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Jornal Português de Gastrenterologia

versão impressa ISSN 0872-8178

J Port Gastrenterol. vol.20 no.1 Lisboa jan. 2013

https://doi.org/10.1016/j.jpg.2012.06.004 

Atividade da doença de Crohn e crescimento

Growth and Crohn’s disease activity

 

Marta Tavares, Rosa Lima, Isabel Soro, Eunice Trindade e Jorege Amil Dias

Unidade de Gastrenterologia Pediátrica, Departamento de Pediatria, Hospital de S. João, Porto, Portugal

*Autor para correspondência

 

RESUMO

A doença de Crohn (DC) quando diagnosticada precocemente na vida apresenta o potencial de comprometer o processo de crescimento. Neste artigo os autores pretendem focar alguns aspetos relevantes envolvidos na perturbação do crescimento bem como novas perspetivas terapêuticas e de promoção do crescimento resultantes de avanços do conhecimento nesta área.

Palavras-Chave Doença de Crohn; Doença inflamatória intestinal; Crescimento; Infliximab

 

ABSTRACT

Crohn’s disease is a potential growth restricting disease when diagnosed in childhood. The authors present some items related to growth failure in Crohn’s disease and strategies to prevent it as well as new insights in this area.

Keywords Crohn’s disease; Inflammatory bowel disease; Growth; Infliximab

 

Introdução

A doença de Crohn (DC) apareceu como entidade clínica própria no primeiro terço do século xx1. Ao longo do século a doença passou a ser reconhecida também em Pediatria tendo a sua incidência aumentado consideravelmente nos últimos 40 anos.

Um estudo europeu referente a 739 crianças com doença inflamatória intestinal calculou uma incidência de DC e de colite ulcerosa em 3,0 e 1,5 casos novos por 100.000 habitantes2. Uma meta-análise recente efetuada com base em 139 estudos efetuados entre 1950 e 2009, provenientes de 32 países, confirma esta tendência3,4.

Estima-se em 20% o número de casos de DC que se apresentam na infância e adolescência5. A mediana da idade no diagnóstico é de 12 anos2,6, coincidindo muitas vezes com a fase de crescimento e desenvolvimento rápidos e a oportunidade única para crescer. Esta questão não se coloca quando o diagnóstico é efetuado no adulto, pois o crescimento linear já ocorreu. Uma das queixas frequentes antes ou após o diagnóstico, isolada ou associada a outros sintomas, é o atraso de crescimento. Estima-se que, pelo menos, 40% dos doentes de Crohn diagnosticados antes dos 18 anos sofram de atraso de crescimento em algum período da sua doença5,7. O atraso da maturação pubertal também é por si só uma queixa que merece investigação de DC pois pode ser um sinal que precede cronologicamente as queixas gastrointestinais8.

Os fatores clínicos que potencialmente afetam a estatura final incluem o intervalo entre o início dos sintomas (que pode ser o atraso estatural isolado) e a data do diagnóstico, a presença de doença jejunal no diagnóstico, o início pré-pubertário de sintomas, o género e, naturalmente, a gravidade da doença8,9.

Os mecanismos que influenciam a cinética do metabolismo ósseo e as condicionantes do crescimento, especialmente nos fenómenos que ocorrem a nível da placa de crescimento, são ainda mal compreendidos. Apesar dos avanços no diagnóstico, no controlo da inflamação e da otimização nutricional, a restrição da estatura-alvo prevista ainda ocorre numa parcela importante dos doentes mesmo com um aparente controlo ótimo da doença.

