SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.serIV número22Padrão do consumo de álcool entre trabalhadores de uma universidade pública brasileiraQuando os cuidados continuados chegam ao fim: perspetivas de cuidadores informais sobre o momento da alta índice de autoresíndice de assuntosPesquisa de artigos
Home Pagelista alfabética de periódicos  

Serviços Personalizados

Journal

Artigo

Indicadores

Links relacionados

  • Não possue artigos similaresSimilares em SciELO

Compartilhar


Revista de Enfermagem Referência

versão impressa ISSN 0874-0283

Rev. Enf. Ref. vol.serIV no.22 Coimbra set. 2019

https://doi.org/10.12707/RIV19021 

ARTIGO DE INVESTIGAÇÃO (ORIGINAL)

RESEARCH PAPER (ORIGINAL)

 

Padronização de fármacos em carros de emergência nas unidades de terapia intensiva e emergência

Standardization of drugs in emergency trolleys in intensive care and emergency units

Estandarización de medicamentos en coches de emergencia en las unidades de terapia intensiva y emergencia

 

Elizandra Cassia da Silva Oliveira*
https://orcid.org/0000-0002-4785-4375

Regina Célia de Oliveira**
https://orcid.org/0000-0002-6559-5872

Felicialle Pereira da Silva***
https://orcid.org/0000-0002-2805-7506

Catarina Silva Nunes****
https://orcid.org/0000-0002-2902-4431

 

* MSc., Docente, Universidade de Pernambuco, 50100-130, Recife, Brasil [elizandra.cassia@bol.com.br]. Contribuição no artigo: pesquisa bibliográfica, recolha de dados, tratamento e avaliação estatística, análise de dados, discussão e escrita do artigo. Morada para correspondência: Estrada do Arrail, 2405, Tamarineira, Recife, Brasil.

** Ph.D., Enfermeira, Universidade de Pernambuco, 50100-010, Recife, Brasil [reginac50@hotmail.com]. Contribuição no artigo: tratamento e avaliação estatística, discussão e escrita do artigo.

*** Ph.D., Enfermeira, Hospital da Restauração, 52171-011, Recife, Brasil [cialle@hotmail.com]. Contribuição no artigo: análise de dados e discussão e escrita do artigo.

**** Pós Graduação, Enfermeira, Universidade de Pernambuco, 50100-010, Recife, Brasil [catynunes93@hotmail.com]. Contribuição no artigo: recolha de dados e pesquisa bibliográfica.

 

RESUMO

Enquadramento: A primeira Diretriz de Ressuscitação Cardiopulmonar e Cuidados Cardiovasculares de Emergência recomenda a padronização do conteúdo dos carros de emergência a fim de agilizar o atendimento ao doente em paragem cardiorrespiratória (PCR).

Objetivo: Analisar a padronização de fármacos dos carros de emergência de 5 hospitais públicos no nordeste do Brasil, segundo a primeira Diretriz de Ressuscitação Cardiopulmonar e Cuidados Cardiovasculares de Emergência da Sociedade Brasileira de Cardiologia.

Metodologia: Estudo transversal, descritivo, com abordagem quantitativa, em 44 carros de emergência, analisados no período de agosto de 2015 a janeiro de 2016, apresentados em frequência absoluta e relativa.

Resultados: Houve falta de fármacos padronizados recomendados, como também validades ultrapassadas em todos os níveis de prioridade. Fármacos potencialmente perigosos não padronizados e com validade ultrapassada estavam presentes.

Conclusão: As não conformidades na padronização de fármacos foi evidenciada em todos os carros de emergência estudados; o que pode favorecer a ocorrência de eventos adversos graves que têm impacto na vida do doente.

Palavras-chave: enfermagem; segurança do paciente; ressuscitação cardiopulmonar; gestão de qualidade em saúde; suporte avançado de vida

 

ABSTRACT

Background: The first Cardiopulmonary Resuscitation and Emergency Cardiovascular Care Guideline recommends the standardizing of the content of emergency trolleys to expedite healthcare to the patient in cardio-respiratory arrest (CRA).

Objective: To assess the standardization of drugs in emergency trolleys of 5 public hospitals in northeastern Brazil, according to the first Cardiopulmonary Resuscitation and Emergency Cardiovascular Guideline of the Brazilian Society of Cardiology.

Methodology: Cross-sectional, descriptive study with a quantitative approach in 44 emergency trolleys, analyzed from August 2015 to January 2016, presented in absolute and relative frequency.

