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Revista de Enfermagem Referência

versão impressa ISSN 0874-0283

Rev. Enf. Ref. vol.serIV no.15 Coimbra dez. 2017

https://doi.org/10.12707/RIV17047 

ARTIGO DE INVESTIGAÇÃO

RESEARCH PAPER

 

Perfil de saúde dos estudantes de enfermagem: diagnóstico epidemiológico a partir do modelo PRECEDE-PROCEED

Nursing students' health profile: epidemiological diagnosis based on the PRECEDE-PROCEED model

Perfil de salud de los estudiantes de enfermería: diagnóstico epidemiológico a partir del modelo PRECEDE-PROCEED

 

Fernanda Maria Príncipe Bastos Ferreira*; Liliana Andreia Neves da Mota**; Irma da Silva Brito***; Margarida Reis Santos****

* MsC., Professor Adjunto, Escola Superior de Enfermagem da Cruz Vermelha Portuguesa de Oliveira de Azeméis, 3720-126, Oliveira de Azeméis, Portugal [fernandaprincipe@esenfcvpoa.eu]. Contribuição no artigo: pesquisa bibliográfica, recolha e análise estatística dos dados, discussão dos resultados e redação do artigo. Morada para correspondência: Avenida Nossa Senhora das Flores 1985, Bemposta, 3720-126, Oliveira de Azeméis, Portugal.

** MsC., Professor Adjunto, Escola Superior de Enfermagem da Cruz Vermelha Portuguesa de Oliveira de Azeméis, 3720-126, Oliveira de Azeméis, Portugal [saxoenfermeira@gmail.com]. Contribuição no artigo: análise estatística dos dados, discussão dos resultados, revisão global do artigo.

*** Ph.D., Professor Adjunto, Escola Superior de Enfermagem de Coimbra, 3046-851, Coimbra, Portugal [irmabrito@esenfc.pt]. Contribuição no artigo: discussão dos resultados, revisão global do artigo.

**** Ph.D., Professor Coordenador, Escola Superior de Enfermagem do Porto, CINESIS (Center for Health Technology and Services Research), 4200-072, Porto, Portugal [mrs@esenf.pt]. Contribuição no artigo: discussão dos resultados, revisão global do artigo.

 

RESUMO

Enquadramento: A definição do perfil de saúde dos estudantes de enfermagem é fundamental no desenvolvimento de comunidades académicas salutogénicas.

Objetivo: Analisar o perfil de saúde dos estudantes, tendo em vista a definição de estratégias de intervenção através do modelo PRECEDE-PROCEED.

Metodologia: Estudo quantitativo. A recolha de dados foi efetuada com recurso à versão portuguesa dos questionários: Estilo de Vida Fantástico, Escala de Autoimagem de Stunkard, Escala de Autoestima de Rosenberg e Questionário do Bem-estar Psicológico. Participaram neste estudo 224 estudantes dos cursos de licenciatura e pós licenciatura de especialização em enfermagem.

Resultados: O estilo de vida dos estudantes na sua globalidade é muito bom, apresentando valores mais baixos na atividade física/associativismo, alteração do padrão nutricional, alteração do sono e baixa capacidade para gerir o stresse, trabalho/tipo de personalidade e introspeção o que lhes propicia uma visão menos otimista e positiva.

Conclusão: O plano de intervenção que contempla o apoio, educação, proteção e prevenção, deve ser adequado às necessidades individuais e integrado nos curricula.

Palavras-chave: perfil de saúde; estilo de vida; estudantes de enfermagem

 

ABSTRACT

Background: The identification of nursing students' health profile is essential to develop healthy academic communities.

Objective: To analyze students' health profile with a view to designing intervention strategies based on the PRECEDE-PROCEED model.

Methodology: Quantitative study. Data were collected using the Portuguese version of the following questionnaires: the Fantastic Lifestyle Assessment, the Stunkard Figure Rating Scale, the Rosenberg Self-esteem Scale, and the Psychological General Well-Being Index. A total of 224 undergraduate and postgraduate nursing students participated in this study.

Results: Students' overall lifestyle is very good. However, lower scores were found in the physical activity/affiliation, changes in nutrition, altered sleep and low stress management ability, work/personality type, and insight, which suggests that students are less optimistic and positive about life.

