Introdução
A esperança de vida tem aumentado gradualmente, fruto de fatores como a progressão tecnológica e avanços da saúde, entre outros fatores (Bandeira et al., 2014). Este aumento da população idosa tem levantado novos desafios à sociedade contemporânea, revelando, consequentemente, um aumento da incidência de violência contra estes.
Sendo este um importante problema de saúde pública, exige uma especial atenção e reflexão da sociedade em geral e dos profissionais de saúde em particular. A prevenção primária e a identificação precoce destas situações assumem-se como a base para uma abordagem multissetorial eficaz e, neste sentido, uma atualização de conhecimentos por parte dos profissionais de saúde, permitindo, desta forma, uma intervenção mais atempada e eficiente.
Assim sendo, este trabalho objetiva analisar as evidências disponíveis na literatura relativamente aos fatores de risco para a violência contra pessoas idosas, no sentido de consolidar e aprofundar conhecimentos, de forma fundamentada. A dimensão, visibilidade e impactos deste problema justificam, por si só, a escolha do tema, reforçada, ainda, pela falta de qualificação e capacitação dos profissionais de saúde, tanto ao nível da identificação destas situações, como na abordagem às mesmas (Feitosa et al., 2017).
A questão norteadora definida para este trabalho é: quais os fatores de risco que contribuem para a violência contra as pessoas idosas em contexto familiar?
1. Revisão da literatura
Violência é definida, pela Organização Mundial de Saúde (OMS), como o uso da força física, a ameaça ou poder sob a pessoa, aplicado contra si, contra outra pessoa ou contra um grupo ou uma população, que resulte em lesão, deficiência de desenvolvimento, privação, agravamento psicológico ou a morte (OMS, 2002). Este fenómeno, constituindo uma grave violação dos direitos humanos, tem-se assumido como um importante problema de saúde pública, atingindo dimensões pandémicas e conquistando, ao longo dos anos, uma maior visibilidade (OMS citado por DGS & ASGVCV, 2016).
Incorporado neste problema global, surge a Violência Doméstica que, segundo a Associação Portuguesa de Apoio à Vítima (APAV), envolve qualquer comportamento utilizado num relacionamento, para que uma das partes controle a outra. Desta forma, o crime de violência doméstica abrange qualquer ação ou omissão de natureza criminal praticado neste âmbito e que provoque sofrimento físico, sexual, psicológico ou económico. Pode ocorrer no espaço doméstico ou mesmo praticada por ex-cônjuges/companheiros/namorados ou progenitores de descendente comum (APAV, 2012).
Dada a vulnerabilidade que caracteriza a população idosa, especialmente a que apresenta maior grau de dependência, esta assume-se como um dos principais grupos de risco, tendo merecido, nesse sentido, uma especial atenção.
Neste sentido, a violência contra a pessoa idosa foi definida, pela OMS (2002) como uma ação, isolada ou recorrente, ou ausência de uma resposta adequada e propícia, quando este se encontra numa relação de confiança, causando dano ou sofrimento ao mesmo. Pode ser praticado dentro ou fora do contexto doméstico, por um familiar ou por qualquer outra pessoa que exerça uma relação de poder sobre a pessoa idosa, como é o caso dos cuidadores (OMS, 2002). Pode-se, ainda, classificar como violência física, psicológica, sexual, abandono, negligência, autonegligência e, ainda, violência económico-financeira e patrimonial, quando os seus recursos financeiros são utilizados, de forma inadequada, por terceiros. Convém sublinhar que, além de graves repercussões individuais, a violência provocará, concomitantemente, consequências sociais e económicas severas (OMS & International Network for the Prevention of Elder Abuse, 2002).
