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Revista de Enfermagem Referência

versão impressa ISSN 0874-0283

Rev. Enf. Ref. vol.serIV no.13 Coimbra jun. 2017

https://doi.org/10.12707/RIV17006 

ARTIGO DE INVESTIGAÇÃO (ORIGINAL)

 

A pessoa submetida a transplante de fígado: caracterização do estilo de gestão do regime terapêutico

The liver transplant patient: characterization of the therapeutic regimen management style

El paciente sometido a un trasplante de hígado: caracterización del estilo de gestión del régimen terapéutico

 

Liliana Mota*; Fernanda Santos Bastos**; Maria Alice Correia Brito***

* MsC., Professora Adjunta, Escola Superior de Enfermagem da Cruz Vermelha Portuguesa, 3720-126, Oliveira de Azeméis, Portugal [saxoenfermeira@gmail.com]. Contribuição no artigo: pesquisa bibliográfica, recolha e análise estatística dos dados, discussão dos resultados e redação do artigo. Morada para correspondência: Travessa do Formal 42, 4415-653, Lever, Vila Nova de Gaia, Portugal.

** Ph.D., Professor Adjunto, Escola Superior de Enfermagem do Porto, 4200-072, Porto, Portugal [fernandabastos@esenf.pt]. Contribuição no artigo: análise estatística dos dados, discussão dos resultados, revisão global do artigo.

*** Ph.D., Professor Adjunto, Escola Superior de Enfermagem do Porto, 4200-072, Porto, Portugal [alice@esenf.pt]. Contribuição no artigo: análise estatística dos dados, discussão dos resultados, revisão global do artigo.

 

RESUMO

Enquadramento: A caracterização do estilo de gestão do regime terapêutico pode ajudar a predizer a forma como as pessoas irão gerir os seus regimes terapêuticos, após transplante de fígado.

Objetivos: Caracterizar o estilo de gestão do regime terapêutico das pessoas submetidas a transplante de fígado e compreender o seu impacto nos indicadores de sucesso.

Metodologia: Estudo quantitativo, descritivo e exploratório, utilizando o instrumento de caracterização do estilo de gestão do regime terapêutico.

Resultados: O estilo de gestão do regime terapêutico distribui-se predominantemente num estilo próximo do responsável (51,3%), e do tipo indefinido (47,4%), apresentando características dos 4 estilos teóricos. Os indicadores qualitativos do sucesso e da intensidade de alteração dos valores analíticos não se correlacionam significativamente com os estilos de gestão do regime terapêutico.

Conclusão: O estilo predominante da amostra é o responsável. Há um fraco impacto dos estilos de gestão do regime terapêutico na intensidade de alteração dos valores analíticos e indicadores qualitativos. A descrição do estilo permite antecipar dificuldades e a implementação de terapêuticas de enfermagem dirigidas às características individuais.

Palavras-chave: transplante de fígado; autocuidado; enfermagem

 

ABSTRACT

Background: The characterization of the therapeutic regimen management style may help predict how individuals will manage their therapeutic regimens after liver transplantation.

Objectives: To describe liver transplant recipients' therapeutic regimen management style and identify its impact on success indicators.

Methodology: Quantitative, descriptive, and exploratory study using the instrument for therapeutic regimen management style characterization.

Results: A style close to the responsible style (51.35) and the undefined style (47.4%) are the predominant therapeutic regimen management styles, with characteristics of the 4 theoretical styles. No statistically significant correlation was found between qualitative indicators of success, intensity of alteration in analytical values and therapeutic regimen management styles.

Conclusion: The predominant style in this sample is the responsible style. Therapeutic regimen management styles have a weak impact on the alteration of intensity in analytical values and qualitative indicators. The identification of each style allows anticipating difficulties and implementing nursing interventions targeted at individual characteristics.

Keywords: liver transplantation; self care; nursing

 

RESUMEN

Marco contextual: La caracterización del estilo de gestión del régimen terapéutico puede ayudar a predecir la forma en que las personas gestionarán sus regímenes terapéuticos después de un trasplante de hígado.