Conclusion: The intervention plan includes support, education, protection, and prevention should be adapted to students' individual needs and integrated into the curricula.

Keywords: health profile; life style; students, nursing

 

RESUMEN

Marco contextual: La definición del perfil de salud de los estudiantes de enfermería es fundamental para desarrollar comunidades académicas salutogénicas.

Objetivo: Analizar el perfil de salud de los estudiantes, considerando la definición de estrategias de intervención a través del modelo PRECEDE- PROCEED.

Metodología: Estudio cuantitativo. La recogida de datos fue efectuada con la versión portuguesa de los cuestionarios: Estilo de Vida Fantástico, Escala de Autoimagen de Stunkard, Escala de Autoestima de Rosenberg y Cuestionario del Bienestar Psicológico. En este estudio, participaron 224 estudiantes de los cursos de licenciatura y pos licenciatura de especialización en enfermería.

Resultados: El estilo de vida de los estudiantes, en su totalidad, es muy bueno, pues presentan valores más bajos en la actividad física/asociativismo, alteración del patrón nutricional, alteración del sueño y baja capacidad para gestionar el estrés, trabajo/tipo de personalidad e introspección, lo que les propicia una visión menos optimista y positiva.

Conclusión: El plan de intervención que contempla el apoyo, la educación, la protección y la prevención debe adecuarse a las necesidades individuales e integrarse en los currículos.

Palabras clave: perfil de salud; estilo de vida; estudiantes de enfermería

 

Introdução

A promoção da saúde é um processo de capacitação das pessoas no sentido de aumentarem o autocontrolo e melhorarem a sua saúde. Este processo implica uma abordagem centrada no comportamento individual, incluindo intervenções sociais e ambientais diversificadas não correspondendo, na maioria das situações, ao foco de atenção das instituições de ensino superior (IES) da saúde.

A transição para o ensino superior está marcada por uma transição desenvolvimental, por ser um “período de transição da adolescência à vida adulta” (Santos, 2012, p. 4). A forma como os estudantes vivenciam esta transição tem impacto significativo no seu desempenho académico e comportamental e

determina a necessidade de intervenções específicas, fundamentadas numa série de novos e não menos complexos desafios como a alteração na dinâmica familiar, em muitos casos motivada pela saída de casa; a adaptação a um sistema de ensino com regras diferentes; a gestão de uma maior autonomia; a ansiedade decorrente de múltiplas adaptações; entre outros. (Pimentel, Mata, & Anes, 2013, p. 186)

Neste quadro, as Instituições de Ensino Superior desempenham um papel fundamental enquanto agentes de promoção da saúde dos estudantes.

As IES promotoras de saúde transformam a saúde e a sustentabilidade das sociedades atuais e futuras, contribuindo para o bem-estar das pessoas, ambiente e planeta (Okanagan Nation Elder, 2015). Desta forma, promovem o sucesso institucional, pela criação de uma cultura de saúde positiva, bem-estar, equidade e justiça social; melhorando a saúde das pessoas que vivem, aprendem, trabalham e se recriam no contexto académico (Okanagan Nation Elder, 2015). Assim, o processo de transformação de uma instituição de ensino superior num contexto promotor de saúde exigirá a combinação de ações planeadas do tipo educativo, político, legislativo ou organizacional que apoiem hábitos de vida e condições favoráveis à saúde dos indivíduos, grupos ou coletividades e contribuam para o aumento da literacia em saúde, diminuição de comportamentos de risco e melhoria do ambiente físico e social.

De acordo com Alcântara da Silva et al. (2015) os principais riscos para a saúde dos estudantes do ensino superior relacionam-se com o consumo de substâncias psicoativas (tabaco, álcool e outras drogas), práticas e atitudes face ao regime dietético, atividade física e recreativa e, ainda, com as alterações resultantes da gestão emocional e stresse. “Nas festas académicas são muitas vezes adotados comportamentos de risco como o consumo excessivo de álcool e de substâncias ilícitas associados a práticas sexuais de risco, que podem pôr em causa a saúde dos jovens que as frequentam” (Homem, Brito, Torres, Rodrigues, & Mendes, 2014, p. 148).

