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Revista de Enfermagem Referência

versão impressa ISSN 0874-0283

Rev. Enf. Ref. vol.serIV no.2 Coimbra jun. 2014

https://doi.org/10.12707/RIII13109 

ARTIGO DE INVESTIGAÇÃO

 

Teste no tempo: da teoria clássica da administração à organização atual do trabalho de Enfermagem

Testing in time: from the classical management theory to the current organisation of Nursing work

Test en el tiempo: de la teoría clásica de la administración a la organización actual del trabajo de Enfermería

 

Denise Rocha Araújo*; Francisco Miguel Correia Sampaio**; Marilisa Costa e Castro***; Sofia Alexandra Vieira Pinheiro****; Ana Paula Macedo*****

* Mestrado em Enfermagem de Saúde Infantil e Pediatria, Monitora, Escola Superior de Enfermagem do Porto, 4200-072, Porto, Portugal [denisearaujo@esenf.pt]. Morada para correspondência: Rua Dr. António Bernardino de Almeida, S/n, 4200-072, Porto, Portugal.

** Enfermeiro Especialista e Mestre em Enfermagem de Saúde Mental e Psiquiatria, Enfermeiro, Hospital de Braga, Serviço de Internamento de Psiquiatria, Sete Fontes, 4710-243 São Victor, Braga, Portugal [Francisco.Sampaio@hospitaldebraga.pt].

*** Pós-graduanda em Supervisão Clínica em Enfermagem, Enfermeira, Junta de Freguesia de Gonça, 4800-435, Guimarães, Portugal [marilisa689@gmail.com].

**** Pós-graduada em Supervisão Clínica em Enfermagem, Enfermeira Coordenadora, Instituição - SAMSAH Prepsy (service d'accompagnement médico-social d'adultes handicapés); 75033, Paris, França [sofiavpinheiro@gmail.com].

***** Professora Coordenadora da Escola Superior de Enfermagem, Universidade do Minho, Braga. Av. Central, Edifício dos Congregados, 4704-553 Braga, Portugal. Doutora em Educação, área de conhecimento de Organização e Administração Escolar - Universidade do Minho, Braga. Portugal [amacedo@ese.uminho.pt].

 

Resumo

Enquadramento: A Teoria Clássica da Administração, desenvolvida por Henri Fayol, assentava numa visão administrativa marcada pela previsibilidade, organização, comando, coordenação, e controle. Para pôr em prática este paradigma administrativo, foram definidos catorze princípios gerais da administração.

Objetivos: Conhecer as representações dos enfermeiros acerca das práticas administrativas de saúde atuais e perceber em que medida essas representações se aproximam dos princípios da Teoria Clássica da Administração.

Metodologia: Estudo qualitativo de natureza descritiva e exploratória. Recolha de dados realizada através de entrevista semiestruturada, com categorias definidas a priori correspondentes aos catorze princípios gerais da administração, realizadas a oito enfermeiros, com caraterísticas profissionais heterogéneas, escolhidos por seleção racional.

Resultados: As representações dos enfermeiros entrevistados revelam que estes veem a administração atual em saúde de uma forma relativamente próxima dos princípios preconizados por Fayol.

Conclusão: O presente estudo evidencia que o debate com os enfermeiros, acerca da mudança da organização do trabalho em saúde, é fundamental quando está em causa o desenvolvimento de estratégias de gestão mais adequadas à organização do trabalho destes profissionais.

Palavras-chave: organização e administração; trabalho; enfermagem; pesquisa qualitativa.

 

Abstract

Background: Henri Fayol’s Classical Management Theory was based on an administrative vision marked by predictability, organisation, command, coordination, and control. To implement this administrative paradigm, fourteen general principles of management were defined.

Objectives: To identify nurses’ representations of the current health administrative practices and analyse the extent to which these representations are in line with the principles of the Classical Management Theory.

Methodology: Qualitative descriptive exploratory study. Data were collected using semi-structured interviews, with previously defined categories corresponding to the fourteen general principles of management. These interviews were conducted to eight nurses, with heterogeneous professional features and chosen by rational selection.