Patologia do crescimento

O crescimento ocorre continuamente ao longo da infância até à terceira década de vida e uma das maneiras de o medir é através do cálculo da velocidade de crescimento, isto é, o acréscimo de centímetros por ano. A velocidade de crescimento vai diminuindo ao longo da vida, com exceção da fase pubertária onde o acréscimo de velocidade de crescimento permite ao adolescente adquirir a estatura adulta. Desde a infância até à idade adulta ocorrem várias alterações somáticas que, na puberdade, por influência de hormonas sexuais, permitem o desenvolvimento de carateres sexuais primários e secundários que acompanham o crescimento. A evolução pubertal pode ser expressa em etapas denominadas estádios de Tanner e que se iniciam no estádio I, correspondente ao indivíduo pré-púbere, até ao estádio V onde já aconteceu a maturação sexual completa. O pico máximo de crescimento é variável segundo o género, ocorrendo mais cedo e antes da menarca nas raparigas e mais tardiamente nos rapazes (no estádio de Tanner IV), com determinantes genéticas que se manifestam em padrões familiares e variações étnicas distintas. O crescimento também sofre a ação de fatores ambientais, sendo influenciado pela precocidade da síntese de hormonas sexuais, pelo estado nutricional e pela presença de doenças crónicas, malformativas ou noxas que surgem antes ou no decorrer da puberdade.

Em termos bioquímicos, o crescimento é regulado pela ação da hormona de crescimento (HC), hormona de síntese central mas com ação estimuladora da produção de fatores tróficos a nível periférico. O mais importante destes fatores denomina-se Insulin Growth Factor 1 (IGF-1) anteriormente denominado somatomedina C, proteína de síntese essencialmente hepática que atua em tecidos periféricos, um dos quais a placa de crescimento óssea. Além da produção hepática de IGF-1, existe também produção tecidular com ação parácrina e cuja ação é independente da regulação efetuada pela HC. A própria HC desempenha uma ação direta sobre a placa de crescimento transformando o tecido hialino ou células precursoras em células maduras: os condrócitos10. Estes, por sua vez, ficam sensíveis à ação do IGF-1 (fig. 1). A senescência dos condrócitos, ou seja, a perda de proliferação das camadas mais imaturas, traduzse na diminuição da sua taxa de proliferação, frenando assim o alongamento ósseo e o crescimento. Nos fatores causais encontram-se, além da patologia em questão, o uso de corticoides. Estudos experimentais mostram que a paragem do crescimento que ocorre de forma muito breve pode ser recuperável pelo aumento da taxa de proliferação dos condrócitos no período que se segue à sua diminuição, o designado efeito de catch-up growth. Contudo, embora este efeito possa em teoria acontecer após o uso de corticosteroides, a evidência clínica não corrobora este efeito com o uso de corticoterapia mesmo em doses pequenas e períodos curtos.

 

 

Os mecanismos hepáticos de ação da HC são dependentes de um mecanismo de regulação pré e pós-transcricional do IGF-1. A dimerização da HC, isto é, a ligação da hormona circulante ao seu recetor, ativa uma proteína citoplasmática (JAK), que posteriormente fosforila o signal transducer and activator of transcription protein 5 conhecido por STAT 5 e este segundo mensageiro celular ativa a transcrição nuclear e síntese proteica de IGF-1. O mecanismo é autorregulado negativamente por «feed-back», com síntese quase simultânea de proteínas inibitórias (SOCS) que contrabalançam a síntese de IGF-1, suprimindo desta forma a expressão hepática deste IGF.

O transporte sérico até aos órgãos-alvo depende de proteínas transportadoras, denominadas IGF-binding proteins (IGFBP) que existem em 5 subtipos, sendo a mais importante o IGFBP3 que transporta e aumenta a semivida do IGF-1 sérico (até 16 horas) e catalisa a sua ligação a recetores específicos no tecido ósseo. Os outros IGFBP ligam-se ao IGF-1 com maior afinidade que os recetores periféricos, diminuindo desta forma a sua biodisponibilidade. Em situações de malnutrição, a diminuição da produção de IGFBP3 condiciona fortemente a diminuição da ação do IGF-1 sobre o crescimento e por consequência a ação da HC.

O crescimento pubertário é ainda influenciado pelas hormonas sexuais, especialmente os estrogénios, que induzem o eixo HC/IGF-1, e também pelos androgénios, que têm ação direta trófica sobre a placa de crescimento óssea10.