As IES, ao se envolverem em projetos de promoção da saúde, podem obter diversos benefícios, nomeadamente a melhoria da qualidade de vida das pessoas envolvidas; a melhoria dos projetos científico-pedagógicos; ter impacte na saúde local, regional e nacional; e valorização da sua imagem pública, ganhando notoriedade.

O diagnóstico epidemiológico de uma IES permite compreender quais os comportamentos e fatores ambientais que contribuem para a ocorrência dos problemas de saúde das populações. Com base neste pressuposto realizou-se um estudo de diagnóstico epidemiológico através do modelo PRECEDE-PROCEED (Green & Kreuter, 2005) numa escola superior de enfermagem, que nos ajudou a analisar o perfil de saúde dos estudantes, tendo em vista a definição de estratégias de intervenção através do modelo PRECEDE-PROCEED, “no âmbito da promoção da saúde dos próprios indivíduos e da população alvo da sua intervenção futura” (Ferreira, Pereira, & Ferreira, 2014, p. 101). A definição do perfil de saúde dos estudantes de enfermagem permite a sua caracterização, tomando por base os fatores que direta ou indiretamente estão relacionados com o seu estado de saúde.

O diagnóstico epidemiológico apresentado neste estudo corresponde a uma das fases do modelo PRECEDE-PROCEED (Green & Kreuter, 2005), que foi o modelo utilizado num estudo mais abrangente de pesquisa e ação participativa em saúde, desenvolvido numa comunidade académica, que visava transformar uma IES num contexto salutogénico.

 

Enquadramento

O principal desafio de uma IES promotora da saúde é integrar a promoção da saúde nas políticas e práticas académicas. Isto pode ser obtido por intermédio de: 1) desenvolvimento de políticas saudáveis e planeamento de estratégias sustentáveis, podendo ser, a mobilização comunitária, uma solução; 2) criação de ambientes saudáveis de trabalho e lazer, disponibilização de serviços de apoio social e cuidados de saúde; 3) capacitação para o desenvolvimento pessoal e social; 4) ampliação do interesse académico na realização de atividades adequadas à promoção da saúde; 5) desenvolvimento de parcerias com a comunidade, numa perspetiva salutogénica.

Neste processo é importante considerar o diagnóstico epidemiológico que se constitui como um momento de avaliação do modelo PRECEDE-PROCEED (Predisposing, Reinforcing, Enabling, Constructs in Educational/ecological Diagnosis and Evaluation - Policy, Regulatory, Organizational, Constructor in Educational and Environmental Development) desenvolvido por Green e Kreuter (2005). Este é um modelo utilizado em vários países que valoriza todo o conjunto de fatores que influenciam a prática de comportamentos preventivos. Neste estudo, o nosso foco está na fase PRECEDE do modelo por ser a que está associada à recolha e análise epidemiológica, no sentido de determinar os comportamentos e problemas que são mais importantes no diagnóstico da situação, que serão a base da fase de implementação (PROCEED). “No diagnóstico epidemiológico para a promoção da saúde dá-se ênfase aos fatores de risco modificáveis” (Brito, 2014, p. 52), nomeadamente a avaliação do perfil de saúde e dos estilos de vida através do estudo da autoimagem corporal, autoestima e da perceção de bem-estar psicológico dos estudantes de enfermagem.

Os estilos de vida são caracterizados por padrões comportamentais identificáveis que podem ter um efeito marcado na saúde e bem-estar do indivíduo ou comunidade.

Vaz Serra (1986) define a autoestima como uma parte importante do autoconceito, estando associado à avaliação que a pessoa faz das suas capacidades e desempenho.

“A perceção da aparência corporal, importante componente de identidade pessoal, é uma construção multidimensional que representa como a pessoa percebe seu próprio corpo” (Ferreira, Menezes et al., 2014, p. 291).

“O bem-estar psicológico é um construto multidimensional que reflete características relativas ao funcionamento psicológico positivo ou óptimo” (Machado & Bandeira, 2012, p. 593).

 

Questões de Investigação

Qual o perfil de saúde dos estudantes de enfermagem?

Quais os fatores que influenciam o perfil de saúde dos estudantes na transição para o ensino superior de enfermagem?

