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Etnográfica

versão impressa ISSN 0873-6561

Etnográfica vol.18 no.3 Lisboa out. 2014

 

ARTIGOS

 

Solidariedade e conflito nos processos de interação cotidiana sob intensa pessoalidade

 

Solidarity and conflict in intensely personalized processes of daily interaction

 

 

Mauro Guilherme Pinheiro Koury1

1Grupo de Pesquisa em Antropologia e Sociologia das Emoções, Programa de Pós-Graduação em Antropologia, Departamento de Ciências Sociais, Universidade Federal da Paraíba (UFPB), Brasil. E-mail: maurokoury@gmail.com

 

 


RESUMO

O objetivo principal deste artigo é compreender as relações sociais no cotidiano de um bairro de intensa pessoalidade e considerado um dos dez bairros mais violentos da cidade de João Pessoa, Paraíba, Brasil. Tendo como principais intérpretes os moradores locais, nele se busca discutir o processo de sociabilidade no bairro e os processos de justificação que dão suporte a novas formas de solidariedade e conflito. O artigo pretende aprofundar a compreensão dos elementos de pessoalidade no bairro, tendo os medos corriqueiros, isto é, dissensos e rupturas, como organizadores do olhar do pesquisador. O enfoque analítico se encontra na dimensão microssociológica das emoções presentes e significadas pelos moradores no processo de construção do bairro e nos investimentos de gratidão e confiança presentes na configuração das relações sociais do cotidiano.

Palavras-chave: sociabilidade, pessoalidade, fronteiras simbólicas, medos corriqueiros, processos de justificação


ABSTRACT

The main objective of this article is to understand the social relations in the daily routine of a neighborhood intensely person-bounded and considered one of the ten most violent neighborhoods in the city of João Pessoa, Paraíba, Brazil. Having local residents as main interpreters, it aims to discuss the process of sociability in the neighborhood and the processes of justification that support new forms of solidarity and conflict. The understanding of the elements of person-boundedness in the neighborhood is deepened by taking the ordinary fears as organizers of the researcher’s gaze. The analytical focus is the micro-sociology of emotions that are present and signified by residents in the process of constructing the neighborhood and in the investments of gratitude and trust shown in the configuration of everyday social relations.

Keywords: sociability, person-boundedness, symbolic boundaries, ordinary fears, processes of justification


 

 

“O cotidiano se inventa com mil maneiras.”
Certeau (1994: 38)

Desenvolvo um projeto de pesquisa sobre medos e sociabilidade na cidade de João Pessoa, capital do estado da Paraíba, no Brasil, desde os anos de 2000, e uma das conclusões a que chegou o projeto, em suas diversas entradas na cidade, é a de que existem várias visões sobre a cidade e a violência dentro dela, definidas a partir do lugar de fala dos sujeitos que se dignaram a narrar suas experiências.[1] De acordo com o bairro onde moram, relatam uma experiência de medos e receios, seja como vítimas potenciais de uma violência que identificam como de crescimento ímpar nas duas últimas décadas, apontando o crescimento desordenado e o aumento considerável de aglomerados subnormais e a quebra da tranquilidade em uma cidade até então pessoalizada; seja, ainda, como vítimas diretas do imaginário sobre a violência local, que aponta alguns bairros como mais ou menos violentos. Neste segundo caso, há, com frequência, uma tentativa de salvar a face do bairro e de seus moradores (Goffman 1967), negando a imputação de bairro violento e, ao mesmo tempo, uma busca de indicar “elementos de fora do bairro” como os verdadeiros “arruaceiros” e sujeitos da violência que desonra os moradores locais – “trabalhadores honestos”, “pessoas de fé” e “retidão de caráter”, apesar de pobres.[2] É esse segundo caso que este artigo pretende aprofundar.

 

Aproximando o objeto

João Pessoa é uma cidade que se expandiu nas últimas quatro décadas. Essa expansão trouxe consequências várias para o seu cotidiano de sociabilidade, principalmente quanto aos medos que envolvem as relações entre os habitantes de bairros considerados mais nobres e o imenso número de moradores mais recentes, seja de classe média, vindos com o desenvolvimento da universidade federal local, como docentes, técnicos ou estudantes, de todo o Brasil e exterior; seja de estratos sociais mais pobres, oriundos do interior do estado e dos estados vizinhos, como Pernambuco e Rio Grande do Norte, pela diminuição dos empregos em seus municípios de origem; ou, ainda, pelo deslocamento progressivo para as capitais e grandes cidades brasileiras de populações que ainda sobreviviam do trabalho rural, no caso específico para João Pessoa, em busca de sobrevivência. A população mais pobre ocupou, desordenadamente, zonas mais periféricas da cidade e zonas consideradas de proteção ambiental, e também zonas degradadas do centro histórico, formando bolsões ou conglomerados subnormais, no jargão dos técnicos em planejamento urbano, na cidade.

O próprio desenvolvimento de João Pessoa, de outro lado, desalojava moradores instalados em locais destinados a projetos e investimentos econômicos e de moradia, sobretudo com a sua expansão para a praia, nos anos de 1970 (Koury 2008), principalmente colônias antigas de pescadores, que se viram sem outra possibilidade senão migrarem para outros pontos, mais próximos ou não dos seus antigos locais de moradia e trabalho. Os bairros populares, desta forma, foram surgindo não apenas na periferia, mas no interior mesmo dos núcleos urbanos e econômicos mais visados pelo capital econômico e de distinção cultural, como diria uma análise bourdieusiana da cidade.

Essa população pobre, assim, de um lado, serviu e serve como um mercado informal – composto, principalmente, de mulheres – para o emprego doméstico para as classes médias e médias-altas, embora, com a verticalização da cidade, também a partir do final dos anos de 1970, muitos desses empregos domésticos tenham sido assumidos por homens, como faxineiros, porteiros e prestadores de outros serviços locais. A expansão da cidade também trouxe uma mão de obra potencial para cobrir um mercado de construção civil, nas formas de pedreiros, ajudantes de pedreiro, pintores, encanadores e outros mais.

De outro lado, porém, a presença constante de uma população crescente pelas ruas da cidade criou um clima de tensão entre os moradores mais antigos, em relação aos demais moradores recentes, incluindo aí os de classe média, sobretudo universitários, inclusive com movimentações xenófobas contra a modificação dos costumes e códigos de conduta locais, que pareciam ameaçar a paz e o bom comportamento dos filhos da cidade, mas também, e principalmente, os mais pobres, vindos em levas constantes e não absorvidos no todo pelos serviços informais e o mercado formal local. Essas tensões iam além da mudança de códigos de conduta trazida pelos migrantes de classe média que assumiram postos universitários, particularmente na universidade federal local, e se colocavam, mais intensamente, em termos de segurança contra uma possível violência oriunda de pessoas “que não tinham nada a perder”, no discurso de um informante morador tradicional de um dos bairros com maior poder econômico, ou seja, oriunda dos migrantes pobres.

A partir dos anos de 1990 e mais acentuadamente nos últimos 13 anos, essa violência torna-se tônica de vários discursos na e sobre a cidade: da mídia, que explora a relação entre pobre e violência urbana de uma forma intensa; da polícia, que inicia uma série de estatísticas sobre o crime e a violência urbana local e cria mapas indicativos dos locais onde essa violência ocorre de forma mais evidente e das marcas que deixa na cidade, como um todo (indicando os bairros mais pobres como o centro nervoso da violência da e na cidade); do estado e da prefeitura local sobre a questão da segurança, quando tentam dar uma resposta aos cidadãos sobre o “combate à violência”, entre outros. Esses elementos, em seu conjunto, geram disposições no sentido de um disciplinamento da cidade, como também de um imaginário urbano de medos, que invade não apenas os moradores mais bem situados na estratificação cidadã, mas também aqueles chegados mais recentemente, principalmente os mais pobres, que lutam por se afirmarem e serem incluídos na cidade e se sentem marginalizados pelos discursos da segurança e da violência que os atingem por serem moradores de bairros considerados perigosos e de etiquetas diferentes das da cidade em seu todo.

As reflexões aqui contidas fazem parte de uma pesquisa maior que tenta ver as diversas configurações tensas que organizam os moradores de João Pessoa nesses últimos 40 anos, e como são vivenciadas na vida prática e no imaginário dos habitantes a partir dos seus locais de fala. Este artigo, porém, tem o seu lugar de reflexão num subprojeto dessa pesquisa, agora em desenvolvimento, que tenta discutir as relações cotidianas no bairro do Varjão/Rangel. Nele se tem interesse em conhecer localmente, no bairro, como os moradores organizam suas diversas relações cotidianas com os outros moradores locais, e como as redes por eles formadas em suas relações se ajudam entre si a significar suas trajetórias de vida até a cidade e dentro dela, no bairro onde moram; e, por outro lado, como são afetados pela lógica estigmatizadora da cidade, tanto em relação a ressentimentos, quanto à justificação e acusação perante o estigma presente na relação do eu (o próprio morador) com o outro (os demais moradores do bairro).