Results: Interviewed nurses’ representations show that for them the current health administration is relatively close to the principles advocated by Fayol.

Conclusion: The present study highlights that the discussion with nurses about changing the health work organisation is major when developing the best management strategies for the organisation of these professionals’ work.

Keywords: organisation and administration; work; nursing; qualitative research.

 

Resumen

Marco contextual: La Teoría Clásica de la Administración, desarrollada por Henri Fayol, se asentaba en una visión administrativa marcada por la previsibilidad, organización, mando, coordinación y control. Para poner en práctica este paradigma administrativo se definieron catorce principios generales de la administración.

Objectivos: Conocer las representaciones de los enfermeros acerca de las prácticas administrativas de salud actuales y entender hasta qué punto esas representaciones se aproximan a los principios de la teoría clásica de la administración.

Metodología: Investigación cualitativa, de carácter descriptivo y exploratorio. La recolección de datos se realizó a través de entrevistas semiestructuradas, con categorías previamente definidas correspondientes a los catorce principios generales de la administración, realizadas con ocho enfermeros con características profesionales heterogéneas y elegidos por elección racional.

Resultados: Las representaciones de los enfermeros entrevistados revelan que estos ven la administración actual en la salud de una manera relativamente próxima a los principios de Fayol.

Conclusión: El presente estudio muestra que el debate con los enfermeros sobre el cambio de la organización del trabajo en la salud es fundamental cuando está en juego el desarrollo de estrategias de gestión más adecuadas para la organización del trabajo de estos profesionales.

Palabras clave: organización y administración; trabajo; enfermería; investigación cualitativa.

 

Introdução

A doutrina administrativa preconizada por Fayol (1989) tinha como grande objetivo facilitar a gestão de empresas, enfatizando a estrutura formal da organização e a adoção de princípios e funções administrativas do trabalho. Esta seriação estrutural do processo administrativo serviu de base para a administração moderna, constituindo, portanto, uma das primeiras teorias de administração. “A administração constitui um fator de grande importância na direção dos negócios: de todos os negócios, grandes ou pequenos, industriais, comerciais, políticos, religiosos ou de outra qualquer índole” (Fayol, 1989, p. 19). Neste sentido, torna-se fundamental perceber a administração como precursora de desenvolvimento económico, e ainda identificar a eventual presença das indicações de Henri Fayol nas organizações de saúde do século XXI.

Tendo em conta o atual paradigma de gestão das organizações de saúde, fortemente marcado pela pressão economicista, e sendo estas regidas, cada vez mais, por pressupostos de eficiência, o presente trabalho pretende, primeiramente, conhecer as representações dos enfermeiros acerca das práticas administrativas de saúde atuais e, posteriormente, analisar em que medida essas mesmas representações se aproximam dos princípios gerais da Teoria Clássica da Administração.

 

Enquadramento

A Teoria Clássica da Administração foi desenvolvida pelo engenheiro francês Henri Fayol e teve origem no ambiente económico da 2ª Revolução Industrial. Esta teoria procurava, essencialmente, aumentar a eficiência das empresas através da sua organização e da aplicação de princípios gerais da Administração com bases científicas.

Este autor é frequentemente associado ao seu contemporâneo, o teórico norte-americano Frederick Taylor, sendo aos dois atribuída a defesa de um modelo autoritário de administração (Parker & Ritson, 2005; Souza & Aguiar, 2011). A Administração Clássica de Fayol enfatiza a estrutura formal da organização e a adoção de princípios e funções administrativas do trabalho (Ferreira, Reis, & Pereira, 2006).

De uma forma mais sistematizada, a sua teoria pressupõe a organização como um corpo em que as atividades se encaixam em seis unidades estruturais com funções específicas: “i) técnicas; ii) comerciais; iii) financeiras; iv) de segurança; v) de contabilidade e vi) administrativas” (Fayol, 1989, p. 23). O último ponto citado engloba os elementos da administração, ou seja, as funções do administrador: organizar, planear, coordenar, dirigir e controlar. Esta sistematização estruturalista do processo administrativo serviu de base para a administração moderna (Chiavenato, 1987; Macedo, 2012; Matos & Pires, 2006).

