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Revista de Enfermagem Referência

versão impressa ISSN 0874-0283

Rev. Enf. Ref. vol.serIV no.19 Coimbra dez. 2018

https://doi.org/10.12707/RIV18052 

ARTIGO DE INVESTIGAÇÃO

RESEARCH PAPER

 

 

O Teatro do Oprimido como estratégia de intervenção na redução do bullying escolar

The Theatre of the Oppressed as an intervention strategy in reducing bullying at school

El Teatro del Oprimido como estrategia de intervención en la reducción del acoso escolar

 

Lidiane Cristina da Silva Alencastro*
https://orcid.org/0000-0003-3005-415X

Jorge Luiz da Silva**
https://orcid.org/0000-0002-3727-8490

André Vilela Komatsu***
https://orcid.org/0000-0001-8508-6787

Iara Falleiros Braga****
https://orcid.org/0000-0002-7720-2941

Diene Monique Carlos*****
https://orcid.org/0000-0002-4950-7350

Marta Angélica Iossi Silva******
https://orcid.org/0000-0002-9967-8158

 

* Ph.D., Enfermeira, Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto, Universidade de São Paulo, 14040-902, Ribeirão Preto, Brasil [lidiane.alencastro@gmail.com]. Contribuição no artigo: coordenação do estudo desde sua conceção, pesquisa bibliográfica, recolha de dados, avaliação estatística, análise de dados e discussão, redação e revisão final do artigo. Morada para correspondência: Avenida dos Bandeirantes, 3900, 14040-902, Ribeirão Preto, Brasil.

** Ph.D., Psicólogo, Programa de Pós-Graduação em Promoção de Saúde Universidade de Franca, 14404-600, Franca, Brasil [jorge.silva@unifran.edu.br]. Contribuição no artigo: pesquisa bibliográfica, análise de dados e discussão, redação e revisão final do artigo.

*** MSc., Psicólogo, Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto, Universidade de São Paulo, 14040-901, Ribeirão Preto, Brasil [avk@usp.br]. Contribuição no artigo: pesquisa bibliográfica, tratamento e avaliação estatística, análise de dados, redação e revisão final do artigo.

**** Ph.D., Terapeuta Ocupacional, Departamento de Terapia Ocupacional. Universidade Federal da Paraíba, 58051-900, João Pessoa, Brasil [iarafalleiros@gmail.com]. Contribuição no artigo: pesquisa bibliográfica, discussão, redação e revisão final do artigo.

***** Ph.D., Enfermeira, Departamento de Enfermagem, Universidade Federal de São Carlos, 13565-905, São Carlos, Brasil [diene_enf@hotmail.com]. Contribuição no artigo: pesquisa bibliográfica, discussão, redação e revisão final do artigo.

****** Ph.D., Enfermeira, Departamento de Enfermagem Materno-Infantil e Saúde Pública, Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto, Universidade de São Paulo, 14040-902, Ribeirão Preto, Brasil [maiossi@eerp.usp.br]. Contribuição no artigo: coordenação do estudo desde sua conceção, pesquisa bibliográfica, análise de dados e discussão, redação e revisão final do artigo.

 

RESUMO

Enquadramento: O bullying escolar tem-se destacado, gerando diversas repercussões negativas na saúde dos adolescentes.

Objetivo: Avaliar os efeitos de uma intervenção, baseada no Teatro do Oprimido, na redução do bullying escolar, 6 meses após a sua finalização.

Metodologia: Estudo quasi-experimental, realizado entre 2016 e 2017, com estudantes do ensino secundário de duas escolas da capital de Mato Grosso, Brasil. Dentre os 231 participantes, 133 compuseram o grupo de intervenção, e 98 o grupo de comparação. Antes e depois da intervenção, os grupos foram avaliados pela Escala de Agressão e Vitimização entre Pares (EVAP). Utilizou-se teste t e qui-quadrado para análise dos dados e as medições não foram emparelhadas.