Neste artigo, desta maneira, se busca analisar essas configurações de justificativa e acusações no bairro através de um esquema peculiar, descoberto pelo autor no cotidiano do trabalho de campo, quanto ao uso de uma dupla nomenclatura para o bairro: o Varjão e o Rangel, nomes oficial e oficioso, são acionados quando o local de moradia é afirmado como um bairro violento (Varjão) ou como um bairro bom de morar e calmo (Rangel). O Varjão é sempre localizado um pouco mais adiante ou ao lado do lugar onde o informante reside no bairro. É assim possível que uma área acusada de violência seja indicada como Varjão, e que um outro informante, morador dessa área, a indique como Rangel.

Nesse jogo se situa o presente artigo, e os entrevistados são homens e mulheres comuns, relacionais, solidários uns com os outros, mas que se colocam uns contra os outros na defesa de salvar a própria face, como diria Goffman (1967), perante a acusação, de certo modo absorvida pelos próprios moradores, de que moram em um bairro violento e que produz o medo na cidade de João Pessoa como um todo. Assim, os informantes, neste artigo, não foram segmentados em lógicas de poder associadas a relações geracionais (jovens e velhos), ou de gênero. Em certos momentos se alega uma possível segmentação por tempo de moradia no bairro, mas apenas para se referir que essa lógica segmentar também é quebrada pelos próprios informantes, quando, em meio a ruas mais ou menos organizadas, becos com vários quartos de aluguel são gerados como forma de abrigar parentes e amigos recém-chegados do interior e de aumentar a renda dos moradores que os constroem.

Neste artigo procura-se, desse modo, verificar uma atribuição conceitual êmica colocada em ação pelos moradores para se salvaguardarem de acusações de que vivem em um bairro considerado perigoso e violento, através dos nomes pelos quais o bairro é conhecido. Um segundo interesse reside em verificar as significações de pertencimento presente, sempre na ambiguidade e ambivalência de uma relação de amor e ódio com o local, e com as acusações assumidas e rejeitadas de morar em um espaço considerado marginal e formador de marginais pela cidade de João Pessoa.

Assim, o artigo tem como referência e interesse etnográfico o bairro do Rangel, que nasceu Varjão e teve a sua ocupação de forma progressiva a partir dos anos 80 do século passado, embora haja registros de moradores a partir da década de 1930. Varjão/Rangel é um bairro popular da zona oeste da cidade de João Pessoa, próximo ao centro velho da capital e com fronteiras a outros bairros populares também considerados violentos nas estatísticas policiais e no imaginário da cidade, com notícias recorrentes na mídia sobre prisões, mortes e assaltos no bairro e fora dele por seus moradores.

Como a maior parte dos bairros populares da capital, o bairro de Varjão/Rangel foi ocupado por levas frequentes de antigos moradores de cidades interioranas que vieram para a capital em busca de emprego e de uma melhor condição de vida para si e suas famílias. Essa migração se deu (e ainda ocorre) em rede (Truzzi 2008): um parente, amigo, vizinho, conhecido da cidade de origem entrava em contato com outro já morador de João Pessoa e, através dele, vinha para a capital e se instalava na casa desses já moradores e, logo após, em um “puxado” que construía no terreno do morador ou próximo a ele, que também servia como um elemento que ajudava esses novos moradores a se inserirem na economia informal (ou, em poucos casos, na economia formal) da cidade.

O bairro do Varjão/Rangel, como os demais bairros populares da cidade, cresceu assim em um processo contínuo de ocupações realizadas através de redes de parentesco ou de vizinhança e amizade, que se aprofundavam no novo local através de laços de gratidão dos novos habitantes pela solidariedade dos já moradores. Esse processo refundava laços rompidos anteriormente, na vinda desses primeiros moradores, ou criava laços novos, pelo recebimento de novos sujeitos não tão próximos, mas indicados por parentes e amigos que haviam ficado nos municípios de origem.

A pessoalidade nas relações dos moradores do bairro, deste modo, é intensa, seja no âmbito do parentesco, seja no âmbito da amizade, ambos reorganizados na cidade através do vínculo de gratidão e compartilhamento. A confiança e a confiabilidade são, assim, elementos importantes na análise. Muitos grupos de folguedos e artes populares, por exemplo, desfeitos na vinda de alguns dos seus membros para a capital, foram posteriormente refeitos com a vinda de outros e acrescidos com novos elementos recrutados no bairro, e seus folguedos foram enriquecidos com as experiências adquiridas na vivência na capital. Não quer dizer que não haja dissensões, tensões, conflitos e rupturas nessa pessoalidade.[3]

Este artigo, portanto, pretende aprofundar a compreensão desses elementos de pessoalidade, tendo os medos corriqueiros, isto é, dissensos e rupturas como organizadores do olhar do pesquisador. As diversas entradas nos bairros da cidade de João Pessoa, pelo pesquisador e por vários estudantes, em cada etapa da pesquisa, tinham por interesse compreender os medos corriqueiros, entendidos não apenas como os grandes medos de uma sociedade que vive a cultura do medo, mas como pequenos enfrentamentos do cotidiano entre moradores, entre moradores e outros bairros fronteiriços, e entre moradores e a cidade de João Pessoa, e inversamente.

A entrada no bairro do Varjão se deu, em primeira instância, movida pela enorme repercussão na cidade e na mídia nacional de uma chacina, conhecida como “Chacina do Rangel” e acontecida no ano de 2009 (Koury, Zamboni e Brito 2013), e pela busca de compreensão das ranhuras dos códigos de solidariedade, confiança e lealdade que regiam os envolvidos, chacinadores e chacinados, até o momento da tragédia. Lá chegando, o pesquisador deparou com um bairro chocado, assustado e agressivo na defesa de si mesmo, acusando como insanidade a demonização do caso que redundou na chacina e que manchou ainda mais o bairro com o estigma de violento, desordeiro, sem padrões morais e com códigos de conduta desviantes.

Esses novos elementos me tocaram de modo efetivo e passei a olhar e visitar o bairro com uma frequência cada vez maior. Esse aumento na frequência das visitas buscava, deste modo, entender a indignação moral e o fechamento do bairro para conversas sobre a chacina, suas motivações – entender as razões de uma defesa tão grande de que não eram assim os seus códigos de conduta e que aquilo tinha manchado ainda mais o bairro e aumentado o seu estigma perante a cidade, ao ponto de muitos afirmarem que não saíam “… daqui porque não tenho outro recurso, mas, por onde eu vou, digo que moro no Rangel e sou olhado com uma apreensão maior, como se fosse eu que tivesse feito aquilo [a chacina]”.

Em 2012, enfim, da pesquisa maior sobre medos e sociabilidade na cidade de João Pessoa se desenvolveu um subprojeto tendo o Varjão, nome oficial do bairro, como universo, e a sociabilidade interna e o estigma como elementos que norteariam a busca de compreensão de como se viam os informantes como moradores do bairro, como viam o outro morador, como viam o próprio bairro, em relação aos seus moradores e ao estigma da violência pela cidade, suas bases de solidariedade e os medos corriqueiros, os medos em geral que percorriam seus sentidos de pertencimento e disputa por reconhecimento nas diversas instâncias do “outro”: vizinhos, família, espaços de trabalho, os demais bairros e a cidade.

Apesar de o subprojeto não explicitar a vergonha local pela chacina, foi ela que motivou a uma aproximação ao bairro para entendimento de sua história através das narrativas dos seus moradores, dos lugares de fala de cada um deles. Lugares de fala, é bom frisar, aqui menos ligados à geografia do bairro e ao lugar da morada, ou, tampouco, à segmentação possível entre pessoas melhor ou pior situadas economicamente no bairro, ou ainda a recortes de gênero ou idade, ou religião e outros fatores, mas, principalmente, às fronteiras simbólicas que faziam os informantes situar-se frente aos demais moradores e frente a eles mesmos.

Isso porque notei frequentemente, nas minhas visitas informais ao bairro, que os moradores pareciam conhecer uns aos outros intensamente; todos, também, perpassavam as informações de serem “pessoas de bem”, de serem “trabalhadores”, de apenas cuidarem de suas próprias vidas, de não gostarem de “fofocas”. Mas, ao mesmo tempo, além da fronteira pessoal do informante, o bairro ou as quadras vizinhas da sua moradia ou do local onde tinha um pequeno negócio eram significados como antros de fofoca, de vadios/as, de gatunos, de drogados, de arruaceiros que “estragam a imagem do bairro na cidade”.

Quando da minha entrada sistemática no bairro, já com o subprojeto em execução, comecei a notar o uso dos dois nomes do bairro, Varjão e Rangel, como elementos de acusação ou justificação para narrar o próprio bairro e os enfrentamentos cotidianos com os estigmas que o marcam, bem como o seu contrário, o bom viver no bairro. Esse artigo é, assim, uma tentativa de discutir categorias êmicas de entendimento, expressas no uso dos dois nomes, Varjão e Rangel, como estratégia narrativa de justificativa e acusações dos moradores do bairro sobre o próprio bairro e suas relações de amor e ódio com ele, no interior de um processo de trabalho de campo que situa o autor no interior de uma “objetificação participante”, como lhe chama Bourdieu (2003).

Esta objetificação participante não tem a finalidade de explorar “a ‘experiência vivida’ do sujeito de conhecimento, mas sim as condições sociais de possibilidade – e, dessa forma, os efeitos e limites – dessa experiência e, mais precisamente, do próprio ato de objetivação. Visa (enfim) objetivar a relação subjetiva com o próprio objeto (como) uma das condições da objetividade…” (Bourdieu 2003: 282).