A doença inflamatória também perturba o funcionamento da placa de crescimento por chamada de células inflamatórias. O défice de IGF-1 parece não ser o único fator causal do atraso de crescimento. Contudo, a diminuição dos níveis de IGF-1 e IGF-BP3 séricos correlaciona-se com a diminuição do crescimento linear verificado noutras doenças inflamatórias como a artrite crónica juvenil11. Os estudos sobre o efeito da administração de HC no atraso de crescimento verificado na doença de Crohn são escassos. Numa pequena série de crianças com doença de Crohn onde foi administrada hormona de crescimento exógena, não se verificou nenhuma melhoria e, embora o número tenha sido pequeno (n = 7 casos), sugere a existência de hormonorresistência que ainda não está completamente explicada12. A resistência hepática à hormona de crescimento pode ser explicada pela diminuição da sua expressão hepática induzida por citocinas inflamatórias. Noutras situações inflamatórias, como a sépsis, a estimulação com fator de necrose tumoral alfa (TNF-_) resulta em diminuição da via da fosforilação STAT5 e consequente redução da expressão de IGF-1 induzida pela HC13. A diminuição da fosforilação JAK-STAT que induz a síntese de IGF-1 após dimerização do recetor da HC é influenciada por níveis séricos elevados de interleucina 6 (IL-6), como o mostram estudos experimentais recentes14.

Numa série clínica com cerca de 153 crianças portadoras de DC e experimental usando ratinhos de laboratório com colite granulomatosa, verificou-se que a IL-6 está diretamente relacionada com as alterações do crescimento15. Em humanos, o polimorfismo 174 G/C altera a transcrição de IL-6 (com maior produção no tipo G/G). Em crianças com doença de Crohn, verificou-se uma correlação entre os portadores de polimorfismo G/G com atraso estatural em relação aos indivíduos com o genótipo G/C ou C/C. No mesmo estudo, o polimorfismo G/G associou-se à presença de níveis mais elevados de marcadores pró-inflamatórios, por exemplo a proteína C reativa15. Da mesma forma, ao administrar um bloqueador de IL-6 a ratinhos com colite granulomatosa verificou-se que a secreção hepática de IGF-1 e o crescimento aumentaram, apesar de não se terem verificado alterações significativas na ingestão alimentar e portanto sem relação com a melhoria da malnutrição16.

Estudos em humanos e animais de experiência mostram também ação de citoquinas na placa de crescimento: a exposição crónica à IL-6 afeta a atividade osteoblástica e promove a atividade osteoclástica, com consequente diminuição da espessura da placa de crescimento, uma ação que parece ser independente da atividade local do IGF-116,17.

Outras citocinas podem afetar diretamente a placa de crescimento como sejam a interleucina-1beta (IL-1_) e o TNF-_, como o provam os trabalhos experimentais. Em ratinhos, a exposição à IL-1_ e TNF-_ impede o crescimento pela promoção da senescência dos condrócitos18. Outros efeitos deletérios sobre o crescimento não são mediados por citoquinas, mas por mecanismos pertencentes à imunidade inata, nomeadamente pela ação do lipopolissacarídeo (LPS), independentes da produção de citoquinas. A estimulação de toll-like receptors (TLR), especialmente o TLR4, modula a ação da HC quer por diminuir a expressão dos recetores a nível hepático, quer pela diminuição da transcrição de IGF-1 ou pelo aumento do shedding dos IGF-BP11.

Independentemente da patologia em foco, para crescer é necessário que o balanço entre o aporte e o gasto de energia seja positivo. Na DC há um conjunto de fatores que impedem o crescimento, muitos deles dependentes da inflamação crónica e dos níveis de citocinas circulantes. O aporte deficitário é um fator muito importante. Os doentes de Crohn geralmente efetuam um aporte calórico que se estima em apenas 54% do que seria esperado para a idade19. Além da diminuição da ingestão alimentar secundária à anorexia dependente da doença, a malnutrição resulta de perdas proteicas devidas à má absorção que ocorre na mucosa intestinal inflamada e à enteropatia perdedora de proteínas associada à diarreia. Além de proteínas, há diminuição do aporte e consequente défice de proteínas, ferro, cálcio e vitamina D, entre outros. A baixa de nutrientes intervenientes no metabolismo ósseo, como sejam o cálcio e o fósforo, levam à osteopenia. O aumento da secreção de paratormona contrabalança o défice sérico destes elementos, perpetuando a osteopenia, que se potencia pela atividade osteoclástica induzida pelo cortisol endógeno resultante da inflamação. O baixo aporte decorrente do estado de malnutrição associado ao aumento do consumo energético que resulta do elevado catabolismo, como por exemplo em situações de diarreia e\ou febre, restringem a produção de IGF-1BP, tornando o organismo refratário às hormonas que regulam o crescimento. Além disso, o uso terapêutico de corticosteroides favorece os efeitos atrás citados, e por isso a estratégia de tratamento em Pediatria deve incluir não só o objetivo de obter a remissão da doença mas também manter o doente com uma adequada nutrição e livre de corticoides o maior tempo possível.