Resultados: O grupo de intervenção apresentou redução significativa na vitimização e agressão direta, após 6 meses do término da intervenção. Já o grupo de comparação apresentou aumento significativo em todas as formas de vitimização e agressão por bullying.

Conclusão: O Teatro do Oprimido contribuiu para a redução do bullying entre adolescentes e pode ser incorporado em ações de promoção de saúde nas escolas.

Palavras-chave: bullying; violência; saúde escolar; adolescente; saúde do adolescente

 

ABSTRACT

Background: Bullying at school has stood out, generating several negative repercussions on the health of adolescents.

Objective: To evaluate the effects of an intervention based on the Theatre of the Oppressed in the reduction of bullying at school 6 months after its completion.

Methodology: A quasi-experimental study, conducted between 2016 and 2017, with high school students from two schools of the state capital of Mato Grosso, Brazil. Among the 231 participants, 133 composed the intervention group, and 98 the comparison group. Before and after the intervention, the groups were assessed by the Peer Aggression and Victimization Scale (EVAP). The t-test and chi-squared test were used for the data analysis, and measurements were not compared.

Results: The intervention group showed a significant reduction in the direct victimization and aggression, 6 months after the end of the intervention. However, the comparison group showed a significant increase in all forms of bullying victimization and aggression.

Conclusion: The Theatre of the Oppressed contributed to the reduction of bullying among adolescents and can be incorporated into the actions of health promotion in schools.

Keywords: bullying; violence; school health; adolescent; adolescent health

 

RESUMEN

Marco contextual: El acoso escolar se ha acentuado, lo que ha generado diversas repercusiones negativas en la salud de los adolescentes.

Objetivo: Evaluar los efectos de una intervención, basada en el Teatro del Oprimido, en la reducción del acoso escolar 6 meses después de haber finalizado.

Metodología: Estudio cuasi experimental, realizado entre 2016 y 2017, con estudiantes de enseñanza secundaria de dos escuelas de la capital de Mato Grosso, Brasil. De los 231 participantes, 133 formaron el grupo de intervención, y 98 el grupo de comparación. Antes y después de la intervención, los grupos fueron evaluados mediante la Escala de Agresión y Victimización entre Pares (EVAP). Se utilizó la prueba t y chi cuadrado para analizar los datos, y las mediciones no se emparejaron.

Resultados: El grupo de intervención presentó reducción significativa en la victimización y agresión directa, después de 6 meses de haber terminado la intervención. El grupo de comparación presentó aumento significativo en todas las formas de victimización y agresión por acoso.

Conclusión: El Teatro del Oprimido contribuyó a reducir el acoso entre adolescentes y se puede incorporar a acciones de promoción de la salud en las escuelas.

Palabras clave: acoso escolar; violencia; salud escolar; adolescente; salud del adolescente

 

Introdução

A adolescência constitui um período de transição e transformação para a vida adulta assinalado por questionamentos, incertezas, descobertas e tomada de decisões no que se refere aos fatores biológicos, sociais e psicológicos, constituindo-se uma fase de consolidação da personalidade, que não pode ser definida como apenas uma faixa etária (Fonseca, Sena, Santos, Dias, & Costa, 2013). O adolescente passa a conquistar maior independência pessoal, social e financeira, que demarcam o início da vida adulta. Trata-se de um período que pode ser vulnerável a diversas situações de risco relacionados aos fatores sociais e ambientais nos contextos familiar e escolar. Nos últimos anos, estudos têm destacado o bullying como um fator que afeta a qualidade da escolarização, bem como gera diversas repercussões negativas na saúde e no quotidiano dos adolescentes (Fonseca et al., 2013; Zequinão et al., 2017). Bullying é definido como atos intencionais, repetitivos, sem motivação aparente e que envolvem desequilíbrio de poder entre vítimas e agressores (Olweus, 2013). No atual estudo, o bullying escolar foi apresentado como agressão e vitimização física direta que representou praticar ou sofrer ações como: provocar, brigar, empurrar, esmurrar, chutar, ameaçar e troçar. Agressão e vitimização física indireta: roubar e/ou mexer nas coisas de colegas ou ter os seus pertences roubados, estragados ou mexidos. Além disso, agressão e vitimização relacional: excluir colegas ou ser excluído, colocar apelidos de que colegas não gostam ou ser apelidado, incentivar colegas a brigar, fazer os outros rirem de colegas ou ser ridicularizado por colegas (Weber & Dessen, 2009).

