, que pudessem ajudar os cuidadores que precisam de ajuda a negociar e a articular com a sua disponibilidade.

Práticas positivas, como as abordagens psicoeducativas, poderiam beneficiar esta situação. Figueiredo, Guerra, Marques, e Sousa (2012), no seu estudo, demonstram que este tipo de intervenção responde às necessidades educativas e de suporte dos cuidadores, permitindo por um lado a facilitação de conhecimento e estratégias de cuidados especializados em demência e, por outro, a criação ou o reforço dos laços sociais entre quem cuida. Laços estes que são de extrema importância, pois possibilitam partilhar as experiências vividas e reforçar competências essenciais ao cuidar. Marques, Teixeira, e Souza (2012) evidenciam a importância das ações formativas, que têm revelado serem benéficas para os cuidadores informais, uma vez que permitem a aquisição de novos conhecimentos sobre as doenças e estratégias práticas de como melhorar o cuidar. Já Tobias (2017) destaca o apoio informacional/integração, o atendimento psicossocial e a articulação com instituições parceiras da rede (e.g., Segurança Social, IPSS, Centros de Saúde, Câmaras Municipais e Juntas de Freguesias) na adaptação à nova situação e minimização das necessidades.

A leitura dos resultados apresentados neste estudo deve ter em conta as suas limitações, relacionadas com transferibilidade, visto a amostra ser de conveniência e circunscrita a dois distritos do país, cujos cuidadores podem ter características próprias e distintas das características pessoais, familiares ou sociais dos oriundos de regiões diferentes. Ao nível da confirmação da credibilidade, apesar da análise das entrevistas ter sido revista por um investigador externo, não se procedeu à revisa~o pelos participantes, estratégia esta sugerida para se confirmar se as interpretac¸o~es do investigador refletem de facto as suas experie^ncias/ideias/sentimentos.

 

Conclusão

A experiência de ser cuidador informal de uma pessoa com demência é associada a uma série de necessidades e desafios, que não terminam quando a pessoa ingressa numa unidade de cuidados continuados. Este estudo, ao analisar a decisão de cuidadores familiares sobre a alta de pessoas com demência integradas em UCCI e fatores associados a essa decisão, poderá contribuir para a identificação de constrangimentos e facilitadores a considerar no apoio a acompanhamento a estas famílias.

Os sentimentos de medo e incerteza reportados pela maioria e o elevado número de cuidadores que consideram a integração em instituição, alertam para a necessidade de se fomentarem estratégias inovadoras e harmonizadas que capacitem o cuidador informal, contribuindo para que a pessoa com demência permaneça na comunidade. Formação, informação, apoio e serviços mais individualizados e centrados na pessoa com demência e no seu cuidador, deveriam ser partes constituintes de uma rotina de cuidados de instituições de saúde e de apoio social.

Assim, é importante que próximos estudos aprofundem esta temática de forma a identificarem diretrizes que contribuam para a definição de programas de intervenção com os cuidadores informais que incidam na promoção de saberes e de competências relativamente ao cuidado, ao mesmo tempo que são pensadas e desenvolvidas estratégias de prevenção de situações de stress e sobrecarga, melhorando a qualidade de vida dos cuidadores informais, contribuindo consequentemente para a melhoria da qualidade de vida das pessoas com demência.

 

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Recebido para publicação em: 29.04.19

Aceite para publicação: 03.09.19

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