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Revista de Enfermagem Referência

Print version ISSN 0874-0283

Rev. Enf. Ref. vol.serIV no.12 Coimbra Mar. 2017

https://doi.org/10.12707/RIV16070 

ARTIGO DE INVESTIGAÇÃ0 (ORIGINAL)

 

Validação para a população portuguesa da Escala de Observação de Competências Precoces na Alimentação Oral

Validation of the Early Feeding Skills Assessment Scale for the Portuguese population

Validación para la población portuguesa de la Escala de Observación de las Habilidades Tempranas en la Alimentación Oral

 

Maria Alice dos Santos Curado*; Joâo P. Maroco**; Thereza Vasconcellos***; Lígia Marques Gouveia****; Suzanne Thoyre*****

* Ph.D., Professor Coordenador, Escola Superior de Enfermagem de Lisboa, 1600-190, Lisboa, Portugal [acurado@esel.pt]. Contribuição no artigo: revisão da literatura para identificação da escala a validar; desenvolvimento do projeto de investigação; planeamento dos workshops para formação dos profissionais de saúde; revisão da literatura de suporte à escala; coordenação da recolha de dados; escrita do artigo; análise de dados. Morada para correspondência: Avenida Professor Egas Moniz, 1600-190, Lisboa, Portugal.

** Ph.D., Professor Associado, Ciências Psicológicas, Instituto Universitário de Ciências Psicológicas, Sociais e da Vida, 1149-041, Lisboa, Portugal [jpmaroco@ispa.pt]. Contribuição no artigo: desenvolvimento do projeto de investigação; planeamento dos workshops para formação dos profissionais de saúde; análise de dados; revisão do artigo em português.

*** Msc., Saúde Infantil e pediatria, Enfermeira Chefe, Unidade de Neonatologia, Centro Hospitalar de Lisboa Ocidental, Hospital S. Francisco Xavier, 1495-005, Lisboa, Portugal [thereza.vasconcellos@gmail.com].Contribuição no artigo: revisão da literatura para identificação da escala a validar; desenvolvimento do projeto de investigação; planeamento dos workshops para formação dos profissionais de saúde; revisão da literatura de suporte à escala; coordenação da recolha de dados; escrita do artigo.

**** RN., Neonatologia. Enfermeira, Centro Hospitalar de Lisboa Ocidental, Hospital S. Francisco Xavier, 1495-005, Lisboa, Portugal [ligiamarquesgouveia@gmail.com]. Contribuição no artigo: desenvolvimento do projeto de investigação; planeamento dos workshops para formação dos profissionais de saúde; revisão da literatura de suporte à escala; coordenação da recolha de dados; escrita do artigo.

***** Ph.D., Professor, University of North Carolina at Chapel Hill, 08 Carrington Hall, CB 7460, Chapel Hill, NC 27599-7460, USA [thoyre@email.unc.edu]. Contribuição no artigo: desenvolvimento do projeto de investigação; planeamento dos workshops para formação dos profissionais de saúde; revisão da literatura de suporte à escala; revisão do inglês pós-tradução.

 

RESUMO

Enquadramento: A introdução da alimentação oral (mama/tetina) no recém-nascido (RN) pré-termo baseia-se no peso, idade gestacional, estabilidade fisiológica e estado de saúde. É evidente que a avaliação através destes pressupostos tem sido uma mais-valia, porém nem sempre responde às necessidades individuais do RN. Existem instrumentos que permitem avaliar o momento adequado para o início da alimentação bem como o desempenho da criança durante o processo.

Objetivos: Fazer a adaptação cultural e a avaliação das qualidades psicométrica da Early Feeding Skills Assessment Scale, versão modificada (EFS-VM).

Metodologia: Estudo quantitativo, numa amostra de 698 RN, idade gestacional ≥24 e <37. A validade fatorial do modelo e a fiabilidade foi avaliada com uma análise fatorial confirmatória e o alfa de Cronbach.