A par dos elementos supracitados que contemplam o processo administrativo, Fayol salienta que, “como toda a ciência, a administração deve basear-se em leis ou em princípios” (Chiavenato, 1987, p. 10). Assim, e como a função administrativa se restringe ao corpo social, é necessário um certo número de condições. Deste modo, o autor propôs os catorze princípios gerais da administração que são aplicados a todas as situações com que o administrador se depara: “1º) a divisão do trabalho; 2º) a autoridade e responsabilidade; 3º) a disciplina; 4º) a unidade de comando; 5º) a unidade de direção; 6º) a subordinação de interesses individuais aos interesses gerais; 7º) a remuneração do pessoal; 8º) a centralização; 9º) a hierarquia; 10º) a ordem; 11º) a equidade; 12º) a estabilidade do pessoal; 13º) a iniciativa; 14º) a união do pessoal” (Fayol, 1989, p. 43-44).

Vários autores afirmam que os princípios de Henri Fayol são aplicáveis na administração das organizações modernas, salvaguardando o facto de que cada princípio não deverá ser tratado de forma rígida ou absoluta (Dalmolin, Oliveira, Zucco, Canopf, & Lora, 2007; Parker & Ritson, 2005; Rodrigues, 2001). O nome de Henri Fayol está, desta forma, associado a um status de gestão contemporânea.

Em suma, a abordagem da Teoria Clássica da Administração de Fayol carateriza-se pelo seu enfoque altamente prescritivo e normativo (Chiavenato, 1987). No entanto, a obra de Fayol permanece como uma contribuição inicial, cuja análise nunca poderá ser desprezada. Apesar de ser considerado um dos teóricos mais importantes do pensamento administrativo, este autor é ainda pouco estudado (Souza & Aguiar, 2011). Assim, considerando os princípios gerais preconizados por Fayol e a realidade atual da Administração em Enfermagem, parece haver alguns pontos de contacto que seria importante explorar.

 

Metodologia

A metodologia que orientou o presente estudo assentou num paradigma de investigação qualitativa, de natureza exploratória e descritiva. Assim, o presente trabalho pretendeu dar resposta às seguintes questões de investigação: a) Quais as representações dos enfermeiros acerca das práticas administrativas de saúde atuais?; b) Em que medida as representações dos enfermeiros acerca das práticas administrativas de saúde atuais se aproximam dos princípios gerais da Teoria Clássica da Administração?

Para a seleção dos participantes foi utilizado um método de amostragem não probabilístico por seleção racional. Foram tidos em conta os seguintes critérios de inclusão: enfermeiros que estivessem na prática clínica ou em cargos de gestão; enfermeiros que exercessem as suas funções em contexto hospitalar ou em cuidados de saúde primários; a maior abrangência possível no que concerne à idade dos entrevistados e às organizações de saúde em que os entrevistados exercem funções.

Tendo em conta o tipo de estudo, a recolha de dados foi realizada através de entrevista semiestruturada individual realizada face a face. Foi elaborado um guião constituído por 25 questões formuladas a partir dos princípios gerais da administração preconizados por Fayol (1989). Foi efetuado um pré-teste do guião junto de três enfermeiros com caraterísticas idênticas àquelas que iriam ter os entrevistados para avaliar a clareza das questões do instrumento.

Para garantir a fidedignidade das informações recolhidas, o registo dos dados foi realizado através de gravação áudio para posterior transcrição e codificação dos mesmos. Os encontros com os participantes foram marcados para locais reservados e fora do contexto de trabalho. As entrevistas foram realizadas durante o mês de dezembro de 2012. Para a definição do número de entrevistados foram realizadas entrevistas até se atingir a saturação de dados.

