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Revista de Enfermagem Referência

Print version ISSN 0874-0283

Rev. Enf. Ref. vol.serIV no.19 Coimbra Dec. 2018

https://doi.org/10.12707/RIV18032 

ARTIGO DE REVISÃO

REVIEW PAPER

 

Eficácia da reminiscência na cognição, sintomas depressivos e qualidade de vida em idosos na comunidade: revisão sistemática

The effectiveness of reminiscence in cognition, depressive symptoms, and quality of life in elderly people in the community: a systematic review

Eficacia de la reminiscencia en la cognición, síntomas depresivos y calidad de vida en ancianos en la comunidad: revisión sistemática

 

Isabel Maria de Assunção Gil*
https://orcid.org/0000-0002-5387-8285

Paulo Jorge dos Santos Costa**
https://orcid.org/0000-0003-0761-6548

Daniela Filipa Batista Cardoso***
https://orcid.org/0000-0002-1425-885X

Vítor Sérgio de Oliveira Parola****
https://orcid.org/0000-0002-0050-5004

Elzbieta Malgorzata Bobrowicz-Campos*****
https://orcid.org/0000-0001-5889-5642

Maria de Lurdes Ferreira de Almeida******
https://orcid.org/0000-0002-4454-8743

João Luís Alves Apóstolo*******
https://orcid.org/0000-0002-3050-4264

 

* MSc., Doutoranda em Enfermagem. Professora Adjunta, Escola Superior de Enfermagem de Coimbra, 3046-851, Coimbra, Portugal [igil@esenfc.pt]. Contribuição no artigo: pesquisa bibliográfica, recolha de dados; tratamento de dados; análise de dados e discussão, redação do texto. Morada para correspondência: Estrada de Lôgo de Deus Rua da Fonte s/n, 3020-217, Coimbra, Portugal.

** MSc., Doutorando em Enfermagem. Bolseiro de Investigação, Escola Superior de Enfermagem de Coimbra, Unidade de Investigação em Ciências da Saúde: Enfermagem, 3046-851, Coimbra, Portugal [paulocosta@esenfc.pt]. Contribuição no artigo: pesquisa bibliográfica, recolha de dados; tratamento de dados; análise de dados e discussão, redação do texto.

*** Lic., Doutoranda em Ciências da Saúde. Bolseira de Investigação, Escola Superior de Enfermagem de Coimbra, Unidade de Investigação em Ciências da Saúde: Enfermagem, Portugal Centre for Evidence-Based Practice: A JBI Centre of Excellence, 3046-851, Coimbra, Portugal [dcardoso@esenfc.pt]. Contribuição no artigo: tratamento de dados, análise e discussão de dados e revisão do artigo.

**** MSc., Doutorando em Ciências de Enfermagem. Assistente Convidado, Escola Superior de Enfermagem de Coimbra, 3046-851, Coimbra, Portugal [vitor.parola@hotmail.com]. Contribuição no artigo: tratamento de dados, análise e discussão de dados e revisão do artigo.

***** Ph.D., Psicologia. Bolseira de Investigação, Escola Superior de Enfermagem de Coimbra, Unidade de Investigação em Ciências da Saúde: Enfermagem, 3046-851, Coimbra, Portugal [elzbietacampos@esenfc.pt]. Contribuição no artigo: tratamento de dados, análise e discussão de dados e revisão do artigo.

****** Ph.D., Professora Coordenadora, Escola Superior de Enfermagem de Coimbra, 3046-851, Coimbra, Portugal [mlurdes@esenfc.pt]. Contribuição no artigo: análise e discussão de dados e revisão do artigo.

******* Ph.D., Agregação em Ciências da Enfermagem. Professor Coordenador, Escola Superior de Enfermagem de Coimbra, 3046-851, Coimbra, Portugal [apostolo@esenfc.pt]. Contribuição no artigo: análise e discussão de dados e revisão do artigo.

 

RESUMO

Contexto: Na literatura, a terapia de reminiscência (TR) destaca-se enquanto intervenção não-farmacológica comummente implementada em grupos de idosos com compromisso cognitivo.

Objetivo: Identificar a melhor evidência disponível sobre a eficácia da TR na cognição, sintomas depressivos e qualidade de vida em idosos que frequentam estruturas de apoio comunitário.