 

Metodologia

O estudo desenvolveu-se na Escola Superior de Enfermagem da Cruz Vermelha Portuguesa de Oliveira de Azeméis (ESEnfCVPOA). Caracteriza-se, por um estudo quantitativo longitudinal, numa perspetiva de investigação descritiva e correlacional. A população alvo do estudo foram os estudantes do curso de licenciatura em enfermagem e dos cursos de pós-licenciatura de especialização em enfermagem num total de 254 participantes, do ano letivo 2012-2013. Do total de estudantes (254) obtiveram-se 224 respostas aos questionários, correspondendo a 88,2%, valor considerado como uma boa taxa de retorno.

No sentido de analisar o perfil de saúde dos estudantes de enfermagem aplicámos a versão portuguesa dos questionários: Estilo de vida Fantástico (Silva, Brito, & Amado, 2014), complementado com a Escala de Autoimagem de Stunkard (Scagliusi et al., 2006), Escala de Autoestima de Rosenberg (Santos & Maia, 2003) e a versão abreviada do Questionário Bem-Estar Psicológico (QBEP; Grossi et al., 2006).

O questionário Estilo de vida Fantástico (Silva et al., 2014) é de autoavaliação e permite a exploração dos hábitos e comportamentos dos estilos de vida adequados para a saúde. O instrumento é constituído por 30 itens, de resposta fechada, agrupados em 10 domínios (FANTASTICO: F – Família e Amigos, A – Atividade física/Associativismo, N – Nutrição, T – Tabaco, A – Álcool e Outras drogas, S – Sono/Stresse, T – Trabalho e Tipo de personalidade, I – Instrospeção, C – Comportamentos de saúde e sexual, O – Outros comportamentos. Cada um dos itens está operacionalizado em três opções de resposta (0, 1 ou 2). A soma de todos os pontos dá um score que varia entre 0 e 120, estratificando o comportamento em 5 níveis: 0 a 46 (necessita de melhorar), 47 a 72 (regular), 73 a 84 (bom), 85 a 102 (muito bom) e de 103 a 120 (excelente).

A Escala de autoimagem de Stunkard (Scagliusi et al., 2006) consiste numa escala de nove figuras, que varia de uma figura muito magra (representada por 1) até uma figura muito obesa (representada por 9). Os participantes escolhem, entre as nove figuras, uma que representa o seu tamanho corporal atual, uma que represente a figura saudável e outra a figura que desejariam ser. Essa escala produz cinco variáveis: 1) número correspondente à figura atual; 2) número correspondente à figura saudável; 3) número correspondente à figura ideal; 4) score da discrepância entre as figuras saudável e atual (subtraindo-se o número correspondente à figura saudável do número correspondente à atual); e 5) score da discrepância entre as figuras ideal e atual (subtrai-se o número correspondente à figura ideal do número correspondente à atual). Quanto mais próximo de zero forem os resultados, mais real é a perceção dos participantes e menor é a sua insatisfação.

A Escala de Autoestima de Rosenberg (Santos & Maia, 2003) está operacionalizada numa escala tipo Likert de 4 pontos que varia entre os seguintes campos semânticos (0 - discordo fortemente a 3 - concordo fortemente). A pontuação total da escala varia entre 0 e 40, sendo que pontuações elevadas indicam uma autoestima mais elevada.

A versão abreviada do QBEP (Grossi et al., 2006) é constituída por seis dimensões: Ansiedade; Vitalidade; Humor deprimido; Autocontrolo; Bem-estar positivo e Saúde em geral. Cada uma das dimensões está operacionalizada numa escala de tipo Likert de 6 pontos (0-5). A pontuação do questionário varia entre 0 e 30, sendo que o bem-estar psicológico dos participantes será tanto melhor quanto maior for o score.

Na análise de dados recorremos a estatística descritiva, correlacional e inferencial, adequada à natureza dos dados, com recurso ao IBM SPSS Statistics V22.0. Com recurso à correlação de Pearson verificamos a correlação inter item do FANTASTICO, assim como a relação de cada uma das dimensões dos instrumentos utilizados com as variáveis atributo. Recorremos ao Teste t para comparar as médias das dimensões dos instrumentos utilizados com o género.