Results: There was a shortage of recommended standardized drugs as well as expired validities at all priority levels. Non-standardized potentially dangerous drugs with expired validity were present.

Conclusion: The nonconformities in the standardization of drugs were evidenced in all assessed emergency trolleys, which may promote the occurrence of serious adverse events that have an impact on the patient’s life.

Keywords: nursing; patient safety; cardiopulmonary reanimation; quality management; life support care

 

RESUMEN

Marco contextual: La primera directriz de Resucitación Cardiopulmonar y Cuidados Cardiovasculares de Emergencia recomienda la estandarización del contenido de los coches de emergencia para agilizar la atención al enfermo en paragem cardiorrespiratoria (PCR).

Objetivo: Analizar la estandarización de medicamentos de los automóviles de emergencia de 5 hospitales públicos em el noreste de Brasil según la primera Directriz de Resucitación Cardiopulmonar y Cuidados Cardiovasculares de Emergencia de la Sociedad Brasileña de Cardiología.

Metodología: Estudio transversal, descriptivo, con abordaje cuantitativo en 44 coches de emergencia, analizados en el período de agosto de 2015 a enero de 2016, presentados en frecuencia absoluta y relativa.

Resultados: La falta de medicamentos estandarizados recomendados, así como validez superada en todos los niveles de prioridad. Los medicamentos potencialmente peligrosos no estandarizados y con validez superada estaban presentes.

Conclusión: Las no conformidades en la estandarización de medicamentos fueron evidenciadas en todos los coches de emergencia estudiados; lo que puede favorecer la aparición de acontecimientos adversos graves que tienen impacto en la vida del paciente.

Palabras claves: enfermería; seguridad del doente; reanimación cardiopulmonar; gestión de la calidad; cuidados para prolongación de la vida

 

Introdução

A paragem cardiorrespiratória (PCR) constitui a interrupção inesperada da função cardíaca e respiratória, que necessita de manobras e procedimentos sequenciais de forma a manter a circulação cerebral e cardiopulmonar em condições que possibilitem uma melhor sobrevida do doente. Entretanto, para garantir a reversão deste evento, emerge a necessidade da padronização das ações, formação da equipa e disponibilidade imediata de materiais, equipamentos e fármacos para um atendimento seguro e eficaz (Davies et al., 2014).

Assim, uma via artificial intravascular, intraóssea ou endotraqueal são frequentemente utilizadas, seja para a infusão de fluídos (coloides e cristaloides), colheita de espécimes ou administração de fármacos, de forma a restaurar o volume intravascular (Bowden & Smith, 2017), cabendo à equipa de enfermagem a responsabilização do processo de administração de fluídos e fármacos nas situações de PCR. Entretanto, não há evidências suficientes que determinem o momento ideal da administração de fármacos, sendo o seu início precoce (com menos de cinco minutos de PCR) associado a um melhor prognóstico do paciente (Gonzalez et al., 2013).

Neste contexto, a primeira Diretriz de Ressuscitação Cardiopulmonar e Cuidados Cardiovasculares de Emergência da Sociedade Brasileira de Cardiologia, baseada no The Code Cart Statement da American Heart Association, recomenda a padronização do conteúdo dos carros de emergência (inclui itens para avaliação diagnóstica, controlo das vias aéreas, acesso vascular e controlo circulatório e fármacos) para o atendimento em todas as unidades envolvidas na assistência ao doente, a fim de agilizar a intervenção perante uma possível PCR (Gonzalez et al., 2013). Destarte, maximizar a eficiência do uso dos carros de emergência em situações de intercorrência como a PCR representa uma responsabilidade vital para a equipa de saúde, sobretudo para o enfermeiro, que responde também pela verificação sistemática do carro de emergência do seu setor de atuação, devendo estar ciente que o facto de estar pronto para ser utilizado otimiza uma assistência rápida e segura.

Apesar de os avanços tecnológicos em equipamentos e procedimentos no atendimento cardiovascular de emergência serem de grande relevância, destacam-se os cuidados com os fármacos no momento de uma PCR. A rapidez e o stress durante uma PCR favorecem o erro de administração de fármacos quando estes não são facilmente encontrados, bem como a sua ausência poderá implicar perda de tempo, diminuindo o sucesso do atendimento (Cid et al., 2017).