Resultados: A EFS-VM apresentou uma adequada validade fatorial, ([χ2(186)=913,206; p<0,001; n=698; χ2/df=4,91; CFI=0,903; TLI=0,890; RMSEA=0,075; P[rmsea≤0,05]<0,001).

Conclusões: EFS-VM é um instrumento sensível, válido e fiável para observar as competências precoces do RN durante o processo de alimentação, facilitao ajustamento do plano de cuidados e permite desenvolver intervenções em parceria com as famílias.

Palavras-chave: estudos de validação; recém-nascido; aleitamento materno; alimentação artificial

 

ABSTRACT

Background: The decision to introduce oral feeding (breast/bottle-feeding) in preterm infants is based on their weight, gestational age, physiological stability, and health status. Although the assessment based on these assumptions has been a clear asset, it has not always met preterm infants' individual needs. Some instruments allow determining the adequate moment to begin oral feeding as well as monitoring the infant during this process.

Objectives: To perform the cultural adaptation and psychometric validation of the Early Feeding Skills Assessment, modified version (Early Feeding Skills Assessment, versão modificada - EFS-VM).

Methodology: Quantitative study with a sample of 698 newborns with a gestational age ≥24 and <37. Confirmatory factor analysis and Cronbach's alpha were used to assess the factorial validity and reliability of the model.

Results: The EFS-VM presented adequate factorial validity, ([χ2(186)=913.206; p<.001, n=698; χ2/df=4.91; CFI=.903; TLI=.890; RMSEA=.075; P[rmsea≤.05]<.001).

Conclusion: EFS-VM is a sensitive, valid, and reliable tool to observe newborns' early feeding skills;it facilitates the adjustment of the care plan, and allows developing interventions in partnership with families.

Keywords: validation studies; infant, newborn; breastfeeding; bottle-feeding

 

RESUMEN

Marco contextual: La introducción de la alimentación oral (pecho/tetina) en los recién nacidos (RN) prematuros se basa en el peso, la edad gestacional, la estabilidad fisiológica y el estado de salud. La evaluación a través de estos parámetros resulta muy útil, pero no siempre responde a las necesidades de cada RN. Existen herramientas para determinar el momento adecuado para comenzar con la alimentación oral, así como el rendimiento del niño.

Objetivos: Realizar la adaptación cultural y evaluación de las cualidades psicométricas de la Early Feeding Skills Assessment versión modificada(EFS-VM).

Metodología: Estudio cuantitativo en una muestra de 698 RN, edad gestacional ≥24 y <37. La validez factorial del modelo y la fiabilidad se evaluó con un análisis factorial confirmatorio y el alfa de Cronbach.

Resultados: La EFS-VM presenta una adecuada validez factorial, ([χ2(186)=913,206; p<0,001; n = 698; χ2/df=4,91; CFI=0,903; TLI=0,890; RMSEA=0,075; P[rmsea≤0,05]<0,001).

Conclusión: la EFS-VM es una herramienta sensible, válida y fiable para observar las competencias precoces del RN durante la alimentación oral, facilita el ajuste del plan de atención y permite intervenir en colaboración con las familias.

Palabras clave: estudios de validación; recién nacido; lactancia materna; alimentación artificial

 