Método de revisão: Seguiu-se a metodologia proposta pelo Joanna Briggs Institute. Foram considerados estudos centrados na TR em grupo, que incluíram idosos (= 65 anos) com compromisso cognitivo, a frequentar estruturas de apoio comunitário. A análise crítica, extração e síntese de resultados foram desenvolvidas por 2 investigadores independentes.

Apresentação e interpretação dos resultados: Incluídos 2 ensaios clínicos randomizados e 2 estudos quase-experimentais (n = 502); as características heterogéneas dos estudos impossibilitaram meta-análise. Dois estudos evidenciaram os benefícios da TR na cognição. Nenhum dos estudos demonstrou o impacto positivo da intervenção relativamente à sintomatologia depressiva. Na qualidade de vida, os resultados revelaram-se inconsistentes.

Conclusão: A TR parece ter um efeito benéfico na melhoria da cognição em idosos com compromisso cognitivo em contexto comunitário.

Palavras-chave: terapia reminiscência; idoso; disfunção cognitiva; cognição; depressão; qualidade de vida

 

ABSTRACT

Background: In the literature, reminiscence therapy (RT) stands out as a non-pharmacological intervention commonly implemented in groups of elderly people with cognitive impairment.

Objective: To identify the best available evidence on the effectiveness of RT in cognition, depressive symptoms, and quality of life in elderly people using community support structures.

Method of Review: The methodology proposed by the Joanna Briggs Institute was followed. Studies focused on group RT, including elderly people (= 65 years old) with cognitive impairment and using community support structures, were considered. Critical analysis, extraction, and synthesis of results were conducted by 2 independent researchers.

Presentation and interpretation of results: Two randomized controlled trials and 2 quasi-experimental studies were included (n = 502); the heterogeneity of the studies precluded meta-analysis. Two studies evidenced the benefits of RT to cognition. None of the studies showed the positive impact of the intervention on depressive symptomatology. Regarding quality of life, inconsistent results were found.

Conclusions: The RT seems to have a beneficial effect on improving cognition in elderly people with cognitive impairment in a community context.

Keywords: reminiscence; aged; cognitive dysfunction; cognition; depression; quality of life

 

RESUMEN

Contexto: En la literatura, la terapia de reminiscencia (TR) destaca como intervención no farmacológica comúnmente implementada en grupos de ancianos con trastornos cognitivos.

Objetivo: Identificar la mejor evidencia disponible sobre la eficacia de la TR en la cognición, los síntomas depresivos y la calidad de vida en ancianos que asisten a estructuras de apoyo comunitario.

Método de revisión: Se siguió la metodología propuesta por el Joanna Briggs Institute. Se consideraron estudios centrados en la TR en grupo, que incluyeron a ancianos (= 65 años) con trastorno cognitivo, que asisten a estructuras de apoyo comunitario. El análisis crítico, la extracción y la síntesis de resultados los desarrollaron 2 investigadores independientes.

Presentación e interpretación de los resultados: Se incluyeron 2 ensayos clínicos aleatorizados y 2 estudios cuasiexperimentales (n = 502); las características heterogéneas de los estudios imposibilitaron el metaanálisis. Dos estudios mostraron los beneficios de la TR en la cognición. Ninguno de los estudios demostró el impacto positivo de la intervención sobre la sintomatología depresiva. En la calidad de vida, los resultados fueron inconsistentes.

Conclusión: La TR parece tener un efecto beneficioso en la mejora de la cognición en los ancianos con trastorno cognitivo en el contexto comunitario.

Palabras clave: reminiscencia; ancianos; disfunción cognitiva; cognición; depresión; calidad de vida

 

Introdução

As marcantes alterações demográficas ocorridas nas últimas décadas, caracterizadas por um envelhecimento populacional progressivo, estão estreitamente associadas a um padrão de consequências que integram a presença de um declínio em diversas áreas do funcionamento humano, nomeadamente, a nível cognitivo. A acompanhar este envelhecimento à escala global, assiste-se a um aumento das perturbações neurocognitivas (PNC), que se caracterizam primariamente por alterações do desempenho cognitivo (documentado por testes neurológicos estandardizados ou por avaliação clínica quantitativa) em relação a um nível anterior de funcionamento (American Psychiatric Association, 2013). Na classificação atual do Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders (DSM-5) distingue-se a PNC major, que englobou o termo demência, da PNC ligeira pelo grau de compromisso.

