SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.serIV issue8Self-Care Modeling Videos for Spinal Cord Injuries: Design and Production of a PrototypeExercise of Leadership by Nurse Leaders of a Class Entity from 1926 to 1974 author indexsubject indexarticles search
Home Pagealphabetic serial listing  

Services on Demand

Journal

Article

Indicators

Related links

  • Have no similar articlesSimilars in SciELO

Share


Revista de Enfermagem Referência

Print version ISSN 0874-0283

Rev. Enf. Ref. vol.serIV no.8 Coimbra Mar. 2016

https://doi.org/10.12707/RIV15047 

ARTIGO DE INVESTIGAÇÃO (ORIGINAL)

 

Viver e Cuidar Após o Acidente Vascular Cerebral

Living and Caring After a Stroke

Vivir y Cuidado Después del Accidente Cerebrovascular

 

Inês Filipa Guerra da Silva*; Conceição Fernandes da Silva Neves**; Ana Cláudia Gomes Vilela***; Lília Marisa Dias Bastos****; Marina Ivone Lamego Silva Henriques*****

* Lic., Enfermeiro, Centro Hospitalar do Baixo Vouga, EPE, 3814-501, Aveiro, Portugal [inexsilva@hotmail.com]. Contribuição no artigo: pesquisa bibliográfica; recolha de dados; tratamento e avaliação estatística; análise de dados e discussão; escrita do artigo. Morada para correspondência: Avenida Calouste Gulbenkian lote 60 B, 3814-501, Aveiro, Portugal.

** Msc., Enfermeira Chefe, Serviço de Especialidades Médicas / Unidade de AVC / Medicina 3, Centro Hospitalar do Baixo Vouga, EPE, 3814-501, Aveiro, Portugal [conceicao7neves@hotmail.com]. Contribuição no artigo: pesquisa bibliográfica; recolha de dados; tratamento e avaliação estatística; análise de dados e discussão; escrita do artigo.

*** RN., Enfermeira de Cuidados Gerais, Centro Hospitalar do Baixo Vouga, EPE, 3814-501, Aveiro, Portugal [laujo@portugalmail.com]. Contribuição no artigo: pesquisa bibliográfica; recolha de dados; tratamento e avaliação estatística; análise de dados e discussão; escrita do artigo.

**** Msc., Enfermeira de Reabilitação, Serviço de Especialidades Médicas / UAVC, Centro Hospitalar do Baixo Vouga, EPE, 3814-501, Aveiro, Portugal [liliabastos1@sapo.pt]. Contribuição no artigo: pesquisa bibliográfica; recolha de dados; tratamento e avaliação estatística; análise de dados e discussão; escrita do artigo.

***** RN., Enfermeira de Cuidados Gerais, Centro Hospitalar do Baixo Vouga, EPE, 3814-501, Aveiro, Portugal [marinailsh@hotmail.com]. Contribuição no artigo: pesquisa bibliográfica; recolha de dados; tratamento e avaliação estatística; análise de dados e discussão; escrita do artigo.

 

RESUMO

Enquadramento: O acidente vascular cerebral (AVC) pode provocar alterações permanentes no paciente e no prestador de cuidados (PC) e consequentemente na qualidade de vida (QV).

Objetivos: Avaliar a perceção da QV dos prestadores de cuidados e dos pacientes com AVC internados na Unidade de Acidentes Vasculares Cerebrais do Centro Hospitalar do Baixo Vouga.

Metodologia: Estudo quantitativo, descritivo e transversal, com amostra não probabilística por conveniência.

Resultados: As variáveis sociodemográficas e clínicas influenciam a QV. Dois meses após o AVC, tanto os pacientes como os PC apresentam pior QV.

Conclusão: Ao compararmos a QV do paciente e do PC tanto no momento de internamento como na reavaliação aos 2 meses (após a alta) concluímos que ambos têm pior QV aos 2 meses após o AVC. Concluímos ainda que o PC apresenta melhor QV do que o paciente, no entanto a diferença não é estatisticamente significativa.

Palavras-chave: acidente vascular cerebral; qualidade de vida; cuidadores; enfermagem; paciente

 

ABSTRACT

Background: Stroke may cause permanent changes in the patient and in the caregiver and, consequently, in their quality of life.

Objectives: To assess the perception of quality of life of caregivers and stroke patients hospitalized in the Stroke Unit of the Hospital Center of Baixo Vouga.