Introdução

A alimentação oral (e.g., mama ou tetina) é uma das intervenções mais complexas nos cuidados ao recém-nascido (RN) e mais especificamente ao RN pré-termo e, nem sempre é reconhecida, como tal, pelos membros da equipa de saúde. Esta intervenção, apesar de requerer enfermeiros experientes, é muitas vezes delegada nos menos experientes, considerada como um ato instintivo entre a criança e o cuidador. Na prática, quando a alimentação não se faz com sucesso, considera-se que a falha é da criança, estendendo-se este preconceito, muitas vezes, aos pais que devem ser naturalmente competentes nesta área de cuidados. Muitas mães avaliam a sua capacidade parental através das competências para alimentar o recém-nascido com sucesso e/ou pelo aumento de peso diário que a criança vai adquirindo, sendo uma das questões mais frequentes, feitas pela família, quando chega à unidade de cuidados intensivos neonatais (UCINs), saber se o filho aumentou de peso. McGrath (2014) enfatiza os cuidados centrados na família no sentido de os profissionais de saúde promoverem o papel parental pela via da criação de oportunidades para os pais usarem as habilidades e competências adquiridas e desenvolverem novas competências, consoante as necessidades do recém-nascido. Só com o reconhecimento e respeito pelas capacidades da família, os profissionais de saúde conseguem estabelecer uma verdadeira parceria de cuidados.

O ambiente das UCINs não é facilitador da vinculação, nem do desenvolvimento da parentalidade, nem é o mais adequado para o desenvolvimento destas crianças, por isso torna-se prioritário para a equipa de saúde, desenvolver estratégias de intervenção que diminuam o número de dias de internamento, sendo uma das mais importantes para a autonomia alimentar.

A intervenção do enfermeiro na introdução da alimentação oral do RN pré-termo torna-se então uma das intervenções mais complexas dos cuidados neonatais. A alimentação tem que estar assente em protocolos bem definidos, suportados por instrumentos de avaliação estruturados que complementem outro tipo de observação deste processo. Importa por isso usar instrumentos que facilitem uma avaliação objetiva das competências da criança pré-termo durante todo o processo de alimentação (e.g., mama ou tetina), em todas as refeições, pois o sucesso da alimentação oral vai influenciar de forma positiva o desenvolvimento e crescimento da criança e família a curto e a longo prazo. A problemática apresentada levou à realização de uma pesquisa para identificar um instrumento que depois de validado, permitisse medir as competências precoces orais do neonato. Após a pesquisa, a decisão recaiu sobre a Early Feeding Skills Assessment Scale (EFS; Thoyre, 2003; Thoyre, Shaker, & Pridham, 2005, 2010), por ser um instrumento que possibilitava avaliar as competências precoces na alimentação oral e simultaneamente indicava medidas de suporte à alimentação.

Este estudo teve como objetivo fazer a adaptação cultural e a avaliação das qualidades psicométricas da EFS-VM.

 

Enquadramento

O recém-nascido pré-termo, pelas suas características fisiológicas (e.g., imaturidade, instabilidade em manter a termorregulação, hipotonia muscular, alterações respiratórias e circulatórias) e comportamentais (e.g., irritabilidade, hiperatividade, manter um alerta calmo), apresenta na maioria das vezes dificuldades no estabelecimento da alimentação oral. A decisão da introdução da alimentação oral (e.g., mama ou tetina) no recém-nascido pré-termo não é uma intervenção fácil e, como tal, deve basear-se na “avaliação da maturação, do desenvolvimento da criança, do peso, nível de atividade, condição respiratória (ausência de apneia e níveis de saturação de oxigénio adequados), e capacidades de sucção.” (Askin & Wilson, 2014, p. 345). Thoyre et al. (2005, 2010) salientam ainda, a coordenação da sucção e deglutição com a respiração; o interesse da criança pela mamada; as competências comportamentais e, organizacionais (e.g., alerta calmo) como fatores decisivos e facilitadores de uma transição segura e do sucesso na alimentação oral.