O último relatório de saúde da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE, 2017) apresenta os dados comparativos mais recentes sobre o estado de saúde das populações nos diversos países da OCDE. De acordo com este relatório, a prevalência de demência em 2017 era de 14,8/1000 habitantes, sendo os valores mais elevados verificados no Japão (23,3/1000), Itália (22,5/1000), Alemanha (20,2/1000) e Portugal (19,9/1000). Por outro lado, o México é o país com menos casos (7,2/1000). No mesmo relatório, as doenças mentais são referidas como as que representam a mais considerável e crescente dimensão na carga global das doenças, estimando-se que uma em cada duas pessoas venha a sofrer de uma doença mental ao longo da vida. Neste sentido, a expectativa é que o número de pessoas que vivem com demência triplique até 2050, passando dos 50 milhões para 152 milhões.

O World Alzheimer Report 2016 (Prince, Comas-Herrera, Knapp, Guerchet, & Karagiannidou, 2016) estima que apenas 40-50% dos casos de demência estarão identificados nos países mais desenvolvidos, o que sugere que os números reais podem ser muito superiores. Adicionalmente, mesmo aquando da formalização de um diagnóstico, a resposta dos sistemas de saúde e os apoios sociais existentes são considerados fragmentados e pouco coordenados em relação às necessidades das pessoas idosas e dos seus cuidadores (Global Observatory for Ageing and Dementia Care, 2016). Nesta conjuntura, o Plano Global da Saúde Mental 2013-2020 da World Health Organization (2013) estabelece que a resposta a este desafio emergente reside na promoção de cuidados de saúde na comunidade, compreensivos e integrados, que permitam a estimulação e a participação das pessoas idosas e dos seus familiares. Deste modo, a estruturação das respostas dos sistemas de saúde neste âmbito promoverá um processo de cuidados eficiente, com continuidade, que possa contribuir para a melhoria da qualidade de vida destas pessoas.

Atualmente, tem-se verificado um interesse crescente nas intervenções não-farmacológicas dirigidas às pessoas com PNC e no seu impacto a nível cognitivo, funcional e social, bem como na redução da sintomatologia associada ao processo demencial (Cammisuli, Danti, Bosinelli, & Cipriani, 2016). A terapia de reminiscência (TR) tem sido identificada como potencialmente benéfica para as pessoas idosas com compromisso cognitivo. Esta consiste na recuperação de memórias emocionalmente significativas que podem ser facilitadas com recurso a estímulos multissensoriais (imagens, músicas, aromas e texturas). Ao encorajar deliberadamente as pessoas idosas a relembrar o passado, numa atitude empática e de aceitação, elas são estimuladas a reavaliar as suas vidas, fortalecendo a identidade e, deste modo, melhorando a estabilidade psicológica e a qualidade de vida. Distinguem-se três tipos básicos de reminiscência: reminiscência simples, revisão de vida e terapia de revisão de vida (Webster, Bohlmeijer, & Westerhof, 2010). Nesta revisão foram apenas considerados os estudos que integram reminiscência simples e que implicam que os dinamizadores possuam competências profissionais a um nível generalista.

Esta revisão é suportada no protocolo de Gil et al. (2018) e foca-se particularmente na necessidade de explorar a eficácia da implementação de programas de TR dirigidos a pessoas idosas com compromisso cognitivo, que frequentam estruturas de apoio comunitário, pela sua especificidade que contempla as pessoas integradas nos seus meios familiares e numa ótica de cuidados de proximidade. Deste modo, realizou-se uma pesquisa preliminar na JBI COnNECT+, Cochrane Database of Systematic Reviews e MEDLINE (via PubMed) que revelou a existência de duas revisões neste âmbito (Huang et al., 2015; Woods, Spector, Jone, Orrell, & Davies, 2005). Todavia, em nenhuma das revisões supracitadas é clara a intenção de explorar a eficácia da TR especificamente no contexto comunitário. Em 2018, Woods, O’Philbin, Farrel, Spector, e Orrell atualizaram a revisão de 2005. Nesta revisão, os autores incluíram apenas estudos randomizados controlados, excluindo participantes com declínio cognitivo ligeiro e não definindo uma idade mínima de inclusão. Todavia, os autores realçam que a inclusão de estudos com modalidades de TR distintas (individual e em grupo) e contextos diferentes (comunitário e lares de idosos), dificulta a avaliação dos benefícios desta intervenção não-farmacológica.