Em suma, a patologia do crescimento, além de ser proporcional à desnutrição secundária que ocorre na doença, depende de uma complexa ação de hormonas e citoquinas séricas e também de fatores de trofismo local com ação na placa de crescimento.

Atividade da doença e crescimento

Para um melhor conhecimento do crescimento na doença de Crohn em Pediatria, foi efetuada a avaliação antropométrica em crianças seguidas na consulta de Gastroenterologia Pediátrica do Hospital de São João com o diagnóstico de doença de Crohn. Foi também correlacionada a antropometria com a atividade da doença. O estudo efetuado teve caráter retrospetivo sendo os dados recrutados a partir dos registos efetuados em cada consulta durante 24 meses, de acordo com os registos constantes de cada processo clínico. Foram analisadas as seguintes variáveis para cada doente: sexo, idade, peso, estatura, índice de massa corporal (IMC), índice de atividade da doença de Crohn pediátrica (Pediatric Crohn Disease Activity Index - PCDAI) e terapêutica efetuada. As variáveis clínicas e antropométricas foram recolhidas em 4 períodos distintos: na data do diagnóstico (mês 0), aos 6, 12 e 24 meses de evolução. O cálculo da variabilidade dos parâmetros antropométricos expressou-se em valores de Z-score calculados para o sexo e género.

Avaliaram-se 33 doentes, 19 rapazes e 14 raparigas. No diagnóstico, a mediana das idades foi de 13 anos, com uma média de 12,5 e desvio padrão (DP) de±2,7 anos. Os valores da mediana do Z-score para o IMC nos 4 períodos foram −1,03 (mês 0), 0,43 (6 meses), 0,57 (12 meses) e 0,20 (24 meses). A média para estas variáveis foi de −1,21 (DP±1,27), 0,42 (DP±1,10), 0,46 (DP±1,08), 0,35 (DP±0,93) respetivamente.

A mediana e média (±DP) do Z-score para a estatura durante o estudo foram −1,3 e −1,28 (DP±1,14) no mês zero, −1,62 e −1,57 (DP±0,93) no mês 6, −1,44 e −1,39 (DP±0,90) no mês 12, −1,37 e −1,31 (DP±0,94) no mês 24 (fig. 2). A mediana e média (± DP) do Z-score para o peso nos mesmos períodos do estudo foram −1,5 e −1,56 (DP±1,21) no mês zero, −0,6 e −0,59 (DP±1,23) no mês 6, −0,44 e −0,55 (DP±1,29) no mês 12, −0,76 e −0,57 (DP±1,16) no mês 24 (fig. 2). O cálculo do PCDAI indica actividade da doença se for superior a 20. Na amostra avaliada a mediana/média (±DP) do PCDAI calculado aos 0, 6, 12 e 14 meses foi respetivamente de 40/35,91 (DP±16,16), 5/5,53 (DP±6,70), 0/6,38 (DP±8,65) e 3,75/5,52 (DP±8,69).

 

 

Na apresentação praticamente todos os doentes iniciaram terapêutica com salicilados (n = 32). A corticoterapia foi instituída em 30 doentes e foi iniciada imunossupressão com azatioprina em 24. Quatro doentes iniciaram dieta polimérica como opção inicial de tratamento (12,1%). A corticoterapia não foi usada durante longos períodos, o que é visível no número reduzido de doentes sob terapêutica aos 6, 12 e 24 meses, neste último apenas em 2 casos. De referir que o uso de corticoterapia presente aos 12 e aos 24 meses de tratamento refere-se ao uso deste anti-inflamatório em recaídas e não como regime contínuo desde a indução.