Objetivos: Caracterizar el estilo de gestión del régimen terapéutico de las personas sometidas a trasplante de hígado y comprender su impacto en los indicadores de éxito.

Metodología: Estudio cuantitativo, descriptivo y exploratorio, en el que se utilizó el instrumento de caracterización del estilo de gestión del régimen terapéutico.

Resultados: El estilo de gestión del régimen terapéutico se distribuye predominantemente en un estilo cercano al responsable (51,3 %) y del tipo indefinido (47,4 %), y presenta características de los 4 estilos teóricos. Los indicadores cualitativos del éxito y la intensidad de alteración de los valores analíticos no se correlacionan significativamente con los estilos de gestión del régimen terapêutico.

Conclusión: El estilo predominante de la muestra es el responsable. Existe un débil impacto de los estilos de gestión del régimen terapéutico en la intensidad de alteración de los valores analíticos y los indicadores cualitativos. La descripción del estilo permite anticipar dificultades e implementar terapias de enfermería dirigidas a las características individuales.

Palabras clave: trasplante de hígado; autocuidado; enfermería

 

Introdução

O transplante hepático é considerado o último recurso em situação de doença do fígado avançada. Embora seja um procedimento cirúrgico de elevado risco, os avanços na técnica cirúrgica e a terapia imunossupressora permitiram uma melhoria significativa da sobrevivência após transplante (Yang, Shan, & Morris, 2014). Apesar de todo o desenvolvimento científico e tecnológico, o sucesso do transplante depende muito do comportamento pessoal. No contexto da transplantação a pessoa é convidada a reformular e a integrar novos aspetos no seu autocuidado de forma a ser garantida a viabilidade do órgão e a manter ou melhorar a sua qualidade de vida. Em resultado, a pessoa precisa ser ajudada a fazer as melhores escolhas, sendo-lhe proporcionada orientação desde o pré ao pós transplante, que a ajudem na integração de comportamentos desejáveis à garantia da qualidade de vida (Baldoni et al., 2008). De facto, “As pessoas com doença crónica do fígado necessitam intervenções de enfermagem que as auxiliem nas mudanças requeridas no estilo de vida, com a finalidade de prevenção e controle da progressão da doença” (Mendes et al., 2013, p. 2).

Com este estudo pretende-se caracterizar o estilo de gestão do regime terapêutico das pessoas submetidas a transplante de fígado, inferir sobre a sua utilidade clínica no contexto da transplantação e compreender o seu impacto nas variáveis clínicas. Conjeturámos como possível a implementação de terapêuticas de enfermagem mais apropriadas adequando a intencionalidade das mesmas às características pessoais e influenciando positivamente os comportamentos de autocuidado. “Os enfermeiros são os profissionais que melhor podem desempenhar o papel de facilitadores do processo de transição, pela sua maior proximidade e conhecimento da realidade e necessidades da pessoa” (Mota, Rodrigues, & Pereira, 2011, p. 25).

 

Enquadramento

Na área da transplantação o conceito de autocuidado assume extrema relevância, uma vez que já desde o período pré transplante a pessoa precisa demonstrar capacidade para as novas exigências no seu autocuidado, pelo forte impacto que este representa no sucesso do procedimento cirúrgico e na qualidade de vida das pessoas. O autocuidado é influenciado pela biografia da pessoa, pelos seus valores, as suas crenças e suas atitudes, assim como, pelas suas condições sociais e culturais (Backman & Hentinen, 1999, 2001). A atitude e a disposição da pessoa interferem no seu autocuidado (Backman & Hentinen, 1999, 2001), o que pode condicionar a gestão da doença e do regime terapêutico após transplante de fígado (Mota, 2011). O perfil de autocuidado é um aspeto central nesta abordagem, pois pode condicionar as habilidades e comportamentos individuais para promover a saúde, prevenir a doença, manter a saúde e gerir a doença (World Health Organization, 2009).

