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Revista de Enfermagem Referência

versão impressa ISSN 0874-0283

Rev. Enf. Ref. vol.serIV no.14 Coimbra set. 2017

https://doi.org/10.12707/RIV17030 

ARTIGO DE REVISÃO

REVIEW PAPER

 

Intervenções na escola para prevenção da violência nas relações de intimidade entre adolescentes: revisão integrativa da literatura

School-based interventions for teen dating violence prevention: integrative literature review

Intervenciones en la escuela para prevenir la violencia en las relaciones íntimas entre adolescentes: revisión integradora de la literatura

 

Diene Monique Carlos*; Ana Beatriz Campeiz**; Jorge Luiz da Silva***; Maria Isabel Domingues Fernandes****; Maria Neto da Cruz Leitão*****; Marta Angelica Iossi Silva******; Maria das Graças Carvalho Ferriani*******

* Ph.D., Enfermeiro, Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto, Universidade de São Paulo, 14040-902, Ribeirão Preto, São Paulo, Brasil [diene_enf@hotmail.com]. Contribuição no artigo: conceção e elaboração do projeto; pesquisa em bases de dados; análise e interpretação da revisão dos artigos; aprovação final para publicação. Morada para correspondência: Avenida dos Bandeirantes, 3900, Monte Alegre, 14040-902, Ribeirão Preto, Brasil.

** Cientista social, Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto, Universidade de São Paulo, 14040-902, Ribeirão Preto, São Paulo, Brasil [biacampeiz@hotmail.com]. Contribuição no artigo: pesquisa em bases de dados; análise e interpretação da revisão dos artigos; aprovação final para publicação.

*** MsC., Psicólogo, Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto, Universidade de São Paulo, 14040-902, Ribeirão Preto, São Paulo, Brasil [jorgelsilva@usp.br]. Contribuição no artigo: pesquisa em bases de dados; análise e interpretação da revisão dos artigos; aprovação final para publicação.

**** Ph.D., Professor, Escola Superior de Enfermagem de Coimbra, 3046-851, Coimbra, Portugal [isabelf@esenfc.pt]. Contribuição no artigo: conceção e elaboração do projeto; revisão crítica do artigo; aprovação final para publicação.

***** Ph.D., Professor, Escola Superior de Enfermagem de Coimbra, 3046-851, Coimbra, Portugal [mneto@esenfc.pt]. Contribuição no artigo: conceção e elaboração do projeto; revisão crítica do artigo; aprovação final para publicação.

****** Ph.D., Professor, Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto, Universidade de São Paulo, 14040-902, Ribeirão Preto, São Paulo, Brasil [maiossi@eerp.usp.br]. Contribuição no artigo: revisão crítica do artigo; aprovação final para publicação.

******* Ph.D., Professor, Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo, 14040902, Ribeirão Preto, São Paulo, Brasil [caroline@eerp.usp.br]. Contribuição no artigo: conceção e elaboração do projeto; revisão crítica final do artigo; aprovação final para publicação.

 

RESUMO

Enquadramento: A violência nas relações de intimidade (VRI) quando ocorre na adolescência configura-se como um problema considerado mais grave por impactar negativamente o desenvolvimento saudável e por se constituir prenunciador da violência conjugal e intrafamiliar.

Objetivos: Identificar os tipos de intervenção de prevenção primária da VRI entre adolescentes que têm sido implementados em contexto escolar.

Metodologia: Revisão integrativa de literatura nas bases PubMed, CINAHL, Lilacs, e na biblioteca virtual SciELO.

Resultados: Doze estudos compuseram a presente revisão. As intervenções foram identificadas por meio de 3 categorias, multicomponentes, direcionadas ao desenvolvimento de habilidades, e baseadas em teatro/dramatização. Os estudos apresentaram resultados homogéneos. Especificidades de população e abordagem foram discutidas.

Conclusão: Importantes contribuições para delineamento das intervenções de prevenção da VRI foram apresentadas, como a necessidade de embasamento teórico; aproximação do contexto de vida dos adolescentes e trabalho junto aos expectadores.