A terapêutica com azatioprina foi mantida até aos 12 meses em 28 casos e até aos 24 meses em 22 (fig. 3).

 

 

A terapêutica com infliximab foi usada desde o início por falência primária de terapêutica de primeira linha num dos casos, sendo mais representativa aos 6 meses (n = 4) e em 9 doentes aos 12 meses, por corticodependência.

Quando foram avaliados os parâmetros antropométricos verificamos que, na data do diagnóstico, a maioria das crianças com doença de Crohn apresentava atraso estatural e perda ponderal associada, traduzidas num Z-score de −1,5. Durante a evolução da doença verificou-se uma evolução de+1 Z-score em relação ao peso, o que não evidenciou paralelismo na estatura. Na avaliação estatural observou-se, na data do diagnóstico, valores entre −1 e −1,5 Z-score que não sofreram alteração após a queda dos valores preditivos de inflamação (PCDAI) e recuperação ponderal. O cálculo do IMC mostrou uma variação de + 1,5 Zscore durante os 24 meses do estudo (fig. 4). Dado o pequeno número de casos de crianças que foram tratadas com infliximab, não foi possível efetuar a avaliação estatística da variação antropométrica deste grupo.

 

 

Em resumo, foi observada evolução favorável no controlo da atividade inflamatória, traduzida na descida do PCDAI após os 6 meses de terapêutica, que não se traduziu na recuperação do atraso estatural como o demonstra o Z-score final do estudo.

A série descrita mostra, na nossa população pediátrica, a ausência de correlação entre a melhoria nutricional assim como com o controlo da atividade da doença, e a recuperação do crescimento. Esta observação remete-nos para estudos de grandes dimensões onde o paralelismo de resultados semelhantes é surpreendente. O binómio desnutrição-inflamação não permite explicar todos os casos de atraso de crescimento e por detrás da genética, como atrás sugerido, poderá existir um fator x que determine de início o grupo de doentes de Crohn que poderão exibir uma má evolução estatural.

Terapêutica e otimização do crescimento

O objetivo primário no tratamento da DC visa o ótimo controlo da inflamação na fase aguda e a manutenção da remissão da doença.

A alimentação enteral tem, no que diz respeito ao crescimento, vantagens que não dependem apenas do restabelecimento do estado nutricional. O aporte de nutrientes com baixa diversidade na fórmula de apresentação e otimizados em termos de disponibilidade absortiva, permite a recuperação intestinal com diminuição da inflamação da mucosa. Foi observado um aumento dos níveis de IGF-1 no soro de doentes após 14 dias de nutrição enteral, antes da recuperação ponderal significativa. A recuperação na mucosa, com diminuição de RNA mensageiro de fatores pró-inflamatórios é verificada em doentes com início de terapêutica entérica polimérica. Em populações selecionadas, o uso de nutrição polimérica durante 6 a 8 semanas pode apresentar uma taxa de remissão de cerca de 80%20. Além disso a velocidade de crescimento é significativamente melhorada quando se usa a indução de remissão com dieta polimérica, em relação ao tratamento com corticoides21,22. Uma outra vantagem é a ausência de efeitos laterais e a possibilidade de repetir novo ciclo após recaída.

O uso de corticoterapia continua a ter um papel muito importante em Pediatria pelo rápido efeito anti-inflamatório e melhoria do estado geral do doente. Os seus efeitos secundários são também bem conhecidos e previsíveis. Contudo, o uso de corticoides mimetiza um estado funcional de carência de hormona de crescimento, por tornar quiescentes os condrócitos, além de perpetuar a osteopenia característica desta doença. A estratégia de efetuar uma toma única diária matinal, com vista a atenuar os efeitos do cortisol sobre a secreção noturna de HC e sobre o eixo HC-IGF-1 não mostrou vantagem significativa sobre as tomas convencionais assim como as tomas em dias alternados. Também não há evidência de que os tratamentos curtos possam desencadear o crescimento de recuperação «catch-up» posterior, sobretudo quando a terapêutica ocorre no pico máximo do crescimento. Dada a impossibilidade de prever com exatidão quais as crianças que ficarão com restrição mais severa do crescimento, o uso de corticosteroides deve ser muito restrito, usado por períodos curtos e de preferência coadjuvados com terapêutica imunossupressora como as tiopurinas para a manutenção de remissão persistente. O uso de tiopurinas aquando da indução de remissão justifica-se pela demora do início da sua ação e pela gravidade da doença inicial.