Para a análise de dados qualitativos obtidos neste estudo recorreu-se à análise de conteúdo lato sensu do discurso dos participantes. No caso concreto do presente estudo, a categorização foi realizada a priori, de acordo com os catorze princípios gerais da administração preconizados por Fayol (1989). Cada entrevista foi codificada com um número sendo que, dessa forma, foi mantida a confidencialidade dos participantes.

A análise de conteúdo dividiu-se em quatro fases, tendo em conta as etapas preconizadas por Bardin (2009). Assim, esta dividiu-se da seguinte forma: leitura inicial das entrevistas; pré-análise; classificação da informação; interpretação e inferências a partir das respostas dos entrevistados.

Ao longo do estudo foram respeitados os princípios éticos que devem nortear qualquer trabalho do género, tendo estes sido assegurados pela confidencialidade dos dados, pela assinatura do consentimento informado por parte dos participantes, pela salvaguarda da vida privada dos entrevistados, e pela autorização formal para a gravação áudio da entrevista. Foi referido aos participantes que a entrevista não iria constituir qualquer prejuízo para eles, tendo ainda sido garantido que estes tomariam conhecimento dos achados obtidos no trabalho de investigação.

 

Resultados

De forma a caraterizar os participantes do estudo foi aplicada estatística descritiva (medidas de tendência central) a um conjunto de características sociodemográficas. Assim, destacam-se os dados relativos à idade dos participantes, que variou entre os 24 e os 46 anos, sendo a média de 33,1 anos, e à sua experiência profissional, cujo tempo oscilou entre os 6 meses e os 24 anos, sendo a média de 9,6 anos. Importa ainda ressalvar que: apenas um dos entrevistados tinha grau académico superior a Licenciatura; dois dos entrevistados (25% dos participantes) ocupavam cargos de gestão (chefia intermédia); 62,5% dos entrevistados era do género masculino (Tabela 1); ao nível da função/cargo desempenhado, considera-se como enfermeiro especialista todos aqueles a quem tenha sido atribuído o título pela Ordem dos Enfermeiros.

A leitura inicial e a pré-análise das entrevistas realizadas permitiram verificar a saturação de dados através da realização de oito entrevistas. Assim, de seguida, serão apresentados os principais resultados obtidos a partir dos discursos dos entrevistados (Tabela 2).

 

Discussão

O processo indutivo, subjacente à análise de conteúdo lato sensu, permitiu a sistematização e organização da informação obtida com o objetivo de aumentar a compreensão sobre as respostas dos entrevistados. Seguindo uma apresentação coincidente com a sequência apresentada na secção dos resultados, a discussão, pela ausência de estudos para o contexto português, faz uso de dois estudos referentes ao contexto brasileiro e norte-americano, discutindo e confrontando em que medida os achados emergentes da presente investigação se aproximam ou afastam das realidades vigentes nesses mesmos contextos.

No que concerne à divisão do trabalho, esta tem como propósito obter mais e melhores resultados com a mesma quantidade de esforço. No entanto percebe-se, de acordo com o discurso dos participantes, que existem nas suas organizações algumas indefinições de papéis no que respeita a algumas tarefas, sendo que este aspeto pode influenciar negativamente a produtividade da organização. Posto isto, parece existir, a este nível, algum afastamento em relação ao princípio preconizado por Fayol. Ao contrário do que parece estar a suceder em Portugal, na realidade brasileira os enfermeiros constituem um corpo profissional fechado e com elevado grau de autonomia, mantendo uma linha de comando nos moldes taylorista-fordista (Matos & Pires, 2006).

Analisando o princípio da autoridade e responsabilidade, importa desde logo ressalvar que Fayol focava sobretudo a autoridade, mas apenas a considerava presente quando esta se fazia acompanhar pela responsabilidade (Cole & Kelly, 2011). Nas entrevistas realizadas, a tendência é considerar-se que existe, efetivamente, autoridade (sobretudo estatutária). A ausência da assunção da responsabilidade inerente a essa autoridade quando existe é, essencialmente, sob a forma de penalizações, raramente de recompensas. Esses achados coincidem com o descrito na realidade norte-americana, onde as organizações privilegiam a participação do empregado em programas de empowerment. Já no Brasil (Matos & Pires, 2006), parece haver, tal como em Portugal, mais autoridade. No entanto, esta autoridade está mais confinada aos enfermeiros (sobre os técnicos e auxiliares de Enfermagem), tendo as chefias de Enfermagem um papel mais administrativo.

