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Revista de Enfermagem Referência

versão impressa ISSN 0874-0283

Rev. Enf. Ref. vol.serIV no.17 Coimbra jun. 2018

https://doi.org/10.12707/RIV17103 

ARTIGO DE INVESTIGAÇÃO

RESEARCH PAPER

 

Perceção parental sobre hábitos e qualidade do sono das crianças em idade pré-escolar

Parents' perception of the sleep habits and quality of preschool-aged children

Percepción parental sobre los hábitos y la calidad del sueño de los niños en edad preescolar

 

Ernestina Maria Batoca Silva*; Paula Alexandra Duarte Simões**; Mónica Cristina dos Santos Amaral de Macedo***; João Carvalho Duarte****; Daniel Marques Silva*****

* Ph.D., Professora Coordenadora, Instituto Politécnico de Viseu, 3500-843, Viseu, Portugal [ernestinabatoca@sapo.pt]. Contribuição no artigo: pesquisa bibliográfica; contribuiu substancialmente na análise e discussão de dados; escrita do artigo. Morada para correspondência: Rua da Peça, nº 64, Esculca, 3500-423, Viseu, Portugal.

** MSc., Enfermeira, ACeS Baixo Vouga, 3804-502, Aveiro, Portugal [padsimoes27@gmail.com]. Contribuição no artigo: pesquisa bibliográfica; recolha de dados; tratamento e avaliação estatística; análise e discussão de dados.

*** MSc., Enfermeira, ACeS Baixo Vouga, 3804-502, Aveiro, Portugal [toomonica@gmail.com]. Contribuição no artigo: pesquisa bibliográfica; recolha de dados; tratamento e avaliação estatística; análise e discussão de dados.

**** Ph.D., Professor Coordenador, Escola Superior de Saúde de Viseu, 3500-843, Viseu, Portugal [duarte.johnny@gmail.com]. Contribuição no artigo: tratamento e avaliação estatística.

***** Ph.D., Professor Coordenador, Escola Superior de Saúde de Viseu, 3500-843, Viseu, Portugal [dsilva.essv@gmail.com]. Contribuição no artigo: análise e discussão de dados; escrita do artigo.

 

RESUMO

Enquadramento: A qualidade do sono é determinante para o bem-estar durante o dia e para otimizar o desempenho nas atividades de cada criança.

Objetivos: Caracterizar os hábitos e a qualidade de sono percebidos pelos pais das crianças em idade pré-escolar.

Metodologia: Estudo quantitativo, descritivo e correlacional. Amostra não probabilística com 642 pais de crianças que frequentavam o ensino pré-escolar dos concelhos de Albergaria-a-Velha (64,2%) e Águeda (35,8%). Utilizou-se o Índice de Qualidade de Sono de Pittsburgh.

Resultados: Apurou-se que 64,8% das crianças foi classificada como tendo boa qualidade de sono; 47,2% demoram a adormecer entre 16 a 30 minutos; 88,3% dormem entre 09h30 e 10h30 horas; 84% apresentam uma eficiência habitual do sono muito boa; 75,4% referem perturbação do sono; 97,5% não usam medicação para dormir e 76,6% não referem disfunção diurna.

Conclusão: Embora a qualidade do sono seja boa na maioria das crianças, foram identificados vários aspetos preocupantes. Assim, é necessário que seja fornecida educação sobre a higiene do sono aos pais e à comunidade pré-escolar.

Palavras-chave: higiene do sono; pré-escolar; enfermeiras e enfermeiros

 

ABSTRACT

Background: Sleep quality is essential for children's well-being during the day and to optimize their school performance.

Objectives: To characterize the sleep habits and quality of preschool-aged children based on their parents' perceptions.

Methodology: A quantitative, descriptive, and correlational study was conducted using a nonprobability sample of 642 parents of children attending preschool in the municipalities of Albergaria-a-Velha (64.2%) and Águeda (35.8%). The Pittsburgh Sleep Quality Index was used.