Neste sentido, atendendo a todo o impacto e complexidade destas situações, torna-se fundamental uma atuação multissectorial, onde o enfermeiro assume uma posição de destaque. De facto, estes profissionais, especialmente aqueles que atua em contexto de cuidados de saúde primários e/ou na comunidade, pela proximidade e visão holística de todo o contexto familiar dos utentes, encontram-se numa posição privilegiada para recolher e reconhecer, precocemente, sinais de alerta, e, neste sentido, intervir antes do aparecimento de consequências.
A identificação precoce destas situações assume, evidentemente, uma importância extrema, revelando-se a base para uma assistência integral, multissetorial e qualificada. No entanto, esta tarefa tem-se revelado um desafio extremamente complexo, não existindo, ainda, em Portugal, um modelo de cuidados estruturado e global. A OMS (2011) considera que este problema de maus tratos, em Portugal, se revela particularmente grave, com uma taxa de incidência a rondar os 40%, assumindo-se como um dos cinco países europeus com pior registo.
À luz do Código Penal Português, a violência contra a pessoa idosa, encontrando-se integrada na violência doméstica, assume-se como um crime público, podendo ser denunciado por qualquer indivíduo (República Portuguesa, 2020). Paralelamente, os profissionais têm a obrigação legal de denunciarem estas situações que identificaram no exercício das suas funções.
Os dados mais recentes da APAV revelam que, em Portugal, em 2019, 1350 pessoas idosas foram vítimas de violência, sendo que, em cerca de 55% destas situações, o agressor foi um filho ou cônjuge (APAV 2020). Assim, facilmente se compreende que a violência contra a pessoa idosa se assume como um problema que ocorre, maioritariamente, em contexto intrafamiliar, reforçando, desta forma, a importância deste estudo.
2. Métodos
A revisão integrativa assume-se como a mais ampla abordagem metodológica referente às revisões da literatura. Resumindo o passado da literatura teórica, permite e fomenta a síntese de resultados de pesquisas alusivas a uma temática, contribuindo para o aprofundamento do conhecimento.
A abordagem metodológica deste trabalho foi efetuada segundo o modelo proposto por Mendes, Silveira & Galvão (2008) e envolve as seguintes etapas: definição da questão norteadora; pesquisa nas bases de dados, com definição dos critérios de inclusão e exclusão dos estudos para obtenção da amostra; colheita de dados; análise crítica dos estudos selecionados; interpretação/discussão dos resultados e apresentação dos mesmos.
A questão norteadora foi elaborada de acordo com a estratégia “PICO” (Santos et al., 2007), identificando-se as seguintes palavras-chave: P-“aged” e “family”, I-“abuse”, C-não intervenção” e O-“risk factors”. Para melhor direcionar a pesquisa, e tendo em conta os “Descritores em Ciências da Saúde” - DeCS e” Medical Subject Headings” - MeSH, juntaram-se as palavras “elder” e “abuse”, resultando “elder abuse”. Neste sentido, os termos utilizados para a operacionalizar a pesquisa foram: “elder abuse”, “family” e “risk factors”.
As bases de dados utilizadas foram “BVS” (Biblioteca Virtual em Saúde), “B-On” (Biblioteca do Conhecimento Online) e Scopus, por serem três bases de dados com qualidade reconhecida e que permitem uma uniformização no procedimento de pesquisa, minimizando, desta forma, potenciais erros. A pesquisa foi efetuada no horizonte temporal entre 26 de Abril e 19 de Maio, de 2020.
Como critérios de inclusão, definiram-se os seguintes:
Incluir todas as palavras-chave nos resumos;
Apresentar “elder abuse” como assunto principal;
Tratar a violência contra a pessoa idosa ocorrer em contexto familiar;
Idioma em inglês, espanhol ou português;
Data de publicação superior a 2014.
Os critérios de exclusão são:
Não disponibilizar o texto integral;
Apresentar qualidade inferior a 50%, avaliada através da “Checklist for assessing the quality of quantitative studies” da escala Kmet, Lee & Cook (2004) (“Standard Quality Assessment”).