Associado ao conceito de autocuidado surgem conceitos como a adesão e a autogestão. O conceito de adesão/não adesão, traduz o grau de cumprimento das orientações terapêuticas, “É utilizado como indicador de sucesso na autogestão ou na forma como cada cliente incorpora no seu quotidiano o regime terapêutico” (Mota, 2011, p. 33) com forte influência na morbilidade e mortalidade após transplante de fígado e nos custos em saúde (Jindel, Joseph, Morris, Santella, & Baines, 2003; Telles-Correia, Mega, Barbosa, Barroso, & Monteiro, 2008). A gestão do regime terapêutico envolve o conhecimento e as crenças, as competências de autorregulação, habilidades e suporte social para que as pessoas sejam capazes de gerir as suas condições crónicas ou adotarem comportamentos saudáveis. Podemos assim afirmar que a adesão ao regime terapêutico é um indicador de resultado da gestão do regime terapêutico.

O reconhecimento das condições pessoais, da atitude da pessoa face à vida/doença e características pessoais permite caracterizar a forma como cada pessoa responde ao desafio de gestão, considerando a atitude e comportamento que apresenta em quatro padrões, denominados como estilos de gestão: responsável; independente; formalmente guiado e negligente (Bastos, 2015).

Bastos (2015) defende que a pessoa com um estilo negligente não adere à medicação, falta às consultas e não realiza os meios complementares de diagnóstico solicitados pelos profissionais. Além disso, são pessoas que face à resolução dos seus problemas de saúde acreditam que nunca mais vão melhorar (Zeleznik, 2007). As pessoas com um estilo formalmente guiado demonstram coerência entre aquilo que é orientação dos profissionais de saúde e o seu comportamento (Bastos, 2015); apresentam contudo, uma atitude de passividade relativamente aos comportamentos de saúde (Zeleznik, 2007). As pessoas com um estilo de gestão do regime terapêutico independente têm um locus de controlo interno face à sua saúde e doença (Bastos, 2015), sendo normalmente determinadas na vida, mas integrando pouco as recomendações dos profissionais sobre o autocuidado (Backman & Hentinen, 1999). As pessoas com um estilo de gestão do regime terapêutico responsável demonstram maior proatividade em relação às que possuem um estilo independente apesar de apresentarem características pessoais semelhantes (Bastos, 2015), assim a sua atitude é marcada por enorme responsabilidade no autocuidado (Backman & Hentinen, 1999).

A teoria explicativa sobre o estilo de gestão do regime terapêutico (Bastos, 2015) tem por base duas dimensões fundamentais da gestão do regime terapêutico: a Flexibilidade e o Controlo (Bastos, 2015). Estas duas dimensões ajudam na caracterização do estilo de gestão do regime terapêutico e variam entre campos semânticos opostos: flexibilidade/rigidez, controlo/tentação. As duas dimensões têm por base sete variáveis: locus de controlo interno, tomada de decisão, autodeterminação, atitude face à doença, atitude face ao regime terapêutico, autoeficácia e interação com os profissionais.

A monitorização do sucesso da transplantação, à luz do modelo biomédico, está muito centrada na sobrevivência do enxerto, com monitorização da imunossupressão e bioquímica (Bucuvalas et al., 2008). As alterações nos parâmetros laboratoriais repercutem-se num conjunto de sinais e sintomas clínicos (ascite, prurido, edema, hemorragia, sonolência, alterações da memória, náuseas, vómitos…) que denominamos como indicadores qualitativos de sucesso.

 

Questões de investigação

Qual o estilo de gestão do regime terapêutico das pessoas submetidas a transplante de fígado? Qual o impacto do estilo de gestão do regime terapêutico na intensidade de alteração dos valores analíticos e nos indicadores qualitativos do sucesso?

 

Metodologia

Trata-se de um estudo quantitativo, transversal, descritivo e exploratório, em que a perspetiva dos participantes é um elemento central. Foi desenvolvido no centro de transplantação de fígado do Porto.

A recolha de dados foi efetuada com recurso ao formulário de caracterização do estilo de gestão do regime terapêutico desenvolvido por um conjunto de peritos (Bastos, Brito, & Pereira, 2014) da Escola Superior de Enfermagem do Porto. O instrumento de caracterização do estilo de gestão do regime terapêutico baseia-se na teoria explicativa sobre o estilo de gestão do regime terapêutico (Bastos, 2015).

