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Revista Portuguesa de Pneumologia
Print version ISSN 0873-2159
Rev Port Pneumol vol.16 no.2 Lisboa Apr. 2010
Intervenção da fisioterapia respiratória na função pulmonar de indivíduos obesos submetidos a cirurgia bariátrica. Uma revisão
Luís Henrique Sarmento Tenório1, Anna Myrna Jaguaribe de Lima2,4, Maria do Socorro Brasileiro-Santos3,4,5
1 Pós-Graduando em Fisioterapia Cardiorrespiratória da Universidade Federal de Pernambuco
2 Professora da Universidade Federal Rural de Pernambuco e Doutora em Ciências pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo FMUSP
3 Professora da Universidade Federal de Pernambuco e Doutora em Ciências pela Universidade Federal de São Paulo UNIFESP
4 Programa de Pós-graduação Associado em Educação Física da Universidade de Pernambuco/Universidade Federal da Paraíba UPE/UFPB
5 Programa de Pós-graduação em Fisioterapia da Universidade Federal de Pernambuco UFPE
Resumo
Introdução: A obesidade, considerada uma nova epidemia mundial, é caracterizada pelo excesso de tecido adiposo contribuindo para diversas doenças crónicas e aumento da mortalidade. A obesidade associada ao procedimento cirúrgico nesses doentes condiciona a fisioterapia respiratória essencial na recuperação da função pulmonar e na prevenção das complicações respiratórias.
Objectivos: Verificar o efeito das intervenções fisioterapêuticas sobre a função pulmonar de doentes obesos submetidos a cirurgia bariátrica.
Método: Uma revisão de literatura foi conduzida no período de Outubro/2008 a junho/2009, com materiais disponíveis na base de dados Medline, Pubmed e Scielo, publicados nos últimos trinta anos.
Conclusão: A fisioterapia respiratória realizada no período pré e pós-operatório é de fundamental importância nos indivíduos submetidos a cirurgia bariátrica, independente da técnica empregada, para prevenir complicações pulmonares inerentes ao processo cirúrgico e possibilitar a recuperação da função pulmonar.
Palavras-chave: Função pulmonar, cirurgia bariátrica, obesidade, fisioterapia.
The role of respiratory physiotherapy in the lung function of obese patients undergoing bariatric surgery. A review
Abstract
Introduction: Obesity, considered a new worldwide epidemic, is characterised by excess adipose tissue and contributes to a series of chronic diseases and increased mortality. Obesity associated to surgical procedure in these patients makes respiratory physiotherapy a must to recover lung function and prevent postoperative pulmonary complications.
Aims: To assess the effects of respiratory physiotherapy on the lung function of obese patients undergoing weight loss surgery.
Material and methods: We conducted a literature review October 2008-June 2009 of data which had been published over the last thirty years and which was available on the Medline, Pubmed ans Scielo databases.
Conclusion: Pre-and postoperative respiratory physiotherapy is vital for patients undergoing weight loss surgery irrespective of technique used, as it can prevent pulmonary complications inherent in the surgical procedure and aid lung function recovery.
Key-words: Lung function, bariatric surgery, obesity, physiotherapy.
Introdução
Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), a obesidade é caracterizada pelo excesso de tecido adiposo, causadas pelo desequilíbrio entre a ingestão e o gasto calórico, contribuindo para diversas doenças crónicas e aumento da mortalidade. Actualmente, é considerada uma epidemia mundial, onde só no Brasil se estima que mais de 70 milhões de habitantes estão acima do peso adequado1.
Nestes doentes, o frequente insucesso do tratamento clínico, geralmente dietético e medicamentoso, proporciona impacto na esfera psicossocial e favorece o aparecimento de novas doenças, estimulando assim o tratamento cirúrgico2. O procedimento cirúrgico utilizado para o tratamento da obesidade mórbida emprega duas principais técnicas na cirurgia bariátrica, as quais são conhecidas como procedimentos malabsortivos e restritivos1,3.
O excesso de tecido adiposo promove uma compressão mecânica sobre os diafragma, pulmões e caixa torácica, levando a uma insuficiência pulmonar restritiva4,5. Associada ao procedimento cirúrgico nesses doentes obesos, é recomenda a fisioterapia respiratória, essencial na recuperação da função pulmonar e na prevenção de complicações respiratórias, como infecções, atelectasias, entre outras6,7.