Results: The results showed that 64.8% of children had a good sleep quality; 47.2% of them took 16 to 30 minutes to fall asleep; 88.3% of them slept between 9 and a half hours and 10 and a half hours; 84% had very good habitual sleep efficiency; 75.4% had sleep disturbance; 97.5% did not use sleeping pills; and 76.6% had no daytime dysfunction.

Conclusion: Although sleep quality is good in most of the children, a number of concerns were identified. Thus, sleep hygiene education should be provided to parents and the preschool community.

Keywords: sleep hygiene; child, preschool; nurses

 

RESUMEN

Marco contextual: La calidad del sueño es determinante para el bienestar durante el día y para optimizar el desempeño en las actividades que realiza el niño.

Objetivos: Caracterizar los hábitos y la calidad del sueño percibidos por los padres de los niños en edad preescolar.

Metodología: Estudio cuantitativo, descriptivo y correlacional. Muestra no probabilística con 642 padres. Los niños asisten a la enseñanza preescolar de los municipios de Albergaria-a-Velha (64,2%) y Águeda (35,8%). Se utilizó el Índice de Calidad del Sueño de Pittsburgh.

Resultados: Se constató que al 64,8% de los niños se le clasificó como con buena calidad del sueño; el 47,2% tarda en dormirse entre 16 y 30 minutos; el 88,3% se duerme entre las 9h30 y las 10h30; el 84% presenta una eficiencia habitual del sueño muy buena; el 75,4% indicó trastornos del sueño; el 97,5% no usa medicamentos para dormir y el 76,6% no indicó ninguna disfunción diurna.

Conclusión: En la mayoría de los niños la calidad del sueño es buena, pero hay aspectos preocupantes, por lo que es necesario educar sobre la higiene del sueño a los padres y a la comunidad educativa preescolar.

Palabras clave: higiene del sueño; preescolar; enfermeros

 

Introdução

O sono caracteriza-se por uma necessidade fisiológica, que tem funções biológicas, nomeadamente a restauração do organismo e a conservação da energia, permitindo o equilíbrio físico e emocional do indivíduo (Pimentel & Rente, como citado por Seixas, 2009). Ao longo da vida, o sono assegura funções de tal forma fundamentais que a sua ausência pode causar a morte. Essas funções são essenciais na manutenção da vigília, na conservação da energia e promoção de processos anabólicos, nos mecanismos de termorregulação central, na produção de certas citoquinas aumentando a atividade do sistema imunológico, no desenvolvimento, maturação e plasticidade do cérebro, formação e consolidação da memória, na regulação de diversos processos metabólicos e como substrato dos sonhos (Paiva & Penzel, como citado por Silva, 2012).

Também Boscolo, Sacco, Antunes, Mello, e Tufik (como citado por Seixas, 2009), referem que as pessoas saudáveis usufruem dos benefícios do sono, manifestando-se na sua saúde física, psicológica, emocional, intelectual e social, com repercussões na satisfação e melhor rendimento no trabalho, na escola e atividades de lazer.

A infância caracteriza-se por um grande número de mudanças no crescimento neuromotor. Assim, o descanso físico e recuperação de energia são de extrema importância para as crianças devido ao seu impacto no crescimento e desenvolvimento infantil. O crescimento é um processo complexo, sofre influência de várias hormonas que vão modular diversas ocorrências biológicas (cérebro, sangue, órgãos, músculos e ossos). Um dos principais intervenientes neste processo é a hormona do crescimento, pois apesar de esta ser produzida durante todo o dia, também se produz à noite durante o sono profundo (Cordeiro, 2015).

O sono insuficiente ou a má qualidade de sono nas crianças pode levar a vários distúrbios, como problemas de coordenação e concentração durante o dia, levando à diminuição do desempenho escolar, ao aumento do risco de acidentes, mau humor, fadiga e irritabilidade (Monteiro, 2014). Por outro lado, uma quantidade adequada de sono de boa qualidade é importante para o desempenho cognitivo, com efeitos na saúde ao longo da vida (Kelly, Kelly, & Sacker, 2013).