Palavras-chave: violência por parceiro íntimo; adolescente; prevenção primária; serviços de enfermagem escolar; literatura de revisão como assunto

 

ABSTRACT

Background: Intimate partner violence (IPV) in adolescence is a more serious problem because it negatively impacts the healthy development and is a precursor to domestic and family violence.

Objectives: To identify the types of primary IPV prevention interventions that have been implemented in school settings.

Methodology: Integrative literature review in the following databases: PubMed, CINAHL, Lilacs, and SciELO virtual library.

Results: Twelve studies were included in this review. Interventions were identified based on 3 categories: Multicomponent interventions; Skill-building interventions; and Theater/role-playing interventions. Similar results were found in all studies. Population and approach specificities were discussed.

Conclusion: In this review, important contributions to IPV prevention interventions were presented, such as the need for theoretical background, life-context approach, and intervention towards bystanders.

Keywords: intimate partner violence; adolescent; primary prevention; school nursing; review literature as topic

 

RESUMEN

Marco contextual: Cuando la violencia en las relaciones íntimas (VRI) se produce en la adolescencia, supone un problema considerado más grave, ya que impacta negativamente en el desarrollo sano y constituye una señal previa de violencia conyugal e intrafamiliar.

Objetivos: Identificar los tipos de intervención de prevención primaria de la VRI entre adolescentes que se han implementado en el contexto escolar.

Metodología: Revisión integradora de la literatura en las bases PubMed, CINAHL, Lilacs, y en la biblioteca virtual SciELO.

Resultados: La presente revisión comprendió doce estudios. Las intervenciones se identificaron a través de 3 categorías, multicomponentes, dirigidas al desarrollo de habilidades, y basadas en el teatro/la dramatización. Los estudios presentaron resultados homogéneos. Se discutieron las especificidades de la población y el enfoque.

Conclusión: Se presentaron importantes contribuciones para diseñar las intervenciones de prevención de la VRI, como la necesidad de una base teórica; la aproximación del contexto de vida de los adolescentes y el trabajo junto a los espectadores.

Palabras clave: violencia de pareja; adolescente; prevención primaria; servicios de enfermería escolar; literatura de revisión como assunto

 

Introdução

A violência nas relações de intimidade (VRI) ocorre entre duas pessoas que mantêm uma relação próxima e pode ser de natureza física, emocional ou sexual. Stalking é um termo usado para padrões de ameaça e controlo que geram medo na outra pessoa, e tem sido apresentado como mais uma forma de VRI principalmente entre adolescentes. A violência pode ocorrer como um ato pontual ou como atos contínuos, em casais homossexuais ou heterossexuais, por um dos parceiros ou por ambos. Trata-se de uma violência que pode ocorrer em diferentes períodos do desenvolvimento humano: adolescência, vida adulta e velhice (Centers for Disease Control and Prevention [CDC], 2016).

Entretanto, quando ocorre na adolescência configura-se como um problema considerado mais grave por impactar negativamente o desenvolvimento saudável e por se constituir prenunciador da violência conjugal e intrafamiliar (World Health Organization [WHO], 2014). Numerosos estudos apontam a complexidade da VRI entre adolescentes, em especial pelas implicações no desenvolvimento físico, psíquico e social. Tendências antissociais que promovem interações agressivas; uso de substâncias psicoativas; depressão; ideação suicida, são situações geralmente associadas a vivências de VRI entre adolescentes (Williams et al., 2014; Póo & Vizcarra, 2011).

De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), embora todos os níveis de cuidado sejam importante, a prevenção da violência recebe pouca atenção, investimento e compromisso internacional, comparativamente aos demais níveis (WHO, 2014). Os programas indicam que é possível prevenir a VRI, entretanto torna-se necessário o envolvimento de múltiplos atores com múltiplas aproximações, com o objetivo de desvelar fatores de risco na violência, incluindo normas sociais que incentivam a desigualdade de género e violência, e fatores que promovam o desenvolvimento de comportamentos não violentos (Ellsberg et al., 2015).