A prevalência média de bullying no Brasil identificada pela Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar (PeNSE) no ano de 2015 foi de 28% (Mello et al., 2017). Na cidade de Cuiabá, capital do estado de Mato Grosso (Brasil) e local de desenvolvimento do presente estudo, num grupo de 456 adolescentes que se declararam vítimas de algum tipo de violência, o bullying representou a maior vitimização, com 27,6% (Martins & Alencastro, 2015). Independentemente da frequência que apresente, os estudos evidenciam que o bullying gera efeitos negativos à saúde física, mental e ao sucesso académico dos envolvidos (vítimas, agressores e testemunhas), tais como lesões, tristeza, insónia, depressão, baixa autoestima, pensamentos suicidas, baixo desempenho escolar, entre outros (Olweus, 2013; Zequinão et al., 2017). Devido aos seus efeitos negativos e altas taxas de ocorrência, o bullying é considerado um problema de saúde pública (Coopeland, Wolke, Angold, & Costello, 2013). Assim, destaca-se a necessidade da realização de intervenções anti-bullying, especialmente aquelas que considerem os adolescentes como protagonistas das ações e valorizem o contexto de vida individual e coletivo dos participantes, atendendo às necessidades peculiares da adolescência (Silva et al., 2017).

Estratégias como o teatro e a dramatização possibilitam o envolvimento dos sujeitos por meio da socialização, de vivências e da linguagem artística (corporal e verbal), as quais podem ajudar no acesso aos níveis afetivos e emocionais, bem como auxiliar na interpretação das informações transmitidas e da percepção do adolescente (França, 2015). Logo, tendo em vista os efeitos negativos ocasionados pelo bullying para a saúde, seja no âmbito físico, no processo de aprendizagem ou no desenvolvimento psicossocial dos adolescentes e a possível contribuição do teatro na redução deste agravamento, o objetivo deste estudo foi avaliar os efeitos de uma intervenção, baseada no Teatro do Oprimido, na redução do bullying escolar, 6 meses após a sua finalização.

 

Enquadramento

O Teatro do Oprimido é uma metodologia teatral inspirada na obra “Pedagogia do Oprimido” de Paulo Freire e foi criado por Augusto Boal na década de 70 em resposta à sua preocupação em fazer um teatro com envolvimento de todos (Oliveira & Araújo, 2014). Para Boal, oprimido era sinónimo de espectador. Logo, a sua proposta foi a de envolver a plateia, até então considerada passiva, na ação teatral defendendo a ideia de que todos são capazes de fazer teatro (Boal, 2015; Oliveira & Araújo, 2014). Assim, o Teatro do Oprimido é considerado uma metodologia teatral que induz o participante a refletir sobre os seus conflitos reais, estimula à participação ativa dos envolvidos, melhora a expressão dialógica e corporal, como também estimula a autonomia dos participantes, possibilitando, quando usados na pesquisa, a construção coletiva de conhecimento entre o pesquisador e os pesquisados (Oliveira & Araújo, 2014). Além destas questões, o conceito do Teatro do Oprimido relaciona-se fortemente com as relações construídas no bullying de oprimido-opressor. Oliveira e Araújo (2014) apontaram o Teatro do Oprimido como um método capaz de suscitar debates e discussões, com questões da coletividade, produzindo a ruptura de práticas e discursos hegemónicos sobre as experiências de violência, promovendo inclusive a emancipação dos sujeitos. O que caracterizam aspetos essenciais em ações de prevenção e enfrentamento do bullying. Destaca-se a originalidade do presente estudo, visto que não foi identificado nenhum outro que abordasse tal proposta de intervenção frente ao bullying na literatura científica brasileira.