Assim, considerando que a prevalência de hábitos de sono problemáticos em crianças pré-escolares varia entre 10 a 30% (Owens & Mindell, 2011; Teng, Bartle, Sadeh, & Mindell, 2012) e que o impacto e o stress dos problemas pediátricos do sono se estendem além da criança, para os seus pais e famílias (Caldwell & Redeker, 2015), surgiu o interesse por este estudo, cujo objetivo consiste em caracterizar os hábitos e qualidade do sono percebidos pelos pais das crianças em idade pré-escolar. Tem como finalidade a sensibilização para a promoção da higiene do sono e para a criação de bons hábitos de sono nas crianças em idade pré-escolar.

 

Enquadramento

O sono tem um papel primordial no bem-estar do indivíduo e, nas várias fases da vida, a sua importância reflete-se de diferentes formas e com diferentes consequências. O sono modifica-se ao longo dos anos, reduzindo progressivamente a sua duração. A duração do sono de um recém-nascido é naturalmente maior do que de uma criança em idade escolar ou um adolescente. Mesmo durante a vida adulta, tanto a duração como o tipo de sono sofrem alterações à medida que se envelhece. “No entanto é ao longo da infância que estas modificações tanto em termos de duração como na organização das várias fases do sono, se sucedem mais rapidamente” (Silva, 2012, p. 23). Entre os 3 e os 6 anos, as crianças dormem em média 10 a 12 horas por dia, com ou sem sesta, contudo, este valor pode variar de criança para criança (Cordeiro, 2015). Nesta faixa etária, a principal mudança é o terminus da sesta diária, embora de acordo com Guimarães (2013), 25% das crianças de 5 anos de idade continua a fazer a sesta. A sesta é uma necessidade biológica desde o nascimento, com uma duração de cerca de 4 horas, e vai progressivamente diminuindo à medida que a criança vai crescendo (Monteiro, 2014). Enquanto bebé, a sesta da manhã, onde prevalece o sono rapid eye movement (REM), está associada ao crescimento e à maturação cerebral, enquanto a sesta da tarde, com prevalência do sono não-REM, fomenta o restabelecimento físico e psicológico. A sesta não é uma perda de tempo e não vai prejudicar o sono noturno, pois quanto menos a criança dorme, mais hiperativa fica, dificultando ainda mais o adormecer à noite (Monteiro, 2014). Como refere Silva (2012, p. 25) “determinar o número de horas de sono de uma criança nem sempre é fácil e determinar a qualidade do mesmo é ainda mais difícil”. Sabe-se que alterações de ambos têm consequências a nível físico, psíquico e cognitivo (Cordeiro, 2015). Os hábitos de sono das crianças estão associados a fatores biológicos, de maturidade e temperamentais, que diferem consoante a sua cultura e, por sua vez, são influenciados pelos comportamentos e rotinas parentais (Grandner, 2012; Seixas, 2009). De acordo com o modelo transacional, proposto por Sadeh, Tikotzky, e Scher (2010), as relações entre os comportamentos dos pais e dos filhos relativos ao sono infantil são bidirecionais, ou seja, se é um facto que a idade e características da criança influenciam os padrões de sono, os melhores preditores estão relacionados com o comportamento dos pais no início e manutenção do sono dos filhos. Esta relação entre estes vários aspetos, nem sempre equilibrada, pode resultar em maus hábitos de sono e em alterações da qualidade de sono. Por outro lado, “as crianças com problemas de sono desequilibram a estabilidade familiar, logo o problema deve ser abordado em conjunto, e a quebra deste ciclo trará sem dúvida um benefício para toda a família” (Seixas, 2009, p. 47).