A sucção e a deglutição desenvolvem-se no útero materno e a sua maturação dá-se no terceiro trimestre. A sucção é uma ação rítmica da língua e do maxilar que faz com que haja uma saída de leite através da tetina ou do mamilo materno, relacionada com uma mudança da pressão intra-oral (Kenner & McGrath, 2004). O ato de puxar e empurrar inclui uma pressão negativa (sucção) e outra positiva (compressão). A pressão positiva cria uma compressão rítmica do mamilo entre a língua e o palato, que empurra o leite para fora do mamilo/tetina e para dentro da cavidade oral. A pressão negativa ou sucção é gerada através de contrações rítmicas dos músculos das mandíbulas e dos movimentos da língua (Lau, 2012). A sucção não nutritiva só começa a emergir por volta das 26 semanas, mas o padrão rítmico de sucção só está bem definido entre as 32 e as 34 semanas. Assim se for implementada sucção não nutritiva, facilita-se e acelera-se a maturação do reflexo de sucção (Pinneli & Symington, 2005) o que influencia a capacidade de alimentação e consequentemente o aumento de peso diário (Harding, 2009). A deglutição é uma atividade motora complexa e tem a função de transportar alimentos e líquidos da boca para o estômago enquanto previne simultaneamente a aspiração do leite para a traqueia e para os pulmões. O reflexo de deglutição está completamente funcional por volta das 34 semanas, assim como o reflexo de engasgamento (Kenner & McGrath, 2004; Lau, 2012; Thoyre et al., 2010). Porém uma deglutição ineficaz também pode estar relacionada com disfunções faríngeo esofágicas, caracterizada por diminuição do tónus muscular e relaxamento do esfíncter esofágico (Jadcherla et al., 2009). A respiração é um processo autónomo que raramente se reconhece, exceto quando há um grande esforço respiratório. A imaturidade do sistema respiratório do recém-nascido pré-termo dificulta a mecânica respiratória aumentando a irregularidade dos ciclos respiratórios, o que facilita o aumento do risco de aspiração e risco de apneia. Estes riscos podem aumentar perante situações de patologia respiratória, nomeadamente a displasia bronco-pulmonar (Vice & Gewolb, 2008). Assim, pode dizer-se que após a aquisição da estabilidade respiratória, a aquisição das competências para a autonomia alimentar é prioritária, pois sem esta, a criança prematura não pode ter alta hospitalar.

A coordenação da sucção, deglutição e respiração é talvez a tarefa mais complexa que a criança tem que aprender durante o período da infância. Alguns autores consideram que todos os seus componentes fisiológicos estão presentes às 28 semanas, na sua maioria imaturos. O reflexo de sucção está bem desenvolvido entre as 28 e as 30 semanas, mas a criança cansa-se facilmente. A sucção não nutritiva pode estar presente às 26 semanas, porém o reflexo de deglutição só está completamente funcional às 34 semanas, embora nem sempre esteja desenvolvido um padrão rítmico (Thoyre et al., 2010). Para McGrath, Medoff-Cooper, Hardy, e Darcy (2010), a coordenação da sucção, deglutição e respiração pode surgir entre as 32 e as 34 semanas, por curtos períodos, não sendo suficiente para a criança conseguir fazer a alimentação oral na totalidade. Para os autores esta só deve ser considerada matura após as 36-38 semanas. Para além de todos os aspetos referidos, o profissional de saúde e especificamente o enfermeiro deve também saber identificar sinais de maturação neuro-comportamental para se poder iniciar a alimentação oral, seja ela por tetina ou mama. Kenner e McGrath(2004) consideram que segundo a teoria sinativa de Als existe maturação neuro-comportamental quando a criança apresenta: mais de 32 semanas de gestação; respiração maioritariamente regular (40 a 60 ciclos/minuto); mudança de estádios suaves; estabilidade comportamental (sem sinais de stress, em estádio de alerta e atento); sinais de fome (acorda para se alimentar, leva as mãos à boca e, tem reflexos dos pontos cardeais positivos) e capacidade para gerir o ambiente envolvente. Ao nível do desenvolvimento motor, deve apresentar um tónus muscular regular ou forte, manter a posição de flexão e um desenvolvimento oro-motor com um bom tónus facial sem despender demasiada energia.