Relativamente ao princípio da disciplina, Fayol apresenta-o de uma forma, aparentemente, muito coerciva, mas reconhecendo que, muitas vezes, os problemas com a disciplina podem ter origem na incapacidade dos chefes para lidar com os conflitos dos subordinados, ou na existência de acordos trabalhistas que não sejam suficientemente claros e equitativos (Fayol, 1989). No presente trabalho os entrevistados tendem a considerar que a disciplina é pouco valorizada pelas chefias superiores, e que as chefias intermédias veem alguns princípios, como a obediência, de forma extremamente positiva. Ainda assim, os entrevistados tendem a referir que as chefias intermédias não cumprem com os princípios da disciplina (sobretudo ao nível da pontualidade) pelo que, frequentemente, não exigem aos funcionários o seu cumprimento. Ao nível da forma como a disciplina aparenta ser exercida, em Portugal, no contexto da Enfermagem, parece haver semelhanças com a realidade norte-americana (Rodrigues, 2001), em que se verifica um controlo informal, baseado sobretudo na pressão pelo grupo de pares. No Brasil (Collet, Cesarino, & Santos, 1994) verifica-se, de forma aparentemente ainda mais exacerbada do que em Portugal, um enfoque na disciplina não sendo claro, contudo, se as chefias cumprem o seu papel de modelo.

No que concerne ao princípio da unidade de comando, que Fayol considerava fundamental já que a dualidade de comando era encarada como uma fonte perpétua de conflito (Dalmolin et al., 2007), os entrevistados tendem a referir que, em alguns casos, existem ordens provenientes de mais do que um chefe, bem como casos em que, apesar de haver apenas um chefe formal, existem diversos agentes que influenciam, de forma (por vezes) decisiva, essas mesmas ordens. Parece, neste ponto, existir uma realidade algo semelhante à dos Estados Unidos da América (Rodrigues, 2001), em que as organizações tendem a apresentar diversos chefes. Ainda assim, existe um afastamento significativo no que concerne à forma como essas chefias estão organizadas, já que elas estão na base de organizações ad hoc, realidade que não está de acordo com os relatos dos entrevistados relativamente à administração na Enfermagem portuguesa.

Quanto à unidade de direção, Fayol (1989) refere que apenas se alcança a unidade mediante uma boa constituição do corpo social. Este princípio pode assim ser expresso por um só chefe, um só programa. No entanto percebe-se, segundo o discurso de alguns participantes, que nas suas organizações não há a perceção de uma missão de organização. A definição de objetivos, partilha de valores comuns, coordenação de esforços no mesmo sentido, orientações ou preocupação da administração com estes aspetos parecem não se cumprir no atual contexto português. Posto isto, percebe-se que esta realidade tende a afastar-se do princípio preconizado por Fayol. Igualmente, na realidade americana, as organizações são, geralmente, multiaglomerados organizacionais regidos por distintas matrizes cujas funções dependem de múltiplos chefes (Rodrigues, 2001).

Relativamente à subordinação do interesse particular ao interesse geral, Fayol (1989) refere que a ambição pessoal e o egoísmo prejudicam o desempenho da organização, a menos que fatores pessoais como a ambição possam ser utilizados em benefício e apoio dos objetivos organizacionais (Schimmoeller, 2012). Algumas respostas dos entrevistados sugerem que existe a preocupação em atender às aspirações particulares dos enfermeiros e a tentativa de conciliar os interesses individuais com os objetivos da organização (ainda que sendo dado pouco feedback), o que sugere algum afastamento com o preconizado por Fayol. Estes dados aparentam aproximar-se do contexto norte-americano onde parece existir, atualmente, um maior compromisso por parte da administração com os interesses particulares dos seus subordinados (Rodrigues, 2001).