O enfoque analítico deste artigo se encontra na dimensão microssociológica das emoções (Scheff 1990; Scheff e Retzinger 1991) presentes e significadas pelos moradores no processo de construção do bairro e nos investimentos de gratidão e confiança presentes na configuração das relações sociais do cotidiano (Goffman 1973). A gratidão e a confiança, deste modo, têm servido como parâmetros norteadores do olhar do pesquisador, seguindo de perto as análises simmelianas sobre o assunto (Simmel 1964, 1983, 1990, 2001, 2002, 2003, 2004, 2005, 2010), para acompanhar o processo de equilíbrio das relações sociais presentes no cotidiano do bairro do Varjão/Rangel, sua pessoalidade, e, a partir daí, identificar as ranhuras, os pontos de tensão e desordem no interior dessas mesmas relações.

O objetivo principal deste artigo é compreender as relações sociais no cotidiano de um bairro (Mayol 2005) que é considerado um dos dez bairros mais violentos da cidade de João Pessoa, Paraíba, Brasil, tendo como principais intérpretes os moradores locais. Nele se busca discutir o processo de sociabilidade no bairro e os regimes de justificação que dão suporte a novas formas de solidariedade e conflito. Por regimes de justificação se entende aqui processos de acusação e defesa advindos dos atritos e tensões entre os próprios moradores, a partir de discussões triviais no bairro, em processos de interação social baseada em larga medida numa profunda pessoalidade, através dos laços de confiança e gratidão oriundos de uma rede social baseada na solidariedade.

É um projeto inserido na área de antropologia e sociologia das emoções e da moralidade, e pretende contribuir para a discussão sobre o alcance da categoria emoções para a análise realizada pelas ciências sociais. A principal meta a ser alcançada é a de compreender como e quais emoções são organizadas socialmente no processo de composição do cotidiano dos moradores do bairro – seja através das relações mantidas com os seus pares diretos (os demais moradores do bairro), seja com os seus pares indiretos (as falas e visões da cidade de João Pessoa sobre o bairro em que habitam), e como isso reflete no processo de autoestima e na interação social dos moradores entre si, e dos moradores com o restante da cidade. Uma segunda meta é a de perceber os processos de conformação dos medos corriqueiros, as formas de proximidade e evitação assumidas pelos moradores do bairro e direcionadas aos outros relacionais, e as formas internas de controle social e resoluções de conflito, em uma organização social comunitária intensamente pessoalizada.

 

A geografia urbana do bairro

O Bairro Varjão/Rangel (figura 1) se situa na zona leste da capital do estado da Paraíba, João Pessoa. Forma um pequeno triângulo, incrustado entre a reserva florestal da Mata do Buraquinho e o rio Jaguaribe, e entre os bairros de ­Jaguaribe e Cruz das Armas ao norte, o Bairro de Cristo Redentor a leste, e ao sul o bairro de Água Fria.

 

 

Os seus limites geográficos são a Mata do Buraquinho, com a rua São Geraldo, que percorre toda a Mata do Buraquinho, e onde se situa a população mais carente do bairro, ao leste; o rio Jaguaribe, ao norte, delimitando as fronteiras entre o Varjão/Rangel e os bairros de Jaguaribe e Cruz das Armas; a oeste e ao sul, faz fronteira com o bairro de Cristo Redentor, tendo início no último trecho da rua Josery Serrano Assis, ao sul do bairro do Varjão/Rangel, que liga as ruas São Geraldo, a oeste, e Leonel Pinto de Abreu, a leste; e Água Fria.

A região que corresponde aos atuais bairros do Varjão/Rangel, Cristo Redentor e Água Fria, até o final da década de 1970, era conhecida pelo nome de Varjão, a grande várzea do rio Jaguaribe. Nesse período, a área oeste e mais ao sul foi ocupada por um grande loteamento e nele foi criado um grande conjunto habitacional privado, destinado à classe média, principalmente professores e funcionários da Universidade Federal da Paraíba (UFPB) e funcionários graduados do estado e do município de João Pessoa. Essa nova ocupação originou os bairros chamados Cristo Redentor e Água Fria (este último percorre toda a extensão sul da Mata do Buraquinho, fazendo fronteira com Cristo Redentor e a BR 230, indo até próximo da UFPB). Esses dois novos bairros ­ocuparam a maior parte do antigo Varjão, formando o cone principal que delimita o atual Bairro do Varjão/Rangel.

O bairro do Varjão/Rangel, hoje, vive um processo de mudança de nome. Oficialmente, no interior da lei municipal que delimita as fronteiras e nomeia os bairros da capital (Lei n.º 1574, de 04/09/1998, da Câmara Municipal de João Pessoa), o bairro se chama Varjão. Porém, no imaginário da população local e da cidade (tanto na mídia, quanto nas linhas de ônibus e em alguns mapas atuais não oficiais), o bairro ganha o nome de Rangel. Essa polêmica entre dois nomes do bairro ainda está sendo investigada, mas parece ser originária de questões relacionadas a um sentimento de estigmatização referente ao nome Varjão: nome relacionado a um local considerado pelos moradores da cidade como violento e dos mais carentes.

O nome Rangel e a luta pela denominação do bairro com este nome aparecem pela primeira vez nos finais da década de 1970, a partir do processo de divisão da área do Varjão nos dois novos bairros referidos, Cristo Redentor e Água Fria, oriundos de um investimento habitacional do poder público e privado para a expansão e o ordenamento da cidade. Ao oeste e ao sul do bairro surgem dois grandes conjuntos habitacionais direcionados para a classe média, ligados à universidade e aos quadros técnicos do segundo e terceiro escalão do estado e do município. A entrada de segmentos das classes médias não apenas ocasiona a divisão mencionada, mas organiza toda a área da várzea do Rio Jaguaribe em bairros que buscam uma não identidade como Varjão, que nos códigos da cidade se tinha como área perigosa e de risco.

Esses códigos discriminadores da cidade são transpostos para os dois bairros que lá se instalam, na busca de desidentificação; para tal, se organiza toda uma procura de caminhos que levem a um apartamento dos estigmas que rondam os moradores do Varjão. De um lado, os moradores do Cristo Redentor procuram as instâncias da prefeitura e da polícia para um disciplinamento do bairro vizinho, tanto quanto a infraestrutura, quanto a padrões de segurança e, digamos, eliasianamente, civilidade. De outro lado, investem em conversações com os moradores do Varjão na fronteira com o Cristo Redentor, e com associações de moradores locais, para juntos buscarem uma solução para a discriminação do Varjão, para a síndrome de um bairro com comportamentos desviantes e de intensa violência. Não foram ouvidos pelas instâncias do estado e da prefeitura locais, a não ser no agenciamento de pequenos serviços infraestruturais nas fronteiras dos bairros, mas as conversações com moradores terminaram com a elaboração de estratégias para a desvinculação do bairro relativamente ao nome Varjão.

Em pesquisas, professores da universidade que moravam no Cristo Redentor descobriram que um desembargador paraibano era oriundo do Varjão, de uma família de moradores locais de nome Rangel. Essa descoberta deu origem a um aprofundamento das conversas com os moradores do Varjão fronteiriço ao Cristo Redentor e com associações de moradores, no sentido de investirem na luta pela mudança do nome do bairro. Primeiro, porque associaria o bairro a um morador local que ascendeu a um cargo importante e significativo na cidade, no estado e no país, desfazendo o bairro, em seu conjunto, como um bairro de evitação e fazendo a cidade olhar para ele com olhos diferenciados, como um bairro que também contribuiu para a nobreza e padrão moral da cidade. Segundo, para os próprios moradores do Varjão, a luta e a conquista de um nome “digno” para o bairro contribuiria, também, para olharem para si mesmos como moradores de um local com exemplos significativos dos códigos de conduta citadinos e da moral de ascensão social, diminuindo, assim, o sentimento de estigmatização interiorizado pelos habitantes e jovens moradores.

Nesse sentido, a busca de inclusão social dos moradores foi realizada no medo de contaminação dos habitantes dos novos bairros, principalmente os do Cristo Redentor, que venderam a ideia da mudança do nome Varjão para ­Rangel como uma forma de se livrar da pecha de desviantes, desordeiros e perigosos. Foi pelo medo de contaminação, isto é, pela intenção de se desvencilharem do estigma do Varjão, que os moradores do Cristo Redentor, estigmatizando o Varjão, procuraram instituir uma possibilidade imaginária de reorganização do bairro com outro nome, Rangel.

O nome Rangel foi acolhido por moradores, pelas empresas de transportes urbanos, pela mídia, mas o bairro continuou sendo Varjão, daí a duplicidade: o nome oficial e o nome perseguido como fundamento de uma nova forma do olhar do outro para si, e do olhar de si para si mesmo. Essa duplicidade de nome ainda hoje é vivida com intensa diferenciação interna – na rejeição do nome Varjão, pelo estigma interno e externo como bairro violento, e na luta pelo nome Rangel, que caiu nas graças locais como um bairro “bom de se morar” – e também na cidade, que toma hoje o Rangel como o nome do bairro real, mas, como real, voltou sobre ele os estigmas, também. O Rangel continuou a ser visto como um bairro violento, tenso e perigoso.