A investigação desenvolvida por Susan Thoyre e colegas ao longo dos anos tem vindo a reportar a importância de a criança ser capaz de regular a saturação do oxigénio, manter o estádio de alerta calmo e manter o padrão de sucção e deglutição para conseguir alimentar-se, o que vai ao encontro do que se observa na prática de cuidados. Esta escala foi projetada para avaliar as competências para a alimentação do recém-nascido prematuro, desde o nascimento até às 52 semanas de idade pós-concecional (Thoyre et al., 2010).

 

Questão de Investigação

Em que medida a EFS-VM, revela qualidades psicométricas adequadas para fazer a avaliação das competências precoces na alimentação oral do recém-nascido pré-termo?

 

Metodologia

A tradução e adaptação da escala para o contexto cultural e língua portuguesa tiveram a autorização da autora Susan Thoyre. A tradução da versão original inglesa para português foi elaborada por três tradutores (portugueses, bilingues, com conhecimentos na área de estudo e da saúde), originando três versões da escala, as quais foram sujeitas a retroversão por três tradutores (de origem inglesa). Após análise das três versões fez-se o ajuste do instrumento e com a colaboração da autora foi feita a equivalência semântica dos itens. Num passo seguinte fez-se a submissão a um grupo de peritos (enfermeiros e médicos com experiencia em neonatologia) para validação facial e a aplicação da EFS a um grupo de crianças com características semelhantes às da população sob estudo.

O início da validação da escala começou com o pré-teste de validade e reprodutibilidade de conteúdo, realizado em duas unidades de neonatologia de dois Hospitais da área de Lisboa, com uma amostra de 30 observações de recém-nascidos. Depois do pré-teste iniciou-se a colheita de dados para a validação da EFS. O procedimento relativo à aplicação da escala nas unidades de neonatologia, exigiu formação dos profissionais de saúde que iriam participar na colheita de dados (período de 2009 a 2011). A colheita de dados decorreu durante 19 meses e foi suportado pela criação de um site no Google Docs, onde os profissionais que estavam a participar no estudo, inseriam os dados mediante uma password específica.

A análise das respostas aos itens da EFS, permitiu verificar que não havia dados omissos, com uma percentagem de zero de itens preenchidos (não respostas), o que permitiu dizer que os itens da EFS eram claros e estavam culturalmente adequados e adaptados. O processo de investigação respeitou os princípios ético-legais, sendo aprovado pelos concelhos de administração e comissões de ética dos hospitais envolvidos no estudo e pelos tutores legais das crianças observadas.

 

Amostra

A dimensão da amostra foi de 698 observações (a mesma amostra utilizada no estudo inicial) de recém-nascidos alimentados por tetina, com idade gestacional ≥ 24 e < 37 semanas, peso compreendido entre 1.210 e 4.706 gramas e um peso médio de 2.082 gramas. Os participantes no estudo foram selecionados por amostragem não aleatória casual (Marôco, 2014a), o que pode originar algum enviesamento e como tal, requer cuidado na generalização das conclusões obtidas na amostra para a população. Foram excluídos do estudo os recém-nascidos com hemorragias intraventriculares, malformações do sistema nervoso central e orofaciais, cromossomopatias e displasias pulmonares. A dimensão da amostra foi considerada apropriada para o tipo de análise de dados a utilizar, com um rácio superior a 20 participantes por item da escala (Curado, Teles, & Marôco, 2014; Hair, Black, Babin, Anderson, & Tatham, 2006; Kahn, 2006; Marôco, 2014b;).