Methodology: Quantitative, descriptive and cross-sectional study, with a non-probability convenience sample.

Results: The socio-demographic and clinical variables influence the quality of life. Two months after the stroke, both the patients and the caregivers have worse quality of life.

Conclusion: When comparing patients' and caregivers' quality of life at the time of hospitalization and at the 2-month follow- -up (after discharge), we concluded that both have worse quality of life 2-months after the stroke. We also concluded that the caregivers have better quality of life than the patients, although this difference was not statistically significant.

Keywords: stroke; quality of life; caregivers; nursing; patient

 

RESUMEN

Marco contextual: El Accidente Cerebro Vascular causa cambios permanentes en vida del paciente y del cuidador y en consecuencia en la calidad de vida de los mismos.

Objetivos: Evaluar la calidad de vida de los cuidadores e de los pacientes con accidente cerebrovascular ingresados en la Unidad de accidente cerebrovascular del Centro Hospitalar do Baixo Vouga

Metodología: Estudio cuantitativo, descriptivo y transversal, com amuestra non probabilística por conveniencia.

Resultados: Las variables sociodemográficas y clínicas influyen en la calidad de vida. Después de 2 meses los pacientes y el cuidador tienen una peor calidad de vida.

Conclusión: Mediante la comparación de la calidad de vida del paciente con el cuidador tanto en el momento de la hospitalización como en la revaluación a los 2 meses (después del alta), concluimos que ambos tienen peor calidad de vida, después del accidente cerebrovascular. Aún concluímos que el cuidador tiene una mejor calidad de vida que lo paciente, pero la diferencia no es estadísticamente significativa.

Palabras clave: accidente cerebrovascular; calidad de vida; cuidadores; enfermería; paciente

 

Introdução

O acidente vascular cerebral (AVC) é a primeira causa de morte em Portugal e a principal causa de invalidez. As pessoas que sobrevivem ao AVC tornam-se cada vez mais dependentes no autocuidado, com necessidade de apoio permanente, o que produz um grande impacto na sua vida e na dos seus familiares. Com a dependência física surgem alterações a nível social, frequentemente manifestadas por isolamento, alterações económicas e alterações emocionais que inevitavelmente diminuem a qualidade de vida (QV) destas pessoas.

A QV tem-se tornado objetivo prioritário nos serviços de saúde, através da promoção da saúde e prevenção da doença. É essencial capacitar as pessoas para a prestação de cuidados promovendo o bem-estar físico, mental e social dos pacientes e dos cuidadores, contribuindo assim para melhorar a QV.

Como trabalhamos diariamente numa Unidade de AVCs, apercebemo-nos do impacto que o AVC tem no seio familiar, pelo que sentimos necessidade de avaliar a QV, bem como as dificuldades que os prestadores de cuidados (PC) sentem na prestação de cuidados à pessoa dependente.

A avaliação da QV, enquanto entidade multidimensional, não pode ser restringida à mensuração dos resultados obtidos com o tratamento e intervenções médicas, deve englobar o impacto que a doença e o tratamento representam nas diferentes dimensões do individuo.

Este estudo foi estruturado com os seguintes objetivos: avaliar a perceção de QV dos pacientes com AVC; avaliar a perceção de QV dos PC dos pacientes com AVC; analisar a relação das variáveis sociodemográficas com a QV dos pacientes com AVC; analisar a relação das variáveis sociodemográficas com a QV dos PC dos pacientes com AVC; analisar a relação das variáveis clinicas com a QV dos pacientes com AVC.

 

Enquadramento

Segundo dados divulgados pelo Instituto Nacional de Estatística (INE; 2010), o índice nacional de envelhecimento populacional tem vindo a aumentar com uma esperança média de vida (triénio 2007 – 2009) de 75,8 anos para os homens e 81,8 para as mulheres.

Abordando o envelhecimento da população, inevitavelmente se fala que o risco de AVC aumenta com a idade. Segundo Phipps cerca de 60 a 70% dos Acidentes Vasculares Cerebrais ocorrem em pessoas com mais de 65 anos (citado por Marques, 2012).

O AVC isquémico ou hemorrágico corresponde a um défice no aporte de sangue e dos seus constituintes a uma determinada área do cérebro. Os diversos estudos consultados referem que cerca de 15 a 25% dos AVCs são hemorrágicos e 75 a 85% são isquémicos.

