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Jornal Português de Gastrenterologia

versão impressa ISSN 0872-8178

J Port Gastrenterol. vol.20 no.6 Lisboa dez. 2013

https://doi.org/10.1016/j.jpg.2013.09.001 

EDITORIAL

 

Clostridium difficile: infeção e ribotipos

Clostridium difficile: Infection and ribotypes

 

Helena Lomba Viana

Serviço de Gastrenterologia, Hospital Militar D. Pedro V, Porto, Portugal

Correio eletrónico: helenaviana555@gmail.com

 

Clostridium difficile (C. difficile) é uma bactéria Gram positiva, anaeróbia estrita, formadora de esporos, abundante no solo e águas estagnadas1.

Foi descoberta pela primeira vez em 1935, mas só a partir de 1978 é que foi associada em humanos ao diagnóstico de colite pseudomembranosa2-5.

Trata-se de uma bactéria comensal do trato gastrointestinal, que coloniza o cólon em cerca de 3% dos adultos saudáveis e em 10-30% dos doentes hospitalizados. Em condições normais, a microflora intestinal inibe o crescimento de C. difficile. No entanto, quando o equilíbrio da flora intestinal é alterado por intermédio de antibióticos, o C. difficile encontra as condições propícias à sua germinação, colonização e segregação de toxinas5,6.

Durante a progressão da infeção associada a C. difficile começa um ciclo de formação de esporos por esta bactéria, que são libertados no lúmen cólico e que posteriormente são lançados no meio ambiente. Desconhecem-se ainda os mecanismos que permitem a sobrevivência, germinação e persistência de esporos no trato intestinal7,8.

O C. difficile produz 2 tipos de toxinas: a toxina A, a qual possui um efeito enterotóxico e citotóxico, e a toxina B, a qual tem uma forte atividade citotóxica. A atividade enterotóxica da toxina A induz a secreção aquosa intensa e o efeito citotóxico das toxinas A e B causam um aumento da permeabilidade vascular devido à destruição das ligações intercelulares e posteriormente hemorragia. Além disso, as toxinas A e B induzem a produção do fator alfa de necrose tumoral e de interleucinas pró-inflamatórias associadas à formação de pseudomembranas7,9,10.

O C. difficile é responsável por cerca de 30% das diarreias associadas ao uso de antibióticos7.

Entre os fatores de risco para o desenvolvimento de doença associada ao C. difficile (DACD), para além do uso de antibióticos, nomeadamente clindamicina, ampicilina e cefalosporinas de terceira geração, temos também a considerar: hospitalização prolongada, idade superior a 65 anos, imunossuprimidos, doentes com comorbilidades, oncológicos, doentes com patologia gastrointestinal, nomeadamente doença intestinal inflamatória, gastrectomizados e doentes sujeitos a alimentação entérica1,7,9,11,12. Mais recentemente o uso de inibidores da bomba de protões foi também sugerido como fator de risco5,12.

O C. difficile pode causar sintomatologia, que varia desde uma diarreia aquosa até casos mais graves de colite pseudomembranosa, megacólon tóxico ou perfuração cólica1,5,7,9. Febre, arrepios, dor abdominal localizada sobretudo no hipogastro, aumento de creatinina e leucocitose são frequentes, mas apenas detetados em menos de 50% dos doentes. Quando surge aumento do lactato sérico, falência renal, hipertensão arterial, íleo paralítico ou choque, o quadro clínico torna-se mais grave7,13.

O diagnóstico de C. difficile é feito através de vários métodos nomeadamente: deteção direta da toxina em amostras de fezes, por vezes após a cultura das mesmas para aumentar a sensibilidade, e ensaio de neutralização de citotoxinas, métodos que demoram 3-4 dias até se obter o resultado; imunoensaio para a deteção do antigénio pelo teste da glutamato-desidrogenase (GDH), que tem alta sensibilidade mas não diferencia estirpes toxigénicas e não toxigénicas, e imunoensaio para toxina A e/ou B, que tem alta especificidade, métodos que permitem obter o resultado em minutos; ensaios moleculares para os genes codificadores de ambas as toxinas, os quais possuem alta sensibilidade e dão os resultados ao fim de algumas horas; realização de colonoscopia para a deteção direta de pseudomembranas. A combinação conjunta de vários dos métodos anteriores permite o diagnóstico de certeza da infeção1,5,7.

A utilização das técnicas moleculares nos estudos epidemiológicos relativos ao C. difficile é muito útil na sua caracterização. Essas técnicas incluem restrição genómica, amplificação por PCR e estudo sequencial de determinadas regiões dos genes. O método de referência é a ribotipagem por amplificação por PCR, que permite comparar tamanhos de fragmentos obtidos por este método, correspondentes a regiões de ARN ribossómico. O padrão de bandas obtido define um determinado ribotipo, que facilmente é comparado entre centros de estudo5,6,14,15.

Do ponto de vista epidemiológico, têm sido detetadas alterações importantes desde o final dos anos 90. Notou-se um aumento marcado do número de casos de DACD, nomeadamente nos Estados Unidos, Canadá e alguns países europeus. Estas alterações foram atribuídas ao aparecimento e disseminação de uma nova estirpe de C. difficile conhecida por B1/NAP1/027, a qual pertence ao ribotipo 0271,3,5,7,16-18. Esta nova estirpe de C. difficile foi estudada intensamente e observou-se que apresenta uma maior virulência associada à presença de uma toxina binária, à mutação do gene regulador tcdC e à resistência às fluoroquinolonas16,18.