O fato ofende os moradores, que viram a sua luta não redundar em uma afirmação de pertencimento e inclusão na cidade, e viram os bairros que os colocaram nessa luta de mudança de nome aprofundar, eles mesmos, a estigmatização e a acusação permanente do Varjão/Rangel como um bairro de desordeiros e que mancha os moradores dos bairros fronteiriços, o Cristo Redentor e o Água Fria, o que ampliou ainda mais as marcas internas do estigma nos moradores do Varjão/Rangel e, principalmente, daqueles que moram nas fronteiras com os outros dois bairros.

Do lado do Varjão/Rangel, as ruas fronteiriças se fazem confundir com os bairros de Cristo Redentor ou Água Fria; da parte desses últimos, porém, as ruas fronteiriças são sempre marcadas com uma intensa demonstração de que não pertencem ao Varjão/Rangel. Isso complexifica o conjunto de afirmações e negações sobre o que é o bairro e o que é morar no Varjão/Rangel. Os dois nomes são afirmados como uma desculpa, como uma defesa ou como uma acusação, sempre como uma forma de livrar a face dos estigmas e condutas ditas pela cidade, pelos bairros vizinhos e pelos próprios moradores. E exprimem mesmo um ressentimento pelo não reconhecimento do Rangel como nome que “limparia” o bairro, e contra os moradores dos bairros ao lado, que “venderam” uma ideia, mas, ao mesmo tempo, aprofundaram o perfil estigmatizante do bairro ao o rejeitarem e o acusarem como fonte de contágio e como motivo de envergonhamento para os seus moradores.

Nesse artigo, refiro-me apenas às disputas internas entre os moradores do Varjão/Rangel. As tensões entre bairros fronteiriços e em relação à cidade só aparecerão quando necessárias para entendimento do jogo de justificações, acusações e desculpas dos moradores locais em seus relatos.

 

O bairro do Varjão/Rangel

A área do Varjão, historicamente, começa a ter o seu processo de ocupação a partir dos anos de 1930, com migrantes que vieram do interior do estado da Paraíba em busca de emprego e melhores condições de vida na capital do estado. A ocupação foi desordenada e crescente, feita, principalmente, através de uma rede social homofílica (Marques e Bichir 2011), onde se expressam semelhanças baseadas nas vinculações orgânicas entre parentesco e amizade, em que parentes e amigos se baseiam para a vinda e estabelecimento na capital.

É um bairro, ainda hoje, de laços muito estreitos e de intensa pessoalidade. Como em quase todos os bairros periféricos, as pessoas encontram-se sentadas nas calçadas, conversando entre si, ou vendo o tempo passar, crianças brincam nas ruas e jovens fazem pequenos grupos de conversas, casais namoram, e acontece muita atividade recreativa e cultural, como “peladas”, jovens andando de skate, adultos jogando partidas de dominó, rodas de capoeira, grupos tocando tambores em ritmos de maracatus, etc.[4] Nos dias de missa e cultos nas diversas igrejas espalhadas pelo bairro, vê-se uma grande frequência de moradores, e toda uma gama de atividades fora da igreja, sobretudo dos jovens que lá acorrem para encontros diversos, tendo as paróquias como ponto de encontro.[5]

A ocupação dessa grande várzea foi sendo feita aos poucos, através da invasão da Mata do Buraquinho e de aterros próximos às margens da nascente do rio Jaguaribe. Nos anos de 1970, teve importante papel no desenvolvimento das Comunidades Eclesiais de Base e no movimento das Associações de Moradores do município de João Pessoa e em todo o estado, através do Conselho de ­Moradores do Varjão.[6] Entre outras lutas, participou do movimento contra a carestia, do movimento pela melhoria de vida e trabalho local e municipal; e, de cunho mais local, da criação de uma associação funerária e de um cemitério mais próximo e mais barato para enterrar os seus mortos, muito dos quais assassinados em brigas de rua e entre vizinhos ou pela polícia, em confrontos armados.

O bairro do Varjão/Rangel, hoje, segundo dados do Censo Demográfico de 2010, realizado pelo IBGE, possui 4701 domicílios e abriga uma população de 16.959 habitantes, com mais de 80% dela vivendo com uma renda de até um salário mínimo.[7] Nos indicadores de violência consultados, o bairro sempre aparece na lista dos dez mais violentos da capital, sendo extremamente vigiado pela polícia, que sempre mantém à noite alguns carros com policiais fortemente armados nas entradas para o bairro.

Ponto de drogas, o bairro abriga traficantes e gangues organizadas e serve como ponte para a distribuição de drogas entre os bairros de Cruz das Armas e outros limítrofes, como os da Ilha do Bispo, Alto do Mateus e Varadouro, também bairros populares da cidade e considerados violentos.

O bairro onde se passam as observações contidas neste trabalho, como já notado acima, tem a dupla denominação de Varjão, nome oficial conforme a lei municipal, e de Rangel, nome que ganha internamente e no cotidiano da cidade: as linhas de ônibus indicam Rangel para as frotas que por lá passam, os anúncios de empresas ou serviços que lá se situam também assumem esse nome em suas propagandas, a imprensa, por fim, também chama Rangel ao bairro problema, de muita violência, de pontos de drogas, como costuma abordar rotineiramente em suas notícias.

Mas o que importa, aqui, é como o próprio bairro se autointitula: Rangel. Ou melhor, é Rangel, mas também é Varjão, depende do lugar onde se fala e a que se refere. Por exemplo, sempre se mora no Rangel e o Varjão é um pouco mais acima, ou um pouco mais abaixo, ou um pouco mais ao lado do ponto em que se reside.

O Rangel é um bairro calmo, aprazível, bom de morar. Não há violência no Rangel. Já no Varjão, é tudo ao contrário: é lugar de violência, de desassossego, de gente mal-educada, de drogas, de gente não temente a Deus, enfim. E o Varjão/Rangel são dois bairros em um, como uma moeda de duas faces: um lado equilibrado, o outro não, sempre dependendo do lugar da informação.

O Rangel muda de lugar a toda hora, assim como o Varjão. Um é o antônimo do outro: nunca se mora no Varjão sempre no Rangel. O Varjão muda, assim, conforme um habitante queira mostrar o aprazível lugar onde mora.

A violência, o barulho, a má educação são sempre provenientes do lá, mais acima, mais abaixo, um pouco mais ao lado e além do ponto do qual se fala. Por isso, os dois nomes são utilizados como uma forma de demonstração da faceta interna de dois universos que convivem próximos, íntimos, de forma direta e intensa, mas em que é possível separar, pela nomenclatura, o lado mais temido pela cidade – e que causa mais temores aos moradores do bairro, quaisquer que sejam eles, de discriminação e violência – do seu lado positivo, isto é, de bairro aprazível e bom de morar.

Este trabalho versa sobre esse bairro de dois nomes, usados como forma de proteção ou acusação, nas conversas mantidas com os seus moradores nos últimos meses. Uso aqui a noção de acusação no sentido de um conceito que, de um lado, age como uma forma de preservação do próprio morador, em sua narração, face a um estigma ou a um problema específico (no caso, a violência, as drogas, a desonestidade, o mau caráter de outros moradores), mas, de outro lado, evoca um pedido de desculpa (Werneck 2012) por morar em um bairro segregado (Koury 2011), compartilhando o estigma que a cidade, a mídia e os relatórios policiais emitem sobre ele, e narra esse bairro problema como outro bairro, o Varjão (sempre acima, abaixo, ao lado), que a cidade e a mídia confundem com o Rangel, onde moram os homens e mulheres honestos e de bem.[8]

Esta pesquisa está ainda em seu começo, e como tal, é cheia de surpresas e achados que com o tempo poderão melhor ser acomodados em um pensamento reflexivo mais complexo e completo. Por enquanto, porém, me detenho mais em uma descrição densa, ou a mais densa possível, tendo como recorte o cotidiano de um bairro popular da cidade de João Pessoa, em seus elementos internos e externos de autoidentificação como pessoas e como indivíduos nos quadros traçados pela pessoalidade do bairro e pelas instâncias da cidade que lidam anonimamente com eles como violentos, despertando o temor da população da capital.

 

O que significa morar no Varjão/Rangel?