A literatura apresenta-se crescente no âmbito de intervenções para a prevenção de VRI realizados junto dos adolescentes. O contexto escolar apresenta-se como lócus privilegiado para estas ações, pois configura-se como o primeiro ambiente em que os adolescentes podem experimentar as suas identidades para além das famílias (Malta et al., 2015).

Considerando o exposto, traz-se enquanto objetivo deste estudo identificar as intervenções para prevenção primária da VRI entre adolescentes que têm sido implementadas em contexto escolar. Após a identificação dos tipos de intervenções realizadas, é pretensão dos autores descrever os fatores que as influenciam. Justifica-se este estudo pela necessidade de conhecer as intervenções neste âmbito que possam nortear as práticas em saúde, bem como reforçar o olhar para a prevenção de VRI entre adolescentes, diretriz proposta pela OMS e literatura científica (WHO, 2014; Ellsberg et al., 2015; Póo & Vizcarra, 2011).

 

Procedimentos metodológicos de revisão integrativa

Para o alcance do objetivo proposto, selecionou-se como método de pesquisa a revisão integrativa de literatura, que inclui a análise de pesquisas relevantes que dão suporte para a tomada de decisão e a melhoria da prática clínica, possibilitando a síntese do estado do conhecimento de um determinado assunto, além de apontar lacunas do conhecimento que precisam de ser preenchidas com a realização de novos estudos (Mendes, Silveira, & Galvão, 2008). As seguintes etapas foram delimitadas: (1) identificação do problema; (2) seleção dos artigos; (3) categorização dos estudos; (4) interpretação dos resultados e (5) síntese do conhecimento produzido (Mendes et al., 2008).

Etapa 1 - Retomando a problemática do presente estudo, elaborou-se a seguinte pergunta norteadora: Quais os tipos de intervenções de prevenção primária da VRI entre adolescentes têm sido implementados no contexto escolar? A formulação da pergunta foi baseada na estratégia PICO, definindo como população adolescentes entre os 10 e os 19 anos, conforme orientação da OMS (WHO, 2017); foram inseridos todos os estudos que incluíam pessoas nesta faixa etária, mesmo que considerassem também jovens; o fenómeno de interesse considerado foi intervenções de prevenção primária da VRI; e o contexto foi o escolar, considerando escolas de primeiro e segundo grau, e universidades. Os resultados foram analisados sob uma ótica exploratória.

Etapa 2 - A pesquisa foi operacionalizada entre o dia 20 de abril de 2016 e 22 de abril de 2016, mediante pesquisas nas bases de dados PubMed, CINAHL (Cumulative Index to Nursing and Allied Health Literature), LILACS (Literatura Latino-Americana e do Caribe em Ciências da Saúde) e na biblioteca virtual SciELO (Scientific Electronic Library Online), no período compreendido entre 01/01/2011 e 31/12/2015. Este período de tempo foi definido pela intenção de integrar a literatura mais atual, dos últimos 5 anos. A seleção das fontes justificou-se pela abrangência de estudos multidisciplinares, com contemplação de produções nacionais e internacionais. Os descritores selecionados na PubMed foram os MeSH terms (Medical Subject Heading) e Subheadings: adolescent AND intimate partner violence OR dating abuse OR dating violence OR sexual harassment AND primary prevention OR health promotion OR school based services OR prevention and control. Na base de dados CINAHL, foram considerados os Headings: adolescence OR adolescent health AND intimate partner violence OR dating violence OR sexual harassment AND health promotion. Na LILACS e SciELO, foram usados os Descritores em Ciências da Saúde: adolescente AND violência por parceiro íntimo AND prevenção primária OR promoção da saúde OR saúde escolar. As estratégias utilizadas para selecionar os artigos identificados na pesquisa consideraram a proposta do estudo e os seguintes critérios de inclusão: um recorte temporal de 5 anos (2011-2015); idiomas contemplados (inglês, português e espanhol); modalidade da produção científica (apenas artigos científicos primários); produções exclusivas sobre intervenções de prevenção primária da VRI com adolescentes em contexto escolar. Foram excluídas as demais produções académicas, como teses, dissertações, monografias, e artigos de revisão de literatura.