 

Instrumento

A EFS permite fazer uma observação geral e uma observação específica do recém-nascido ao longo de todo o processo de alimentação. Imediatamente antes de iniciar a alimentação avalia-se a postura, o estado de alerta, a tonicidade e a linha basal de saturação de oxigénio; e 5 minutos após terminar a alimentação observa-se a tolerância alimentar (observação geral). A observação específica, é suportada por um grupo de 28 itens com uma escala de medida ordinal com 3 pontos, distribuídos por quatro dimensões (Thoyre et al., 2010): Capacidade de se manter interessado na alimentação (CMIA), com três itens; Capacidade para organizar o funcionamento oro-motor (COFO), com sete itens; Capacidade para coordenar a deglutição (CCD), com seis itens; e a Capacidade para manter a estabilidade fisiológica (CMEF), com 12 itens. Numa primeira fase do estudo (que decorreu entre 2012-2014) o modelo fatorial da EFS composto por quatro dimensões (fatores) e 28 itens, ajustado à amostra de 698 observações de recém-nascidos, apresentou valores de qualidade de ajustamento sofríveis (χ2/df = 23,854; CFI = 0,890; TLI = 0,879, RMSEA = 0,082, P(RMSEA ≤ 0,05), pelo que se realizou a refinação do modelo inicial de acordo com índices de modificação obtidos com o Mplus. Retiraram-se os itens 1, 2, 3 da dimensão um (que deixou de integrar a escala) e que avaliava a capacidade do recém-nascido se manter interessado na mamada (composta por três itens); o item 14 da dimensão Capacidade em coordenar a deglutição com seis itens (que passou a ser constituída por cinco itens) e os itens 27 e 28 da dimensão Capacidade em manter a estabilidade fisiológica com 12 itens (que passou a ser constituída por 10 itens), por apresentaram problemas de sensibilidade, com valores elevados dos coeficientes de assimetria e curtose (|g1| > 3 e |g2| > 7) e pesos fatoriais baixos ( > 0,210 e < 0,40), passando a escala modificada (EFS-VM) a ter 22 itens.

A EFS-VM, é constituída por três dimensões: Capacidade para organizar o funcionamento oro-motor (COFO), com sete itens; Capacidade para coordenar a deglutição (CCD), com cinco itens; e a Capacidade para manter a estabilidade fisiológica (CMEF), com 10 itens (Tabelas 1, 2 e 3). A dimensão COFO reflete a maturação das estruturas envolvidas na alimentação e a capacidade neurológica para as coordenar (Tabela 1).

A dimensão CCD permite verificar a coordenação entre deglutição, sucção e respiração e se esta é feita de forma tranquila e segura permitindo a passagem de ar suficiente para manter a homeostasia fisiológica entre as deglutições (momento de apneia e as cordas vocais encerram até à sua conclusão; Tabela 2).

A dimensão CMEF permite avaliar sinais fisiológicos como: a coloração da pele, a saturação de oxigénio, a frequência respiratória e cardíaca e também os surtos de sucção (conjunto de sucções seguidas entre cada respiração; Tabela 3).

 

Procedimentos

A análise de dados para avaliação das qualidades psicométricas da EFS-VM foi feita com recurso ao Software IBM® SPSS® (v. 20, SPSS An IBM Company, Chicago, IL) e ao software Mplus (v.6; Muthén & Muthén, Los Angeles, CA). A sensibilidade dos itens foi avaliada com recurso aos coeficientes de assimetria (g1) e achatamento (g2), considerando-se que os itens com valores compreendidos entre o máximo e mínimo da escala de medida e com valores absolutos de assimetria e curtose baixos (g1 < 3 e g2 < 7 respetivamente; Kline, 2004; Marôco, 2014b), apresentam sensibilidade psicométrica, ou seja, têm capacidade para descriminar indivíduos estruturalmente diferentes (Marôco, 2014b). A validade de construto foi avaliada com recurso à validade fatorial e convergente, usando para tal, a análise fatorial confirmatória, com estimação robust weighted least squares (RWLS) para variáveis ordinais como implementado no software Mplus. Para que o modelo seja considerado válido, considerou-se que todos os itens da EFS deveriam apresentar pesos fatoriais superiores ao valor de referência (0,40). A validade fatorial do modelo foi avaliada com uma análise fatorial confirmatória, usando como índices empíricos da qualidade do ajustamento do modelo da EFS: Estatística do Teste de Qui-quadrado de ajustamento (χ2/df) inferior a 5, Comparative Fit Index (CFI), Goodness of Fit Index (GFI) e Tucker-Lewis Index (TLI) superiores a 0,90 e Root Means Square Error of Approximation (RMSEA) inferior a 0,05. A fiabilidade das dimensões (fatores) da EFS foi estimada a partir da medida de consistência interna alfa de Cronbach nas três dimensões. A estimativa da fiabilidade foi baseada nas correlações médias entre os itens da EFS, ponderadas pelas respetivas variâncias, considerando-se a fiabilidade aceitável se α ≥ 0,70. Considerou-se também uma fiabilidade compósita (FC) ≥ 0,70 e uma variância extraída média (VEM) ≥ 0,50 como indicadores de validade convergente. Relativamente, à validade discriminante dos fatores, considerou-se que esta estava presente para os fatores cuja VEM era superior ao quadrado da correlação entre fatores (Marôco, 2014b; Marôco & Garcia-Marques, 2006).