Esta pergunta foi feita exaustivamente em várias conversas informais aproximativas de nossa entrada no bairro, bem como durante as idas e vindas e alguns dias e noites passados de forma intensiva nele. As respostas são afirmativas em dois sentidos: de um lado, é bom morar no bairro, se conhece todo mundo, o clima é bom, é perto do centro da cidade de João Pessoa, é possível ir a pé, tem um bom transporte urbano, tem uma boa feira e mercados; ao mesmo tempo, as mesmas pessoas que notaram o lado aprazível de se morar no bairro afirmam, também, que só moram lá porque não têm condições de residir em outro lugar, que é um ambiente de fofoqueiros e de quem não tem nada o que fazer, que é um local perigoso, de muitos tiros, de muita insegurança: “já fui assaltada três vezes no caminho até o posto de saúde”. Essa dualidade se expressa de acordo com a informação ulterior solicitada ao informante. Quando se está conversando sobre o que é que o bairro tem de melhor a oferecer, e, deste modo, como é viver no bairro, no geral, as respostas quase sempre afirmam que “é bom”, “é um lugar aprazível”, “é perto de tudo”, “vou e volto do trabalho a pé”, “lugar de amigos”, “meus parentes moram perto”, “tem muitas escolas para os filhos e netos”, entre outras tantas considerações. Quando, porém, se pergunta como é viver no bairro, ao se falar sobre os problemas nele existentes, os sentidos mudam: é um bairro de muita fofoca, de muita maledicência, de muita intriga, de muita bandidagem, “sou homem que sai de manhã para o trabalho e volta à noite, e não tenho tempo de ficar por aí bebendo e fofocando”, ou “sou mulher de dentro de casa, não ouço e não vejo nada do que se passa lá fora”; ou “tenho medo dos meus meninos por aí, sujeitos a drogas e a tudo o que não presta”, ou ainda “aqui nada presta, só tem gente fofoqueira e que gosta de intriga: conheço todo mundo, mas só de bom dia, boa tarde”. É um bairro também de problemas na infraestrutura: coleta de lixo que se realiza de quando em vez, “gente mal-educada que joga lixo pelos becos”, “quando chove tudo fica alagado”.

A dualidade apontada nas respostas sobre como é viver no bairro, mais uma vez, ganha outras conotações quando o elemento motivador se concentra nas reflexões a respeito de sua rua. No geral, as pessoas gostam da rua onde moram, usam expressões como “sempre vivi aqui”, ou “estou aqui desde que me entendo de gente, conheço a todos, moro numa parte da rua tranquila, sem violência e diferente de logo ali em baixo, onde só dá piniqueira, bandidagem e gente mal-educada”, ou “moro num lado tranquilo da minha rua, mas acolá só tem perigo; mas eles me respeitam, eu não me meto com eles e eles não se atrevem a mexer comigo e com os meus, cada um na sua”. E gostam dos vizinhos: “são pessoas ótimas, às vezes fofoqueiras e intrometidas, mas a gente perdoa, pois são eles que estão junto da gente quando a gente precisa”, ou “conheço muitas meninas de minha idade; algumas já são mães como eu; mas tudo são amizades básicas, não tem tempo de se ver, mas são boas colegas para as festas”, “meus vizinhos são a minha madrinha, meu tio e a mulher do meu tio: tudo gente da hora”; “são comunicativos, gostam de conversar, todos aposentados como eu, ficamos horas jogando conversa fora”; ou, ainda, “um dos vizinhos trabalha comigo, no geral eles são companheiros, gente boa, com caráter, pais de família; sou amigo de todos, não mexo em pé de guerra”. A maior parte, contudo, informa de uma relação mais distanciada, apesar da proximidade quase gritante entre as moradias, e a entrada e saída constante de pessoas nas casas umas das outras. Recebemos respostas como: “Todos bons, mas não me meto com nenhum”, ou “aqui só tem fuxico; mas eu não tenho tempo nem vivo nas portas; melhor ficar sozinha”, ou ainda “são todos pessoas boas, não tenho o que falar, mas vivo na minha”, “gosto de todos, mas é tudo amizade oi-oi, vivo do trabalho para casa, não gosto de me misturar”. Existe assim uma expressão de distanciamento, indicativa de uma diferenciação entre quem narra (o informante) e os vizinhos a quem se refere.

A diferença entre o informante e os outros moradores é o elemento moral que circunda as falas (Koury 2010). Como procurando salvaguardar a si próprio, o informante vê os outros como potenciais ameaças, que ligam o bairro ao imaginário da cidade que o vê como violento e marginal. Ou, como disse Goffman, “quando o indivíduo se apresenta diante dos outros, seu desempenho tenderá a incorporar e exemplificar os valores oficialmente reconhecidos pela sociedade e até realmente mais do que o comportamento do indivíduo como um todo” (1988: 41). E, assim, de forma concomitante, se refere aos outros como possíveis desconhecidos, que residem em partes menos nobres do bairro, no Varjão, e que provocam inquietações e inseguranças aos próprios moradores, ao mesmo tempo em que procura se esconder no ato acusatório de que haverá possíveis retornos do estigma para si próprio.

Isto pode ser sentido na narrativa de um informante, aqui chamado de Antônio. Ele alegou, falando das experiências negativas de morar no bairro, ter tido sua moto roubada recentemente e apontou os moradores da parte central da rua São Geraldo e adjacências como possíveis autores do furto:[9]

“Gente conhecida não foi, moro nessa rua desde que nasci e todo mundo aqui no Rangel me conhece, isso foi a galera aí do meio, um morador do Varjão, como é conhecida essa parte do bairro, que é chegada a umas levas de bagulho, e não respeita ninguém: hoje em dia, por aqui, é na base do vacilou, perdeu. Também a moto ’tava aí no meio da rua e eu namorando, e de madrugada, tu sabe, não é, nada e ninguém são de ninguém.”

A afirmação de Antônio destaca a grave fratura social presente no Varjão/Rangel, seja em relação à própria nomenclatura do bairro, seja para com os moradores que nele habitam e que são considerados melhores ou piores do que aqueles que os acusam.

Para Geertz (1978: 143-144) a cultura é composta pelo ethos, enquanto tom que reflete a própria experiência das pessoas e do seu mundo, e pela visão de mundo, vista como a elaboração de um quadro geral onde a experiência pessoal e do mundo singular onde se vive se compara às expectativas da sociedade mais geral, e por onde se reelaboram os conteúdos das vivências singulares e cotidianas em relação aos valores, aos sentidos, às construções e práticas que se sobrepõem sucessivamente na organização da vida social.

Assim, ameaça e medo, insegurança e perigo aparecem constantemente nas narrativas e conversas informais com os moradores do bairro. Falas com conteúdo, como indicou Lúcio Kowarick (2002: 24), “no mais das vezes acusativo”, mas que também servem como elemento que protege aquele que fala da sua possível inclusão entre os que provocam medos, receios e insegurança.

No geral, porém, expressam práticas ou discursos sociais de caráter defensivo, repulsivo e repressivo que parecem constituir “um elemento estruturador, ao mesmo tempo banal e assustador, do cotidiano do brasileiro” (Kowarick 2002: 24), e que se entranha bairro adentro como um ingrediente moralizador das relações dos homens comuns e de sua tentativa de separação interna entre os “bons” e os “maus” em um bairro visto como gerador de insegurança, em sua totalidade, pela cidade.[10]

É nesse jogo que os sentimentos de pertença são elaborados, tanto quanto os sentimentos de constrangimento e embaraço por se ser morador de um bairro estigmatizado. No bairro do Varjão/Rangel, a trajetória dos moradores é marcada pelo pertencimento ao lugar onde moram e compartilham o cotidiano. Nesse sentido, o bairro é visto como o meu lugar, o lugar onde nasci e onde conheço a todos e todos me conhecem e respeitam. Mas, também, é o lugar onde as faces da exclusão são bastante evidenciadas, o que faz os moradores usarem-se uns aos outros como escudos protetores de sua posição social como homens ou mulheres honestos, trabalhadores, tementes a Deus e aos homens. Os outros, os de lá, os de lá para cima, são os malfeitores, os violentos, os sem educação, “diferentes de nós que moramos aqui”.

“Os maus elementos estão em toda parte, mas aqui parecem atingir a todos nós, pessoas honestas e tranquilas. A gente mesmo se sente inseguro no dia a dia, por isso digo que falo com todos, mas também evito todos: só uns dois ou três, tomo uma cerveja vez ou outra na porta de casa, sem contar com os parentes que moram aqui de todo e sempre. Mas, se passa um polícia, me bota na parede e pede meus documentos. Tenho que dizer a todo o momento que moro no bairro porque não tenho dinheiro para morar no outro, mas sou trabalhador e honesto” [Jamerson, 35 anos, vendedor].

Para Pierre Mayol (2005: 39), um bairro pode ser definido “como o lugar onde se manifesta um engajamento social, ou noutros termos: uma arte de conviver com parceiros (vizinhos, comerciantes) que estão ligados a você pelo fato concreto, mas essencial, da proximidade e repetição”. A proximidade e a repetição se configuram, portanto, nos afazeres e nas ações sociais do cotidiano. Apontam regularidades de comportamentos e lógicas simbólicas próprias ao contexto do bairro.

A noção do bairro como um espaço de convivência cotidiano, parece conter, porém, um forte poder afetivo, de amor e ódio, é bom frisar, para os moradores. O bairro é visto como um lugar onde as pessoas se ligam umas às outras, fazendo parte dele. É a base territorial onde se compartilham experiências e sentimentos de divisão de um destino comum e de “conteúdo do qual se nutrem os membros de um grupo social nas suas vidas diárias” (Costa 1994: 41), mas, também, um local de estranhamento e evitação.

Através desse estranhamento do outro e da estigmatização que a cidade imputa ao bairro, os moradores estabelecem fronteiras simbólicas internas, e o bairro que é um só vira dois, e esses dois se convertem em vários outros possíveis, dependendo das formas de evitação, em que narradores podem ser considerados também objetos de exclusão e estigma. Reproduzindo o estigma do perigo e da evitação entre si, se diferenciam e buscam, ao mesmo tempo, uma ação positiva para suas identidades no jogo relacional.