Honaker e Meltzer (2016) referem que o sono é um tema pouco abordado nos cuidados de saúde primários, sendo esta uma área excelente para aumentar os conhecimentos e consciencialização dos pais. Os médicos e os enfermeiros desempenham um papel importante no apoio e educação dos pais, na assistência à prevenção, identificação e gestão dos problemas de sono das crianças. Os programas de intervenção passam pela criação de hábitos de sono e rotinas dos seus filhos, aconselhando algumas medidas simples, tais como: proporcionar-lhes um ambiente do quarto adequado, escuro e limpo, calmo e tranquilo, arejado e com temperatura amena; dispor de uma cama apropriada à idade da criança e com pouca roupa; estabelecer um horário de sono e assegurar a regularidade de acordar e deitar, de modo a que a criança crie o seu próprio ritmo (Chambel, 2013; Cordeiro, 2015). Neste caso, é essencial que os pais estabeleçam uma rotina de sono e evitem quebrar as regras, como por exemplo, tomar banho, jantar, lavar os dentes, a última ida à casa de banho ou a história para adormecer (Monteiro, 2014). Na manutenção de um ambiente adequado, ver televisão no quarto é completamente inadequado, bem como jogos de computador, ou outros meios audiovisuais, pois vai provocar uma hiperestimulação no cérebro das crianças e jovens e, consequentemente, alteração do sono (Monteiro, 2014). Lélis, Cipriano, Cardoso, Lima, e Araújo (2014) concluíram que o hábito de ver televisão, jogar computador ou videojogos, entre outros, apresentou maior impacto na sonolência dos meninos do que nas meninas. Nas crianças do sexo masculino, mais de uma hora em frente a um ecrã influencia a ocorrência de sonolência com alteração do sono. Outra medida importante, e já observada como uma medida de intervenção não farmacológica para a melhoria do padrão de sono, considerada também como capaz de aumentar a autoestima, a aceitação social e a sensação de bem-estar entre as crianças (Monteiro, 2014), é estimular as crianças e os jovens a praticarem atividade física, preferencialmente ao ar livre e a conviverem face a face com os seus pares (Cordeiro, 2015). Outros comportamentos saudáveis que também promovem o sono são a redução de fatores estimulantes, como alimentos e bebidas que contêm cafeína, (vários refrigerantes, café e chá) e um maior relaxamento (Semedo, 2016).

 

Questões de investigação

Quais os hábitos e qualidade do sono das crianças em idade pré-escolar percebidos pelos pais?

Em que medida alguns hábitos da criança se relacionam com a qualidade do sono?

 

Metodologia

Estudo quantitativo, descritivo correlacional, com uma amostra não probabilística e de conveniência, constituída por pais de crianças a frequentar o ensino pré-escolar. No processo de recrutamento consideraram-se dois critérios de inclusão: criança com inscrição atualizada no ano letivo 2015/2016 no ensino pré-escolar dos concelhos de Albergaria-a-Velha e de Águeda, e residir pelo menos com um dos progenitores.

O instrumento de recolha de dados utilizado foi o Índice de Qualidade de Sono de Pittsburgh, versão adaptada do Pittsburgh Sleep Quality Index-Validation Portuguese (PSQI-VP; Bertolazi et al., 2011) e um questionário ad-hoc com questões de caracterização sociodemográfica e dados antropométricos da criança. Foram cumpridos os procedimentos éticos, nomeadamente o pedido à Comissão de Ética da Escola Superior de Saúde de Viseu (Parecer nº 15/2015) e à Comissão Nacional de Proteção de Dados, tendo sido emitido parecer favorável. Foi solicitada autorização aos diretores dos agrupamentos de escolas do concelho de Águeda e de Albergaria-a-Velha. A investigadora deslocou-se a cada uma das instituições e entregou em envelope os instrumentos de colheita de dados ao professor responsável, para serem entregues aos pais das crianças. Cada envelope continha o consentimento informado para ser assinado pelos pais. Após o preenchimento, cada questionário foi colocado num envelope fechado e sem identificação, para assegurar a anonimização das crianças, sendo devolvido ao professor responsável, que o entregou à investigadora. A recolha de dados ocorreu entre janeiro e abril de 2016.