 

Resultados

As qualidades psicométricas da EFS-VM foram avaliadas através da estimativa da sensibilidade, validade e fiabilidade dos itens, das três dimensões da escala, numa amostra de recém-nascidos pré-termo. Um item diz-se com elevada sensibilidade quando consegue discriminar os indivíduos que avalia, estruturalmente diferentes; o que pode ser avaliado através das medidas descritivas. Na Tabela 4 apresentam-se as estatísticas dos itens da EFS-VM: valores das medianas, máximos, mínimos, medidas de forma (g1 e g2) e respetivos rácios críticos, que permitem considerar que na sua globalidade, os itens da EFS-VM são sensíveis. Apenas os itens 17 e 18 apresentam alguns problemas de sensibilidade, possivelmente por serem itens de mais difícil observação pelos profissionais (identificação de sons respiratórios).

Na Tabela 5 são apresentados os pesos fatoriais de cada dimensão da EFS-VM e o alfa de Cronbach (α) por dimensão.

A consistência interna das dimensões COFO (com sete itens) e a CMEF (com 10 itens) apresentam valores de alfa de Cronbach mais elevados do que a dimensão CCD (com cinco itens) o que pode estar relacionado com o menor número de itens nesta dimensão.

FC nas três dimensões é FCCOFO = 0,953; FCCCD = 0,861 e FCCMEF = 0,951 e a validade convergente, estimada pela VME é VMECOFO = 0,745; VMECCD = 0,561 e VMECMEF = 0,661, com todos os resultados superiores aos de referência.

As correlações entre as três dimensões são de média magnitude como se pode verificar na Tabela 6. Na Figura 1, apresenta-se o modelo com três fatores da EFS-VM com os respetivos pesos fatoriais e índices de qualidade de ajustamento que suportam as dimensões (fatores) da escala.

 

 

Discussão

Numa primeira fase da validação da escala o modelo fatorial da EFS composto por quatro dimensões e ajustado à mesma amostra de 698 observações, apresentou valores de qualidade de ajustamentos sofríveis (χ2/df = 23,854; CFI = 0,890; TLI = 0,879, RMSEA = 0,082, P(RMSEA ≤ 0,05), pelo que se realizou a refinação do modelo inicial. O novo modelo factorial da versão modoficada apresenta resultados mais aceitáveis. Os itens da EFS-VM apresentam na globalidade uma boa sensibilidade, com exceção para os itens 17 e 18 com valores de assimetria elevados. Apesar disso, como apresentam pesos fatoriais > 0,40 e uma consistência interna, da dimensão CMEF (que inclui os dois itens), com um alfa de Cronbach bom (α = 0,818)e, a escala na sua globalidade apresenta um α = 0,856, optou-se por os manter estes itens na escala, pois na prática poderão estar relacionados com a sua observação. A fiabilidade das trêsdimensões da EFS-VM estimada alfa de Cronbach é aceitável nas dimensões COFO e CCD a boa na dimensão CMEF (Hill & Hill, 2009; Marôco, 2014b). As dimensões COFO e CCD apresentam valores de alfa estandardizado menores, mas ainda assim aceitáveis (α = 0,795;α = 0,655, respetivamente) e a dimensão CMEF com um alfa estandardizado mais elevado (α = 0,818). Na sua totalidade, a escala apresenta uma boa consistência interna com um alfa estandardizado superior a 0,80 (α = 0,856). A FC estima a consistência interna dos itens reflexivos do construto indicando o grau em que os itens são manifestações do fator latente, considerando-se valores superiores a 0,70 como um bom indicador de fiabilidade o que se verifica com a EFS-VM