A participação no estudo foi voluntária, tendo sido garantido o anonimato dos participantes e a possibilidade de desistência, o que não se verificou. A realização do estudo foi autorizada pelo presidente do conselho de direção da ESEnfCVPOA.

 

Resultados

Na nossa amostra a idade média dos estudantes é de aproximadamente 25 anos (DP = 6,08), variando entre 17 e 46 anos. A maioria dos estudantes é do género feminino (83%). Os 224 estudantes que participaram no estudo, distribuem-se, na sua maioria, pelo curso de licenciatura em enfermagem (75%) e pelos cursos de pós-licenciatura de especialização em enfermagem: médico-cirúrgica 9,4%; reabilitação 10,3%; saúde mental e psiquiatria 5,4%. Os participantes do estudo têm em média, aproximadamente, três matrículas no ensino superior (DP = 1,74), variando entre uma e nove matrículas.

O estilo de vida dos participantes tem um valor médio global de 91,75 pontos (DP = 12,94 que se enquadra na categoria 85-102 pontos, que corresponde a Muito Bom. Nenhum dos participantes apresenta pontuação inferior a 46 pontos, 13 participantes (5,8%) apresentaram a classificação de Regular (entre 47-72 pontos), 47 participantes (21%) enquadram-se no Bom (entre 73-84 pontos), 128 participantes (57,1%) apresentam pontuação de Muito Bom e 36 participantes (16,1%) correspondem ao Excelente com a pontuação entre 103-120. Da análise dos domínios que compõe o FANTASTICO verificamos que os domínios família e amigos e outros comportamentos, tais como proteção e segurança rodoviária, são os que apresentam valores médios mais elevados. Os domínios com valores médios mais baixos são a Atividade física/Associativismo, a Nutrição, o Sono/Stress, Trabalho/Tipo de personalidade e Introspeção (Tabela 1).

Com recurso ao coeficiente de correlação de Pearson fomos verificar como os diferentes domínios do FANTASTICO se relacionavam entre si (Tabela 2).

Verificamos que existe uma correlação positiva e significativa entre os domínios que apresentam valores médios mais baixos, a Atividade física/Associativismo, a Nutrição, o Sono/Stress, Trabalho/Tipo de personalidade e instrospeção.

Na distribuição dos domínios do FANTASTICO pelo género verificamos que os participantes do género feminino relatam caminharem menos de 30 minutos por dia do que o género masculino, t (222) = -2,94, p = 0,004. Os participantes do género feminino relatam fumarem mais cigarros por dia do que o género masculino, t (221) = 2,43, p = 0,016. A quantidade de bebidas alcoólicas consumidas na mesma ocasião pelo género feminino é significativamente inferior à consumida pelo masculino t (222) = 4,19, p < 0,001. A capacidade para gerir o stresse no dia-a-dia das raparigas é inferior à dos rapazes t (222) = -3,43, p = 0,001. Os participantes do género feminino sentem-se menos confiantes e otimistas do que o masculino t (222) = -2,90, p = 0,004. O uso do cinto de segurança é superior no género feminino do que masculino t (222) = 2,20, p = 0,029.

Na avaliação da autoimagem verificamos que os participantes do estudo têm uma boa autoimagem de si (79%) por se encontrarem na categoria que varia entre -1 e 1. Contudo, 21% dos participantes revelam insatisfação com a sua imagem corporal.

No que se refere à avaliação da autoestima, na sua globalidade, os participantes têm um valor médio elevado de 34,20 (DP = 4,53), variando entre 19 e 40.

Agregando os itens da escala em dois fatores, no qual o fator 1 agrupa os itens de orientação negativa (itens 2, 5, 6, 8, 9) e o fator 2 os itens de orientação positiva (itens 1, 3, 4, 7, 10), verificamos que os participantes apresentam valores médios equilibrados entre ambos os fatores (Tabela 3).

A autoestima do género feminino (33,80) é inferior à do masculino (36,16), t (222) = -3,81, p < 0,001.

No que se refere ao bem-estar psicológico verificamos que os participantes apresentam um bem-estar psicológico médio de 15,07 (DP = 2,24), variando os valores de bem-estar psicológico entre 11 e 22 pontos (Tabela 4).

Com recurso ao coeficiente de correlação de Pearson (r) verificamos a correlação entre as diferentes dimensões do bem-estar psicológico e as variáveis atributo.