A PSQI é uma escala de âmbito retrospetivo, tem como referência o mês anterior à data do preenchimento e é composta por 19 perguntas. As perguntas agrupam-se formando sete dimensões (subescalas) distintas, todas cotadas com um valor mínimo de 0 e o máximo de 3: Qualidade subjetiva do sono, Latência do sono, Duração do sono, Eficiência do sono, Perturbação do sono, Uso de medicação para dormir e Disfunção diurna. O índice de qualidade de sono resulta do somatório das sete dimensões do qual resulta um score que oscila entre 0 e 21, sendo que quanto maior o score, pior a qualidade de sono. De acordo com a pontuação obtida, as crianças foram classificadas com boa qualidade de sono (pontuação ≤ 5) e má qualidade de sono (pontuação > 5). O estudo de consistência interna realizado para a presente pesquisa revelou valores razoáveis de alfa de Cronbach global (0,698) e por item, pois oscilaram entre 0,663 (Qualidade subjetiva do sono) e 0,686 (Uso de medicação para dormir).

Para a análise dos dados recorremos ao teste de qui quadrado (X2). O tratamento estatístico foi realizado através do programa IBM SPSS Statistics, versão 23 e Analysis of Moment Structures (AMOS), versão 23 de 2012 para Windows. O nível de significância estabelecido foi de 5% (p = 0,05).

 

Resultados

Caracterização sóciodemográfica

A amostra do estudo incluiu 642 pais de crianças (97,2% mães e 2,8% pais), com uma idade mínima de 20 anos e máxima de 62 anos (idade média de 37,47 ± 5,94 anos). Em 74,3% das mães predomina o ensino secundário, e nos pais o 3º ciclo do ensino básico (44,2%).

Apurámos que as crianças têm idades entre os 3 e os 6 anos (com uma média de 4,55 ± 0,93), 51,7% são do sexo feminino e na sua maioria (58,1%) são o primeiro filho do casal. A dimensão familiar é a nuclear para 71,23% das crianças. As crianças frequentavam o ensino pré-escolar dos concelhos de Albergaria-a-Velha (64,2%) e de Águeda (35,8%). A maioria (51,2%) frequentava uma instituição pública, 45,7% uma instituição particular de solidariedade social e 3,1% uma instituição privada.

Estilos de vida e hábitos de sono

No que se refere aos hábitos de consumo de bebidas estimulantes, verificámos que 44,3% das crianças consomem bebidas que contêm teínas (café, chá ou refrigerantes) com muita frequência e, destes, 18,4% dormem mal. O consumo muito frequente de doces e chocolates foi referido por 58,6% das crianças e, destas, 20,9% dormem mal. Na análise estatística, o teste de X2 não encontrou relevância estatística entre a qualidade de sono e o consumo de bebidas com teína (X2 = 5,773; p = 0,056) ou com o consumo de doces (X2 = 0,010; p = 0,495). Quanto à prática de atividade física, verificámos que a maioria (57,7%) apresenta hábitos sedentários e 42,3% praticam atividade física, sendo que esta influencia a qualidade do sono (X2 = 12,995; p = 0,002). A hora de ir para a cama durante a semana foi apontada entre as 21 e as 22 horas para 63,7%, e ao fim de semana ≥ das 22 horas para 72,6%. Durante a semana, 56,3% das crianças acorda antes das 8 horas, e ao fim de semana, 89,9% acorda depois das 8 horas. O tempo total de sono diário oscila entre 10 e 13 horas para a maioria das crianças (74,1%), e podemos aferir que existe relação de dependência com a qualidade do sono (X2= 16,569 e p = 0,000). Verificámos que o tempo de uso diário de pequenos ecrãs, tablets ou smartphones, durante a semana é menor que 60 minutos para 83,8% das crianças, e ao fim de semana aumenta para entre 60 e 120 minutos (54,8% das crianças), sem significância estatística com a qualidade do sono, tanto para o uso durante a semana (X2= 1,388; p = 0,500), como ao fim de semana (X2 = 0,221 e p = 0,895).