É um lugar onde se exercitam os referenciais simbólicos compartilhados nas situações de vida cotidiana. É o espaço, por fim, onde acontece o convívio entre vizinhos, amigos e parentes, seja em processos de solidariedade e de ajuda coletiva face a imprevistos econômicos, de saúde, de emprego; seja nos ambientes de lazer e louvação, como nos bares, nas calçadas, nas esquinas, nos terrenos baldios que servem de campos de futebol, nos clubes e associações, nas igrejas, nas festas, nas praças e outros; seja ainda como espaço onde acontecem conflitos por questões pequenas e grandes, como brigas entre crianças que assumem a forma de brigas e mortes entre os pais, ou desavenças e separações cotidianas de amantes; ou no qual existem preocupações de resguardar os filhos das drogas e de outras formas ilícitas a que eles estão expostos; até mesmo o lugar de uma resistência cotidiana em forma de pressões públicas e organização de moradores, de onde foi conseguida boa parte do que diz respeito à infraestrutura.

As representações coletivas se manifestam nos atos corriqueiros e reproduzem uma ordem cultural que se regula cada vez mais no medo e no estranhamento do outro (Eckert 2002; Giacomazzi 1997), e conduz a um mundo de relações fragmentadas, mas que não perde sua capacidade de integração (Ledrut 1971). Na vivência cotidiana e diuturna de um bairro, as condições para o favorecimento do exercício de integração se acham agrupadas e reunidas. O conhecimento dos lugares, as relações de vizinhança e com os negociantes ou com aqueles que trafegam pelo local, as trajetórias cotidianas, as emoções difusas de estar em um território conhecido agem como organizadores de um “dispositivo social e cultural, segundo o qual o espaço urbano se torna não somente o objeto de um conhecimento, mas o lugar de um reconhecimento” (Mayol 2005: 45).

Como indiquei em outro artigo (Koury 2003), o local tem um valor basilar no processo de constituição das identidades individuais e coletivas, como um elemento intrínseco de pertencimento e de afirmação de vínculos que, de uma parte, podem levar à semelhança com os outros indivíduos e grupos, mas induzem também à dessemelhança para os que são excluídos e vistos como usurpadores e desvirtuadores do lugar de pertencimento e do seu espaço. O local de pertença, assim, do mesmo modo que é conhecido, também é apropriado como elemento distintivo do indivíduo comum, que se configura como singular no ambiente urbano em que vive e, ao mesmo tempo, como semelhante e dessemelhante dos demais que com ele compartilham o lugar em que mora. Cria, assim, um lugar do “nós” meadiano, coletivo, e ao mesmo tempo singular, que ama e despreza, que investe e retira, que aspira e ignora. Ou, como afirmei no artigo citado,

“O lugar do nós, assim, é o caldo comum dos diversos mapas estabelecidos pelos sujeitos na sua permanente configuração, enquanto pessoa social, como mim. Ao lançar um mapa sobre um universo simbólico específico que forma um mundo comum, cada indivíduo, socialmente, se reconhece e reconhece o outro real e simbólico, que dele e por ele emergem, enquanto semelhança, ou enquanto diferença, ou enquanto ambos” (Koury 2003: 79).

Um sentimento ambivalente de pertença ao bairro, e aos lugares dentro deste, parece assim prevalecer. Os moradores parecem ambíguos, já que amam o local que lhes dá existência e que, simultaneamente, o veem se deteriorando pelas diversas expressões de violência de que o bairro é capaz, ou do que são capazes de dizer sobre ele, tendendo a ser um elemento de negatividade perante a cidade como um todo e para moradores de outros bairros. Esta ambiguidade se faz presente no relato do Senhor Fabrício, que possui a pequena barraca de verduras, plantadas por ele junto às margens do rio Jaguaribe, na rua Osvaldo Lemos:

“O bairro é um local muito legal, da paz, moro aqui há mais de cinquenta anos, e não quero sair, mas aqui tem de tudo, e isso dificulta a vida e me faz às vezes querer sair daqui. Isso é por causa de que agora, logo ali pra baixo, tem muito maconheiro que ficam fumando o tempo todo. E é eu deixar de olhar e eles chegam perto da minha casa e eles já roubaram minhas plantas e as coisas da minha barraca. De noite, quebram as luzes dos postes pra ficar mais escuro e ninguém mais vê-los. Roubam tudo o que veem, e é tudo pra comprar maconha. Essa semana mesmo roubaram as roupas e as panelas da minha vizinha, e as patas que estavam chocando de Dona Euzina.”

Assim, através do amor e do desamor, se sentem pertencentes ao coletivo Varjão/Rangel e, respectivamente, também não pertencentes a determinados locais desse mesmo coletivo, os quais apontam como fora dos limites simbólicos que imputam a qualidade de morar ali e de existir enquanto membro do bairro. O Rangel expulsa o Varjão de si, ao mesmo tempo em que não pode se considerar sem ele; daqui resulta que o Varjão é sempre um pouco adiante ou ao lado, mas é uma parte de um “mim mesmo” que se renega mas que não pode ser amputada, sob pena de se fenecer junto.

Não obstante a presença de moradores que habitam a área de reserva florestal, conhecida como Mata do Buraquinho, o bairro do Rangel/Varjão apresenta condições urbanísticas aceitáveis, tanto no que se refere a equipamentos urbanos – como calçamento de ruas, água encanada e luz elétrica – quanto em relação ao material usado na construção das casas – a maioria em alvenaria. Atualmente o bairro está virando um canteiro de obras, com muitos prédios de dois ou três andares e os chamados residenciais, com um ou dois quartos no máximo, atraindo uma parcela de novos moradores vindos de bairros mais distantes, como o Geisel, José Américo e João Paulo II, quer devido à proximidade do centro da cidade e pela economia que isso provoca no deslocamento familiar para o trabalho, escola e lazer, quer pelo aumento do aluguel nas outras partes da cidade.

A maior parte dos moradores habita o bairro há mais de dez anos. Grande parte deles é proveniente do interior do estado da Paraíba e chegou diretamente ao bairro através de redes migratórias egocentradas ou homofílicas, seja para estudar na casa de um parente ou conseguir um emprego na cidade, ou indiretamente, depois de passar alguns meses em algum outro bairro. Muitos começaram por ficar numa casinha na rua da Mata (como é chamada a rua São Geraldo pelos que nela habitam) e de lá nunca mais saíram, ou se mudaram para outras ruas melhores do bairro.

Dona Clotilde chegou ainda pequena ao bairro, com a família, e morou por muitos anos em uma invasão à reserva florestal do Buraquinho. No seu relato ela conta que:

“Antes de morar aqui no Rangel eu morei no interior, em Alagoa Grande. Minha família e eu, ainda pequena, saímos do interior porque tava muito difícil e tinha problemas de todo tipo. Aí viemos pra João Pessoa, trazidos por uns parentes que já moravam na cidade e paramos ali, no Varjão, na São Geraldo. Invadimos a mata, por trás do quintal de um parente da gente e começamos a viver. Meu pai trabalhou de tudo e foi juntando umas ­merrecas aqui e outras ali, com a ajuda dos meus irmãos e de minha mãe que fazia faxina na casa dos outros e, devagarzinho, aos poucos, fomos nos mudando aqui pra lugares melhores dentro do bairro. Conseguimos sair do Varjão, e hoje moro aqui, como o senhor tá vendo, aqui, eu e minha duas filhas e três netos, na Mourão Rangel, numa casa que é minha, e onde pago satisfeita meu IPTU.”[11]

Outros chegaram à cidade e, posteriormente, ao bairro através de redes de emprego, principalmente as mulheres, que chegaram através de agências de emprego doméstico ou diretamente pelas mãos das “patroas” ou redes de conhecidos. É o caso, por exemplo, de Dona Moçinha, com 65 anos de idade, que chegou a casa dos seus patrões com 12 anos e, depois de 30 anos servindo a família, ganhou uma casa dos patrões no Rangel e lá vive desde então, saindo quatro vezes na semana para fazer o trabalho de limpeza em casas de bairros nobres de João Pessoa, como diarista.

Boa parte das casas foi construída pelos moradores a partir dos processos de invasões e ocupações, dos limites da reserva florestal; as ocupações mais antigas terminaram sendo legalizadas e hoje possuem uma infraestrutura razoável e seus moradores orgulham-se de serem proprietários e pagarem o IPTU. As construções mais recentes, hoje, como antes, ocupam pequenos desmatamentos na reserva e vão surgindo por trás das casas de parentes e amigos à noite, em uma expansão contínua de bolsões que compõem a rua São Geraldo, a de menor infraestrutura do bairro, com ruas sem calçamento, sem água encanada, com pontos de luz clandestinos, estreitas, em alguns locais estreitas demais para a passagem de um carro, com muito lixo acumulado, mato, cachorros soltos, galinhas e patos criados a ciscar por todo canto, casas de taipa, uma sobre as outras; não dão direito a título de propriedade e, logicamente, não implicam no pagamento do IPTU. O “eu pago o IPTU” ou o “aqui não chega o IPTU” são expressões constantes nas narrativas dos moradores locais.