 

Questões de investigação

Uma intervenção educativa, com a metodologia teatral do Teatro do Oprimido, tem efeito na redução do bullying entre adolescentes escolares?

Existe diferença, em relação à ocorrência do bullying, entre o grupo de adolescentes que participou da intervenção educativa (grupo intervenção - GI) e o grupo que não participou dela (grupo-comparação - GC)?

 

Metodologia

Trata-se de um estudo quasi-experimental realizado com 231 estudantes do 1º ano do ensino secundário de duas escolas públicas da cidade de Cuiabá, capital do Estado de Mato Grosso, Brasil. O GI refere-se aos estudantes que participaram na intervenção educativa com base na metodologia do Teatro do Oprimido (Boal, 2015) e corresponde à escola intervenção. O GC é composto pelos estudantes pertencentes à escola comparação que foram avaliados, mas que não participaram na intervenção. Todos os estudantes eram elegíveis à participação no estudo, no entanto foram incluídos somente aqueles que voluntariamente aceitaram colaborar com a pesquisa, que possuíam autorização dos pais ou responsáveis e que se encontravam presentes nos dias de colheita de dados e da intervenção. A avaliação pré-intervenção ocorreu no mês de outubro de 2016, o Teatro do Oprimido foi realizado no período de outubro a dezembro de 2016, e a avaliação follow-up ocorreu no mês de junho de 2017, ou seja, 6 meses após a intervenção educativa.

A intervenção foi realizada durante o horário escolar devido à sua metodologia, que demandava um processo contínuo de execução e acompanhamento. Além de facilitar uma maior adesão e envolvimento dos participantes, esta estratégia favoreceu maior contacto da pesquisadora que desenvolveu a intervenção com auxílio dos professores e equipa escolar.

A intervenção educativa foi composta por dois momentos. O primeiro constituiu uma aproximação dos adolescentes à investigadora e à sua sensibilização em relação ao teatro e ao tema bullying. Nesta etapa foram trabalhadas diversas técnicas teatrais baseadas no Teatro do Oprimido, com o objetivo de estimular a participação ativa e interação entre os participantes (Boal, 2015). As técnicas foram aplicadas uma única vez, em formato de workshops, com cada uma das 10 turmas do primeiro ano do ensino secundário da escola intervenção, com duração média de 1 hora 20 minutos em cada turma. O segundo momento da intervenção constituiu na organização e encenação de Teatro Fórum, técnica pertencente à metodologia do Teatro do Oprimido. Nesta técnica, os espetadores são denominados por Boal (2015) como espect-atores, pois eles representam muito mais que uma plateia, considerada passiva, eles são convidados a entrar em cena, atuando teatralmente, procurando soluções/estratégias para a ação encenada, revelando assim, sentimentos, pensamentos, desejos, estratégias e um leque de possíveis alternativas sugeridas por eles (Boal, 2015).

Desta forma, a encenação foi apresentada de forma convencional, em que se mostrou determinada situação de bullying, como uma opressão que se deseja combater. Em seguida, indagou-se, se os espect-atores, estavam de acordo com a solução proposta pelo protagonista na cena. Então, deu-se início ao revezamento com o protagonista, em que foram apresentadas as ideias, as experiências, vivências e soluções de combate ao bullying propostas pelos espect-atores. Assim, foram apresentadas várias respostas dos participantes, uma vez que para o Teatro do Oprimido existe sempre um modo de quebrar as opressões, em todas as situações, e o importante não é encontrar uma única boa solução, mas descobrir o maior número possível de alternativas. Todo o processo de encenação do Teatro Fórum, desde a elaboração até a apresentação, foi mediado por uma das investigadoras com formação em Teatro do Oprimido.