Em relação à remuneração do pessoal, contrariamente ao que Fayol (1989) referiu na sua obra, os entrevistados não encaram a remuneração como um prémio, sendo que a grande maioria dos entrevistados considera este aspeto como uma obrigação da própria organização. Segundo o mesmo autor, “a remuneração deverá ser equitativa, e tanto quanto possível, satisfazer ao mesmo tempo ao empregador e ao empregado” (Fayol, 1989, p. 50), Os entrevistados são unânimes: a remuneração não é vista como sendo equitativa. Na sua obra, Fayol afirma que os chefes deverão ter a remuneração dos seus trabalhadores como objeto contínuo de atenção, já que estes tendem “a melhorar o valor e a felicidade do pessoal” (Fayol, 1989, p. 56). De facto, segundo os entrevistados, tal parece não se verificar na atualidade, o que se poderá refletir na redução da qualidade de trabalho como foi relatado por alguns dos participantes no estudo. Contudo, no contexto norte-americano a remuneração é, sobretudo, baseada no desempenho dos trabalhadores (Rodrigues, 2001) sendo que, desta forma, os trabalhadores produzirão de acordo com o seu máximo potencial.

Quanto à centralização, Fayol (1989) refere que esta existe sempre, em maior ou menor grau, e é consequência natural do princípio da unidade de comando. Refere, porém, que este princípio deve ser analisado como um continuum, na procura de um limite favorável à empresa (Schimmoeller, 2012) e à circunstância, desde uma estrutura plenamente rígida e de obediência passiva a uma organização liberta onde o líder valoriza as funções dos vários subordinados da hierarquia (Souza & Aguiar, 2011). Este último aspeto parece aproximar-se da referência dos entrevistados à existência de, por um lado, uma hierarquia e, por outro lado, um espaço para alguma iniciativa e autonomia de serviços e chefias intermédias. Estabelecendo o paralelismo com o contexto brasileiro, verifica-se alguma proximidade com os achados apresentados, sendo que Matos e Pires (2006) referem que as mudanças no sistema de saúde implicaram alguma descentralização e desburocratização progressivas, agilizando as respostas e gestão de necessidades.

Ao nível da hierarquia, os relatos dos entrevistados dão conta da representação da existência clara de uma via hierárquica, como sendo o caminho seguido pelas comunicações que partem da ou seguem para a autoridade superior. Percebe-se que o uso de pontes na comunicação, que permitem a relação direta e anulam a via hierárquica, pode existir, apesar de ser pouco frequente. Este uso de “comunicação horizontal” segundo Rodrigues (2001), pode ser encontrado nas “operações cujo êxito depende da execução rápida” (p. 883), desde que aprovado pelos chefes diretos de cada um dos elementos em contacto, e apenas se estes últimos “puserem imediatamente os seus chefes a par do que fizeram” (Fayol, 1989, p. 57-58). Apesar de considerar o emprego da ponte como uma forma simples, rápida e segura de tratar uma questão, Fayol considera que a comunicação vertical deve ser recurso de excelência em organizações mais complexas. Esta consideração parece estar implícita no discurso dos entrevistados que, frequentemente, destacam a figura máxima da organização, a sua capacidade para solicitar informações quando entenderem necessário e o seu poder para aceitar ou não determinada decisão, levando os enfermeiros a respeitar todos os graus hierárquicos na transmissão da informação até ao topo. O contexto norte-americano parece, progressivamente, contrariar este princípio, realçando que a criatividade máxima só pode ser atingida se reduzida a formalidade da hierarquia, potenciando estratégias a partir da independência dos colaboradores (Rodrigues, 2001).