A não existência da propriedade onde “não chega o IPTU” está carregada de temores de que o governo federal, “dono” da reserva florestal, chegue a qualquer momento e os retire do seu lugar de moradia. Existe essa consciência – “eu sei que estou errado” –, e a desculpa – “mas o que posso fazer se não tenho recursos para uma vida melhor e para uma casa melhor” –, assim como a expressão de indignação causada por este saber-se errado revelado a um estranho (o pesquisador) – “o senhor acha que eu moro aqui porque quero, porque sou desordeiro, não, não senhor, eu moro aqui porque é o jeito, se eu pudesse seria o primeiro a sair daqui e morar num lugar de melhor luxo” –, que revelam, e remetem, portanto, a um grau de insegurança maior em relação ao seu destino no local, já que todos reconhecem ser uma área de invasão. O medo e a resistência se revelam como duas possibilidades recorrentes no sentido cotidiano de suas existências.

O bairro também, principalmente a partir dos anos de 1990, foi objeto de loteamentos populares e para a classe média, expandindo a fronteira dos bairros Cristo Redentor e Água Fria em direção à área do Varjão/Rangel, o que criou uma clivagem no bairro, fortalecendo o preconceito local com os nomes Varjão ou mesmo Rangel, de acordo com a proximidade das fronteiras com os dois bairros assinalados, assim como a estruturação de processos excludentes pela nomenclatura: Rangel, para se referir ao local de moradia, e Varjão, para se referir às instâncias mais pobres do bairro e com menos infraestrutura urbana, e geradora, em potencial, de maior violência e desregramento.

Por outro lado, mesmo na parte de melhor infraestrutura do bairro é comum encontrar vielas e becos – entre os terrenos das casas destinadas anteriormente às classes médias e populares – compostos de vários pequenos quartos e estreitas moradias de aluguel, umas em cima das outras, com estreita passagem entre cada lado e onde habitam dez ou mais famílias. Em todo o bairro, entre muros de duas casas razoavelmente equipadas, são construídas essas moradias que seguem entrecortando e formando pequenas vielas em toda a extensão e ocupando os lados do terreno, moradias cujos pontos de luz e água são puxados das casas em que se situam, cobrando os proprietários dos quartos o consumo aos moradores, ilegalmente, como uma sobretaxa ao aluguel. Esses locais, em termos de equipamento, contrastam com as restantes casas das ruas que o possuem. Alguns deles são limítrofes da rua de São Geraldo, mesmo não tendo acesso direto à mesma, que fica por trás dos terrenos de algumas casas que são sustentáculos das vielas. É importante lembrar, porém, que todas as ruas transversais em direção à reserva florestal do Buraquinho são compostas por casas populares, que vão piorando de condição até o limite com a reserva e a rua São Geraldo.

 

Estigma, estranhamento, medos e pessoalidade

Como se acompanhou até agora pelos relatos dos moradores, o Varjão/Rangel cria diversas possibilidades de estranhamento em relação aos outros moradores do bairro e nelas são estabelecidas diversas subdivisões (sempre móveis e ­difusas) elaboradas pelos próprios habitantes, que enxergam uns aos outros como dessemelhantes, ou pertencentes a um outro universo, apesar de ­morarem próximos e desfrutarem as mesmas condições de existência. Este fenômeno da construção do estigma foi observado por Elias e Scotson (2000). Para esses autores, esse fenômeno ocorre quando tais grupos detêm o poder de fazer crer, a si mesmos e aos outros, que as estigmatizações por eles criadas são fatos, ou ao menos podem ser sentidos como reais, conformando um todo, onde o que estigmatiza e o estigmatizado fazem parte de um e mesmo processo.

Diferentemente da pesquisa de Elias e Scotson, porém, no caso do ­Varjão/Rangel as formas narrativas de estigmatização são móveis e intercambiáveis, dirigidas a um outro dessemelhante, dependendo do lugar da emissão da acusação. Todos acusam todos como uma forma de defesa do próprio estigma que os une no constrangimento a uma imagem de fora do bairro, e que é reproduzida em todas as ruas e becos do lugar. Todos se acham agredidos pela acusação de violentos, mal-educados e potencialmente bandidos e, assim, repartem entre si o registro acusatório buscando livrar-se da denúncia: não sou eu, são os outros, parecem dizer como uma desculpa que os livre do estigma de morar em um bairro mal-afamado: o Varjão, mas, também, o Rangel, já que são duas faces de um mesmo bairro.

Alguns moradores chegam a criar limites imaginários entre Varjão e Rangel, que sempre mudam de lugar e acompanham a defesa do narrador de si mesmo e do local onde mora, relativamente a outros locais no bairro e seus moradores. Assim, parece que, apesar de morarem no mesmo e único bairro, não se consideram como fazendo parte de um mesmo espaço autorreferenciado.

O estranhamento e o medo do outro, desconhecido ou proveniente de determinada área, e a busca de se livrarem do estigma que a cidade e a mídia colocam sobre eles levam os moradores a construir estigmas de certos locais e indivíduos dentro do bairro, que são os locais e pessoas que moram mais acima, ou mais abaixo, ou mais no centro, ou mais de lado. Ou o inverso, dependendo de quem enuncia. Erving Goffman (1988), ao reexaminar o conceito de estigma o correlacionando ao de identidade social, deixa claro que este é um conceito sempre relacionado a uma organização socialmente estereotipada, podendo afetar a autoestima pessoal e grupal em uma sociabilidade, como a do Varjão/Rangel, por exemplo.

A palavra estigma aponta um atributo e caracterização negativa que deprecia pessoas ou locais, ou uns e outros. No caso do bairro Varjão/Rangel, estes estigmas são imputados pela cidade por meio de balizas simbólicas aparentes, operadas pelo imaginário e que expressam posturas políticas e ideológicas que classificam o lugar e seus moradores como temerosos e indesejáveis. Este estigma ressignifica a si mesmo, a cada momento, na sociabilidade do bairro, pela fragmentação dos mapas simbólicos internos e da autoestima pessoal e coletiva dos moradores.

Os moradores do bairro do Varjão/Rangel ocupam as ruas e as frentes de suas casas nas horas vagas, tomando-as como local de encontro social e de estabelecimento de laços sociais. Nos dias do final de semana, principalmente, as ruas ficam cheias de moradores, que conversam na frente de suas casas, passeiam, namoram, se divertem, brigam e, de quando em vez, mais exaltados, se agridem, provocando ferimentos e mortes. A rua aparece, enfim, como um espaço público de lazer e de grande sociabilidade.

Apesar do receio do outro, sempre invocado como uma instância diferente do “mim” meadiano, o desconhecido que pode proporcionar violência e agressão, o Varjão/Rangel preserva laços comunitários de grande pessoalidade, bem como vínculos tradicionais pela manutenção de folguedos e outras expressões artísticas populares, recriadas no bairro da capital João Pessoa, depois de fragmentadas pela saída dos indivíduos que personificavam tipos específicos nos grupos artísticos do seu lugar de origem.

O ambiente social e cultural do Varjão/Rangel se revela, para além das divergências e conteúdos acusatórios e da autopreservação face às acusações, compondo um tipo de relações onde o todo comunitário, na maioria das vezes, se sobrepõe às partes individuais. Porém, a impessoalidade e objetividade nas relações se mostram aparentes, aqui e ali, como advindas pelo receio da proximidade que contamina e expõe. Isso fica expresso em muitos depoimentos que falam das relações entre vizinhos e demais moradores do bairro como sendo apenas cordiais, de “bom dia, boa tarde e boa noite”. Essa cordialidade, sem grandes proximidades, se apresenta em diversas narrações e parece indicar um distanciamento nas inter-relações do bairro. Mas, como Mayol (2005: 47) expressou, em um bairro de grande pessoalidade é necessário conhecer os limites de conveniência, uma certa etiqueta quanto aos modos como se deve comportar um bom vizinho: “nem longe demais, nem o demasiadamente perto, para não se aborrecer, e também para não perder os benefícios que se espera obter com uma boa relação de vizinhança”. É o que parece dizer Dona Josefa, de 54 anos, moradora da rua São Judas Tadeu, e antes, “bem antes”, como costuma repetir constantemente, moradora da rua São Geraldo, quando informa:

“… é melhor assim, só bom dia, tarde, noite, pra não ter confusão de fofoca, porque aqui tem muito disso, o senhor sabe. Prefiro ficar dentro de casa, porque pra uma dona de casa nunca falta serviço. Mas falo com todo mundo, e todo mundo me respeita. E isso tá de bom tamanho.”

Ou como informa o Seu Justino, de 40 anos, morador da avenida São ­Marcos, quase na altura da São Geraldo, quando diz:

“… a coisa pior do mundo é brigar com os vizinhos, é não viver em paz. Daí, só tchau, ou um como vai, e basta. Cada um vai cuidar de sua vida e de seu ganha-pão. Só não presta, e Deus me livre e guarde, o ter de ficar um na casa do outro direto, né? Mas, afora isso, a gente se fala, conversa muito, temos contato sempre, e quando se pode se ajuda.”