Os títulos e os resumos de todos os artigos identificados na pesquisa eletrónica foram revistos, eliminando possíveis repetições entre os cruzamentos ou entre as bases de dados e a biblioteca eletrónica. Em seguida, foi realizada a leitura dos títulos e resumos com consequente exclusão daqueles estudos que não se referiram ao objeto de estudo. Em seguida, os artigos originais foram recuperados e lidos na íntegra, delimitando o corpus de análise. A partir desta leitura, identificaram-se as temáticas dos estudos, os programas realizados e resultados apresentados, elementos que foram posteriormente categorizados. Os artigos que não contemplavam o objeto de estudo proposto foram excluídos, principalmente por não serem direcionados a adolescentes; não serem intervenções de prevenção primária; ou não serem desenvolvidos em contexto escolar. Este processo de seleção está descrito no fluxograma (Figura 1). Ressalta-se que tais ações foram realizadas por dois revisores independentes, sendo que um terceiro estava disponível no caso de discordâncias sobre a inclusão ou não de estudos.

Etapa 3 e 4 – Um instrumento específico foi elaborado para extrair os dados dos artigos selecionados em tabela do MS Excel 2010, a saber: dados do artigo (ano de publicação, país, revista, autores e área, objetivos, tipo de estudo, campo de estudo, sujeitos do estudo, instrumentos de colheita de dados, análise de dados), intervenções realizadas e resultados encontrados. A partir da leitura crítica e analítica do material, identificaram-se as temáticas do estudo, os programas realizados, as áreas de intervenção e síntese dos resultados. Estes elementos foram sintetizados nas categorias exploradas.

Etapa 5 – Após interpretação dos resultados nas categorias exploradas, foi realizada uma síntese do conhecimento produzido a partir da revisão da literatura.

 

Resultados e interpretação

Os indicadores bibliométricos dos estudos selecionados são apresentados na Tabela 1.

Conforme demonstrado na Tabela 1, no período de tempo investigado foram encontrados 12 artigos. A produção concentrou-se no ano de 2015, predominantemente realizados nos Estados Unidos da América (EUA). A abordagem metodológica predominantemente foi a quantitativa. Os campos de estudo foram predominantemente escolas de 1º e 2º graus, porém três investigações foram realizadas em universidades.

Para sintetizar a informação e facilitar a consulta, foi delineada a Tabela 2, com o contexto, população e principais resultados.

Na sequência serão descritas os tipos de intervenções, subdivididas em três categorias temáticas.

 

Intervenções multicomponentes

Foram identificados quatro estudos classificados como intervenções multicomponentes. Gonzalez-Guarda, Guerra, Cummings, Pino, e Becerra (2015). Avaliaram os resultados de um estudo piloto de um programa de prevenção de violência no namoro com base na família e na escola denominado: JOVEN/YOUTH Juntos Opuestos a la Violence Entre Novios/Together Against Dating Violence. Teoria eco-desenvolvimental e teoria social cognitiva foram utilizadas para fundamentar o estudo. A primeira teoria traz a ideia de que os adolescentes estão em constante interação com os seus pares, famílias, e escolas e, assim em interação com outros sistemas, sofrendo influências por fatores externos. A segunda orientou o desenvolvimento de atividades que podem contribuir para a alteração do comportamento e tratar aqueles desajustados. A intervenção, de natureza multicomponente, foi desenvolvida com 82 participantes, com idade entre 13 e os16 anos, todos de origem latina e estudantes de uma escola pública no estado da Flórida nos EUA. Formou-se um grupo de intervenção e um grupo de controle com 41 participantes cada. As atividades desenvolvidas visaram o desenvolvimento de competências dos estudantes (seis sessões), formação para equipa escolar (duas sessões) e sensibilização para pais (duas sessões). Os recursos utilizados para o desenvolvimento das sessões foram: imagens, vídeos, discussão em grupo e jogo de papéis. Houve uma sessão para que pais e estudantes praticassem juntos habilidades de comunicação e negociação de regras de namoro.