Face a esta relevância, este estudo tem como objetivo analisar a padronização de fármacos dos carros de emergência, segundo a recomendação da primeira Diretriz de Ressuscitação Cardiopulmonar e Cuidados Cardiovasculares de Emergência da Sociedade Brasileira de Cardiologia, nas unidades de terapia intensiva (UTI) e emergência de hospitais públicos no nordeste do Brasil.

 

Enquadramento

A PCR intra-hospitalar em adultos apresenta uma incidência mundial de 1,6/1.000 admissões, das quais 52% ocorrem nas UTI, com uma sobrevida de 18,4%. Já no contexto brasileiro, num estudo multicêntrico com 763 pacientes com PCR, 360 ocorreram na UTI e na unidade de cuidados coronários, com uma sobrevida de 13% até à alta hospitalar, configurando assim um melhor desfecho para a PCR ocorrida neste setor (Silva, Silva, Silva, & Amaral, 2016). Ocorrendo o evento, há o atendimento imediato por uma equipa interdisciplinar, como também a disponibilização do suporte de vida, no qual se inclui a pronta utilização do carro de emergência.

Já o setor de emergência caracteriza-se como um setor de alta vulnerabilidade para a ocorrência de incidentes associados a erros de medicação, devido à alta rotatividade e dinâmica nos atendimentos, associado a carência quantitativa e qualitativa dos recursos materiais e humanos, sobrecarga de trabalho e stress ambiental e profissional. Também, na fase crítica do atendimento de emergência, uma grande quantidade de fármacos é prescrita para ser administrada por via endovenosa, preferencialmente, entre os quais, medicamentos potencialmente perigosos (MPP) são frequentes (Mieiro et al., 2019).

Os MMP caracterizam-se por causar danos irreversíveis ou fatais pela sua utilização inadequada. Entre os erros de fármacos, estes são responsáveis por 80% das mortes. Como medidas de prevenção, são recomendadas a esta categoria de fármacos: identificação de alerta; lista de divulgação para toda a equipa; procedimentos e monitorização da sua utilização e armazenamento (Reis et al., 2018).

De uma forma geral, as instituições hospitalares são sistemas complexos que envolvem riscos referentes à estrutura física, uso de tecnologias e profissionais envolvidos na prestação de cuidados de saúde. Entre tantos riscos, podemos citar o processo de administração de fármacos, que é amplamente utilizado neste contexto. Estudos revelam que entre 1,6% e 41,4% dos pacientes internados são afetados por incidentes envolvendo fármacos, podendo gerar um custo de 25 a 30 milhões de dólares em hospitais de grande dimensão (Valle, Cruz, & Santos, 2017). Já nas áreas críticas, devido à quantidade de fármacos e gravidade do paciente, estes índices podem ser mais acentuados (Valle et al., 2017). Assim, a administração de fármacos constitui a última barreira ao incidente, sendo essencial preveni-la, pelo que anteceder fatores que possam interceptá-lo reduz este tipo de incidente, atribuído à equipa de enfermagem.

Visto que o carro de emergência é usado principalmente na reanimação cardiopulmonar e no apoio a outras emergências dentro do ambiente hospitalar, a sua verificação diária é citada como uma boa prática a ser adotada de forma institucional por todos os serviços de atendimento hospitalar ou pré-hospitalar (Davies et al., 2014). Segundo os pareceres dos conselhos estaduais brasileiros de enfermagem, compete ao enfermeiro a organização, verificação e reposição diária do carro de emergência, podendo também ser auxiliado pelo técnico ou auxiliar de enfermagem (Conselho Federal de Enfermagem, 2018; Conselho Regional de Enfermagem da Bahia, 2018).

A realização da checklist ou lista de verificações constitui um instrumento valioso de controlo da relação de materiais e fármacos com as suas validades e respetivas quantidades, bem como o teste dos equipamentos para intervenção em emergência (Bowden & Smith, 2017).

Além disto, o carro de emergência deve estar limpo e organizado para que os fármacos e equipamentos estejam disponíveis de acordo com a classificação de prioridades para utilização; com as suas gavetas identificadas com a descrição do seu conteúdo. Recomenda-se, ainda, que este esteja posicionado em local estratégico e de fácil acesso e mobilidade. Deve fazer-se também a selagem após a verificação dos materiais e fármacos com o objetivo de garantir que este permanece fechado, uma vez que a selagem deve apenas ser removida perante situações de intervenção nas urgências e emergências, ou para verificação do mesmo (Cid et al., 2017).