No que diz respeito à ordem material, existe uma aproximação entre o preconizado por Fayol (1989) e o referido pelos entrevistados, reforçando-se a analogia de que o lugar devidamente escolhido para cada coisa tende a “facilitar (…) todas as operações” (Fayol, 1989, p. 59). Relativamente à ordem social, é revelada pelos entrevistados a necessidade do enfermeiro convir ao lugar que ocupa, visto que “cada agente [deve] ocupa[r] o lugar onde pode prestar os melhores serviços” (Fayol, 1989, p. 60), e a tentativa de colocar cada enfermeiro num lugar que também lhe convém. Ainda a este respeito, Rodrigues (2001), reportando-se ao contexto norte-americano, refere a preocupação com um bom recrutamento e a procura de informação interna como forma de aumentar a eficácia da organização, numa lógica de maximizar a preparação e desempenho dos colaboradores mais do que o controlo das atividades dos mesmos. Os entrevistados referem não existir, por parte da administração, esta preocupação com a procura do equilíbrio dinâmico entre o conhecimento das necessidades da organização e os recursos sociais.

Relativamente ao princípio da equidade, este tem como principal objetivo a satisfação e, consequentemente, melhoria do desempenho por parte dos funcionários (Dalmolin et al., 2007), considerando-se importante que a justiça prevaleça como forma de as relações entre os funcionários assentarem numa visão de organização confiável (Schimmoeller, 2012). Os entrevistados do presente trabalho tendem a afirmar a ausência de equidade nas organizações, ainda que esta opinião não seja partilhada por todos, ficando a ideia de que este princípio é algo variável e dependente de um conjunto significativo de fatores. Comparativamente à realidade norte-americana (Rodrigues, 2001), parecem verificar-se diferenças substanciais a este nível, já que é referido que as organizações tendem a procurar que os funcionários assumam um compromisso com as mesmas dando-lhes uma sensação de propriedade da organização, fazendo-os sentir uma parte da engrenagem algo que, em Portugal, parece não se verificar.

No que se refere à estabilidade do pessoal percebeu-se que os participantes que teriam mais anos de experiência profissional seriam aqueles que menos sentiriam instabilidade na sua situação profissional. Além disso, pôde-se perceber que é dado tempo, ainda que cada vez menos, aos novos trabalhadores de se adaptarem ao novo local de trabalho, aspeto este que coincide com o que Fayol (1989) refere na sua obra, “um agente precisa de tempo para iniciar-se numa nova função e chegar a desempenhá-la bem” (p. 61). O contrário se passa no contexto norte-americano, onde os trabalhadores não são mais formatados para o emprego para a vida, e em que as organizações exigem cada vez mais, com os programas de formação contínua. Nesta realidade as organizações adotam uma estratégia de alta rotatividade necessitando, portanto, de treinar rapidamente novos funcionários (Rodrigues, 2001).

No que concerne à iniciativa, Fayol (1989) descreve-a como sendo a possibilidade de conceber e executar um plano. No entanto, segundo o que é relatado pelos entrevistados, na atualidade, apesar de existir recetividade face à exposição de novas ideias, sendo esta atitude considerada inclusive um motor para o avanço dos serviços de saúde, não existe feedback para a sua implementação. Por sua vez, no que se refere, ao ato de sacrificar o seu amor-próprio, parece existir uma certa dificuldade por parte das chefias intermédias em fazê-lo, face a objetivos propostos por outrem, caso os mesmos objetivos não constituam matéria do seu agrado. De acordo com Fayol (1989) “é preciso ter muito tato e certa dose de virtude para excitar e manter a iniciativa de todos, dentro dos limites impostos pelo respeito da autoridade e da disciplina. O chefe deve saber sacrificar, algumas vezes, o seu amor-próprio para dar satisfações dessa natureza aos seus subordinados” (p. 62). A iniciativa de todos é uma grande força para as empresas. Rodrigues (2001) corrobora a ideia, referindo que as organizações só podem criar uma atmosfera de criatividade máxima se for reduzida a hierarquia para o mínimo e se for fomentada a criação de uma cultura corporativa, uma filosofia da empresa na qual as estratégias podem ser implementadas por funcionários que pensam de forma independente e autónoma. Esta ideia, que se enquadra na concetualização Fayolista, pode ser encontrada no contexto norte-americano, em contraponto com o que parecem ser os sistemas de organização portugueses.