A utilização de protocolos que empregam o uso da pressão positiva expiratória nas vias aéreas (expiratory positive airway pressure EPAP), a espirometria de incentivo, pressão positiva contínua nas vias aéreas (continous positive airway pressure CPAP) e ainda a cinesioterapia activa e a deambulação são essenciais na melhoria da ventilação alveolar, na restauração da capacidade residual funcional (CRF) e na qualidade de vida8,9,10.
Diante do exposto, este estudo tem como objectivo realizar uma revisão da literatura sobre as diversas intervenções utilizadas pela fisioterapia respiratória no pós-operatório de cirurgia bariátrica, uma vez que a obesidade está associada a anormalidades respiratórias e também ao alto risco de desenvolver complicações e alterações na função pulmonar após o procedimento cirúrgico.
Procedimentos para a busca de artigos
Foi realizada uma revisão de literatura nas bases de dados Medline, Pubmed e Scielo, com limites de data dos últimos 30 anos, sendo organizada no período de Outubro/2008 a Junho/2009. Para tanto foram utilizados os termos: função pulmonar, cirurgia bariátrica, obesidade e fisioterapia com as suas variações na língua inglesa: lung function, bariatric surgery, obesity and physiotherapy. O objectivo deste estudo foi verificar o efeito das intervenções fisioterapêuticas sobre a função pulmonar de doentes obesos submetidos a cirurgia bariátrica. Para se ter um bom entendimento dessas técnicas fisioterapêuticas utilizadas no tratamento desses doentes, principalmente no que diz respeito à melhoria da função respiratória, também foi inserido um breve relato sobre os protocolos utilizados pela fisioterapia respiratória no pós-operatório da cirurgia bariátrica.
Aspectos gerais sobre obesidade
De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), a obesidade é classificada através do índice de massa corporal (IMC) e do risco de mortalidade associado a esse índice. Este índice é obtido através da divisão do peso expresso em quilogramas (kg) pelo quadrado da altura expressa em metros quadrados (m2)11. Um IMC inferior a 18,5 kg/m2 recebe a classificação de magreza, com obesidade grau zero e risco aumentado de doenças, IMC entre 18,5 e 24,9 kg/m2 é classificado como normalidade com obesidade grau zero e risco de doença normal, quando setem um IMC entre 25 e 29,9 kg/m2 classifica-se como sobrepeso, com obesidade grau um e risco elevado de doença, o IMC entre 30 e 39,9 kg/m2 recebe classificação de obesidade com obesidade grau dois. Um IMC maior ou igual a 40 kg/m2 classifica-se como obesidade grave, severa ou mórbida, com obesidade grau três e risco de doença extremamente elevada12.
A obesidade é considerada como uma das enfermidades colectivas próprias da superalimentação e vem crescendo em níveis alarmantes tanto em países desenvolvidos como em países em desenvolvimento, em crianças como em adultos13,14.
O prognóstico destes doentes está associado a uma série de distúrbios fisiopatológicos causados pela obesidade15,16. Pode citar-se os distúrbios cardiovasculares (hipertensão arterial sistémica, hipertrofia ventricular esquerda com ou sem insuficiência cardíaca, doença cerebrovascular, trombose venosa profunda, entre outros) distúrbios endócrinos (diabetes mellitus tipo 2, dislipidemia, hipotiroidismo, infertilidade e outros) distúrbios respiratórios (apneia obstrutiva do sono, síndroma da hipoventilação, doença pulmonar restritiva) e ainda disfunções gastrintestinais, como hérnia de hiato e colecistite, distúrbios dermatológicos, como estrias e papilomas, distúrbios geniturinários, distúrbios musculoesqueléticos, como osteoartrose, e defeitos posturais, neoplasias, como cancros de mama ou da próstata, distúrbios psicossociais, e ainda outras implicações, como aumento do risco cirúrgico e anestésico17,18.
No Brasil, as mudanças demográficas, socioeconómicas e epidemiológicas no decorrer do tempo, permitiram a ocorrência da transição nos padrões nutricionais, com a diminuição progressiva da desnutrição e o aumento da obesidade19. A frequência da obesidade varia de acordo com o sexo, faixa etária, raça e condições socioeconómicas20,21.