Relativamente ao ter ou não companhia para dormir, apurámos que 64,8% das crianças dormem sozinhas e, destas, 41% têm boa qualidade do sono. A transição do quarto dos pais para o seu quarto foi fácil para 47,6%, inicialmente difícil para 22,3% e sempre difícil para 30,1% das crianças. Verificámos que existe significância estatística entre o hábito de dormir só ou acompanhado (X2 = 5,207 e p = 0,014) e a transição da criança para o seu quarto sobre a qualidade de sono (X2 = 8,172 e p = 0,013).

Qualidade do sono

Apurámos que os valores mínimos e máximos oscilam ente 0 e 3 em todas as dimensões da escala (Tabela 1). O índice global apresenta uma cotação mínima de 0 e máxima de 14. A variabilidade média é pequena, sendo a menor na Qualidade subjetiva do sono (M = 0,60) e a maior na Eficiência do sono (M = 4,16), enquanto para o índice global o valor médio é de 4,16. Os valores de assimetria e curtose para a totalidade da escala revelam curvas leptocúrticas com enviesamento à esquerda. Quanto aos coeficientes de variação, apresentam dispersões de moderadas a elevadas em todas as dimensões da escala e fator global.

Procedemos à classificação da qualidade de sono considerando os pontos de corte preconizados pelo autor da escala e configura-se, pelos resultados, que 64,8% da amostra foi classificada com boa qualidade de sono e cerca de um terço das crianças (35,2%) com má qualidade de sono. As raparigas são as que apresentam percentual mais elevado de boa qualidade de sono (33,8%), assim como as crianças do grupo etário 3-4 anos (27,3%), não se verificando diferenças estatisticamente significativas quer para o sexo (X2 = 0,096; p = 0,410), quer para a idade (X2 = 1,994; p = 0,095).

Reportando-nos aos dados das dimensões da escala (Tabela 2), salienta-se que na dimensão Qualidade subjetiva do sono, verificámos que a maioria dos pais perceciona a qualidade subjetiva do sono dos seus filhos como muito boa (47,8%) ou bastante boa (46,3%), não existindo diferenças estatisticamente significativas para o sexo (X2 = 2,038; p = 0,550) e idade (X2 = 5,266; p = 0,153).

Na dimensão Latência do sono, 47,2% das crianças obteve uma pontuação entre 1 a 2 pontos, que corresponde a um tempo de demora ao adormecer entre 16 a 30 minutos, não havendo diferenças estatisticamente significativas para o sexo (X2 = 0,672; p = 0,880) nem para o grupo etário (X2 = 0,225; p = 0,973).

Na dimensão Duração do sono, é de assinalar que a maioria (88,3%) dorme entre 9h30 a 10h30 por dia e, destes, 44,9% são do sexo feminino e 49,8% têm entre 5-6 anos, não se verificando significância estatística entre os sexos (X2 = 1,706; p = 0,426) e grupos etários (X2 = 2,783; p = 0,249).

A dimensão Eficiência do sono reporta-se à percentagem obtida pela relação entre o número de horas dormidas e o número de horas que a criança permanece na cama. Constatámos que 84% das crianças apresentam uma eficiência ≥ 85% (muito boa), registando-se uma percentagem maior no sexo feminino (42,4%) e nas crianças dos 5-6 anos (47,5%), sem significância estatística para o sexo (X2 = 5,630; p = 0,129; simulação de Monte Carlo). Para o grupo etário, foi encontrada significância estatística (X2 = 8,630; p = 0,030) localizada entre as crianças com 3-4 anos de idade e Eficiência do sono < 65%. O coeficiente de contingência (CC) apresenta uma associação fraca (CC = 0,115), mas significativa (p = 0,030).