O estudo de Taylor, Mumford, e Stein (2015) avaliou os resultados de um programa de prevenção de violência no namoro e assédio sexual. Participaram da intervenção 2665 estudantes do 6º e 7º ano escolar de 30 escolas da cidade de Nova York nos EUA. Os estudantes foram distribuídos em grupos de intervenção e grupos de comparação. A intervenção consistiu de uma duração de 6 a 10 semanas com atividades em salas de aula, desenvolvidas pelos professores, acerca das temáticas foco do programa. Por um período igual de tempo foram desenvolvidas atividades direcionadas à equipa escolar. Além deste aspeto, tal estudo traz importante ação contextual, seguindo as diretrizes da OMS – fez uso de hot spots para mapeamento de áreas inseguras sentidas pelos adolescentes nas escolas.

O programa Start Strong: Building Healthy Teen Relationships (Miller et al., 2014; Williams et al., 2015) constitui uma intervenção multicomponente direcionada, dentre outros aspetos, à redução de violência no namoro. Dentre os seus componentes encontram-se currículos de prevenção, estratégias de marketing social e alterações nas políticas e ambiente escolar. Ele foi desenvolvido em oito escolas dos EUA, sendo quatro participantes da intervenção e quatro como grupo controle. Participaram da avaliação do programa 1517 estudantes com idade entre os 11 e os 14 anos. É importante salientar que esta intervenção procurou trabalhar e avaliar não apenas questões relacionadas à VRI, mas outros aspetos relacionados, como a comunicação entre pais e adolescentes; satisfação e suporte na relação de namoro; redução nos estereótipos de género e da aceitação da violência no namoro; ocorrência de bullying (Miller et al., 2015).

 

Intervenções direcionadas ao desenvolvimento de habilidades

Sete estudos foram desenvolvidos na perspetiva de desenvolvimento de habilidades. O estudo de Murta et al. (2013) objetivou avaliar os efeitos de prevenção de violência no namoro e de crenças sexistas e homofóbicas mediante o desenvolvimento de habilidades de vida de 60 adolescentes da cidade de Brasília, Brasil, com idades entre os 14 e os 18 anos. A intervenção baseou-se nas habilidades de vida: autoconhecimento, pensamento crítico, comunicação assertiva, empatia, manejo das emoções, tomada de decisão e resolução de problemas. Os 27 adolescentes que compuseram o grupo de intervenção participaram de sete encontros semanais com duração de 80 minutos cada, realizados mediante vivências, treino de papeis, discussão em grupos, exposição dialogada, música e tarefas de auto-observação.

Com o o objetivo de mensurar a eficácia de um programa de prevenção no namoro, realizado com atletas masculinos, Miller et al. (2012) avaliaram 2.006 atletas estudantes do 9º ao 12º anos escolares de 16 escolas da Califórnia nos EUA, distribuídos em grupos de intervenção e grupos de controle. O programa Coaching Boys into Men tem como objetivo alterar atitudes e comportamentos relacionados com a violência no namoro na população atleta masculina mediante, especialmente, o aumento das habilidades de reconhecimento de comportamentos agressivos e melhoria da intenção para se intervir diante do testemunho de situações de violência. A intervenção é realizada pelos treinadores dos atletas que recebem 1 hora de formação e contam com o auxílio de um kit composto por 11 cartões de treino que guiam as discussões desenvolvidas semanalmente com os atletas, com duração aproximada de 10-15 minutos cada. Um estudo procurou adaptar o programa para atletas de críquete na Índia (Miller et al., 2014); estes demonstraram poucas alterações nos padrões aferidos.