No que concerne à harmonia e união do pessoal, na sua obra Fayol (1989) afirma que estas são uma grande fonte de vitalidade para uma empresa. O mentor da Teoria Clássica da Administração assinalou, particularmente, dois perigos a evitar: a) Não se deve dividir o pessoal; b) Não se deve abusar das comunicações escritas. No primeiro, refere-se ser essencial utilizar as capacidades de todos e recompensar o mérito de cada um, sem despertar suscetibilidades ciumentas e sem perturbar as relações entre o pessoal. Na atualidade, esta indicação parece ser algumas vezes desvalorizada o que se poderá refletir na redução da qualidade de trabalho. Por sua vez, no ponto b), o autor conclui que, sempre que possível, as comunicações devem ser verbais, adquirindo-se com isso rapidez, clareza e harmonia, aspeto este que contrasta com a tendência atual de se elaborar, cada vez mais, as comunicações por escrito. Relativamente ao contexto norte-americano, Rodrigues (2001) afirma que, hoje, manter o espírito de corpo uno entre todos os funcionários da organização não se trata de algo imperativo como no passado, aproximando-se da realidade portuguesa e afastando-se, consequentemente, das influências do francês Henri Fayol.

 

Conclusão

Os objetivos inicialmente definidos para o presente trabalho foram integralmente cumpridos. Da sua concretização destaca-se, desde logo, o profundo entendimento e compreensão dos enfermeiros acerca das práticas administrativas atuais em saúde, numa reflexão e análise crítica apropriadas aos seus contextos, demonstrando que estes agentes não são de todo alheios ou indiferentes à temática. Por outro lado, foi possível perceber que as representações dos entrevistados, quando interpretadas à luz dos princípios da Teoria Clássica da Administração, não devem ser analisadas como absolutas ou inflexíveis, sendo frequentemente realçada pelos enfermeiros a necessidade de um equilíbrio e busca da medida certa caso a caso. Esta consideração assume especial relevância quando relativa a princípios como o da subordinação do interesse particular ao interesse geral e da unidade de direção, onde existe uma clara distinção entre o formalmente preconizado e a procura de ajuste em circunstâncias particulares ou desvios ao estruturalmente definido. Identifica-se ainda alguma tendência para considerações distintas entre os enfermeiros-chefes e os enfermeiros, mais evidente nos princípios da autoridade e responsabilidade e da disciplina.

Se numa decomposição abrangente se pode considerar que, aparentemente, existem princípios muito desfasados do preconizado por Henri Fayol, como o caso do princípio da unidade de comando e da remuneração do pessoal, por outro lado é possível estabelecer algum paralelismo entre o enunciado por Fayol e a administração contemporânea, evidenciando a pertinência da discussão, o que vai de encontro aos resultados de alguns estudos realizados. Pelas representações dos enfermeiros acerca das práticas administrativas das organizações a que pertencem, este estudo contribuiu para sugerir a mais-valia de implicar e incluir, futuramente, estes profissionais na discussão e decisão no seio da administração, revelando a necessidade de mudanças no que é praticado atualmente nas organizações de saúde. Esta sugestão parece-nos essencial para uma escolha fundamentada e para a experimentação de novos modelos de gestão, adequados a outras variáveis existentes dentro das organizações de saúde atuais, tais como: o uso intensivo da tecnologia, a flexibilização das relações de trabalho, a informatização dos sistemas de comunicação, a formação no contexto de trabalho, entre outros. Destaca-se, por fim, o benefício do desenvolvimento de investigações posteriores, na tentativa de confirmar ou refutar os achados descritos neste estudo, e compreender possíveis influências de outras teorias de administração e suas consequências nas dinâmicas organizacionais atuais.

 

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Recebido para publicação em: 19.04.13

Aceite para publicação em: 14.04.14

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