Nesta amostra, a dimensão Perturbação do sono, foi manifestada pelo menos uma vez por semana, em 75,4% das crianças, sendo maior nas raparigas (38,5%) e nas crianças do grupo etário dos 5-6 anos (42,8%). Não foram encontradas diferenças significativas para o sexo (X2 = 2,267; p = 0,519) e para os grupos etários (X2 = 3,024; p = 0,388).

Na dimensão Uso de medicação para dormir, verificámos que 97,5% não usa qualquer tipo de medicação para dormir. Com base nos testes de X2 não foram encontradas significâncias estatísticas para o sexo (X2 = 0,417; p = 0,347) e para a idade (X2 = 2,258; p = 0,106).

Na Disfunção diurna, é de realçar que 76,6% das crianças não apresentaram sinais de sonolência durante o último mês enquanto brincavam, comiam ou realizavam outras atividades. Não existem diferenças estatisticamente significativas entre sexos (X2 = 2,013; p = 0,570) ou entre grupos etários (X2 = 5,709; p = 0,127).

 

Discussão

O objetivo do presente estudo consistiu em caracterizar os hábitos e qualidade do sono percebidos pelos pais das crianças em idade pré-escolar, usando o Índice de Qualidade de Sono de Pittsburgh, versão adaptada do PSQI-VP (Bertolazi et al., 2011). A pontuação global obtida atingiu um valor médio de 4,16, com cotações que oscilaram entre 0 e 14. A maioria das crianças foi classificada com boa qualidade de sono. Resultados semelhantes foram encontrados por Duarte (2008), num estudo sobre a qualidade de sono em adolescentes, tendo-se verificado que 63,4% apresentavam boa qualidade de sono e 36,6% má qualidade de sono. Outros estudos em crianças pré-escolares referem que 10 a 30% das crianças têm hábitos de sono problemáticos (Owens & Mindell, 2011; Teng et al., 2012).

As raparigas são as que apresentaram percentual mais elevado de boa qualidade de sono, embora os valores dos rapazes sejam muito semelhantes. Os dados de Talhada (2012) revelaram valores diferentes do presente estudo, com uma maior tendência para problemas de sono no sexo feminino do que no sexo masculino.

Em relação aos estilos de vida, verificámos que as crianças que não praticam exercício físico (57,7%) têm má qualidade de sono, com diferenças estatísticas significativas (p = 0,002). Estes dados denotam que o exercício físico é importante para a melhoria dos padrões do sono e que pode ser usado como uma intervenção não farmacológica (Cordeiro, 2015). O tempo gasto pelas crianças com o uso de pequenos ecrãs não é preocupante (menos de 60 minutos em 83,8% das crianças durante a semana, aumentando para 60-120 minutos em 54,8% das crianças no final de semana) contudo, salientamos que esta é uma matéria que deve ser abordada com os pais. O estudo de Fable (como citado por Guimarães, 2013), comprovou que os chamados pequenos ecrãs são piores do que a televisão, no que se refere à falta de sono. As crianças que têm acesso a tablets ou smartphones, dormem menos 21 minutos por noite, em comparação com os que não usam essa tecnologia, e têm mais probabilidade de referir falta de sono. Segundo o mesmo estudo, a presença de televisão no quarto está associada à falta de descanso ou sono insuficiente. As crianças com televisão no quarto dormem menos 18 minutos do que as que não têm esses aparelhos no mesmo espaço onde dormem.

Lélis et al. (2014), no seu estudo, verificaram que as influências do contexto familiar contribuíram para a qualidade do sono dos seus filhos, pois os padrões/rotinas de cada família, as condições socioeconómicas e outras, influenciam os hábitos das crianças.