(FCCOFO=0,953; FCCCD=0,861 e FCCMEF=0,951). A validade convergente dos trêsfatores foi estimada pela VME, cujos resultados (VMECOFO=0,745; VMECCD=0,561 e VMECMEF=0,661) são superiores ao valor de referência (VME ≥ 0,50), pelo que são considerados como adequados para este tipo de estudos (Marôco, 2014b).

As três dimensões da escala apresentam-se positivamente correlacionadas, com correlações de baixa a média intensidade e são estatisticamente significativas (p < 0,001). Contudo, o quadrado das correlações entre fatores é inferior às VEM de cada fator demonstrando a validade discriminante dos três fatores, isto é, pois apesar de correlacionados, medem facetas diferentes da capacidade precoce de alimentação dos recém-nascidos.O ajustamento do modelo trifatorial da EFS-VM é aceitável, com pesos fatoriais superiores ao valor de referência (0,40) e índices de qualidade de ajustamento a suportar a estrutura das três dimensões da escala, versão modificada COFO (cincoitens), CCD (seteitens) e CMEF (10 itens); ([χ2(186) = 913,206; p < 0,001; n = 698; χ2/df = 4,91; CFI = 0,903; TLI = 0,890; RMSEA = 0,075, P[rmsea ≤ 0,05] < 0,001; Figura 1), o que permite dizer que esta escala apresenta uma adequada validade fatorial, sensibilidade e fiabilidade na amostra de recém-nascidos pré-termo portugueses. A dimensão eliminada na primeira fase de validação do modelo traduzia, sobretudo, o estádio de permanência de alerta do recém-nascido e a sua energia para mamar, o que está implicitamente incluído nas outras dimensões e na prática não se reflete na avaliação das competências precoces para a alimentação oral destas crianças.

 

Conclusão

A EFS-VM ao permitir uma observação geral da criança e uma observação específica mais sistematizada das competências precoces do recém-nascido pré-termo para a alimentação oral, facilita a tomada de decisão dos cuidadores. Com este instrumento, os profissionais de saúde e/ou pais podem avaliar todo o processo de alimentação (mama/tetina) que inclui a observação das competências precoces para a alimentação oral, em três dimensões fundamentais ao processo de alimentação: a Capacidade para organizar o funcionamento oro-motor, a Capacidade para coordenar a deglutição e a Capacidade para manter a estabilidade fisiológica. AEFS-VM é suportada por uma vasta investigação, nomeadamente nos Estados Unidos, e no que concerne aos recém-nascidos pré-termo portugueses, a versão modificada apresenta uma adequada sensibilidade, fiabilidade e validade fatorial, pelo que pode ser considerada como um instrumento que acrescenta valor à observação da criança durante a alimentação, pelo que para além da sua aplicação prática deve ser considerada a sua aplicação na investigação. O ajustamento do modelo fatorial permite-nos assim propor uma versão modificada da escala (EFS-VM), com o intuito de observar mudanças nas competências do recém-nascido durante a alimentação oral e, assim, facilitar um ajustamento do plano cuidados e desenvolver estas intervenções em parceria com as famílias.

 

Referências Bibliográficas

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Recebido para publicação em: 06.10.16

Aceite para publicação em: 06.01.17

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