No Brasil, houve um crescimento da população de obesos em cerca de noventa por cento (90%) nos últimos trinta anos; estimando-se que 26,5% das mulheres e 22% dos homens tenham excesso de peso, 11,2% das mulheres e 4,7% dos homens possuam obesidade leve e moderada e que 0,5% das mulheres e 0,1% dos homens apresentem obesidade severa grau três22.
Os doentes são indicados para o tratamento cirúrgico quando possuem IMC superior a 40 kg/m2 ou superior a 35 kg/m2 com comorbidades associadas como: apneia do sono, diabetes mellitus tipo 2, hipertensão arterial sistémica, dislipidemias ou problemas osteomusculares dificultando a sua locomoção, entre outras que podem ser curadas com o tratamento da obesidade23.
Apenas são seleccionados doentes que possuem obesidade em evolução no mínimo durante cinco anos e fracasso nos outros métodos convencionais de tratamento24.
No pré-operatório são avaliados por uma equipa multidisciplinar composta por endocrinologistas, cardiologistas, nutricionistas, psicólogos, pneumologistas, psiquiatras, fisioterapeutas, anestesistas e cirurgiões25. As técnicas podem ser restritivas quando diminuem a capacidade do reservatório estomacal, ou disabsortivas quando reduzem a absorção dos alimentos, ou mistas, formadas por uma combinação das duas técnicas2. Segundo o Consenso Latino Americano de Obesidade, três técnicas cirúrgicas são reconhecidas: gastroplastia vertical com bandagem (GVB), lap band e gastroplastia em Y de Roux26.
Função pulmonar na obesidade
Muitos factores interferem na mecânica respiratória do obeso, o que resulta em diminuição dos volumes e capacidades pulmonares, principalmente o volume de reserva expiratória (VRE) e a capacidade residual funcional (CRF)27,28,29. Ocorre uma compressão mecânica sobre o diafragma, pulmões e caixa torácica, causado pelo excesso de tecido adiposo, o que leva a uma insuficiência pulmonar restritiva30,31,32,33. Também se observa uma diminuição da complacência do sistema respiratório e um aumento da resistência pulmonar na obesidade34,35,36,37.
Pela ineficácia dos músculos respiratórios, a força muscular e a endurance podem ser reduzidas, o que leva ao aumento do trabalho respiratório, do consumo de O2 e da energia gasta na respiração38,39,40.
Segundo Paisani, Chiavegato e Faresin10, nos indivíduos obesos a CRF declina exponencialmente com o aumento do IMC, devido ao efeito de massa e pressão sobre o diafragma. A redução na CRF pode ser tão grave a ponto de levar a uma oclusão das pequenas vias aéreas, distúrbios de ventilação-perfusão, shunting direito-esquerdo e hipoxemia arterial 41,42. Na maioria dos obesos, a CRF está reduzida devido a uma redução no VRE, porém estando o volume residual dentro dos padrões normais43.
Sabe-se que a distribuição da gordura corporal influencia as alterações da função ventilatória e, quanto mais central o depósito de gordura, maior o prejuízo da mesma44. Na obesidade observamos que a função dos músculos respiratórios e a movimentação diafragmática estão prejudicadas, resultado da restrição da expansão da caixa torácica e do pulmão43,44.
Segundo Mancini45, com o aumento do IMC, a complacência respiratória total declina exponencialmente. A redução da complacência total deve-se principalmente a diminuição da complacência pulmonar, que causa aumento no volume de sangue pulmonar e reduz as trocas gasosas28. Porém, esta complacência também é afectada em menor escala pelo acúmulo de gordura na região interna e na parede torácica29. Podem observar-se vários factores, como a compressão mecânica, o aumento na demanda metabólica da musculatura respiratória e a redução na complacência total, que promovem a ineficiência da musculatura e o aumento do trabalho ventilatório, levando à ventilação superficial30.
Intervenção fisioterapêutica no pré e pós-operatório da cirurgia bariátrica
O objectivo da fisioterapia no préoperatório é melhorar a capacidade respiratória e função pulmonar, capacitando o doente para o procedimento cirúrgico e prevenindo complicações pós-operatórias, como infecções, atelectasias e outras9. Em relação ao tratamento destes doentes, não existe um protocolo fixo, sendo que o fisioterapeuta pode aplicar técnicas distintas9.