O formulário está em processo de validação para o qual o presente estudo também contribui. O Alpha de Cronbach do instrumento é de 0,899. Está dividido em três partes: as duas primeiras são de autorrelato, em que a primeira parte visa perceber traços identitários e atitudes face à doença e ao regime terapêutico, a segunda parte visa compreender a perceção do comportamento face ao regime terapêutico e a terceira parte é a perceção que o enfermeiro tem acerca da forma como a pessoa gere o seu regime terapêutico e, portanto, lhe permite a caracterização do estilo de gestão do regime terapêutico. As variáveis do instrumento foram operacionalizadas numa escala de Likert que varia entre campos semânticos. A primeira parte do instrumento Questionário dos Traços Identitários e das Atitudes face à Doença e ao Regime Terapêutico utiliza uma escala de concordância semântica que varia entre 0 e 4 (Discordo totalmente – Concordo totalmente). A segunda e terceira parte do instrumento utiliza uma escala de frequência face a um determinado comportamento, variando entre 0 e 4 (Nunca - Sempre). O instrumento inclui ainda variáveis de caracterização sociodemográfica (idade, estado civil, anos de escolaridade e situação profissional), clínica (tempo de transplante, tempo de internamento e causa da doença do fígado) e dados sobejamente reconhecidos pela comunidade científica como medidas gerais do sucesso da transplantação (dados bioquímicos da função do fígado – recolhidos do processo clínico e um conjunto de sinais/sintomas que resultam das alterações da função do fígado).

A amostra do estudo é não probabilística e de conveniência. Participaram no estudo 150 dos 1095 clientes do centro de transplantação do Porto (que iniciou a sua atividade em 1995). A recolha de dados decorreu de janeiro a julho de 2014 e foram incluídos no estudo todos os participantes que aceitaram participar e que durante o período de colheita de dados se dirigiram ao hospital para consultas ou estavam internados no centro de transplantação do Porto.

Para a análise estatística foi utilizado o programa Statistical Package for the Social Sciences (SPSS) versão 22.0 e seguiu a mesma lógica usada no estudo de Meireles (2014) com o mesmo objeto de estudo. Assim, com base no conjunto de questões que caracterizam cada um dos estilos de gestão do regime terapêutico e as suas dimensões foi calculado o score médio de cada um dos estilos e dimensões para cada caso, passando assim cada participante a ter um novo score (compreendido entre 0 e 4).

Com os dados bioquímicos da função do fígado foi calculada a intensidade de alteração dos valores analíticos com recurso à recodificação das variáveis originais em novas variáveis (intermédias). A cada um dos parâmetros analíticos e, a cada caso, foi atribuído o valor 0 quando o parâmetro estava abaixo do normal, o valor 1 quando estava dentro da normalidade preconizada pelo centro de transplantação do Porto e o valor 2 quando estava acima do normal. A intensidade da alteração dos valores analíticos é igual à média, ignorando os nulos dos valores que compõe a nova variável.

Com a perceção de cada caso acerca do conjunto de sinais e sintomas indicativos de alteração da função hepática (prurido, ascite, edema…) foi calculada a intensidade dos indicadores qualitativos do sucesso. Cada uma das variáveis originais (prurido, ascite…) foi operacionalizada numa escala ordinal de frequência, que variava entre 1 (nunca) e 5 (sempre). O cálculo da intensidade dos indicadores qualitativos do sucesso foi efetuado com recurso à média, ignorando os nulos, dos itens que a compõe.

Os scores de cada um dos estilos de gestão do regime terapêutico foram correlacionados com as variáveis atributo e clínicas com recurso à correlação de Pearson.

A participação no estudo foi voluntária, garantido o anonimato e dada a possibilidade aos participantes de desistirem do estudo sem qualquer prejuízo. A realização do estudo foi autorizada pelo Conselho de Administração do Centro Hospitalar do Porto.