A estratégia de pesquisa foi tw:((ab:(elder abuse)) AND (ab:(risk factors)) AND (ab:(family))) AND ( fulltext:("1") AND mj:("Elder Abuse") AND la:("en" OR "es" OR "pt")) AND (year_cluster:[2015 TO 2020])
A figura 1 esquematiza o fluxo da construção da amostra de artigos selecionados.
Tanto a construção da amostra, como a análise dos artigos foi efetuada, de forma independente, por dois dos autores do trabalho, sendo, posteriormente, confrontados, de forma a se minimizarem possíveis erros. Os artigos selecionados foram avaliados e classificados de acordo com a “Standard Quality Assessment” de Kmet, Lee, & Cook (2004), considerando:
valores < 50%: fraca qualidade;
valores entre 50% e 75%: qualidade moderada;
valores entre 75% e 100%: alta qualidade.
Os níveis de qualidade atribuídos por cada um dos avaliadores, bem como a sua média, são apresentadas na tabela 1.
3. Resultados
3.1 Caracterização global da amostra (estudos)
Da amostra de 10 estudos selecionados, quatro (40%) realizaram-se no continente europeu (Turquia, Espanha, Itália e Portugal), quatro (40%) no continente asiático (China (n=3) e Índia (n=1)) e dois (20%) no continente americano (Brasil e Cuba). Relativamente ao ano de publicação, destacam-se 2019 e 2017 (30% dos estudos em cada um destes anos), seguido por 2018 (20%), sendo os restantes estudos divididos equitativamente pelos anos 2020 e 2016 (n=1/10%). No que se refere aos participantes, 40% dos estudos incidiram em pessoas com mais de 60 anos e 10% em pessoas com mais de 65 anos. Os restantes estudos (50%) incidiram sobre a díade cuidador-pessoa idosa, sendo que dois destes se restringiam a pessoas idosas com doença de alzheimer ou outro tipo de demência.
Todos os estudos selecionados seguiram uma metodologia quantitativa e utilizaram formulários ou questionários sociodemográficos como instrumento de recolha de dados. Cada um dos estudos adotou, igualmente, escalas de avaliação como instrumentos de medida, selecionando-as consoante a sua realidade sociodemográfica e cultural.
3.2 Apresentação dos resultados
A análise do perfil dos respetivos estudos, relativamente ao autor, ano, objetivos, participantes, resultados e conclusões, encontra-se resumida e esquematizada na tabela 2, apresentada de seguida:
Dos artigos que integram esta revisão integrativa, sete deles objetivavam determinar a prevalência de maus tratos a pessoas idosas, sendo que dois desses limitavam as suas amostras a pessoas idosas com demência. Relativamente aos fatores de risco associados, todos os artigos selecionados apresentavam como objetivo a sua identificação, no entanto, três deles restringiam a amostra a idosos com comprometimento cognitivo e físico, doença de Alzheimer ou outro tipo de demência.
Segundo Altıntaş & Aslan (2020), baseando-se num estudo efetuado na Turquia, pessoas com 75 anos ou mais e com baixa escolaridade, baixos rendimentos económicos e falta de casa própria, por constituírem em grupo de risco acrescido, deverão ser avaliados quanto à possibilidade de sofrer de violência, bem como ter em consideração estes fatores com relações familiares conflituosas.
Em países como a Índia, com questões culturais e sociodemográficas particulares, Kumar & Patra (2019) revelam que o abuso de pessoas idosas é predominante, sendo o tipo de abusos mais frequentes a negligência, o abuso verbal, físico e financeiro. Assumem-se, como principais fatores de risco: idade > a 69 anos, sem contato regular com familiares/amigos, sem envolvimento em atividades sociais, economias geridas por terceiros e dependência das necessidades básicas diárias.
Segundo o estudo de Leung et al. (2017), na China, a identificação dos fatores de risco associados à violência contra as pessoas idosas, como o baixo nível de apoio informal do cuidador e um relacionamento conflituoso, possibilitará uma intervenção preventiva precoce por parte dos profissionais.