Dado que não foram encontrados registos de protocolos de revisão sistemática sobre a eficácia da TR na plataforma internacional PROSPERO, e sendo relevante identificar e sintetizar as melhores evidências disponíveis neste âmbito, foi elaborada a seguinte questão orientadora desta revisão sistemática: Qual a eficácia da terapia de reminiscência em grupo na cognição, sintomas depressivos e qualidade de vida das pessoas idosas com compromisso cognitivo que frequentam estruturas sociais de apoio na comunidade?

 

Método de revisão sistemática

Esta revisão sistemática da literatura seguiu a metodologia preconizada pelo Joanna Briggs Institute (Tufanaru, Munn, Aromataris, Campbell, & Hopp, 2017). Foram considerados para a inclusão os estudos que incluíam participantes idosos (= 65 anos) que residam na comunidade, a quem foi diagnosticado compromisso cognitivo (documentado por teste neurológico estandardizado ou por avaliação clínica quantitativa). A intervenção de interesse foi a TR em grupo, dirigida a pessoas idosas com compromisso cognitivo, que frequentam estruturas de apoio comunitário. Relativamente ao comparador, aceitaram-se todos os tipos de intervenção, incluindo intervenções psicossociais dirigidas a pessoas com compromisso cognitivo, cuidados habituais ou outras. Esta revisão definiu como outcomes de interesse a cognição, sintomas depressivos e qualidade de vida, avaliados com recurso a instrumentos apropriados. Foram considerados para inclusão apenas estudos com desenhos experimentais (randomized controlled trials [RCTs] e estudos quase-experimentais, com ou sem grupo de controlo).

 

Estratégia de pesquisa

Foi utilizada uma estratégia de pesquisa em três passos que incluiu estudos publicados e não publicados (Gil et al., 2018). Inicialmente, foi realizada uma pesquisa limitada na PubMed e CINAHL (via EBSCO), seguida da análise dos termos utilizados no título e resumo, assim como dos termos de indexação descritos nos artigos. Num segundo momento, utilizando todas as palavras-chave e descritores identificados, foi conduzida uma pesquisa em todas as bases de dados incluídas (Tabela 1).

Dada a multiplicidade de conceitos internacionais encontrados para descrever o contexto em foco (estruturas de apoio comunitário), optou-se por construir uma estratégia de pesquisa mais alargada, realizando-se, através do processo de seleção de estudos, a triagem dos artigos cuja intervenção tenha sido implementada e desenvolvida nestes contextos. Numa última fase do processo de pesquisa, foi analisada a lista de referências dos artigos identificados de modo a incluir estudos adicionais.

Enquanto limitadores de pesquisa, foram considerados para inclusão nesta revisão estudos escritos em inglês, espanhol e português.

Considerando que até à data em que se decidiu prosseguir com esta revisão não eram conhecidos novos esforços de atualização ou publicação de revisões sistemáticas nesta vertente temática, considerou-se como limite mínimo temporal a última data de inclusão da revisão de Woods et al. (2005), que remonta a maio de 2004. O limite temporal máximo desta revisão foi abril de 2017, tendo a pesquisa sido realizada a 9 de maio de 2017.

Avaliação da qualidade metodológica dos estudos

A avaliação da qualidade metodológica dos estudos foi avaliada de forma independente por dois revisores com recurso aos instrumentos padronizados do Joanna Briggs Institute. Para avaliação de RCTs recorreu-se à Checklist for Randomized Controlled Trials. A Checklist for Quasi-Experimental Studies foi utilizada para a análise crítica dos estudos quase-experimentais (Tufanaru et al., 2017). As divergências entre revisores foram resolvidas através da discussão ou com ajuda de um terceiro revisor. Sempre que necessário, os autores dos estudos primários foram contactados de modo a clarificar informação disponível. Decidiu-se não aplicar o ponto de corte para a inclusão para a revisão, sendo posteriormente discutidas as fragilidades metodológicas existentes em cada estudo analisado.