 

Resultados

Em relação à caracterização sociodemográfica dos participantes Tabela 1 verificou-se que estes são, na sua maioria, do sexo masculino (69,3%), com idade média de 51 (±11,59) anos, sendo que o participante mais jovem tinha 19 anos e o mais velho 74 anos de idade. A maioria dos participantes (76,7%) são casados ou vivem em união de facto. Quanto à escolaridade verificamos que 77,3% dos participantes frequentou apenas até 5 anos de escolaridade. No que se refere à situação profissional verificamos que 66,7% dos participantes não se encontram a exercer alguma atividade profissional.

Os participantes do estudo têm em média aproximadamente 4 anos (± 4,54) de transplante, variando entre participantes com menos de 1 ano e com no máximo 18 anos de transplante. Cinquenta por cento dos participantes do estudo têm 3 anos de transplante. A doença do fígado que mais conduziu ao transplante foi a cirrose de etiologia alcoólica (36%). O tempo médio de internamento foi de 30 (± 23,57) dias aquando da realização do transplante, permanecendo no internamento no mínimo 10 dias e no máximo 156 dias. Cinquenta por cento dos participantes permaneceram internados aquando do transplante 22 dias.

 

O estilo de gestão do regime terapêutico dos participantes é predominantemente do tipo responsável embora com uma grande percentagem de indefinidos. Foi possível apurar 77 participantes com um estilo de gestão do regime terapêutico predominantemente responsável, dos quais 22 apresentavam um estilo responsável puro. Emergiram, ainda assim, dois casos com predomínio negligente Tabela 2.

 

 

Com recurso ao coeficiente de correlação de Pearson (r) verificamos a correlação entre os estilos de gestão do regime terapêutico e as variáveis sociodemográficas e apenas verificamos correlação com significado estatístico com a idade e escolaridade.

Há uma correlação negativa e significativa entre o score responsável e a idade, r = -0,265, p < 0,001. Há uma correlação positiva e significativa entre o score formalmente guiado e a idade, r = 0,236, p = 0,004. Assim, à medida que a idade dos participantes avança menos características de responsabilidade são identificadas nos mesmos, enquanto se verifica o oposto face ao score do estilo formalmente guiado.

No que se refere à escolaridade verificamos que está positivamente associada com o score responsável, verificando-se uma correlação fraca positiva e significativa r = 0,292, p < 0,001; e negativa com o score formalmente guiado, r = -0,451, p < 0,001 e score negligente r = -0,172, p < 0,035. As pessoas com mais anos de escolaridade demonstram maior responsabilidade, são menos formalmente guiadas e menos negligentes.

Quando relacionamos os estilos de gestão do regime terapêutico com as duas dimensões basilares (controlo e flexibilidade) verificamos que as pessoas com scores mais elevados no perfil responsável apresentam maior controlo (r = 0,759, p < 0,001) e flexibilidade (r = 0,789, p < 0,001) mediante as situações. Quanto maior é o score no estilo formalmente guiado menor é o controlo (r = -0,749, p < 0,001) e flexibilidade (r = -0,349, p < 0,001); assim como, quanto maior é o score no estilo negligente menor é o controlo (r = -0,584, p < 0,001) e a flexibilidade (r = -0,757, p < 0,001); ou seja, maior é a tentação e rigidez. Não se observa correlação com significado estatístico com o estilo independente.

Como podemos ver na Tabela 3 verificou-se uma correlação positiva e significativa entre o score do estilo responsável e a capacidade de tomada de decisão, autodeterminação, a perceção de autoeficácia, atitude face à doença e ao regime e interação com os profissionais de saúde. Quanto maior é o score no estilo formalmente guiado menor é o score no locus de controlo interno, na capacidade de tomada de decisão, na perceção de autoeficácia, na atitude face à doença e na interação com os profissionais. O estilo independente correlaciona-se significativamente e de forma positiva com a capacidade de tomada de decisão. O estilo de gestão negligente correlaciona-se significativamente e de forma negativa com todas as sete variáveis.

Genericamente o estilo de gestão do regime terapêutico da pessoa submetida a transplante de fígado varia entre o estilo formalmente guiado, responsável e independente Figura 1. Apresentam scores médios mais elevados no estilo responsável (3,17), seguindo-se o independente com valores médios de 2,01, o formalmente guiado com 1,99 e o negligente com valores médios mais baixos (1,46).