Fatores de risco como a hipertensão, diabetes, dislipidemia, tabagismo, alcoolismo, doença cardíaca, entre outros, são preditores de um evento deste tipo, no entanto é importante referir que numa grande percentagem de casos, a etiologia do AVC não é conhecida (Batista, 2012).

Muitas pessoas vítimas de AVC acabam por morrer no imediato ou nos meses seguintes por complicações decorrentes do AVC.

Também os transtornos neuropsiquiátricos como a depressão podem ocorrer, embora a sua etiologia seja ainda duvidosa (Alves, Rodrigues, Fernandes, Vieira, & Fragoeiro, 2012), no entanto a dependência física parece ser a consequência que mais preocupa o paciente e o PC por todas as alterações que acarreta no dia a dia destes.

Os estudos revelam que a maioria das pessoas com compromisso físico são cuidadas em casa pela família, por isso, como refere o Conselho de Enfermagem da Ordem dos Enfermeiros (2009), falar de pessoa com AVC implica falar do binómio paciente – familiar cuidador.

O PC de pessoas com dependência assume, no contexto da continuidade de cuidados, no regresso a casa, um papel fundamental. Surge assim a figura do PC.

Como o AVC é uma doença potencialmente incapacitante, espera-se que os enfermeiros contribuam de uma forma ativa para capacitar as pessoas a lidarem com a doença, uma vez que o recetor de cuidados é também ele membro dessa família, e consequentemente, terá que gerir os desafios no regresso ao domicílio. Assim, o enfermeiro tem um papel preponderante na relação terapêutica, contribuindo para o processo de adaptação à nova condição de vida e deste modo para a QV (Ordem dos Enfermeiros, 2009).

Salientamos que é frequentemente esquecida a sobrecarga vivida por aqueles que denominamos PC, uma vez que são eles a referência central no processo de cuidar, assumindo toda uma responsabilidade súbita e inesperada, sem ter uma base ou preparação anterior.

A World Health Organization (WHO; 1997) definiu QV como “a perceção do indivíduo da sua posição na vida, no contexto da cultura e sistema de valores nos quais ele vive, e em relação aos seus objetivos, expectativas, padrões e preocupações” (p. 3). No entanto, Leal (2008) num estudo desenvolvido com a finalidade de reavaliar o conceito de QV propõe uma definição mais abrangente:

Qualidade de vida é o resultado da soma do meio ambiente físico, social, cultural, espiritual e económico onde o individuo está inserido, dos estilos de vida que este adota, das suas ações e da sua reflexão sobre si, sobre os outros e sobre o meio ambiente que o rodeia. É também a soma das expectativas positivas em relação ao futuro. (p. 5)

A QV relacionada com a saúde pode ser considerada como o valor atribuído à vida, ponderado pelos danos funcionais, as perceções e condições sociais que são induzidas pela doença, tratamentos e a organização política e económica do sistema assistencial (Campos & Neto, 2008). O estudo da QV permite o conhecimento do impacto da doença sobre as atividades de vida diárias.

 

Questões de Investigação

As questões de investigação formuladas no âmbito deste artigo são:

- Quais os fatores que influenciam a perceção da QV do paciente com AVC?

- Quais os fatores que influenciam a perceção da QV dos prestadores de cuidados dos pacientes com AVC?

- As variáveis sociodemográficas influenciam a QV do paciente com AVC?

- As variáveis sociodemográficas influenciam a QV do PC do paciente com AVC?

- Em que medida as variáveis clínicas influenciam a QV do paciente com AVC?

 

Metodologia

Este é um estudo de cariz quantitativo, descritivo e transversal, que pretende descrever a perceção da QV dos pacientes e dos PC, analisar a influência das variáveis sociodemográficas no PC e no paciente e analisar a influência das variáveis clínicas no paciente.

Sabendo que para estudar uma população é necessário tempo, disponibilidade e recursos elevados, recorreu- -se à seleção de uma amostra.

A amostra é não probabilística por conveniência, constituída por todos os pacientes com o diagnóstico de AVC internados na Unidade de AVCs do Centro Hospitalar do Baixo Vouga (CHBV) e respetivos PC, entre agosto de 2010 e dezembro de 2012, o critério de inclusão no estudo foi a ocorrência de AVC Isquémico ou Hemorrágico com posterior dependência no autocuidado em grau moderado ou elevado. Foram aplicados 55 inquéritos pelos autores deste estudo, tanto aos pacientes como aos prestadores de cuidados.