Póo e Vizcarra (2011) planearam, implementaram e avaliaram o programa de prevenção de violência no namoro denominado Construyendo una relación de pareja saludable. Traz como fundamentação o paradigma pedagógico construtivista e a sua conceção de sujeito como uma organização ativa que procura adaptar-se aos stressores do seu ambiente através da construção de esquemas de respostas cada vez mais sofisticados. Participaram do estudo 65 estudantes universitários chilenos (31 no grupo intervenção e 34 no grupo controle). O programa tem como objetivo prevenir a violência nas relações de intimidade mediante a melhoria de conhecimentos, habilidades e atitudes dos jovens em 14 sessões desenvolvidas semanalmente.

A intervenção denominada Bringing in the Bystander® in-person program (Moynihan et al., 2015) foi desenvolvida com 948 estudantes universitários estadunidenses com idade entre 18 e os 24 anos. O objetivo do programa visa aumentar a intervenção de estudantes testemunhas de violência sexual e de relacionamento mediante exercícios de aprendizagem ativa.

O estudo piloto relatado por Amar, Tuccinardi, Heislein, e Simpson (2015) refere-se a uma intervenção denominada Amigos Ajudando Amigos, cujo objetivo consiste em ensinar adolescentes mais velhos a reconhecerem e intervirem na violência de namoro. Baseou-se na teoria para a educação espetadora de Latané e Darley (1970), com abordagem de uma educação baseada em pares para o combate à VRI. A amostra do estudo foi composta por 101 universitárias, com idades entre os 18 e os 22 anos, de uma universidade privada do noroeste dos EUA, distribuídas em grupos de intervenção e de controle. As participantes receberam 12 horas de treino mediante exposição dialogada, jogo de papeis e gerenciamento de processos de grupo, com o objetivo de melhor as habilidades de identificação de situações que necessitem de assistência e de intervenção diante das situações identificadas.

 

Intervenções baseadas em teatro/dramatização

A dramatização foi o recurso interventivo utilizado no estudo piloto de Belknap, Haglung, Felzer, Pruszynski, e Schneider (2013) que teve como objetivo aumentar a consciência sobre a violência no namoro e estimular respostas não violentas em 66 adolescentes latinos, média de idade de 13 anos, residentes no estado da Flórida nos EUA. A intervenção baseada no Teatro do Oprimido desenvolveu-se mediante duas apresentações de aproximadamente 15 minutos cada, as quais foram redigidas, ensaiadas e encenadas por quatro estudantes universitários e um diretor de teatro profissional. A intenção era que no decorrer das encenações os adolescentes que assistiam às peças se identificassem com os personagens e se autoquestionassem em relação às situações de violência no namoro e assim alterassem os seus comportamentos. Os resultados foram significativamente positivos.

Conforme já demonstrado, os programas centraram-se em três principais intervenções, que demonstraram, no geral, resultados homogéneos, independente dos delineamentos metodológicos. Diferentes instrumentos foram usados para avaliação dos programas. Os questionários utilizados nestes estudos apresentaram diferentes escalas com inúmeras variações mostrando a dificuldade de deteção, mas também o grande interesse e preocupação em abarcar os inúmeros elementos da violência no relacionamento de intimidade entre os adolescentes.

Quatro programas de intervenção foram avaliados longitudinalmente, demonstrando alcance de efeito pequeno a moderado - Coaching Boys into Men (Miller et al., 2012; Miller et al., 2013; Miller et al., 2014); Start Strong (Miller et al., 2015); JOVEN (Gonzalez-Guarda et al., 2015) e Bringing in the Bystander® in-person program (Moynihan et al., 2015). No primeiro programa, mudanças positivas, observadas imediatamente após o seguimento, não foram mantidas no follow up de 12 meses, pois os atletas já não estavam naquela equipa há muitos meses. O segundo programa apresentou resultados pouco melhores, pois a longo prazo houve melhoria também para o grupo controle, associado ao abarcamento de funcionários e pais na intervenção. O programa JOVEN/YOUTH não manteve os efeitos positivos, estatisticamente significantes, ao longo do tempo. Já o último programa citado foi apresentado até ao momento como o primeiro estudo a encontrar mudanças positivas de comportamento 12 meses após uma intervenção junto a espetadores para prevenção da VRI. Tal aspeto foi fortemente associado à importância do trabalho com pares, em especial no âmbito da prontidão para ajudar e oportunidade para intervir (Moynihan et al., 2015).