No que se refere às propriedades basilares da gestão do regime terapêutico apresentam scores médios mais elevados na flexibilidade (2,94) e no controlo (2,79). O estilo de gestão do regime terapêutico responsável varia entre o controlo e a flexibilidade, marcado pelo conhecimento e competências da pessoa (Bastos, 2015).

Genericamente, as pessoas com um estilo de gestão do regime terapêutico formalmente guiado gerem o regime entre o controlo e rigidez, com maior tendência ao controlo. Estas pessoas alternam entre o locus de controlo externo e interno (Bastos, 2015). O locus de controlo externo destas pessoas está muito marcado pela procura/necessidade de suporte (familiar/social).

O estilo de gestão do regime terapêutico independente caracteriza-se pela sua postura diametralmente oposta ao formalmente guiado, oscilando entre a tentação e a flexibilidade. Estas pessoas caracterizam-se pelo seu elevado controlo sobre as situações (locus controlo interno) com uma presença constante da tentação (Bastos, 2015). Deste modo, o seu grau de cumprimento do regime terapêutico pode oscilar de enorme incumpridor (máximo de tentação), a alguns ajustes considerados pela pessoa como relevantes, assente na premissa que eu é que sei mas aproximando-se do responsável.

O estilo de gestão do regime terapêutico negligente surge num quadrante diametralmente oposto ao responsável oscilando entre a rigidez e tentação. Tem uma enorme dificuldade de envolvimento nas situações, pelo que não procuram informação, não demonstram disponibilidade para ouvir as orientações dos profissionais de saúde e, portanto não conseguem flexibilizar, não monitorizam a sua condição de saúde nem os resultados (Bastos, 2015).

Os participantes do estudo apresentam uma intensidade de alteração dos valores analíticos de 1,26 (0,50 - 1,75), o que significa que analiticamente estão bem. No que se refere à intensidade dos indicadores qualitativos, os participantes do estudo têm valores médios de 1,45 (1,00 - 2,62), o que nos indica uma baixa perceção desses indicadores.

Na correlação da intensidade de alteração dos valores analíticos com os scores dos estilos de gestão do regime terapêutico verificamos apenas uma correlação significativa e positiva com o score do estilo formalmente guiado (r = 0,162, p = 0,047).

No que se refere à correlação da intensidade dos indicadores qualitativos com os scores dos estilos de gestão do regime terapêutico verificamos que quanto maior é o score no estilo negligente maior é a perceção da intensidade dos indicadores qualitativos (r = 0,254, p = 0,003), assim como, quanto maior é o score no estilo formalmente guiado maior é a perceção da intensidade dos indicadores qualitativos (r = 0,172, p = 0,044).

 

Discussão

O elevado número de estilos indefinidos pode levar-nos a colocar algumas questões ao potencial de utilidade clínica do instrumento utilizado, contudo o objetivo do instrumento não é colocar um rótulo mas ser um instrumento que permite identificar onde se encontram as dificuldades da pessoa, sendo possível direcionar as intervenções para uma intencionalidade preditiva. O estilo de gestão do regime terapêutico distribui-se essencialmente entre o estilo tendencialmente responsável e o tipo indefinido o que se repercute num “Mix de características dos diferentes perfis teóricos” (Sequeira, 2011, p. 8). Contudo, verificamos que há um ligeiro predomínio de indivíduos com um estilo próximo ao responsável, que poderá relacionar-se com o facto de no pré-transplante de fígado estas pessoas para serem incluídas na lista de transplante terem que demonstrar uma atitude preditiva de maior responsabilidade em relação à sua vida, saúde e doença. Quando as pessoas não apresentam competências que vislumbrem a sua responsabilização podem ser perdidas durante o acompanhamento, e assim podem nem ser incluídas na lista para transplante e não serem transplantadas (Kazley, Hund, Simpson, Chavin, & Baliga, 2015). Por outro lado, como acima é referido, a principal causa da doença hepática tem etiologia alcoólica; os consumos excessivos ou dependências estão intimamente ligados a um estilo negligente. Contudo, admitimos que a gravidade percebida da doença e a consciencialização das consequências da manutenção de negligência face à condição de saúde inviabiliza o tratamento – transplante, colocando um grande dilema existencial. Os que avançam para o transplante devem ser frequentemente confrontados com a oposição entre o padrão de comportamento anterior – estilo – e o necessário para se manter saudável. Explicando, porventura, esta grande percentagem de pessoas com características mix.