A variável dependente é a QV e as variáveis independentes: as sociodemográficas e clinicas. Os instrumentos de colheita de dados aplicados no primeiro momento deste estudo incluíram: o preenchimento de uma grelha de avaliação do conhecimento do PC, perfil clínico e fatores de risco do paciente; o perfil sociodemográfico do paciente e do PC; a Escala World Health Organization Quality of Life - Bref (WHOQOL-Bref; Versão em Português de Portugal do Instrumento Abreviado de Avaliação da QV da Organização Mundial de Saúde) ao paciente e ao PC.

O primeiro momento de colheita de dados incluiu ainda atividades desenvolvidas pelo enfermeiro responsável pelo paciente: Avaliação do paciente e respetiva família de referência, para averiguar quais os ensinos que deveriam ser programados, confirmava-se neste momento o suporte familiar do paciente; condições habitacionais, para programar ensinos adequados; pedido de assistente social (quando necessário); articulação com o médico (condições para ir para o domicilio); programação de ensinos ao paciente e PC; realização de ensinos e posterior avaliação (avaliação do conhecimento e aprendizagem de habilidades); programação da data de reavaliação (2 meses após a alta clínica).

Na reavaliação (2 meses após a alta clínica) foram aplicados os seguintes instrumentos: perfil clínico do paciente; escalas Carer's Assessment of Difficulties Index (CADI) e Questionário de Avaliação da Sobrecarga do Cuidador Informal (QASCI) ao PC; e a escala WHOQOL-Bref ao paciente e ao PC.

O QASCI foi desenvolvido por Martins, Ribeiro, e Garrett (2003), inclui 32 itens, avaliados por uma escala ordinal de frequência que varia de 1 a 5 e integra sete dimensões.

A CADI é um instrumento desenvolvido por Brito (2000), e tem como objetivo facilitar a identificação do tipo de dificuldades mais frequentes nas situações de prestação de cuidados a familiares idosos, bem como a maneira como, em cada caso, os prestadores de cuidados percecionam e vivenciam essas dificuldades.

O Questionário WHOQOL-Bref avalia a perceção da QV dos indivíduos. Desenvolvido pela Organização Mundial de Saúde, é composto por 26 questões, apresentando duas questões gerais referentes à QV e mais 24 perguntas representadas em quatro domínios: físico, psicológico, social e meio ambiente.

A participação das pessoas foi voluntária, tendo sido garantida a todos os participantes do estudo a confidencialidade dos seus dados pessoais.

Procurando pautar a atuação em todo o processo de investigação por uma rigorosa conduta ética, ao nível dos procedimentos, elaborou-se um protocolo de estudo que foi submetido e aprovado pela Comissão de Ética. Foi ainda solicitada autorização formal ao diretor do serviço de Neurologia e posteriormente à Administração do CHBV. Todos os pacientes assinaram o consentimento informado para participarem no estudo.

A recolha de dados foi suportada através de um procedimento (protocolo) constituído por questionários e escalas que permitiram a aplicação dos questionários aos pacientes e respetivos PCs, tendo estes sido questionados de forma anónima.

Os dados colhidos foram sujeitos a tratamento estatístico através do programa SPSS 21.0 (Statistic Package for the Social Sciences). Ao longo do estudo foram utilizados diversos procedimentos estatísticos de acordo com o tipo de variáveis e os objetivos de análise.

 

Resultados

Dos 55 pacientes, 30,9% eram do sexo feminino e 69,1% eram do sexo masculino.

A idade dos pacientes variou entre os 44 e os 92 anos, tendo 58,2% da amostra idade igual ou superior a 70 anos.

Dos 55 PCs, 81,5% eram do sexo feminino e 18,5% do sexo masculino. A idade variou entre os 28 e os 78 anos, tendo 54,8% da amostra idade inferior a 50 anos.

Relativamente à situação familiar, a maioria dos pacientes com AVC eram casados (68,5%), 25,9% eram viúvos, estavam em união fato 1,9% e a mesma percentagem para os solteiros e separados.

A maioria dos prestadores de cuidados eram casados (72,2%), 13% eram solteiros, 7,4% divorciados e a mesma percentagem vivia em união de fato.

Quanto à situação profissional/ocupação dos pacientes com AVC, verificámos que 72,2% eram reformados, 22,3% trabalhadores remunerados,1,9% desempregados e com a mesma percentagem, domésticas e incapacitados ou de baixa médica.