Com o intuito de obter informações que possibilitassem a caracterização sociodemográfica dos estudantes, foi elaborado um questionário para esta pesquisa com questões sobre a idade, sexo, cor/raça e reprovações escolares. Para avaliar o envolvimento em situações de bullying foi utilizada a Escala de Agressão e Vitimização entre Pares (EVAP; Weber & Dessen, 2009). Trata-se de um instrumento, construído e validado no Brasil, baseado na Escala de Agressão Orpinas e Frankowski (Weber & Dessen, 2009). É utilizado para a investigação de comportamentos de bullying no ambiente escolar, cuja aplicação pode ser realizada com alunos do 6º ano do ensino básico ao 3º ano do ensino secundário. É composta por 18 questões, relacionadas com comportamentos agressivos específicos, distribuídas em seis dimensões (Agressão direta, Agressão relacional, Agressão física indireta e as suas respetivas vitimizações: Vitimização direta, Vitimização relacional e Vitimização física indireta). No EVAP, os participantes têm de assinalar a frequência do seu envolvimento em comportamentos agressivos, enquanto agressor e/ou vítima. Por exemplo: eu dei um empurrão, esmurrei e/ou pontapeei colegas; eu fui empurrado, esmurrado e/ou pontapeado por colegas; eu trocei de colegas; eu fui troçado por colegas. As respostas são preenchidas numa escala do tipo Likert (nunca; quase nunca; às vezes; quase sempre; sempre).

Os resultados foram descritos por meio de tabelas e medidas descritivas (frequência, percentagem, média e desvio-padrão). As comparações para as variáveis sociodemográficas (sexo, cor da pele, reprovações escolares e idade) foram realizadas por meio do teste de qui-quadrado. O teste t foi utilizado para a comparação entre os grupos (intervenção e comparação) nos períodos pré-intervenção e follow-up e as medidas não foram emparelhadas. Os dados foram analisados no programa IBM SPSS Statistics, versão 22.0 e foi considerado nível de significância de 5% para todas as análises (p < 0,05).

O estudo foi aprovado pela Comissão de Ética em Pesquisa da Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (protocolo CAAE 52025515.6.0000.5393). Os adolescentes participantes e os seus responsáveis receberam informações detalhadas sobre a pesquisa, no qual o responsável pelo adolescente menor de 18 anos permitiu a participação do mesmo por meio da assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) e os adolescentes manifestaram a anuência em participar no estudo por meio da assinatura do Termo de Assentimento. Os estudantes podiam desistir de participar na pesquisa em qualquer momento. Em todas as etapas do estudo foram observadas as orientações da Resolução 466/2012 do Conselho Nacional de Saúde.

 

Resultados

Dentre os 232 participantes, houve perda de um participante do GI, assim, 133 (57,6%) compuseram o GI e 98 (42,4%) constituíram o GC.

A Tabela 1 apresenta a caracterização sociodemográfica dos adolescentes segundo sexo, cor/raça, reprovação escolar e idade por meio do teste de qui-quadrado. No que se refere ao sexo, houve maior percentagem de adolescentes do sexo masculino em ambos os grupos: GI (54,1%) e GC (55,1%). Entretanto, sem diferença significativa (p = 0,92) em relação ao sexo feminino. No GI prevaleceu a idade de 15 anos (57,1%) e no GC a idade de 16 anos (44,9%), porém sem diferença significativa (p = 0,07). A percentagem de reprovação escolar foi equivalente entre os grupos (p = 0,78), assim como a distribuição da cor da pele (p = 0,82).

A Tabela 2 mostra a diferença entre o GI e o GC, em relação às médias de agressão e vitimização, nos momentos pré-intervenção e avaliação de seguimento (follow-up) realizada 6 meses após a finalização da intervenção educativa baseada no Teatro do Oprimido (Boal, 2015). Na avaliação follow-up o GI apresentou redução significativa na agressão física direta (p = 0,04), ao passo que o GC apresentou aumento significativo (p < 0,001). A agressão física indireta não reduziu significativamente no GI e aumentou significativamente no GC (p < 0,001). Houve redução não significativa da agressão relacional no GI e aumento significativo no GC (p < 0,001). No GI, a vitimização física direta reduziu (p = 0,05) e no GC aumentou significativamente (p < 0,001). A vitimização física indireta não variou no GI e aumentou significativamente no GC (p < 0,001). Em ambos os grupos houve aumento da vitimização relacional, porém em nível significativo somente no GC (p < 0,001).