Poucos estudos (33,3%; n = 4) utilizaram referenciais teóricos para auxiliar e fomentar a reflexão sobre o desenvolvimento do programa de intervenção e a sua execução, ou seja, sobre a forma de operacionalização da intervenção. Em revisão sistemática sobre programas de prevenção primária e secundária de violência sexual, os autores consideraram a necessidade de criar programas com altos níveis de intensidade para mudanças de comportamentos complexos como violências (DeGue et al., 2014).

Conforme já abordado, os artigos trouxeram como sujeitos de estudo os adolescentes, entretanto alguns evidenciaram particularidades nas amostras (58,3%; n = 7). Um estudo trouxe a intervenção junto a adolescentes de origem cubana, residentes nos EUA, sendo que o programa foi desenvolvido nos idiomas de inglês e espanhol (Gonzalez-Guarda et al., 2015). A intervenção demonstrou ter efeito mais forte na vitimização e perpetuação de VRI entre os adolescentes do sexo masculino que do sexo feminino. Podem existir importantes diferenças de desenvolvimento entre adolescentes do sexo masculino e feminino, de origem latina que residem nos EUA, que podem gerar variações nos efeitos da VRI (Gonzalez-Guarda et al., 2015).

Outro estudo da presente revisão também direcionou o programa a adolescentes latinos/as (Belknap et al., 2013), com a principal justificação de que atitudes direcionadas e correlacionadas à VRI eram influenciadas por visões culturais de regras de género e diferenciadas por género e níveis de aculturação. Adolescentes latinos apresentaram mais visões tradicionais de regras de género e mais aceitáveis à VRI (Ulloa, Jaycox, Skinner, & Orsbun, 2008); entretanto alguns construtos culturais latinos têm sido protetivos à violência (Enriquez, Kelly, Cheng, Hunter, & Mendes, 2012). Programas de prevenção da violência devem ser acessíveis a todos e utilizar um modelo social e ecológico que contextualize fatores individuais, relacionais, comunitários e sociais (WHO, 2014).

Ainda no estudo de Belknap et al. (2013), os adolescentes mostraram maior aceitação da violência da mulher contra o homem que da violência do homem contra a mulher. Este resultado pode ter sido influenciado pela peça teatral trazer o parceiro masculino como agressor e o feminino como vítima, questão apresentada como limitação do estudo.

Procurou-se não trabalhar com públicos específicos, entretanto um artigo (Taylor et al., 2015) comparou a diferença na efetividade do programa entre adolescentes com história de violência no namoro ou abuso sexual. Os resultados não indicaram variação para os adolescentes com história de VRI ou abuso sexual. Além deste artigo, outro estudo (Williams et al., 2015) demonstrou que estudantes de alto risco à VRI, abuso sexual e bullying foram mais prováveis a responderem às intervenções.

Os estudos concentraram as suas intervenções, conforme já sinalizado, a adolescentes estudantes da 7ª série (aproximadamente 12 e 13 anos; 33,2%; n = 4). Tratam-se de iniciativas inovadoras, visto a tradição intervencionista ser dirigida a adolescentes mais velhos; este período é crítico devido à transição e início de relacionamentos afetivos. O reforço e continuidade em ações que enfatizem a redução da aceitação da VRI e estereótipos de género na adolescência precoce podem diminuir a VRI ao longo da vida (Miller et al., 2015). Importante ressaltar que, apesar da literatura demonstrar taxas mais baixas de violência severa entre adolescentes mais novos, este facto pode estar associado a medidas usadas que são desenvolvidas para adolescentes mais velhos. Estudos indicam que adolescentes mais jovens apresentam natureza e significados de violência diferentes (Pelligrini & Long, 2003).