Quanto à situação profissional/ocupação dos PC, verificámos que 29,6% eram trabalhadores remunerados por conta de outrem, 20,4% trabalhadores remunerados por conta própria ou profissão liberal, 16,7% domésticas, 14,8% desempregados, 13% reformados e 5,6% estavam incapacitados ou de baixa médica.

Relativamente ao nível de instrução, 71,8% dos pacientes tinham o ensino básico, 17% sem escolaridade, com nível de instrução correspondente ao ensino secundário (12º ano) 5,7%, e a mesma percentagem com formação profissional superior.

Nos PCs, 70,4% dos indivíduos tinham o ensino básico, cerca de 13% tinham nível de instrução correspondente ao ensino secundário (12º ano), 5,6% não tinham escolaridade e 11,2% eram detentores de formação superior.

Todos os pacientes com AVC e respetivos prestadores de cuidados eram de raça caucasiana.

Relativamente ao estado civil, 46,3% dos pacientes com AVC viviam com o cônjuge, 24,1% com cônjuge e familiares que não cônjuge, 20,4% com familiares que não cônjuge, 7,4 % sozinhos e 1,9% com outras pessoas.

Cerca de 64,8% dos PCs viviam com o cônjuge, 14,8% com familiares que não cônjuge, 13% com cônjuge e familiares que não cônjuge, 5,6% sozinhos e 1,8% com amigos.

Relativamente ao tipo de AVC, 76,4% eram isquémicos e 23,6% hemorrágicos.

O diagnóstico foi confirmado em 98,2% dos casos por critérios clínicos e tomografia axial computorizada (TAC). Em 1,8% dos casos foi ainda acrescentada a ressonância magnética nuclear (RMN).

Relativamente às variáveis clínicas, 12,7% dos pacientes eram fumadores e 41,8% confirmaram que ingeriam bebidas alcoólicas. Em relação ao Índice de Massa Corporal , cerca de 75% apresentavam excesso de peso.

Relativamente aos fatores de risco associados, estavam presentes em 85,5% da amostra, sendo que 67,9% dos pacientes internados apresentavam hipertensão arterial (HTA), 47,7% dislipidémia, 4,2% diabetes, 6,4% obesidade e 25,5% apresentavam obesidade associada a outros fatores de risco, como está representado no Figura 1.

 

 

Durante o internamento 76,4% das pessoas não tiveram complicações, 23,7% tiveram complicações, sendo 7,3% destas por infeção respiratória.

Nos pacientes admitidos para o estudo avaliamos os conhecimentos do PC através de uma checklist construída para o efeito, de forma a programarmos os ensinos a realizar (Figura 2).

 

 

Verificámos que 98,2% desconheciam as causas do AVC, os sintomas, o que fazer para ajudar uma pessoa com AVC, as implicações psicológicas, não tinham recebido qualquer ensino sobre como cuidar uma pessoa com AVC, assim como sobre gestão do regime terapêutico (alimentação, atividade física, viver com AVC, orientações após AVC e tabagismo) e sobre prevenção de úlceras de pressão.

Também 49,1% nunca tinham frequentado consultas de psicologia clínica. Relativamente ao serviço social, 94,5% revelou não ter nenhum tipo de apoio.

Verificámos que após a alta foram reinternados 3,6% dos pacientes, sendo o motivo de internamento a infeção respiratória e a síndrome febril. Constatou- -se que 18,2% recorreram ao serviço de urgência por motivos variados, nomeadamente infeção respiratória, infeção urinária, repetição AVC, tremores e vómitos.

Aos 2 meses após a alta não foi possível reavaliar todos os pacientes e PCs, por motivos variados: 25,5% dos pacientes continuavam em Unidades de Cuidados Continuados Integrados (UCCIs), 25,5% estavam no domicílio (14,6% em casa própria e 10,9% em casa de familiares), em 30,8% dos casos não obtivemos dados por impossibilidade de contato,1,8% teve repetição de AVC e estavam hospitalizados, e 16,4% tinham falecido (Tabela 1).

 

 

Dos que responderam, 54,5% tinham o peso normal, 45,5% tinham excesso de peso. Em relação ao tabaco, também só obtivemos dados em 61,8% dos pacientes e todos referiram não fumar aos 2 meses após AVC. Relativamente à ingestão de bebidas alcoólicas só 61,8% responderam e destes 11,8% referiram ingerir alguma bebida alcoólica.