Ainda na China, um outro estudo, realizado por Fang et al. (2019), limitando-se a idosos com comprometimento cognitivo e físico, identifica a negligência e a exploração financeira como os subtipos de violência mais frequente. A sobrecarga do cuidador evidencia-se como o principal agente potenciador dos maus tratos, seguido dos sintomas neuropsiquiátricos e comprometimentos cognitivos das pessoas idosas.
Também na China, mas limitando-se às pessoas idosas com demência, um estudo de Wang et al. (2018) revelou uma elevada taxa de prevalência de maus tratos (77,8%), apresentando a não aceitação / reação negativa e a sobrecarga do cuidador (física, social e emocional) como principais agentes potenciadores do risco do violência, evidenciando, desta forma, a necessidade de se focar atenções nas características pessoais dos cuidadores, uma vez que aqueles com estratégias de coping inadequadas, com maior sobrecarga e que percecionam menos apoio social, têm maior probabilidade de adotar comportamentos abusivos.
Um outro estudo, efetuado no Brasil por Lino et al. (2019), refere taxas de prevalência bastante superiores às anteriores (30%). Também a elevada sobrecarga do cuidador surge destacada como principal fator de risco, seguido da dependência alcoólica. Relativamente às pessoas idosas, os resultados obtidos indicam que aqueles que sofrem de depressão apresentam um maior risco.
Ainda no continente americano, Rosique et al. (2016), através de um estudo realizado em Cuba, identificam o abuso psicológico e a negligência/abandono como os tipos de abusos mais frequentes contra as pessoas idosas. Os mais vulneráveis a estes abusos são aqueles com menor índice de escolaridade, vítimas de violência psicológica, de negligência e abandono. Os fatores que potenciaram a dependência destas pessoas, e consequentemente mais associadas ao abuso, são o sentimento de incapacidade física e emocional, o abuso de álcool ou psicotrópico e dependência económica/habitação (Rosique et al., 2016).
Também num estudo realizado em Espanha, por Orfila et al. (2018), se evidenciam altas taxas de prevalência de risco de violência contra a pessoa idosa (33,4%); comportamentos agressivos do cuidador, relações conflituosas e sobrecarga são os agentes potenciadores mais destacados.
No contexto italiano, os principais fatores de risco associados ao score total da aplicação da escala CASE (Caregiver Abuse Screen), segundo Melchiorre et al. (2017), são: sobrecarga do cuidador, distúrbios comportamentais relacionados com a demência de Alzheimer.
Na realidade portuguesa, um estudo realizado nos Açores por Carmona-Torres et al. (2017), revela que a taxa de suspeita de maus-tratos contra pessoas idosas é elevada, sendo que o tipo de abuso mais frequente é o abuso psicológico, e o elemento da família mais frequentemente identificado como agressor é o próprio filho da vítima. Esta taxa elevada associa-se a fatores de risco, tais como a pessoa idosa pertencer a uma família disfuncional e ser do sexo feminino.
Nos cinco estudos em que foram enumerados os tipos de abusos identificados, o abuso psicológico/emocional foi transversal a todos eles (Altıntaş & Aslan, 2020; Kumar & Patra, 2019; Fang et al., 2019; Carmona-Torres et al., 2017 e Rosique et al., 2016).
Cinco dos estudos analisados apresentaram a sobrecarga do cuidador como fator de risco para aumentar a taxa de prevalência de abuso na pessoa idosa (Fang et al., 2019; Lino et al., 2019; Orfila et al., 2018; Melchiorre et al., 2017 e Wang et al., 2018). Em outros cinco estudos, é referido relação familiar conflituosa, mau relacionamento anterior ou família disfuncional como fator de risco comum (Altıntaş & Aslan, 2020; Leung et al., 2017; Orfila et al., 2018; Carmona-Torres et al., 2017 e Rosique et al., 2016). Ainda como fator de risco comum, quatro dos estudos destacam as questões financeiras, como baixos rendimentos da pessoa idosa ou finanças geridas pelo cuidador (Altıntaş & Aslan, 2020; Kumar & Patra, 2019; Fang et al., 2019 e Rosique et al., 2016). Relativamente ao “sexo”, os resultados obtidos são antagónicos: Lino et al. (2019) referem que um dos fatores de risco na pessoa idosa é ser do “sexo masculino”, enquanto que Carmona-Torres et al. (2017) referem o “sexo feminino”.