Quanto aos fármacos, materiais e equipamentos essenciais para a intervenção na PCR (classificados como nível I), estes devem estar disponíveis imediatamente para uso, os altamente recomendados (classificados como nível II), em, no máximo, 15 minutos após a solicitação, e os itens recomendados (classificados como nível III) são opcionais. Relativamente à quantidade de fármacos e materiais, cabe a cada instituição padronizar conforme a sua necessidade e protocolos institucionais (Gonzalez et al., 2013).

Assim sendo, o não cumprimento destas recomendações pode interferir na eficiência da equipa durante uma PCR. Observa-se que estudos realizados em países como o Reino Unido e Estados Unidos da América indicaram que as tentativas de reverter uma PCR foram atrasadas devido à indisponibilidade de fármacos e equipamento (Smith et al., 2008; Strzyzewski, 2006). Igualmente, os carros de emergência em hospitais australianos apresentaram deficiências no armazenamento e manutenção dos equipamentos de reanimação. Também num hospital no Botswana, um estudo indicou que a indisponibilidade de drogas e fluídos de emergência na eminência de uma PCR poderia ter impacto negativo na sobrevida do doente (Rajeswaran & Ehlers, 2012).

Na prática assistencial, observa-se que durante uma PCR a administração de fármacos é executada principalmente pela equipa de enfermagem, o que inclui a sua identificação, data de validade, preparação e administração. Tal, exige um planeamento das ações, além de conhecimento científico prévio, habilidades e competência ética (Costa et al., 2018). Enfatiza-se, assim, a importância da padronização dos fármacos em carros de emergência a ser implementada e monitorizada, promovendo uma maior eficiência e qualidade na assistência de enfermagem.

 

Questão de Investigação

A padronização de fármacos em carros de emergência em unidades de terapia intensiva e emergência segue a recomendação da primeira Diretriz de Ressuscitação Cardiopulmonar e Cuidados Cardiovasculares de Emergência da Sociedade Brasileira de Cardiologia?

 

Metodologia

Estudo descritivo, exploratório, com abordagem quantitativa. Foi desenvolvido nas UTI e nos setores de emergência de cinco hospitais públicos de ensino e investigação localizados na região metropolitana do Recife, classificados como de grande dimensão e de referência no atendimento de doentes críticos no estado de Pernambuco. Estes hospitais foram identificados como H1, H2, H3, H4 e H5.

O instrumento para recolha de dados utilizado foi uma checklist, baseada na primeira Diretriz de Ressuscitação Cardiopulmonar e Cuidados Cardiovasculares de Emergência da Sociedade Brasileira de Cardiologia (Gonzalez et al., 2013). Ressalta-se que a recomendação da padronização de fármacos dos carros de emergência para os setores de UTI e emergência são correspondentes. Foram avaliadas as variáveis independentes: disponibilidade e validade do medicamento, localização e selagem do carro de emergência.

A checklist foi adaptada pelo investigador e aplicada em conjunto com a equipa de pesquisa. Inicialmente, foi realizado um pré-teste para adequação do instrumento durante cinco dias de recolha de dados, com formação da equipa. A checklist constou de três partes: a primeira foi referente à identificação do hospital e da unidade (UTI ou emergência) e ao período de observação (data da recolha de dados); a segunda parte foi referente à disponibilidade de fármacos (presente ou ausente) e à sua respetiva validade (na validade ou com validade ultrapassada); e a terceira parte avaliou a localização (acessível ou não acessível) e presença de selagem do carro de emergência (presente ou ausente). Para classificação dos MPP’s foi utilizada a classificação do Instituto para Práticas Seguras no Uso de Medicamentos (Perini & Anacleto, 2015).

A amostra do estudo foi censitária, constituída por todos os carros de emergência utilizados no ano de 2015 e 2016 nas UTI e unidades de emergência dos referidos hospitais, estando 15 localizados nas unidades de emergência e 29 nas UTI. Segundo as portarias GM/MS nº 3432, de 12 de agosto de 1998 e SAS/MS nº 123, de 28 de fevereiro de 2005, é necessária a proporção de um carro de emergência, com desfibrilhador/cardioversor, que contenha material de intubação, fármacos e material para atendimento de emergência, para cada 10 leitos (Gonzalez et al., 2013).

Quanto à recolha de dados, esta foi realizada em dupla pelos investigadores, evitando assim dados erróneos ou duvidosos, durante as atividades de rotina hospitalar, sem nenhum aviso prévio e sem prejudicar o funcionamento normal da unidade. A recolha de dados ocorreu no período de agosto de 2015 a janeiro de 2016, a partir da aprovação do Comité de Ética e Pesquisa, sob parecer do CAAE nº 434.841. Os dados foram organizados num banco eletrónico de dados, utilizando o programa Excel®, versão 2007, e analisados descritivamente através de frequências absolutas e percentuais.