Em relação à escala CADI verificou-se que os PC tiveram bastantes dificuldades em várias questões, mais de 50% dos PCs, referiram que tiveram alguma perturbação ou os perturbou muito cuidar dos seus familiares. Em muitas questões nenhum PC referiu que na situação deles não tinha acontecido ou que aconteceu mas não os perturbou.

Quando calculámos as dimensões da CADI, verificámos que a maior parte dos PCs referiram enfrentar grandes dificuldades, com maior sobrecarga por terem deficiente apoio profissional, problemas relacionados com a pessoa cuidada e deficiente apoio familiar.

As dimensões refletem também as pontuações relativas às questões que agregam, pois em todas as dimensões os PCs referiram, na sua grande maioria (>72,6%), que a situação da pessoa com AVC perturba muito ou causa alguma perturbação.

Procurámos saber se havia diferença estatisticamente significativa entre homens e mulheres PCs e as dimensões desta escala e verificámos que havia diferença em todas as dimensões mas não era estatisticamente significativa (p>0,05).

Avaliámos o impacto físico, emocional e social do papel do PC, através do questionário QASCI, que inclui uma série de questões relativas às últimas quatro semanas, consideradas importantes ou mais frequentes. As pontuações mais altas correspondem a situações de maior sobrecarga e stresse. Assim, a maior parte dos PCs sente o impacto da doença nas dimensões da sobrecarga financeira, mecanismo de eficácia e controlo, suporte familiar e satisfação com o papel e com o familiar, como se pode verificar no Figura 3.

 

 

Quando analisamos o impacto em cada dimensão nos PCs verificámos que 50,1% refere que nunca ou raramente sentiu sobrecarga emocional e 86,4% nunca ou raramente sentiu reações a exigências. Por outro lado, metade da amostra refere que às vezes sentiu dificuldades no mecanismo de eficácia e controlo. Relativamente ao PC, 36,4% da amostra refere que nunca ou raramente teve implicações na sua vida pessoal. Em relação à sobrecarga financeira, 45,4% dos PCs refere que quase sempre ou sempre sentiu. A maior parte dos PCs refere que quase sempre ou sempre tiveram dificuldades a nível do suporte familiar (68,2%) e a nível da satisfação com o papel e com o familiar (72,8%).

Atendendo ao facto da pessoa com afasia se encontrar impossibilitada de responder à WHOQOL, apenas 45% da amostra preencheram o questionário.

Os resultados evidenciam na pessoa com AVC, em média, um contexto de limitações relativas às capacidades de desempenho pessoal, visto que o estado de saúde aparece mais afetado ao nível da dimensão física (49,0%) e QV em geral (52,0%). Num contexto mais intermédio destaca-se a dimensão psicológica (62,83%) e com melhores níveis destacam-se as dimensões das relações sociais e ambiente (63,67%).

Em relação ao PC, no primeiro momento, verificamos um conjunto de limitações relativas às capacidades de desempenho pessoal, visto que o estado de saúde parece mais afetado ao nível da dimensão física (54,67%) e QV em geral (60,82%). Numa posição mais intermédia temos a dimensão ambiente com 62,93% e com melhores níveis de QV estão as dimensões: psicológica (65,95%) e relações sociais (69,07%).

Apurámos que havia diferenças entre a QV do paciente com AVC e a QV do PC no primeiro momento e verificámos que embora houvesse diferença, pois os PC têm em média melhor QV em todas as dimensões, exceto no ambiente, a diferença só foi estatisticamente significativa na dimensão física (p = 0,04) ao nível de significância de 5%. Aos 2 meses, apenas oito pessoas responderam ao questionário, ou seja 14,5% da amostra, o que é muito pouco para podermos inferir resultados. Continuámos a identificar um conjunto de limitações relativas às capacidades de desempenho pessoal, como a dimensão física (46,88%) e QV em geral (48,44%). Com melhores valores estavam as dimensões relações sociais (59,38%) e ambiente (55,86%) estando numa posição intermédia a dimensão psicológica com 46,88%. Se compararmos os dados obtidos no 1º momento com os obtidos no 2º momento, constatamos que a QV da pessoa com AVC piorou, em todas as dimensões, conforme podemos visualizar no Figura 4.

 

 

Em relação ao prestador de cuidados também verificámos que a QV diminuiu em todas as dimensões, exceto na dimensão física aos 2 meses após AVC, conforme observamos no Figura 5.