Extração de dados

Os dados foram extraídos por dois revisores independentes, incidindo em detalhes específicos relativos às intervenções, população, desenho dos estudos e resultados relevantes para o objetivo da revisão. As divergências encontradas neste processo foram resolvidas através de diálogo entre revisores e, quando necessário, recorreu-se a um terceiro revisor.

Síntese dos dados

Devido às diferenças significativas entre intervenções, outcomes avaliados (heterogeneidade clínica) e desenho dos estudos envolvidos (heterogeneidade metodológica), não foi possível realizar meta-análise. Deste modo, os dados são apresentados de forma narrativa, de acordo com os outcomes de interesse.

 

Apresentação dos resultados

A pesquisa identificou 377 estudos potencialmente relevantes (Figura 1). Destes, 98 foram excluídos por serem duplicados. Dos restantes 279 registos, foram excluídos 248 após análise do título e resumo. Trinta e um artigos passaram para fase de leitura integral do texto, sendo 27 excluídos por não cumprirem os critérios de inclusão. Dos quatro estudos incluídos, dois são RCTs, um é quase-experimental com grupo de controlo e um é quase-experimental sem grupo de controlo.

 

 

Resultados de avaliação da qualidade metodológica

Relativamente à qualidade metodológica dos RCTs incluídos, somente duas das 13 questões do instrumento de avaliação crítica foram respondidas de forma satisfatória por ambos os estudos (Tabela 2). Estas questões referiram-se à análise dos participantes nos grupos onde foram randomizados (Q9) e à análise dos resultados de igual modo nos grupos em comparação (Q10).

No estudo de Charlesworth et al. (2016), os participantes não eram cegos à sua alocação nos grupos, à semelhança dos profissionais que lideraram as intervenções. No estudo de Nakatsuka et al. (2015), os participantes dos diferentes grupos não apresentavam características semelhantes na fase de pré-intervenção. Neste mesmo estudo, os profissionais que lideraram as intervenções e os profissionais que avaliaram os participantes não estavam cegos à alocação de participantes por grupos. Adicionalmente, em ambos os estudos não está claro se os outcomes foram avaliados de igual modo para os diferentes grupos, se a avaliação dos outcomes foi realizada de forma confiável e se a análise estatística empregue foi apropriada.

Respeitante à avaliação da qualidade metodológica dos estudos quase-experimentais, quatro das nove questões existentes no instrumento de avaliação crítica foram respeitadas pelos dois estudos incluídos na revisão (Tabela 3). Estas questões referiram-se à: clareza dos estudos relativamente à relação temporal das variáveis em análise (Q1); existência de múltiplas avaliações de resultados antes e após a intervenção (Q5); inexistência de diferenças quanto à perda de acompanhamento entre os grupos em comparação (Q6); e se os resultados dos participantes incluídos foram avaliados de igual forma nos grupos em comparação (Q7).

No estudo de Melendez, Torres, Redondo, Mayordomo, e Sales (2015) não é claro se os participantes incluídos nos grupos em estudo apresentavam características semelhantes na fase de pré-intervenção; adicionalmente, não está claro se os participantes eram alvo de tratamento/cuidados semelhantes, além da intervenção de interesse. No estudo de Nawate, Kaneko, Hanoaka, e Okamura (2007), não existiu grupo de controlo. Para ambos os estudos, é pouco claro se os outcomes de interesse foram avaliados de forma confiável e se a análise estatística utilizada foi apropriada.

Características dos estudos incluídos

Na Tabela 4 apresentam-se as características dos estudos incluídos, critérios de inclusão de participantes, grupos de intervenção com descrição da duração e características das atividades realizadas, assim como resultados específicos relativamente aos outcomes de interesse.

Os quatro estudos incluídos encontram-se escritos em língua inglesa e foram publicados entre 2007 e 2016. Dois dos estudos são provenientes do Japão, os restantes foram desenvolvidos em Espanha e Inglaterra. O tamanho das amostras dos estudos incluídos nesta revisão variou entre 11 e 289 participantes (pós-intervenção).