Outra particularidade dos estudos foi o olhar focado nos espectadores (Miller et al., 2012; Moynihan et al., 2015; Miller et al., 2013). Atitudes que legitimam a perpetuação da VRI têm sido identificadas como fatores de risco modificáveis; intervenções junto a espectadores, ou pares, são relevantes essencialmente na adolescência, período em que os amigos/pares são importantes (McMahon, 2010). O conhecimento prévio sobre a VRI; o fato de ser mulher e um contexto favorável; emergem como fatores que impactam positivamente em atitudes espetadoras.

Para além do exposto, entende-se que muitos resultados se relacionaram estatisticamente com o suporte e satisfação em relacionamentos de intimidade entre os adolescentes; tal questão foi particularmente discutida por Miller et al. (2015). Estudos têm revelado que relações com afetos positivos estão relacionadas com uma menor vitimização e perpetuação de VRI; redução do uso de álcool e outras drogas; e problemas emocionais (Orpinas, Hsieh, Song, Holland, & Nahapetyan, 2013; Collins, Welsh, & Furman, 2009).

Destarte, apesar de existirem algumas recomendações, a literatura ainda não permite a definição de intervenções que sejam comprovadamente eficazes em todos os aspetos relacionados com a prevenção de VRI entre adolescentes. Entretanto, entende-se que as intervenções devem procurar trabalhar vários aspetos da vida destes adolescentes, temas que são transversais para a prevenção de vários tipos de violência que os atingem, e de forma contextual.

As principais limitações do estudo referem-se ao grande número de descritores utilizados na literatura para a indexação dos estudos, ainda não existindo uma padronização de termos na temática; a limitação temporal e exclusão de literatura cinzenta, que foi intencional dos autores em pesquisar apenas artigos científicos dos últimos 5 anos, procurando, possivelmente, maior validade científica dos dados, bem como um olhar atualizado sobre o fenómeno. Ademais, ressalta-se o respeito aos princípios ético-legais de todos os estudos analisados.

 

Conclusão

O presente estudo integrou os mais recentes artigos científicos que versam sobre as intervenções de prevenção à VRI entre adolescentes, apresentando-se como multicomponentes; direcionadas para o desenvolvimento de habilidades; e baseadas em teatro/dramatização. Não demonstraram grandes diferenças nos resultados encontrados, e trouxeram importantes implicações para a prática e pesquisa neste âmbito, das quais se destaca: (1) a necessidade de aporte teórico que suporte as intervenções realizadas desde a sua conceção, até ao delineamento e análise dos dados; (2) abordagens que considerem especificidades contextuais (sociais, culturais, económicas, familiares); (3) a importância de intervenções direcionadas para mudanças relacionadas com os expetadores e contextos onde os adolescentes estão inseridos; (4) a necessidade do olhar voltado para diferentes arranjos de relações de intimidade, não apenas heterossexuais, bem como em relações de intimidade não estáveis; (5) intervenções que abordem a comunicação parental; (6) a importância do grupo controle para fidedignidade dos dados e eliminação de vieses bem como situações conflituosas.

A presente revisão também trouxe pontos que necessitam de maior aprofundamento por meio de novas pesquisas, a saber: (1) estudos que abordem diferenças de género, desenvolvimento e particularidades populacionais ainda são necessários para esclarecimentos dos programas de prevenção da VRI entre adolescentes; (2) desenvolvimento de escalas que propiciem medidas fidedignas junto a adolescentes mais novos, em especial no que concerne aos tipos de violência experienciados; (3) estudos que relacionem as respostas à intervenção aos conhecimentos prévios; (4) intervenções com foco na promoção de relações saudáveis.

 

Referências bibliográficas

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Apoio Financeiro: Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo, processo 2015/14668-9.

 

Recebido para publicação em: 27.03.17

Aceite para publicação em: 26.05.17

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