 

Resultados

O estudo avaliou, segundo a primeira Diretriz de Ressuscitação Cardiopulmonar e Cuidados Cardiovasculares de Emergência da Sociedade Brasileira de Cardiologia, 44 carros de emergência distribuídos nos setores de UTI e emergência. Na Tabela 1 verifica-se que: em relação à localização, 76,7% dos carros estavam em localização acessível, quanto à presença de selagem, apenas 29,9% estavam em conformidade. Entretanto, apenas o hospital 2 (H2) apresentou todos os carros com localização acessível e presença de selagem.

Quanto à disponibilidade dos fármacos nos carros de emergência, recomendados segundo o nível de prioridade I e a sua validade, esta é apresentada na Tabela 2. Observou-se que se encontravam disponíveis, com validade ultrapassada, o sulfato de magnésio (27,3%), a furosemida (15,9%) e o nitroprussiato de sódio (13,6%). Também foram encontradas, em menores proporções, ampolas de atropina (6,8%) e de adrenalina (4,5%). Já nos fármacos não disponíveis, inclui-se a procaínamida (100%), broncolidatadores (95,5%) e betabloqueadores (93,2%).

Para os fármacos de nível de prioridade II recomendados, constatou-se que a dopamina apresentava 15,9% de disponibilidade com validade ultrapassada seguido do dormonid/fentanil (9,1%) e diazepam (4,5%). Quanto aos fármacos indisponíveis, verificou-se serem a aminofilina (100%), morfina (93,2%) e diazepam (90,9%).

Já os fármacos de nível de prioridade III disponíveis com validades ultrapassadas, observou-se serem a solução de manitol 9,1% e o naloxone 4,5%. Os não disponíveis verificou-se serem o diltiazem (100%), isoproterenol (100%) e verapamil (97,7%).

A Tabela 3 apresenta os fármacos não padronizados disponíveis nos carros de emergência. Entre estes, foram classificados como MPP: cloreto de potássio a 10%, deslanosídeo e heparina sódica em 20,5%. Além disso, alguns destes fármacos apresentaram data de validade ultrapassada, com destaque para o deslanosídeo (9,1%), seguido do cloreto de potássio (19,1%), prometazina e fenobarbital (4,5%).

 

Discussão

Neste estudo, a falta de selagem na maioria dos carros de emergência e a sua localização inadequada foram identificadas como agravantes que podem colaborar para o atraso da intervenção a uma PCR. O uso da selagem e a localização adequada dos carros de emergência para controlo/ reposição dos seus itens e o seu deslocamento eficaz fazem parte de estratégias que reduzem eventos adversos e que são de baixo custo (Pérez-García, Soria-Aledo, & Collantes, 2016). A selagem dos carros de emergência, num estudo conduzido no Reino Unido, reduziu os itens ultrapassados em falta ou em excesso, como também o tempo gasto para revisão dos mesmos (Pérez-Garcia et al., 2016).

Um estudo realizado em Espanha também verificou que a selagem dos carros de emergência reduziu o excesso e o armazenamento inadequado de fármacos (Bowden & Smith, 2017). Em ambos os estudos, a visualização dos itens com selagens tipo saco transparente apresentam-se como barreiras para evitar o empréstimo, a utilização inadvertida e o excesso, que possam comprometer o uso adequado dos itens ao propósito que se destinam. No presente estudo, as selagens utilizadas eram do tipo lacres, que promovem na prática clínica a segurança no uso dos carros de emergência, quando efetivada.

Apesar de a localização dos carros de emergência ter apresentado um menor percentual de não conformidade em relação à selagem, muitos destes encontravam-se escondidos entre suportes de soro, camas, foco de luz e outros, ou ainda, distantes dos leitos, dificultando a sua visualização imediata. Esta realidade foi verificada também num estudo realizado em Pernambuco, onde carros de emergência estavam mal localizados (Reis & Silva, 2016). A recomendação para a intervenção numa situação de PCR é que o carro esteja localizado em local acessível e não escondido ou obstruído por qualquer outro material que prejudique o seu deslocamento imediato (Cid et al., 2017). Entende-se que a localização inadequada pode atrasar e dificultar a intervenção ao doente em PCR, comprometendo o seu prognóstico. Assim, o conhecimento da equipa de saúde quanto ao local onde o carro de emergência se localiza é imprescindível, uma vez que interfere na otimização do tempo de resposta na administração de fármacos.