Quanto ao tempo total de sono diário, a maioria das crianças dorme entre 10 e 13 horas por dia, tempo que corresponde ao recomendado por Cordeiro (2015), ao referir que as crianças devem dormir entre 10 a 12 horas por dia. Rangel, Batista, Pitta, Anjo, e Leite (2015), num estudo realizado com crianças dos 2 aos 10 anos, verificaram que a mediana em relação ao total de horas de sono por dia foi de 10 horas, a hora de adormecer nos dias de semana às 21h30 e ao fim de semana é às 22 horas. Estes resultados vão ao encontro dos obtidos no nosso estudo, pois a hora de ir para a cama durante a semana foi apontada entre as 21 e 22 horas para 63,7% das crianças e ao fim de semana ≥ 22 horas para 72,6%.

Em relação aos estilos de vida, analisámos o facto de a criança dormir sozinha no seu quarto e como foi essa transição. Constatámos que a maioria dos pais revelou que as crianças dormem sozinhas e que em 47,6% das crianças a transição para o quarto próprio foi fácil. Em ambas as situações, as crianças apresentam boa qualidade de sono. No estudo publicado por Rangel et al. (2015), 15,1% das crianças necessitam da presença de um familiar para conseguir dormir. A investigação realizada por Lélis et al. (2014), revela que crianças expostas a famílias numerosas, quando residem em casas pequenas e dormem no mesmo ambiente que os pais, apresentam transtornos na transição do ciclo sono-vigília. Os autores referem ainda que quando a família está em conflito, há repercussões na infância, acarretando maiores sintomas de insónia quando o jovem atinge os 18 anos. A exposição da criança a um evento de vida recente, como a perda de um objeto querido ou a separação de uma pessoal especial, mudança de escola, divórcio dos pais ou quando a criança presenciou alguma situação de violência da família, pode desencadear transtornos do sono.

Estudámos uma amostra ampla de modo a obter resultados fiáveis, contudo, consideramos que o tipo de amostragem não probabilística e o tratar-se de um questionário de autorresposta, com uma única aplicação para medir os parâmetros do sono, dependente da honestidade e sinceridade dos pais e das suas respostas serem atribuídas mais a condutas desejáveis e não tanto às que na realidade acontecem, podem constituir uma limitação metodológica. Outro aspeto a referir como limitação do estudo respeita ao confronto dos dados obtidos com outra literatura científica, pois são escassos os estudos sobre qualidade do sono em crianças em idade pré-escolar.

Apesar disso, consideramos que se trata de um estudo importante, pois foi dada oportunidade aos pais de reportarem os hábitos e qualidade do sono dos filhos.

 

Conclusão

Constatámos que a qualidade do sono das crianças é maioritariamente boa, contudo, considerando que cerca de um terço apresentam má qualidade do sono, os dados sugerem a necessidade de promover o sono nas crianças, junto dos pais e comunidade educativa pré-escolar. Assim, deverá ser privilegiada a interação com as famílias nas consultas de saúde infantil, promovendo o empowerment dos pais no que concerne ao estabelecimento de rotinas na hora de dormir e acordar, e quanto à consistência em termos de atividades diurnas, por exemplo, atividades de lazer, trabalhos de casa e refeições. Considerando os nossos resultados, será de alertar também para a influência das bebidas que contêm teínas, bem como o consumo frequente de doces e chocolates.

A ação neste domínio deve ser mais alargada e, por isso, sugerimos a implementação de um programa de intervenção englobando jardins-de-infância, a criança e a família, que incentive os pais e toda a comunidade educativa em prol da promoção da higiene do sono das crianças.

Será também importante a construção de um projeto de investigação longitudinal, a desenvolver durante as consultas de saúde infantil, que afira com maior rigor os aspetos que envolvem o contexto familiar, estilos de vida e hábitos do sono da criança.

Importa ainda sensibilizar para a melhoria das políticas e estratégias de intervenção da promoção de comportamentos de vida saudáveis, que se encontram inexploradas no Plano Nacional de Saúde Infantil e Juvenil 2013, no que respeita aos hábitos do sono e implicações na saúde.

 

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Recebido para publicação em: 30.11.17

Aceite para publicação em: 28.03.18

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