 

Interpretação dos resultados

Com esta revisão sistemática pretendeu-se sintetizar a evidência existente sobre a eficácia da TR na cognição, sintomas depressivos e qualidade de vida das pessoas idosas com compromisso cognitivo que frequentam estruturas sociais de apoio na comunidade. Em contraste com os delicados avanços relativos ao progresso de novos tratamentos farmacológicos para as pessoas com PNC, surgem os recentes avanços nas intervenções psicológicas (Charlesworth et al., 2016). Neste âmbito, a TR assoma-se como uma das intervenções psicossociais mais frequentemente implementadas nestes contextos.

A contemplação do passado inspirou um vasto conjunto de estudos teóricos (Westerhof & Bohlmeijer, 2014) que encetaram o caminho para a investigação da reminiscência como uma intervenção estruturada. De facto, em todos os estudos incluídos nesta revisão, a terapia de reminiscência foi implementada com recurso a programas estruturados. No estudo de Nawate et al. (2007), a estimulação das memórias foi desencadeada pelas práticas de culinária, com o argumento de que a mesma consegue estimular os cinco sentidos e promover a recordação de vivências associadas à preparação dos alimentos. Nos restantes estudos, o foco estava centrado na evocação e partilha de memórias associadas à discussão temática que englobava as fases da vida até à velhice, com recurso a músicas, imagens e objetos facilitadores da evocação das lembranças.

Ainda que a reminiscência se possa assumir como uma intervenção de particular pertinência na prática de enfermagem, no âmbito das intervenções autónomas (Stinson, 2009) constata-se que em nenhum dos estudos revistos os enfermeiros foram responsáveis pela dinamização das sessões. Deste modo, considera-se importante a realização de mais estudos que explorem a implementação deste tipo de intervenções terapêuticas lideradas por estes profissionais.

Relativamente aos resultados da TR na função cognitiva, constata-se um efeito com significância (Melendez et al., 2015; Nawate et al., 2007), o que corrobora os resultados de outras revisões anteriores (Huang et al., 2015; Woods et al., 2005, Woods et al., 2018). Em ambos os estudos (Melendez, et al., 2015; Nawate et al., 2007), a melhoria da função cognitiva persistiu após o terminus da intervenção, tendo o efeito sido avaliado ao fim de 2 meses e 4 semanas, respetivamente. Os autores dos estudos mencionados avaliaram ainda os efeitos da TR em avaliações de seguimento, o que permitiu verificar que os efeitos da intervenção perduraram no tempo. No estudo de Nakatsuka et al. (2015), a intervenção mostrou ser benéfica para a orientação e memória a longo prazo, ainda que os efeitos observados não tenham sido estatisticamente significativos. Comparativamente, Woods et al. (2018) evidenciaram que a TR tem um impacto positivo na cognição quando avaliada logo após a intervenção, mas não a longo prazo, contudo, estas diferenças podem ser atribuídas às características da população e contexto em foco nas revisões em análise.

À semelhança dos resultados analisados por Woods et al. (2018), os resultados dos estudos que integraram esta revisão mostram que as alterações observadas ao nível da sintomatologia depressiva das pessoas com compromisso cognitivo não se revelaram significativos. Resultados contraditórios são encontrados na revisão de Huang et al. (2015) em que se observaram efeitos positivos da TR nos sintomas depressivos de pessoas idosas que vivem na comunidade.

No que se refere ao impacto da TR na qualidade de vida, no estudo de Nakatsuka et al. (2015) são apontadas melhorias nos participantes que integravam os diferentes tipos de intervenção, designadamente, terapia de reminiscência, estimulação cognitiva e atividade física, revelando assim uma melhoria da qualidade de vida independentemente da intervenção. Os resultados mostram, também, que a satisfação com a intervenção pode ter interferido positivamente na perceção da qualidade de vida dos participantes, o que direciona para a necessidade de envolver as pessoas idosas com compromisso cognitivo nos processos de construção e validação dos protocolos de intervenção terapêutica que sejam do seu agrado (Gil et al., 2017).