Há uma correlação negativa e significativa entre o peso e a saúde em geral (r = -0,199, p = 0,034). Assim, um peso mais elevado está associado a uma menor saúde.

A idade está negativamente relacionada com a ansiedade, r = -0,304, p = 0,001. À medida que a idade avança há uma menor perceção de ansiedade. Há uma correlação negativa e significativa entre a idade e a vitalidade, r = -0,332, p < 0,001. À medida que a idade avança a vitalidade é menor. A idade correlaciona-se negativa e significativamente com o humor depressivo, r = -0,289, p = 0,002, pelo que os mais jovens sentem-se psicologicamente mais abatidos. À medida que a idade avança maior é o autocontrolo r = 0,338, p < 0,001 e o bem-estar positivo r = 0,273, p = 0,003, revelando por isso mais alegria. Na sua globalidade, verificamos que à medida que a idade avança menor é o bem-estar psicológico, r = -0,213, p = 0,024.

 

Discussão

Os participantes do estudo têm globalmente em média um estilo de vida muito bom, que alinha com os resultados do estudo desenvolvido por Silva et al. (2014). Num estudo desenvolvido por Alcântara da Silva et al. (2015) os estudantes, apesar de referirem um excelente estilo de vida, o seu estilo de vida piorou depois de terem entrado numa IES. A entrada no ensino superior “é um período de mudança marcada pela conquista de mais autonomia e responsabilidade” (Tassini, Val, Candido, & Bachur, 2017, p. 120). Em resultado, à entrada no ensino superior devem ser programadas intervenções que visem minimizar o impacto da transição que estes estudantes vivenciam, através da promoção da saúde. Reconhecendo os domínios que maior impacto têm no estilo de vida dos estudantes, é possível implementar intervenções mais direcionadas para as necessidades individuais.

Os domínios da Atividade física/Associativismo, a Nutrição, o Sono/Stress, o Trabalho/Tipo de personalidade e a introspeção são os que apresentam os valores médios mais baixos. Os valores médios mais baixos na Atividade física/Associativismo podem associar-se ao facto de esta não ser uma área central do curso de licenciatura em enfermagem, e daí ser relevante fomentar este tipo de atividades extracurriculares.

A entrada no ensino superior é marcada por mudanças a nível dos hábitos alimentares, nomeadamente, quando os estudantes estão deslocados do seu ambiente familiar e até mesmo, por influência do próprio grupo com quem passam a partilhar novas experiências. “São momentos de transição potencialmente importantes na mudança de práticas alimentares, que podem até marcar trajetórias de práticas futuras e perceções de risco” (Alcântara da Silva, et al., 2015, p. 81). Os estudantes passam a adotar “hábitos alimentares práticos e rápidos, tal como a preferência por produtos industrializados, baixa ingesta de frutas, hortaliças e leguminosas e omissão de refeições” (Tassini et al., 2017, p. 121). Na avaliação das práticas alimentares dos estudantes devem ser considerados os seguintes indicadores de acordo com Moorhead, Johnson, e Maas (2010): práticas nutricionais saudáveis (tipo de alimentação, frequência das refeições); relação entre dieta, exercício e peso; estratégias de mudanças dos hábitos alimentares. A definição de indicadores de resultado permite uma definição mais clara das metas a alcançar aquando da definição do plano de intervenção tornando os objetivos tangíveis.

As questões do Sono/Stress podem advir do facto da “ansiedade e o stress, bem como as dificuldades de concentração são os sintomas sentidos com maior frequência pela grande maioria dos estudantes” (Alcântara da Silva et al., 2015, p. 48). As alterações do Sono/Stress podem relacionar-se com a transição que os estudantes vivenciam na mudança para o ensino superior e com as novas exigências que daí advêm. Contudo, não podemos deixar de referir o impacte que os fatores pessoais e sociais assumem na forma como os estudantes vivenciam esta transição. No estudo desenvolvido por Tassini et al. (2017) os estudantes referem sentir dificuldade de conciliar lazer, sono, horas livres e atividades exigidas pela faculdade e sentem-se cansados e stressados com o dia-a-dia. Estes resultados alinham com os resultados do nosso estudo no que se refere à correlação verificada entre a Atividade física/Associativismo, a Nutrição, o Sono/Stress, Trabalho/Tipo de personalidade e Instrospeção. Assim, as pessoas que apresentam melhor qualidade de sono e capacidade de gerir o stresse têm também sentimentos de maior felicidade, sendo mais otimistas e positivas relativamente à sua vida. Em resultado, as perturbações do sono e stress devem ser consideradas na avaliação dos domínios de vulnerabilidade dos estudantes em prol da definição do plano de intervenção. Os participantes do nosso estudo evidenciam valores médios mais baixos no Trabalho/Tipo personalidade do que os participantes do estudo desenvolvido por Silva e Brito (2014).