A correlação negativa e significativa verificada entre o score do estilo responsável e a idade poder-se-á relacionar com o facto de em idade mais avançada haver necessidade de validação das atitudes e portanto, a pessoa tender a ser mais formalmente guiada, além disso há uma variável que pode mediar este resultado, a escolaridade, sabendo-se que tende a ser menor com a idade. As pessoas com maior nível de escolaridade tendem a ser mais responsáveis e menos formalmente guiadas ou negligentes, dever-se-á muito provavelmente ao facto destas pessoas terem uma maior capacidade de tomar de decisões. Níveis mais elevados de escolaridade podem influenciar uma maior literacia em saúde.

A literacia em saúde desempenha um papel fundamental no processo de transplante (Kazley et al., 2015), e tem como indicadores o conhecimento sobre a saúde, os comportamentos de procura de saúde e o processo de tomada de decisão (Omachi, Sarkar, Yelin, Blanc, & Katz, 2013). Dada a proximidade dos indicadores da literacia em saúde com os critérios caracterizadores do estilo de gestão do regime terapêutico responsável, pode-se inferir que as pessoas com um estilo responsável têm maior literacia em saúde.

Pessoas com estilo de gestão do regime terapêutico negligente apresentam, pelas suas características, poucos conhecimentos sobre a sua saúde, não apresentam comportamentos de procura de saúde e têm dificuldade na tomada de decisão.

Os participantes do estudo caracterizam-se genericamente por elevado nível de controlo e, portanto pela atitude de controlo da gestão do seu regime terapêutico e pelo seu bem-estar, não dando lugar à atitude de cair em tentação. Além disso, predomina a flexibilidade pelos ajustes que fazem na gestão do seu regime terapêutico quer por sua autoiniciativa, quer por sugestão dos profissionais de saúde.

A correlação positiva e forte verificada entre as propriedades basilares da gestão do regime terapêutico (controlo e flexibilidade) e o estilo responsável confirmam a teoria explicativa sobre o estilo de gestão do regime terapêutico (Bastos, 2015), uma vez que “o estilo responsável é caraterizado por um grande controlo da situação, o que lhe permite uma maior flexibilidade do regime terapêutico, baseada no conhecimento e nas competências da pessoa (empowerment)” (Bastos, 2015, p. 139). Estas pessoas pelo seu nível de envolvimento com a sua situação de saúde/doença têm uma maior necessidade de procurar informação acerca da sua condição clínica e, na interação com os profissionais de saúde privilegiam a cooperação, considerando a interação positiva. Ainda alicerçados nestas premissas apresentam uma elevada capacidade de tomada de decisão.

As pessoas com um estilo de gestão do regime terapêutico formalmente guiado apresentam uma menor flexibilidade na gestão do seu regime terapêutico uma vez que “Este quadro não permite flexibilidade do regime terapêutico, pelo contrário é um regime restritivo baseado, sobretudo, em comportamentos proibitivos” (Bastos, 2015, p. 299). A sua fraca capacidade de decisão, baixa perceção de autoeficácia e o locus de controlo externo, levam a que tenham necessidade de grande suporte social, familiar ou profissional. Ao contrário do que nos descreve a teoria explicativa dos estilos de gestão do regime terapêutico (Bastos, 2015) relativamente à interação com os profissionais de saúde ser boa e marcada pela confiança, neste contexto consideram haver uma menor qualidade na interação com os profissionais de saúde. Este resultado poder-se-á relacionar com o facto de estes clientes encontrarem na família a sua grande fonte de suporte, ou por serem mais exigentes nesta relação.