A fisioterapia respiratória em pósoperatórios foi utilizada no começo do século xx; o exercício de inspiração profunda foi um dos primeiros métodos. Em seguida, uma variedade de tratamentos manuais, incluindo percussão, tapotagem e vibração, foram desenvolvidas para aperfeiçoar a higiene brônquica46. Mais recentemente, dispositivos como expiratory positive airway pressure EPAP, a espirometria de incentivo, a pressão positiva contínua nas vias aéreas (continous positive airway pressure CPAP), foram introduzidas na prática clínica9,47.
Ricksten et al 48, em estudo controlado e randomizado, investigaram os efeitos da pressão positiva na função pulmonar de doentes submetidos a cirurgia abdominal. Estudaram 43 doentes distribuídos em três grupos: a) espirómetro de incentivo associado à fisioterapia convencional; b) EPAP associado fisioterapia convencional; e c) CPAP associado a fisioterapia convencional. Observaram que o CPAP e o EPAP são superiores ao espirómetro de incentivo, quanto à melhora das trocas gasosas, na preservação dos volumes e capacidades pulmonares e na prevenção de atelectasia.
Christensen et al49 avaliaram os efeitos de três recursos da fisioterapia respiratória nas complicações pulmonares e função pulmonar em doentes submetidos a gastroplastia. Cinquenta e um doentes foram randomizados em: 1) fisioterapia respiratória convencional; 2) fisioterapia respiratória e pressão expiratória positiva (PEP); e 3) fisioterapia respiratória com pressão expiratória positiva e resistência inspiratória (RMT). Nenhum dos recursos utilizados pode ser considerado satisfatório em relação à prevenção de complicações pulmonares, mas o RMT pareceu ser o mais eficiente.
Joris et al 50 investigaram o efeito do BiPAP na função pulmonar em doentes submetidos a gastroplastia. Trinta e um doentes foram estudados, convidados a utilizar uma das seguintes técnicas nas primeiras vinte e quatro horas do pós-operatório: O2 via máscara facial, BiPAP com pressão inspiratória e expiratória em 8 e 4 cm H2O e BiPAP com 12 e 4 cm H2O. Concluíram que o uso profiláctico o BiPAP 12/4 durante as primeiras vinte do quatro horas reduziu significativamente disfunções pulmonares em doentes obesos e acelerou a recuperação da função pulmonar para valores pré-operatórios.
Fagevik Olsen et al 51, em estudo randomizado e controlado, avaliaram o efeito da fisioterapia respiratória de forma profiláctica em 368 doentes submetidos a cirurgia abdominal. Os mesmos foram divididos em três grupos: grupo de baixo risco, realizando apenas huffing e tosse, padrão ventilatório e orientações sobre a importância da mobilização precoce; grupo de alto risco, que fizeram uso do EPAP com carga inspiratória de -5 cmH2O e carga expiratória de 10 cmH2O; e grupo-controlo, composto por 194 doentes que não realizaram nenhuma intervenção ou receberam qualquer informação. Foi observado que a fisioterapia respiratória reduziu a incidência das complicações respiratórias no pós-operatório e aperfeiçou a mobilização e a saturação de oxigénio após a cirurgia abdominal.
Ebeo et al43 estudaram o efeito do BiPAP na função pulmonar em doentes submetidos a cirurgia de bypass gástrico. Vinte e sete doentes foram divididos em dois grupos, onde catorze receberam o BiPAP e treze tratamento convencional pós-operatório. O uso do BiPAP de forma profiláctica durante as 12-24 horas do pós-operatório resultou em valores significativamente maiores da função pulmonar em obesos mórbidos submetidos a essa cirurgia.
Paisani et al 10, num estudo com 21 doentes obesos, observaram o comportamento dos volumes e as capacidades pulmonares advindas com a gastroplastia e concluíram que a fisioterapia respiratória, independente da técnica utilizada, é importante, uma vez que esse procedimento cirúrgico leva à significativa redução da função pulmonar no pós-operatório.
Conclusões
O acompanhamento dos doentes submetidos a esta modalidade cirúrgica pela fisioterapia no período do pré e pós-operatório é de fundamental importância para prevenir complicações pulmonares inerentes ao processo cirúrgico e possibilitar a recuperação da função pulmonar. Sugerimos, ainda, a realização de novos estudos sobre a actuação da fisioterapia no pós-operatório da cirurgia bariátrica, principalmente em fase de ambulatório com acompanhamento sistemático.
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Recebido para publicação/received for publication:09.07.21
Aceite para publicação/accepted for publication:09.09.08