Quanto às disponibilidades dos fármacos por nível de prioridade I, II e III, todos os carros de emergência estudados apresentaram não conformidades, caracterizando um erro latente do sistema, que incide diretamente sobre a segurança do doente. (Bowden & Smith, 2017). A falta de fármacos no carro de emergência, tendo em conta o seu grau de prioridade, torna-se grave, principalmente no caso da adrenalina e da atropina, os quais são fármacos classificados como prioridade I e de utilização frequente em PCR (Cid et al., 2017).

Entretanto, além da falta de fármacos, sublinha-se outra agravante observada. Existiam alguns fármacos fora da validade em todos os níveis de prioridade, com maior expressão entre os de nível I. Corroborando os achados deste estudo, um hospital no Botswana alertou para a necessidade de manter a disponibilidade de fármacos dentro da validade e prontos a serem utilizados, uma vez que a intervenção em caso de PCR é decisiva para a vida do doente (Rajeswaran & Ehlers, 2012). Na Grã-Bretanha, é exigida a verificação diária, especialmente após o uso de todos os carros de emergência, constituindo-se como uma estratégia de segurança como barreira para evitar este tipo de problema (Lo, Yu, Chen, Wang, & Tang, 2013).

Neste sentido, a The Joint Commission on Accreditation of Healthcare Organizations (JCAHO), ao analisar as causas dos erros de fármacos nos Estados Unidos da América, referiu que os mais comuns foram a falta de formação dos profissionais (65%), má comunicação entre as equipas (63%), armazenamento e acesso inapropriado ao medicamento (26%) e a rotulagem dos mesmos (18%). Verificou-se que o mau armazenamento dos fármacos estava relacionado a fármacos com data de validade ultrapassada, em excesso ou em falta; além de psicotrópicos sem controlo. Estes dados corroboram os achados do presente estudo e para o entendimento de que os fármacos com validade ultrapassada e ausente nos carros de emergência pode contribuir para erros de medicação.

De certo que a gravidade das consequências atribuídas ao processo que contribui para o erro de fármacos definirá as penalidades ao profissional envolvido. É preciso, primeiramente, avaliar as lesões corporais e o tipo de consequência provocada ao doente; podendo os profissionais serem submetidos a processos judiciais por negligência, imprudência ou imperícia, conforme a legislação civil, penal e ética (Souza et al., 2018).

No carro de emergência, apenas o material essencial para reverter uma PCR é vital, pelo que a acumulação de fármacos torna a acessibilidade ao fármaco correto mais difícil (Bowden & Smith, 2017). É relevante destacar que no momento de uma PCR, a rapidez e o stress podem favorecer o erro de fármacos, quando os fármacos não são facilmente encontrados. Assim, ao que concerne a presença de fármacos não padronizados, evidenciou-se no presente estudo a gravidade da presença de MPP, e, além disso, com data de validade ultrapassada.

Recomenda-se ainda que os hospitais tenham uma lista padronizada institucionalmente dos MPP, sendo este um processo de gestão prioritário na sua dispensação, prescrição e administração, para que se possa garantir que os doentes recebam o fármaco correto, na dose correta e no momento correto (Perini & Anacleto, 2015).

Destarte, é fundamental que toda a equipa de saúde conheça os riscos dos MPP e adote medidas para minimizar a ocorrência de erros envolvendo este grupo de fármacos (Reis et al., 2018). Estudos recentes têm referido que existe défice de conhecimento entre os profissionais de saúde, com relevância para as lacunas existentes entre a inserção de conteúdos sobre a temática dos MPP na formação profissional, que precisam de ser resgatadas por meio da educação contínua e/ou permanente nos serviços de saúde (Reis et al., 2018).

Assim, o Instituto para Práticas Seguras de fármacos define e atualiza anualmente uma lista de todos os fármacos classificados como de alto alerta, com foco especial em agonistas e antagonistas adrenérgicos, antiarrítmicos, fármacos antitrombóticos, opióides, sedativos, concentrados eletrólitos, entre outros, para divulgação interdisciplinar (Perini & Anacleto, 2015).