Tendo em conta os objetivos de cada um dos estudos, bem como a realidade sociodemográfica e cultural de cada um dos países onde foram implementados, foram ainda identificados vários fatores de risco mais isolados, não se conseguindo estabelecer um padrão comum entre os vários estudos analisados.
4. Discussão
De acordo com a análise dos estudos, a sobrecarga do cuidador e as relações conflituosas/famílias disfuncionais assumem-se como os principais fatores de risco para a ocorrência de maus tratos a pessoas idosas, em contexto familiar.
A sobrecarga do cuidador está associada, não só, mas também, ao estado de saúde das pessoas idosas, e, neste sentido, estes resultados encontram concordância com outros estudos que identificam dependência funcional, demência e estado de saúde físico e/ou mental como fatores de risco para a violência contra a pessoa idosa (Pillemer et al., 2016). A elevada prevalência de maus tratos nestes utentes revela a necessidade de se efetuarem rastreios que possibilitem identificar os cuidadores mais vulneráveis, assumindo-se a redução da sobrecarga destes como uma necessidade (Fang et al., 2019). A presença de burnout é, de facto, segundo a OMS (2011), um fator de risco identificado, contudo, a força do nível de evidência é contestada.
Relativamente às relações conflituosas/famílias disfuncionais, são também vários os estudos que as identificam como um fator de risco potencial, apontando os cônjuges e filhos como os agressores mais frequentes (Pillemer et al., 2016; Gil et al., 2015; OMS, 2011). Desta forma, a avaliação familiar surge como intervenção fundamental, visando a identificação e prevenção destas situações.
O uso de substâncias por parte do cuidador surge como outro dos fatores fortemente mencionado nos artigos analisados, reforçado, também, por diversos outros estudos, como os de Pillemer et al. (2016) e Gil et al. (2015). Neste sentido, o historial de dependência de substâncias por parte do cuidador parece consolidar-se como um ponto fundamental para uma avaliação e intervenção ao nível da prevenção primária da violência contra a pessoa idosa.
A ausência de suporte social constitui-se, também, como mais um fator potenciador de maus tratos, à semelhança do que defendem outros autores (Gil et al., 2015; OMS, 2011), reiterando, desta forma, a necessidade de acompanhamento e apoio a estes utentes e respetivas famílias. Paralelamente, outros estudos apontam, com forte evidência científica, o apoio social como um fator de proteção neste contexto (Pillemer et al., 2016; OMS, 2011). O desenvolvimento de uma rede de denúncia de maus-tratos mais eficaz e facilitada poderá assumir-se como estratégia importante no combate a este flagelo (Kumar & Patra, 2019).
Também a coabitação cuidador-pessoa idosa e a dependência económica por parte da pessoa idosa se revelam fatores de risco comuns a vários dos artigos analisados, e que vai de encontro ao estudo realizado por Gil et al. (2015).
As idades mais avançadas, pela análise efetuada, parecem também estar associadas à suscetibilidade a episódios de violência; Gil et al. (2015) apontam-no, contudo, como um fator não consensual na literatura.
Por último, relativamente ao sexo da vítima, com esta revisão integrativa não se encontrou evidência concordante que relacione este fator ao risco de violência. Também Gil et al. (2015) não associam a variável sexo ao risco de violência, ao contrário de outros autores que identificam o sexo feminino como o mais suscetível a estes atos (Pillemer et al., 2016; OMS, 2011).