 

Discussão

O objetivo do presente estudo foi avaliar os efeitos de uma intervenção educativa, baseada no Teatro do Oprimido, na redução do bullying escolar 6 meses após a sua finalização. Os resultados demonstraram que a intervenção foi bem-sucedida em reduzir o bullying direto (agressão e vitimização) e mantê-lo em níveis mais baixos para os participantes da intervenção. Outros estudos baseados em dramatização identificaram resultados semelhantes em outras realidades socioculturais. Em Espanha, num estudo com 176 adolescentes, foi avaliado um programa antibullying composto por várias técnicas, dentre as quais a dramatização/interpretação de papéis, e identificaram que, após a intervenção, houve redução da agressão física e verbal entre os estudantes (Garaigordobil & Martínez-Valderrey, 2016). Num estudo realizado em África do Sul, ações de encenação/interpretação de papéis (dramatização) foram incorporadas numa intervenção educativa realizada com estudantes da 10ª série escolar, equivalente ao 1º ano do ensino secundário. Os resultados indicaram diminuição na frequência de agressão direta (verbal) após a intervenção (Naido, Satorius, Vries, & Taylor, 2016). Na Califórnia, pesquisadores realizaram uma intervenção de prevenção ao bullying por meio de histórias infantis e interpretação de papéis (role-playing), e os resultados semelhantes aos do presente estudo, apontando redução na média de vitimização de 1,76 para 1,60, no GI e aumento de 1,23 para 1,38, no GC (Wang & Goldberg, 2017).

Os resultados podem ser explicados pela razão de o Teatro do Oprimido representar o ensaio de uma ação para a vida real, pois a sua metodologia proporciona a libertação de opressões que compõem o cenário de uma realidade social (Alves, Gontijo, & Alves, 2013). Assim, no presente estudo, pode inferir-se que os adolescentes que participaram na intervenção manifestaram a sua opressão, representada pela prática de bullying, mudando o seu comportamento e sua práxis em relação a este tipo de violência na escola, culminando, na redução da vitimização. Além disso, em relação aos agressores, o teatro encoraja a partilha de experiências em discussões abertas, e aplicando-se ao bullying, eles podem explorar, através dos seus papéis, como as vítimas se sentem e a dor que sofrem (Mavroudis & Bournelli, 2016), o que pode ter contribuido para a redução das agressões nos participantes da intervenção.

Diante deste cenário e considerando as consequências negativas do bullying transcendem o universo escolar, interferindo diretamente no desenvolvimento saudável dos estudantes, o Teatro do Oprimido representa uma importante ferramenta no combate ao fenómeno e na melhoria da qualidade de vida dos adolescentes. Assim, a enfermagem, enquanto arte e ciência cujo objeto de trabalho é o cuidado em saúde, deve reconhecer o seu papel na promoção da saúde escolar. É importante que os enfermeiros superem a assistência individual pautada na dicotomia saúde-doença e atuem interdisciplinarmente na redução do bullying nas escolas (Silva et al., 2017). Destarte, a enfermagem deve promover o cuidado integral dos adolescentes escolares por meio de estratégias de intervenção que privilegiem a socialização dos estudantes e a transformação social, estimulando comportamentos não violentos (Silva et al., 2017), assim como o Teatro do Oprimido.