Estudos que abordem a padronização de fármacos em carros de emergência são incipientes no Brasil, e, quando estes abordam a PCR, apresentam maior ênfase nas manobras de ressuscitação e utilização de equipamentos para a sua reversão. Portanto, este estudo reflete sobre práticas seguras relacionadas à monitorização dos carros de emergência, com destaque para a padronização dos fármacos, dispensação e reposição por meio da verificação pré-estabelecida, conforme normas e rotinas institucionais.

A criticidade da realidade revelada neste estudo quanto ao excesso de fármacos ausentes, validades ultrapassadas e a presença de MPP confirmam as falhas ativas existentes no sistema, que colaboram para a alta exposição aos riscos de erros de fármacos da equipa de enfermagem, bem como a redução da segurança assistencial ao paciente e do profissional, servindo de alerta e reflexão para outras instituições. Sugere-se que a implementação das selagens nos carros de emergência como barreira de segurança no armazenamento dos fármacos seja uma prática indispensável, bem como a comunicação efetiva entre a equipa de enfermagem/farmacêutico para reposição dos fármacos após utilização. Mesmo sendo da competência do enfermeiro a verificação dos carros de emergência, a formação contínua da equipa quanto à sua corresponsabilidade para controlo e manutenção estão diretamente ligadas à efetividade do atendimento ao doente em PCR. Igualmente, a dispensação e o armazenamento dos MPP devem ser gerenciados de forma contundente, incluindo a formação da equipa de saúde.

Este estudo apresentou limitações importantes pela falta de padronização institucional dos hospitais envolvidos na pesquisa quanto à quantidade e disposição dos fármacos no carro de emergência durante a recolha de dados. Assim, protocolos institucionais com formação da equipa são efetivas barreiras na redução dos incidentes que colocam em risco a segurança do doente durante a intervenção na PCR.

 

Conclusão

A padronização de fármacos em carros de emergência em unidades de UTI e emergência não segue a recomendação da primeira Diretriz de Ressuscitação Cardiopulmonar e Cuidados Cardiovasculares de Emergência da Sociedade Brasileira de Cardiologia, evidenciada pela falta de fármacos padronizados, datas de validade ultrapassadas e disponibilidade de MPP não padronizados.

Esta realidade pode favorecer a ocorrência de eventos adversos grave, que impactam a sobrevida do doente em PCR e a penalidades judiciais aos profissionais envolvidos. O enfermeiro, por meio da implementação de protocolos e processos assistenciais, é protagonista fundamental para a segurança e qualificação da intervenção ao doente durante a utilização do carro de emergência, sendo a corresponsabilidade da equipa de saúde essencial para a implementação de metas institucionais efetivas.

 

Referências bibliográficas

Bowden, T., & Smith, D. (2017). An overview of adult cardiopulmonary resuscitation equipment. Nursing Standard, 31(23), 54-63. doi: 10.7748/ns.2017.e10461        [ Links ]

Cid, J. L., Núñez, R. A., Álvarez, A. C., Sarrato, G. Z., Fernández-Llamazares, C. M., & Macíasf, C. C. (2017). Recomendaciones de expertos sobre el material deli carro y mochila de reanimación cardiopulmonar pediátrica y neonatal. Anales de Pediatria, 88(3), 173.e1-173.e7. doi: 10.1016/j.anpedi.2017.05.010        [ Links ]

Conselho Federal de Enfermagem. (2018). Ementa: Parecer técnico sobre conferência/vistoria e reposição do carro de emergência (Parecer Nº 024/2018/COFEN/CTAS). Recuperado de http://www.cofen.gov.br/parecer-no-024-2018-cofen-ctas_67673.html        [ Links ]

Conselho Regional de Enfermagem da Bahia. (2018). Assunto: Composição, responsabilidade pela montagem, conferência e reposição do carro de emergência (Parecer Nº 006/2018). Recuperado de http://ba.corens.portalcofen.gov.br/wp-content/uploads/2018/06/PT-006-2018-CARRO-DE-EMERGENCIA.pdf        [ Links ]

Costa, D. G., Pasin, S. S., Magalhães, A. M., Moura, G. M., Rosso, C. B., & Saurin, T. A. (2018). Análise do preparo e administração de medicamentos no contexto hospitalar com base no pensamento Lean. Escola Anna Nery, 22(4), 1–9. doi: 10.1590/2177-9465-EAN-2017-0402        [ Links ]

Davies, M., Couper, K., Bradley, J., Baker, A., Husselbee, N., Woolley, S., . . . Perkins, G. D. (2014). A simple solution for improving reliability of cardiac arrest equipment provision in hospital. Resuscitation, 85(11), 1523–1526. doi: 10.1016/j.resuscitation.2014.07.021        [ Links ]