 

 

Em relação à influência do sexo na perceção da QV dos pacientes com AVC, as mulheres tiveram uma pontuação mais elevada em todas as dimensões exceto na dimensão psicológica e ambiente. Nos PCs as mulheres tiveram QV mais satisfatória que os homens em todas as dimensões.

 

Discussão

Dos 55 pacientes com AVC, 69,1% eram do sexo masculino, resultado que vai de encontro à revisão bibliográfica realizada. Segundo Phipps a incidência de AVC é superior no sexo masculino (citado por Marques, 2012). Também Cerveira (2011), Pinto (2011) e Marques (2012) corroboram estes resultados com percentagens de 52,6%, 52% e 60%, respetivamente.

Relativamente à idade, esta variou entre os 44 e os 92 anos tendo 58,2% da amostra idade igual ou superior a 70 anos. Os dados confirmam a predominância do AVC no adulto com idade mais avançada. Num estudo realizado por Cerveira (2011), a média de idade encontrada foi de 73 anos. Também Pinto (2011) concluiu que a média de idades da população estudada era de 73,7 anos.

Neste estudo 68,55% dos pacientes com AVC eram casados, o que vai de encontro à maioria dos estudos consultados. No estudo realizado por Cerveira (2011) 57%, e no estudo realizado por Pinto (2011) 48% de vítimas de AVC são casados. Também Marques (2012) concluiu que 61% dos participantes do estudo eram casados.

Verificámos que uma grande percentagem de pacientes tem baixo nível de instrução. Em diversa bibliografia é referido que a baixa escolaridade leva a baixos rendimentos socioeconómicos, menos preocupação com os fatores de risco para a saúde e consequentemente menor prevenção da doença. Cerveira (2011) e Pinto (2011) corroboram esta afirmação, sendo que em ambos os estudos a maioria dos pacientes frequentaram apenas o 1º ciclo de ensino básico ou menos.

Relativamente ao tipo de AVC, 76,4% eram isquémicos e 23,6% hemorrágicos, o que vai de encontro aos valores normalmente encontrados.

Tivemos algumas limitações neste estudo, nomeadamente, o número limitado de participantes aos 2 meses após o AVC, apenas 14,5%, o que nos levou a refletir. Parece-nos que efetivamente poucos PCs manifestam vontade de que a pessoa com AVC vá para casa, aquando da alta. Por outro lado também existem recomendações clínicas para encaminhamento para a Rede Nacional de Cuidados Continuados Integrados. Também nos deparámos com muitas dificuldades em colher os dados aos 2 meses após o internamento.

No entanto, aquando da reavaliação, 2 meses após a alta, verificámos que para os PC, as dimensões relacionadas com o desempenho físico tiveram piores níveis assim como a QV em geral, demonstrando o impacto do paciente com AVC nos PCs e comprovando que a doença e a incapacidade afetam o desempenho físico e a QV, as relações sociais e a dimensão psicológica não foram tão afetadas, embora as pontuações não fossem muito elevadas.

Concluímos que houve diferenças na QV do paciente e do PC no segundo momento de avaliação, e que o PC teve melhores níveis de QV do que os pacientes com AVC, embora a diferença não tenha sido estatisticamente significativa (p>0,05).

 

Conclusão

Esta investigação incidiu sobre os pacientes com AVC isquémico ou hemorrágico dependentes em grau moderado ou elevado, internados na Unidade de Acidentes Vasculares Cerebrais do Centro Hospitalar do Baixo Vouga e respetivos PC.

Este estudo pretendia determinar a QV do paciente e do PC. Verificou-se que praticamente todas as variáveis influenciam a QV.

Face aos resultados obtidos, conclui-se que há uma grande percentagem de pacientes com AVC que são encaminhados para Unidades de Cuidados Continuados Integrados. Muitos prestadores revelam que não têm condições para cuidar do seu familiar em casa, seja pelas imposições do dia a dia, como o trabalho, ou por questões financeiras. Noutros casos, os próprios pacientes não têm família perto para cuidar deles ou vivem sozinhos porque os filhos emigraram, porque enviuvaram ou ainda porque não tiveram filhos.

A maior parte dos PCs sente o impacto da doença do seu familiar e refere enfrentar grandes dificuldades, com maior sobrecarga por deficiente apoio profissional, problemas relacionados com a pessoa cuidada e deficiente apoio familiar.