Quanto maior é o score no estilo de gestão do regime terapêutico negligente menor é o score no controlo, o que revela a presença de um locus de controlo externo, pelo que os acontecimentos de saúde/doença decorrem de fatores fora do seu controlo. Apresentam também uma correlação significativa e negativa com a flexibilidade, e portanto, com uma fraca capacidade de adaptação a novas situações. “A interação com os profissionais de saúde é do tipo procura/fuga” (Bastos, 2015, p. 297), dando lugar a ambiguidade de querer e não querer ser acompanhado, o que justifica a correlação negativa e significativa com o estilo negligente. Têm baixa perceção da autoeficácia e uma fraca capacidade de tomada de decisão.

A identificação dos estilos de gestão do regime sugere-nos que as pessoas submetidas a transplante de fígado apresentam características particulares e com necessidades de intervenção diferenciadas, apesar de genericamente demonstrarem um fraco impacto na intensidade de alteração dos valores analíticos e indicadores qualitativos.

As pessoas com um estilo de gestão do regime terapêutico tendencialmente formalmente guiado têm uma maior intensidade de alteração dos valores analíticos e maior perceção de alteração nos qualitativos o que nos pode indiciar na necessidade de aumento da intensidade de acompanhamento destas pessoas.

Também ficou claro que as pessoas que têm um estilo predominantemente do tipo negligente têm uma maior perceção dos sinais e sintomas da doença, o que se pode relacionar com visão mais negativa da sua condição de saúde. Apesar destas pessoas apenas representarem uma pequena percentagem das pessoas submetidas a transplante de fígado, podem representar uma parte significativa dos casos de insucesso, pelo que parece ser adequada a sua incorporação em programas de gestão de casos que visem a melhoria da qualidade de vida e a diminuição dos custos em saúde. Por outro lado, abre a possibilidade de alguns dos casos, que à priori seriam excluídos da hipótese de transplante, possam vir a ser incorporados em lista, desde que este tipo de acompanhamento seja possível de ser disponibilizado.

As limitações ao estudo centram-se essencialmente no tamanho e no tipo de amostragem não aleatória e, portanto, apresentar limitações quanto à representatividade do universo das pessoas submetidas a transplante de fígado; e ainda, o facto do instrumento utilizado estar em processo de validação.

 

Conclusão

O estilo de gestão do regime terapêutico das pessoas submetidas a transplante hepático é predominantemente do tipo responsável. Nestas pessoas predomina a sua capacidade de controlo e flexibilidade nas situações, a sua capacidade de tomada de decisão, de autodeterminação e de autoeficácia. Apresentam uma boa atitude face à doença e ao regime, e uma boa interação com os profissionais de saúde. As pessoas com um estilo formalmente guiado caracterizam-se por um locus de controlo externo, uma fraca capacidade de tomada de decisão, o que não lhes permite flexibilização mediante novas situações tendo em vista a adaptação. Há uma menor qualidade na interação com os profissionais de saúde. Estas pessoas caracterizam-se ainda por uma maior intensidade de alteração dos valores analíticos e maior perceção dos indicadores qualitativos do sucesso. As pessoas com estilo independente nesta amostra de doentes caracterizam-se pela sua capacidade de tomada de decisão. O estilo negligente caracteriza-se pelo abandono de todas orientações dos profissionais de saúde e por uma maior perceção dos indicadores qualitativos do sucesso. Com o reconhecimento dos profissionais de saúde dos estilos de gestão do regime terapêutico será possível a implementação de terapêuticas de enfermagem adequadas às reais necessidades das pessoas submetidas a transplante. Em termos de desenvolvimentos futuros interessa aumentar o potencial de utilidade clínica do instrumento de caracterização dos estilos de gestão do regime terapêutico, desenvolvendo conhecimento que permita uma maior da descriminação da ação dos enfermeiros sobre as características pessoais. Avançar com um programa de acompanhamento (case management) às pessoas especialmente vulneráveis com base nos seus estilos de gestão do regime terapêutico, sendo interessante estudar se pessoas com um estilo menos favorável à responsabilidade, com uma maior intensidade de acompanhamento podem modificar o seu próprio estilo tornando-se menos vulneráveis.

 

Referências Bibliográficas

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Recebido para publicação em: 23.01.17

Aceite para publicação em: 14.05.17

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