Gonzalez, M. M., Timerman, S., Oliveira, R. G., Polastri, T. F., Dalan, L. A., Araújo, S., . . . Favarato, M. H. (2013). I Diretriz de ressuscitação cardiopulmonar e cuidados cardiovasculares de emergência da Sociedade Brasileira de Cardiologia: Resumo executivo. Arquivos Brasileiros de Cardiologia, 100(2), 105–113. doi: 10.5935/abc.20130022        [ Links ]

Lo, T. F., Yu, S., Chen, I. J., Wang, K. W., & Tang, F. I. (2013). Faculties’ and nurses’ perspectives regarding knowledge of high-alert medications. Nurse Education Today, 33(3), 214–221. doi: 10.1016/j.nedt.2012.01.004

Mieiro, D. B., Oliveira, É. B., Fonseca, R. E., Mininel, V. A., Zem-Mascarenhas, S. H., & Machado, R. C. (2019). Estratégias para minimizar erros de medicação em unidades de emergência: revisão integrativa. Revista Brasileira de Enfermagem, 72(Supl. 1), 307-314. doi: 10.1590/0034-7167-2017-0658        [ Links ]

Pérez-García, M. Del, Soria-Aledo, V., & Collantes, F. (2016). Implementation and evaluation of the medication management in nursing units of a university hospital by means of a quality improvement cycle. Applied Nursing Research, 29, 148–156. doi: 10.1016/j.apnr.2015.05.012        [ Links ]

Perini, E., & Anacleto, T. A. (Coords.). (2015). Medicamentos potencialmente perigosos de uso hospitalar e ambulatorial - Listas atualizadas 2015. Boletim ISMP, 4(3), 1–8. Recuperado de http://biblioteca.cofen.gov.br/wp-content/uploads/2015/10/boletim_ISMP_32-Lista-atualizada.pdf        [ Links ]

Rajeswaran, L., & Ehlers, V. J. (2012). Audits of emergency trolleys’ contents in selected hospitals in Botswana. Health SA Gesondheid, 17(1), a621. doi: 10.4102/hsag.v17i1.621

Reis, A. T., & Silva, C. R. (2016). Segurança do paciente. Cadernos de Saúde Pública, 32(3), eRE020316. doi: 10.1590/0102-311XRE020316        [ Links ]

Reis, M. A., Gabriel, C. S., Zanetti, A. C., Bernardes, A., Laus, A. M., & Pereira, L. R. (2018). Medicamentos potencialmente perigosos: identificação de riscos e barreiras de prevenção de erros em terapia intensiva. Texto & Contexto Enfermagem, 27(2), e5710016. doi: 10.1590/0104-07072018005710016        [ Links ]

Silva, R. M., Silva, B. A., Silva, F. J., & Amaral, C. F. (2016). Ressuscitação cardiopulmonar de adultos com parada cardíaca intra-hospitalar utilizando o estilo Utstein. Revista Brasileira de Terapia Intensiva, 28(4), 427-435. doi: 10.5935/0103-507x.20160076        [ Links ]

Smith, A., Kinross, J., Bailey, M., Aggarwal, R., Toresen, D., & Vincent, C. (2008). Re-stocking the resuscitation trolley: How good is compliance with checking procedures? Clinical Risk, 14(1), 4-7. doi: 10.1258/cr.2007.070008        [ Links ]

Souza, V. S., Inoue, K. C., Costa, M. A., Oliveira, J. L., Marcon, S. S., & Matsuda, L. M. (2018). Nursing errors in the medication process: television electronic media analysis. Escola Anna Nery, 22(2), e20170306. doi: 10.1590/2177-9465-ean-2017-0306        [ Links ]

Strzyzewski, N. (2006). Common errors made in resuscitation of respiratory and cardiac arrest. Plastic Surgical Nursing, 26(1), 10–16. doi: 10.1097/00006527-200601000-00004        [ Links ]

Valle, M. M., Cruz, E. D., & Santos, T. (2017). Incidentes com medicamentos em unidade de urgência e emergência: análise documental. Revista da Escola de Enfermagem da USP, 51, e03271. doi: 10.1590/s1980-220x2016033303271        [ Links ]

 

Recebido para publicação em: 26.04.19

Aceite para publicação em: 23.06.19

Creative Commons License Todo o conteúdo deste periódico, exceto onde está identificado, está licenciado sob uma Licença Creative Commons