Por sua vez, é de realçar que no estudo de Charlesworth et al. (2016) se atestou que a combinação da TR em grupo com o programa de suporte ao cuidador produziu efeitos positivos na qualidade de vida das pessoas idosas. Logo, tendo em conta a melhor forma de responder às necessidades das pessoas idosas com compromisso cognitivo e dos seus cuidadores fica aqui reforçada a necessidade de estudar o impacto da TR em ambos. Perante o exposto, pode-se inferir que a interação entre as pessoas idosas com compromisso cognitivo e os cuidadores, assim como a satisfação com a intervenção terapêutica, parecem constituir indicadores intrinsecamente relacionados com a qualidade de vida percecionada pelas pessoas idosas (Charlesworth et al., 2016; Nakatsuka et al., 2015). Relativamente às evidências sobre a eficácia de RT para a qualidade de vida, apresentadas por Woods el al. (2018), estas foram inconsistentes.

Genericamente, podem mencionar-se algumas fragilidades metodológicas das investigações revistas sobre o impacto da TR em pessoas idosas com compromisso cognitivo, tais como o tamanho da amostra e o número reduzido de instituições comunitárias envolvidas, entre outras fragilidades referidas anteriormente. Estas fragilidades podem ter limitado a análise da eficácia da intervenção, o que não permite a generalização dos dados. Um outro aspeto a destacar relaciona-se com a heterogeneidade significativa dos estudos relativamente aos objetivos, desenho metodológico e amostra, que impossibilitou a meta-análise dos dados.

É ainda de considerar que não tendo sido realizadas pesquisas nas bases de dados ligadas à área da psicologia (e.g., PsycINFO) se pode ter limitado o número de resultados encontrados, o que se afigura como uma limitação desta revisão. Futuras revisões sistemáticas deverão ter em conta as fragilidades apontadas. Todavia, considera-se que os contributos desta revisão vêm fortalecer a relevância da TR na melhoria da função cognitiva em pessoas idosas com compromisso cognitivo, sendo de enaltecer que se centra nas capacidades que as pessoas mantêm conservadas, mobilizando recursos cognitivos preservados.

 

Conclusão

Os resultados desta revisão sistemática indicam que a TR em grupo se constitui como uma intervenção terapêutica útil na melhoria da função cognitiva. Ainda que não se tenham confirmado os efeitos na redução da sintomatologia depressiva e na melhoria da qualidade de vida, os resultados de outras revisões apontam para conclusões contraditórias pelo que se considera crucial dispor de mais estudos com elevado rigor metodológico que permitam resultados mais robustos neste âmbito. As fragilidades metodológicas das investigações revistas podem ter limitado a análise da eficácia da reminiscência em pessoas idosas com compromisso cognitivo o que remete para a pertinência de se se conduzirem novos estudos primários cuja metodologia tenha em linha de conta as lacunas apontadas.

Implicações para a investigação e para a prática da enfermagem

Numa perspetiva de investigação sugere-se a realização de estudos que avaliem a correlação entre a satisfação dos participantes e a eficácia da TR em grupo. É necessário que se incremente a participação das pessoas com compromisso cognitivo e mesmo dos seus cuidadores na avaliação dos programas de reminiscência como garantia dos seus direitos e necessidades.

Considerando que os resultados obtidos nesta revisão sustentam o potencial terapêutico da reminiscência em grupo na cognição das pessoas idosas que frequentam estruturas sociais de apoio na comunidade (grau B), deverá ser considerada a sua inclusão na abordagem terapêutica dirigida a pessoas idosas com compromisso cognitivo, nomeadamente no âmbito das intervenções autónomas de enfermagem. A TR é uma intervenção de fácil planeamento, implementação e avaliação que permite uma relação de proximidade entre o profissional e a pessoa idosa, resultando num conhecimento mais profundo do idoso. Deste modo, pode-se considerar que a TR capacita o profissional no uso de competências relacionais e comunicacionais e permite criar um ambiente onde as pessoas se divertem, fortalecem a vinculação entre os membros do grupo, mantendo e otimizando as suas competências sociais e cognitivas.

 

Referências bibliográficas

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Recebido para publicação: 23.05.18

Aceite para publicação: 19.07.18

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