Este estudo permitiu-nos conhecer a QV dos pacientes com AVC internados na Unidade de Acidentes Vasculares Cerebrais do Centro Hospitalar do Baixo Vouga e dos respetivos PC, assim como a relação da QV com as variáveis sociodemográficas e de saúde e nesse sentido a possibilidade de equacionar um conjunto de recomendações que se possam traduzir numa melhor perceção da QV, quer pelo paciente, quer pelo PC.

Sendo que a QV dos pacientes e dos cuidadores é afetada após a ocorrência de um AVC em que o paciente fica com algum grau de dependência, parece-nos que o nosso papel enquanto profissionais de saúde é preponderante, no sentido de poder ajudar os cuidadores e os pacientes a lidar com esta nova realidade, nomeadamente através da realização de ensinos.

Consideramos ainda que uma melhor articulação de todos os meios e recursos do Sistema Nacional de Saúde (cuidados de saúde primários, hospitais, rede de cuidados continuados integrados) poderiam representar uma mais-valia para os pacientes e para os cuidadores.

Questionámo-nos várias vezes ao longo da realização deste estudo se não seria mais benéfico para os pacientes e para os cuidadores, que os primeiros regressassem ao domicílio, após o internamento, e que fossem os profissionais de saúde a deslocarem- -se e ajudarem as pessoas a adaptarem-se a uma nova realidade. Claro que isto implicaria uma mudança do paradigma actual do Sistema Nacional de Saúde.

Cremos que em estudos futuros realizados nesta área, deve-se ponderar a afasia dos pacientes, como factor de exclusão do estudo.

Consideramos este estudo relevante do ponto de vista teórico, ao apresentar um contributo para a promoção do conhecimento científico. Sugerimos a realização de outros estudos nesta área.

 

Referência bibliográficas

Alves S., Rodrigues, R., Fernandes, S., Vieira, H., & Fragoeiro, I. (2012). Avaliação da depressão pós AVC em pacientes com afasia. Revista Sinapse, 12(1), 239-240.         [ Links ]

Batista, M. V. (2012). Generalidades sobre AVC no adulto jovem. Revista Sinapse, 12(1), 206.         [ Links ]

Brito, L. (2002). A saúde mental dos prestadores de cuidados a familiares idosos. Coimbra: Quarteto Editora ISBN:9789728717193        [ Links ]

Campos, M. O., & Neto, J. F. (2008). Qualidade de vida: Um instrumento para promoção de saúde. Revista Baiana de Saúde Pública, 32(2), 232-240.         [ Links ]

Cerveira, J. A., (2011). Independência funcional nos pacientes com AVC: Determinantes sociodemográficas e clínicas (Dissertação de mestrado). Recuperado de http://hdl.handle.net/10400.19/1616        [ Links ]

Instituto Nacional de Estatística. (2010). Anuário Estatístico 2010. Recuperado de https://www.ine.pt/xportal/xmain?xpgid=ine_main&xpid=INE&xlang=pt        [ Links ]

Leal, C. (2008). Reavaliar o conceito de qualidade de vida (Dissertação de mestrado). Universidade dos Açores, Ponta Delgada, Portugal.         [ Links ]

Marques, F. M. (2012). Independência funcional do paciente pós AVC (Dissertação de mestrado). Recuperado de http://hdl.handle.net/10400.19/1619        [ Links ]

Martins, T., Ribeiro, J. L., & Garret, C. (2003). Estudo de Validação do Questionário de Avaliação da Sobrecarga para Cuidadores Informais. Psicologia Saúde & Doenças 4 (1), 131-148.         [ Links ]

Ordem dos Enfermeiros, Conselho de Enfermagem. (2009). Rede Nacional de Cuidados Continuados Integrados: Referencial do enfermeiro. Recuperado de http://www.ordemenfermeiros.pt/documentosoficiais/Documents/RNCCI%20-%20v.FINAL%20Referencial%20do%20Enfermeiro%20-%20Abril%202009.pdf        [ Links ]

Pinto, E. M. (2011). Independência funcional e regresso ao domicílio: Variável chave para a enfermagem de reabilitação (Dissertação de mestrado). Recuperado de http://hdl.handle.net/10400.19/1617        [ Links ]

World Health Organization. (1997). Countries – Portugal Recuperado de http://www.who.int/countries/prt/en/        [ Links ]

 

Recebido para publicação em: 31.08.15

Aceite para publicação em: 01.02.16

Creative Commons License All the contents of this journal, except where otherwise noted, is licensed under a Creative Commons Attribution License