No presente estudo, importa destacar que no GC, que não participou na intervenção, todas as formas de agressão e vitimização aumentaram significativamente, o que reforça a positividade dos resultados da intervenção. Uma situação que pode ocorrer em ambientes escolares com muita presença de bullying é que os estudantes que inicialmente não se encontravam envolvidos passem a praticá-lo contra os colegas como uma forma de autoproteção, para não se tornarem vítimas em potencial, o que faz com que a violência se intensifique (Silva, Oliveira, Bazon, & Cecílio, 2013). Tal pode ter ocorrido na escola de comparação. A este respeito, investigadores, num estudo realizado nos Estados Unidos, identificaram que o teatro proporcionou mudanças positivas e significativas na probabilidade das testemunhas em intervir nas situações de bullying na escola (Wernick, Dessel, Kulick, & Graham, 2013). Como a intervenção foi realizada com todos os estudantes, indistintamente da sua participação no bullying, os resultados positivos também podem estar relacionados com atitudes não violentas das testemunhas que participaram na intervenção. Salmivalli e Poskiparta (2012) afirmam que mudanças positivas nos comportamentos das testemunhas reduzem os benefícios obtidos pelos agressores e consequentemente a sua motivação para intimidar.

Este estudo apresenta algumas limitações. A primeira delas diz respeito às medições, que por não serem emparelhadas dificulta a mensuração da eficácia da intervenção. A segunda é que o instrumento utilizado na colheita de dados avalia somente o bullying tradicional, desconsiderando as intimidações virtuais, realizadas mediante mensagens ofensivas enviadas via computadores e telemóveis, denominadas de cyberbullying (Lee & Shin, 2017). A terceira limitação é que o estudo foi realizado somente em escolas públicas. Pesquisas futuras podem superar estas limitações ao incluírem na amostra escolas públicas e privadas e ao utilizarem instrumentos para colheita de dados que também avaliem a ocorrência de cyberbullying. Como quarta limitação aponta-se a avaliação dos resultados somente em relação ao bullying, outros dados também poderiam ser recolhidos, especialmente os voltados para as impressões dos estudantes acerca da intervenção, bem como o modo como a intervenção promoveu mudanças emocionais e de compreensão em relação ao bullying, essencialmente com abordagem qualitativa. Para além disso, a associação de variáveis sociodemográficas à ocorrência de bullying também poderia ter sido analisada.

Apesar das limitações apresentadas, o Teatro do Oprimido desponta como uma estratégia que pode ser incorporada na prática dos profissionais de enfermagem em atuação intersetorial na educação. Assim, diante das várias implicações negativas do bullying na vida dos adolescentes, torna-se necessário investir em ações que auxiliem na sua prevenção e estratégias de coping no contexto escolar (Silva et al., 2017). Desta forma, a enfermagem, enquanto prática social, pode contribuir para a promoção da qualidade de vida dos estudantes, identificando sinais de vulnerabilidade e violência, por exemplo, bem como intervindo para alterar essas situações (Silva et al., 2017). Este estudo, dá aos enfermeiros uma possibilidade concreta de atuação no bullying escolar, mediante o Teatro do Oprimido, intervenção orientada por princípios de cuidado integral e pautada num modelo dialógico e crítico de educação em saúde.

 

Conclusão

A intervenção baseada no Teatro do Oprimido foi eficiente em reduzir significativamente o bullying direto (agressão e vitimização) e manter esse resultado ao longo do tempo. Tal significa que ela representa uma modalidade interventiva que pode ser incorporada em programas escolares direcionados para a prevenção e combate ao bullying entre adolescentes. Estabelecer evidências em relação às intervenções que possam ser desenvolvidas como ações de promoção de saúde nas escolas, o que inclui o incentivo ao estabelecimento de uma cultura de não violência nas interações entre estudantes, representa um desafio à educação e à saúde. Este estudo, portanto, representa uma contribuição para o desenvolvimento de novas práticas de saúde na escola pautadas na reflexão, sensibilização e empoderamento dos estudantes, que gerem transformação social.

 

Referências bibliográficas

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Apoio Financeiro: Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Mato Grosso (FAPEMAT), processo n. 152854/2015 e Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP), processo n. 18/04570-0.

 

Recebido para publicação em: 08.07.18

Aceite para publicação em: 14.11.18

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