O mesmo aparece na fala de Dona Raissa, de 62 anos, que diz, por sua vez, que no pedaço de rua onde ela mora, na rua Bartira,

“… é cada um na sua casa, a gente se vê o tempo todo, pois um passa na porta do outro pra sair e pra voltar, diz ‘até’, dá um sorriso, às vezes até conversa um pouquinho, às vezes toma um café ou uma água, e cada um de nós continua na sua. Eu, seu moço, gosto muito desse pedaço de lugar, e minha casa fica no final da rua, tem arvoredo, a feira é logo ali, a igreja que eu frequento é próxima, o ponto de ônibus é assim do lado de minha casa, do lado de lá, na outra rua, né, pois aqui não passa ônibus não e até carro tem dificuldade. Vou sempre prá igreja e vez ou outra pro centro médico, e é lá que eu converso com mais gente daqui do que aqui mesmo, ah ah!”

Em suma, como parece afirmar Mayol (2005), é preciso sair ganhando em todos os quadros, dominando o espaço, sem perder nada, no sistema de relações do lugar onde se habita.

 

Notas finais inconclusas

Ledrut (1971: 74), buscando compreender o fenômeno urbano enquanto processo de integração ou desagregação, fala que a vida coletiva, em geral, “congrega os indivíduos e suas relações de amizade em uma unidade que possui vida própria” e, no urbano, estas relações são mais intensas e afetam “mais profundamente a vida dos indivíduos e de outros grupos a que, porventura, pertençam”. Lembra, ainda, que ao pensar os espaços urbanos, como de um bairro, por exemplo, não se pode prender aos limites geográficos oficiais; para compreendê-los, tem que se buscar situar o bairro no interior de suas próprias fronteiras, traçadas e pensadas nas inter-relações de seus moradores entre si e com os demais bairros em seu entorno e no interior da cidade onde se situa, como um todo. Compreender um bairro como uma instância pulsante em si, deste modo, só é possível quando se discute suas relações com suas partes, que se definem como compostas por moradias, vizinhanças e serviços, de um lado, e de outro como um espaço de interação com outros bairros, e com a cidade em geral.

Este artigo tentou seguir os ditames de Ledrut, ao buscar no interior do bairro as formas de interação entre os seus moradores, e destes com o bairro em geral, nas suas confabulações acusatórias do outro estigmatizado, que não deixa de ser o próprio narrador, tentando esconder o constrangimento de pertencer a um local visto com maus olhos pela cidade em que está inserido. Ao mesmo tempo, este narrador oferece ao pesquisador nuances de um compartilhamento intenso com os demais moradores e abre um manual de etiqueta de como se comportar perante os vizinhos e amigos no cotidiano.

Dentro desse espírito, viver um final de semana no Varjão/Rangel é sentir o bairro inteiro em interação intensa. No Varjão/Rangel, todos os dias da semana, principalmente no retorno a casa depois de um dia de trabalho, e mais ainda nos finais de semana, se veem moradores com cadeiras fora de suas casas e conversando nas calçadas, crianças brincando pelas ruas, mães conversando entre si, enquanto regulam as idas e vindas dos seus filhos. O bairro inteiro se apresenta com uma intensiva movimentação entre os vizinhos e uma extensa rede de solidariedade e de amizade parece fluir e ultrapassar as diferenças estipuladas nas narrativas ofertadas em conversas com o pesquisador em campo.

Isto não quer dizer, porém, que tudo ocorre sem conflitos e que sempre as interações sociais sejam repletas de harmonia. Antes pelo contrário, a lógica cultural manifesta na sociabilidade direta entre os seus membros se baseia em uma proximidade estreita de relações solidárias, muitas vezes, porém, provoca problemas e desentendimentos entre colegas e amigos, surgidos através dos comentários maldosos dirigidos por um ao outro, provocados pelo excesso de bebidas, ou pelo excesso de fofocas (Fonseca 2000). Muitas vezes se traduz em agressões que culminam em morte. Portanto, o contorno cotidiano objetivado nas ações de pessoalidade, ao mesmo tempo em que se traduz em possíveis práticas de solidariedade, de compadrio e de amizade, entre outras ações positivas, causa igualmente, no interior dessa lógica de intensa proximidade, relações tensas e conflituais.

Assim, o fenômeno das pequenas brigas e confusões entre vizinhos, por vários motivos, é visto como relativamente banal. Do mesmo modo, se percebe uma enorme dificuldade na delimitação de uma esfera que comporte a vida privada, devido ao intenso conhecimento de todos sobre todos e de tudo o que se passa no bairro. Assim, todos os acontecimentos ganham destaque, o que enfatiza exemplos de solidariedade inacreditáveis, como o apoio face a pequenas tragédias cotidianas no interior de uma família (como desemprego, doença ou morte), mas também denuncia vários conteúdos de tensão e conflito, complexificando a relação de pessoalidade no bairro e tornando, constantemente, a vivência cotidiana num ato de amor e desamor ao bairro e aos seus moradores, que proferem juras de viver no bairro para sempre e, imediatamente, afirmam querer se mudar para um lugar melhor, onde possa haver maior conforto e melhores condições para criar os filhos.

Podemos afirmar que o bairro do Varjão/Rangel e seus habitantes constroem, a cada momento, uma nova elaboração e autodefinições de si mesmos e dos outros no geral, norteados por um nexo moral pautado nos conceitos de honestidade, de amizade e de compadrio e, por outro lado, em receios, estigmas e constrangimentos, sobretudo diante da violência real ou imaginária que se expande na cidade, e de que são vítimas, tanto pelos preconceitos vindos de fora, da cidade, quanto pelas subdivisões móveis armadas pelos próprios moradores, na ânsia de desculpar-se junto ao outro e afirmar o não pertencimento às hostes acusadas, lançando nos moradores de outras partes do bairro o estigma acusatório. A dicotomia esquizofrênica do bairro nomeado como Varjão ou Rangel é usada para afastar para o lado os males de que o bairro é acusado, como a extrema violência, a presença do tráfico de drogas e de outras práticas ilegais entranhadas em seu seio, enfim, a sua definição como bairro perigoso e que gera insegurança à cidade e seus habitantes, bem como aos próprios moradores locais.

 

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NOTAS

[1] Este trabalho foi inicialmente apresentado na X RAM – Reunión de Antropología del Mercosur, 2013, Córdoba, Argentina, no GT 49: Moralidades nas Cidades da Periferia/Moralidades en las Ciudades de la Periferia.

[2] Os termos com aspas são de entrevistas com moradores de vários bairros da capital da Paraíba realizadas para a pesquisa sobre “medos e sociabilidade na cidade de João Pessoa” acima mencionada. Mais informação sobre essa pesquisa pode ser encontrada em trabalhos anteriores (Koury 2007a, 2007b, 2008, 2009).

[3] Ver, por exemplo, Koury, Zamboni e Brito (2010, 2013), onde se analisa um exemplo extremo das tensões e conflitos traduzidos por essa intensa pessoalidade, que redundou em uma chacina de uma família inteira por motivos banais na fronteira entre os sentimentos de gratidão e despeito.

[4] “Peladas” são partidas informais de futebol.

[5] Nas diversas igrejas, durante a semana, grupos de jovens se encontram para formarem bandas e ensaiarem músicas de louvação nos mais diversos ritmos.

[6] Sobre o Conselho de Moradores do Varjão, ver Silva (1984).

[7] Os dados do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) estão disponíveis em <http://www.sidra.ibge.gov.br/bda> (consultado em 02/02/2013, última consulta em setembro de 2014).

[8] Quando se mora mais ao sul, nos limites com os bairros de Cristo Redentor e Água Fria, os moradores do Varjão/Rangel se autointitulam moradores de um dos outros dois bairros, com uma população de classe média, mas com muitos enclaves subnormais, e que, apesar de viverem nas páginas policiais, são vistos como bairros aprazíveis e cuja violência é ditada pela proximidade com o Varjão/Rangel. Ao se perguntar a um morador próximo à fronteira do bairro do Varjão/Rangel onde ele mora, sempre é no bairro do Cristo ou em Água Fria. E onde fica o início do bairro do Varjão/Rangel? Sempre além, mais próximo da reserva florestal, a Mata do Buraquinho, onde moram os habitantes mais pobres do bairro. Outros dizem “logo ali, depois da feira”, o que quer dizer quase a mesma coisa.

[9] Antônio mora na parte mais ao sul da mesma rua. A rua São Geraldo é estigmatizada em sua totalidade pelo bairro, por ser considerada a mais pobre e onde ocorrem as cenas de maior violência local. Mas, mesmo assim, é manipulada pelos próprios moradores como contendo trechos melhores e piores, de acordo com o lugar de quem emite a opinião, e se resolve também na dicotomia entre Varjão (o lado criticado) e Rangel.

[10] Ver, a esse respeito, a coletânea organizada por Misse e Werneck (2012).

[11] IPTU é a sigla de Imposto Patrimonial Territorial Urbano. Por ser área de invasão de terrenos tombados pelo patrimônio público federal como área de preservação ambiental e como reserva da mata atlântica original que cobria toda a extensão brasileira em tempos idos, pagar o IPTU aqui significa ter a propriedade do lote urbano onde está assentada a sua moradia, o que dá ao morador o direito de posse do lugar, de inclusão na lógica urbana local, bem como de poder reivindicar melhorias para a sua rua e para os quarteirões próximos e de reclamar junto aos órgãos públicos a falta de benfeitorias, inclusive relacionadas à segurança pública. Inversamente, não pagar o IPTU é sinônimo de não ter a propriedade do lote e, logicamente, de poder, a qualquer momento, ser posto para fora do lugar habitado.

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