Em comparação com estudantes do sexo masculino, os estudantes do género feminino apresentam um maior consumo de tabaco, menor consumo de álcool e outras drogas, contudo também fica visível que têm menor capacidade para gerir o stress, sentindo-se menos confiantes e otimistas e têm uma menor autoestima. O maior consumo de álcool verificado nos estudantes do género masculino alinha com os resultados do estudo de Pimentel et al. (2013) e Rodriguez-Gázquez, Chaparro-Hernandez, e González-López (2016).

O bem-estar psicológico dos estudantes é na sua globalidade mediano, revelando os estudantes valores mais baixos a nível do humor deprimido, sentindo-se psicologicamente abatidos. O humor deprimido é definido enquanto “Emoção negativa: sentimentos de tristeza e melancolia, com diminuição da concentração, perda de apetite e insónia” (Conselho Internacional de Enfermeiros, 2016, p. 62). Esta emoção negativa tem impacto significativo no desempenho académico dos estudantes, que se poderá repercutir na qualidade de vida dos estudantes. O percurso académico é marcado por novas exigências, pelo que é fundamental o desenho e implementação de estratégias de intervenção que visem minimizar o seu impacto no bem-estar e qualidade de vida dos estudantes. “O que está em causa é apoiar, educar, proteger e prevenir eventuais repercussões negativas para a saúde causadas por desafios de caráter académico e de socialização” (Pimentel et al., 2013, p. 199), pelo que a integração no ensino superior e o acompanhamento ao longo do percurso desempenha um papel preponderante na vida e sucesso académico dos estudantes. É fundamental que os curricula estejam devidamente alinhados com as necessidades individuais dos estudantes de forma a permitir o crescimento saudável e sustentável do indivíduo durante o seu percurso académico. Através da implementação de programas direcionados à promoção da saúde destes indivíduos estaremos a contribuir para uma população mais saudável.

Uma limitação ao estudo pode relacionar-se com o facto dos estudantes que participaram no estudo poderem ter respondido de acordo com aquilo que seria expectável, e não de acordo com os seus desígnios, o que pode ter influenciado os resultados.

 

Conclusão

O perfil de saúde dos estudantes de enfermagem está marcado por uma baixa Atividade física/Associativismo, alteração do padrão nutricional, alteração do sono e baixa capacidade para gerir o stress, Trabalho/Tipo de personalidade e Introspeção o que lhes propicia uma visão menos otimista e positiva. Estes domínios relacionam-se entre si, pelo que quando se promove uma alteração num dos domínios este relaciona-se significativamente com o outro. Assim sendo, é relevante incluir todos estes domínios no desenho de estratégias de intervenção. O plano de intervenção terá melhores resultados se o próprio estudante for parte integrante do desenho do plano, que deverá ser integrado nos curricula.

Os estudantes do género feminino revelam maior consumo de tabaco e menor consumo de álcool, mas também sentem menor capacidade para gerir o stress, sentindo-se menos confiantes e otimistas e têm uma menor autoestima.

O bem-estar psicológico dos estudantes é mediano, sendo que o humor deprimido é o que apresenta piores resultados. As emoções negativas têm impacto significativo no desempenho académico.

Em desenvolvimentos futuros era relevante o desenho de soluções que permitissem predizer o nível de risco de cada indivíduo à entrada do ensino superior, definindo os critérios de vulnerabilidade de cada um, de forma a implementar intervenções direcionadas às necessidades individuais.

 

Referências bibliográficas

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Recebido para publicação em: 02.06.17

Aceite para publicação em: 10.10.17

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