Conclusão
A presente revisão integrativa possibilitou a construção de uma síntese do conhecimento científico sobre fatores de risco para maus tratos à pessoa idosa, em contexto familiar, permitindo, desta forma, uma identificação precoce destas potenciais situações.
Assim, de acordo com a literatura existente, a sobrecarga do cuidador e as relações conflituosas/famílias disfuncionais assumem-se como os principais fatores de risco, sendo mencionados e evidenciados na maioria dos estudos analisados. Desta forma, facilmente se compreende a importância de uma avaliação familiar, holística e sistémica para uma correta e eficaz identificação destas situações. Paralelamente, estes são fatores que poderão evitados ou, pelo menos, minimizados, revelando toda a importância destas intervenções ao nível da prevenção primária da violência contra a pessoa idosa.
Concomitantemente, também o uso de substâncias (especialmente a dependência alcoólica) por parte do cuidador é evidenciado pela literatura como potenciador de maus tratos, d evendo também ser um dos focos de atenção e, se necessário, intervenção.
Outro fator familiar a considerar será o nível e qualidade do apoio informal do cuidador (que poderá atenuar ou potenciar a ansiedade e carga de trabalho deste), bem como a coabitação cuidador- pessoa idosa, que também se revela um fator de risco. Sinais de comportamentos agressivos do cuidador também poderão indiciar um risco potencial a ser valorizado.
Relativamente à pessoa idosa, idades mais avançadas representam um risco maior, assim como o nível de dependência e a ausência de rendimentos ou dependência económica, sendo, estes, fatores descritos em vários dos estudos. Pessoas idosas sem contactos regulares com familiares e/ou amigos, sem envolvimento em atividades sociais e sem autogestão das finanças, também representam grupos
de risco para o efeito, assim como aqueles com sinais e sintomas de depressão. Quanto ao sexo, não se encontrou evidência concordante nos vários estudos analisados que evidencie que se poderá assumir como fator de risco transversal a vários contextos demográficos.
Os estudos analisados permitiram apresentar evidência científica, no entanto, crê-se que há a necessidade de estudos mais aprofundados sobre a temática, principalmente em contexto português/europeu, devido à influência de fatores culturais e transgeracionais.
Através desta revisão integrativa, foi possível perceber que a violência sobre a pessoa idosa se assume como um importante problema de saúde pública mundial. Denota-se que não existe preparação da sociedade para encarar os desafios do processo de envelhecimento, verificando-se dificuldades na prestação de assistência nos múltiplos serviços que lidam com esta realidade (saúde, assistência social e/ou jurídicos). Nesse sentido, é necessária a articulação destes para garantir uma maior qualidade de vida da pessoa idosa e potencial vítima de violência. Nota-se, também, que é necessário investir sobre esta temática, ao nível da criação de protocolos e da formação dos profissionais responsáveis pela assistência desta população, assim como na realização de atividades educativas, trabalhando na literacia em saúde na comunidade o mais precocemente possível. Neste sentido, este trabalho possibilitou, de facto, a identificação dos principais fatores de risco para a violência contra a pessoa idosa, o que possibilitará uma intervenção mais precoce e, consequentemente, mais eficaz. Paralelamente, parece existir uma necessidade premente de se efetuarem novos estudos que abordem a temática, não só para identificar estes fatores, mas também os obstáculos que dificultam a sua deteção e intervenção, de forma a se otimizar a assistência e a prestação de cuidados. Uma articulação mais eficaz entre os diferentes setores da comunidade envolvidos parece assumir-se, efetivamente, como uma necessidade absoluta no combate a este problema.
De salientar que este estudo permitiu, mais do que identificar os fatores de risco para a violência contra a pessoa idosa, compreender que a abordagem e avaliação da pessoa idosa e dependente, deverá ser contextual e familiar. Apenas esta visão holística e sistémica permitirá uma correta avaliação de cada situação e consequente identificação precoce e intervenção.