A toxina binária é uma transferase, formada por 2 subunidades (cdtA e cdtB), que está associada a uma maior toxicidade da estirpe, porque aumenta a adesividade da dita estirpe de C. difficile e atua ao nível do citoesqueleto das células, provocando uma maior perda de líquidos. Desta forma, as estirpes portadoras de toxina binária estão associadas a uma maior virulência5,7.

As estirpes hipervirulentas possuem uma deleção de pares de bases do gene repressor tcdC o que leva a um aumento significativo 3-5 vezes nos níveis de produção de toxinas, durante a fase estacionária, fator este que contribui para a elevada virulência dessas estirpes7,19.

No entanto, o aumento das infeções associadas ao C. difficile, não pode ser só atribuído ao ribotipo 027, mas também a outros, como por exemplo o ribotipo 001, 017, 053, 078 e 106, que possuem um mecanismo similar de hiperprodução de toxinas5,18.

Existem, no entanto, autores20 que concluem não haver evidência que o ribotipo 027 seja mais virulento que outros ribotipos detetados por PCR, havendo por isso necessidade de mais estudos neste campo.

O tratamento indicado em caso de doença associada ao C. difficile inclui: em primeiro lugar suspender o antibiótico desencadeante, promover a correta hidratação e nutrição do doente, evitar o uso de opiáceos e de fármacos inibidores do peristaltismo intestinal. Os antibióticos de primeira linha a utilizar nestes doentes são o metronidazol e a vancomicina. Em caso de resistência ao metronidazol e/ou de uma maior gravidade da doença, deverá ser utilizada a vancomicina. Quando surge uma complicação mais grave, nomeadamente megacólon toxico ou perfuração cólica, a cirurgia está indicada.

A taxa de recidiva de DACD é de cerca de 15-20%, e, nestes casos, a terapêutica é semelhante à utilizada no primeiro episódio. Após a segunda recidiva, a rifaximina e a fidaxomicina deverão ser considerados para o tratamento destes doentes. Para além da antibioterapia nos casos de recidiva, poderá ainda ser ponderado o transplante de flora microbiana fecal e o uso de probióticos5,7.

Neste número do GE Cardoso et al. apresentam um importante e original estudo sobre a determinação das diferentes estirpes de C. difficile num grupo de doentes com infeção causada por esta bactéria.

Tratou-se de um estudo prospetivo de doentes consecutivos com doença associada a C. difficile, durante um período de 18 meses, que incluiu 20 doentes. A infeção foi adquirida em contexto nosocomial em 85% dos casos e todos os doentes se encontravam a fazer antibioterapia.

Após exame cultural das fezes, todas as estirpes isoladas foram caracterizadas geneticamente, por deteção do gene gluD, e dos genes codificantes das toxinas A e B. Seguidamente, as estirpes foram genotipadas com determinação dos ribotipos por amplificação por PCR e separação por eletroforese capilar.

A caracterização genética confirmou que todas as estirpes eram produtoras de toxina A e em 85% dos casos de toxina B. Foi possível obter um perfil de ribotipo em 17 estirpes, não sendo nenhuma dominante. Houve 4 ribotipos detetados em 2 doentes cada, e 9 ribotipos detetados apenas em um doente cada. Durante o estudo foram isolados 3 novos perfis de ribotipo, sem homologia na base de dados europeia. A produção de toxina binária foi identificada em apenas 25% dos casos, nomeadamente nos ribotipos 027, 126, 203 e novo ribotipo 3.

Os autores concluíram no estudo apresentado não haver nenhum ribotipo dominante e também não se ter verificado associação entre a gravidade da doença e os ribotipos isolados.

O estudo apresentado é inovador e, embora tenha um número reduzido de doentes incluídos, é muito importante como alerta deste problema.

A caracterização dos diferentes ribotipos de C. difficile e das suas características, mais ou menos patogénicas, é determinante na orientação clínica dos doentes com DACD.

De salientar que neste estudo foi efetuada também a determinação dos ribotipos em causa por amplificação por PCR, o que permitiu ainda a descoberta de 3 novos ribotipos, desconhecidos até ao momento. Trata-se, portanto, de um grande contributo em termos científicos, uma vez que com ponto de partida neste estudo virão a ser incluídos na tabela classificativa europeia dos ribotipos já identificados de C. difficile.

O facto de não se ter detetado um ribotipo dominante poderá estar associado ao número limitado de doentes estudados, apenas 20, o que se apresenta como uma amostra reduzida.

Neste estudo todos os doentes reverteram o quadro clínico com antibioterapia de uma forma favorável. De salientar que não se registaram casos de DACD com critérios de gravidade e por isso não houve qualquer caso fatal a mencionar. Esta situação também poderá estar relacionada com o tamanho da amostra, bem como o facto de não ter sido possível estabelecer qualquer relação entre a gravidade da doença e os ribotipos identificados.

A importância clínica deste tema exige a necessidade de serem efetuados mais estudos sobre o assunto, uma vez que existe ainda um largo caminho a percorrer até à completa identificação dos ribotipos de C. difficile e das suas características específicas.

 

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Artigo relacionado com: http://dx.doi.org/10.1016/j.jpg.2013.01.002