A cirurgia está indicada quando a terapêutica médica não surte o efeito desejado na doença segmentar do intestino delgado, ou na doença estenosante e/ou fistulizante. As séries de doentes submetidos a cirurgia permitiu observar que o crescimento pode ser recuperável após cirurgia, se os doentes forem adequadamente selecionados antes ou durante a puberdade precoce. Estes efeitos poderão advir diretamente do ótimo controlo da doença no pós-operatório imediato. O atraso de crescimento associado a doença segmentar localizada mantém-se como indicação para enterectomia nas recomendações das sociedades científicas que incluem séries pediátricas23.

O uso de antagonistas do TNF-_, nomeadamente o infliximab, tem apresentado bons resultados na recuperação do crescimento linear em adolescentes e crianças com ele tratados24-26. Uma das evidências básicas prende-se com o facto de a placa de crescimento ter recetores para o TNF-_ e a diminuição dos níveis de TNF permitir evitar os efeitos secundários a este. Contudo, o seu uso como primeira linha de tratamento ou em substituição de corticoides nos doentes com o crescimento severamente comprometido ainda merece alguma reserva, pois os efeitos do seu uso a longo prazo ainda não são completamente conhecidos.

No momento do diagnóstico deve estabelecer-se a estatura-alvo da criança pois irá definir a estatura final esperada e avaliar a magnitude do desvio em relação ao percentil estatural esperado. A fase de Tanner em que o adolescente se encontra é muito importante pois a estatura final depende do potencial de crescimento que ainda se pode obter após o diagnóstico. A avaliação do atraso estatural é primariamente avaliada pela idade óssea, que é solicitada na primeira avaliação clínica e permite avaliar o potencial de crescimento ainda recuperável se houver atraso na idade óssea paralelo ao atraso estatural. O grau de osteopenia pode ser estimado por intermédio da densitometria, que deve ser avaliada de acordo com a idade óssea. O estudo da osteopenia por intermédio do estudo densitométrico continua ainda controverso, com padrões pouco aferidos para indivíduos cuja maturação óssea não terminou. O diagnóstico de osteoporose no adulto baseia-se na comparação dos dados densitométricos com tabelas de referência, sendo positivo se o valor apresenta Z-scores > 2 desvios padrão do valor considerado normal para a idade cronológica27. Se usada em Pediatria este método pode rastrear, de uma forma normalizada, uma osteopenia clinicamente significativa. . . ou não28,29. A idade óssea muitas vezes não condiz com a idade cronológica pelos fatores acima citados e, desta forma, se usarmos os valores presentes nas tabelas mas adaptando-os para a idade óssea ou outro indicador fisiológico mais adequado poderemos retirar conclusões diferentes, com taxas de osteopenia variáveis. Num estudo onde foram avaliadas crianças com doença de Crohn, a taxa estimada de osteopenia desceu de 65% para 22% quando se aferiu a densidade óssea para o tamanho do osso avaliado, em vez da tabela ajustada à idade cronológica. Em suma, há que retirar com cautela os valores das tabelas «standard» para tabelas de adequação à fase de crescimento que caracteriza a criança com DC e atraso estatural27,28,30. O doseamento sérico de IGF-1 e de IGFBP-3 podem corroborar o grau de atingimento do eixo HC/IGF-1 e o doseamento sérico de vitamina D3, geralmente baixo, podem orientar a intervenção terapêutica.

É essencial monitorizar de perto a dieta usando para isso a determinação calórica ótima e reforçar na família o conceito de dieta sem restrições como a dieta ideal. A atividade física da criança ou adolescente, embora benéfica sob o ponto de vista psicológico e de trofismo muscular, não deve ser superior ao desejável para o balanço calórico não sofrer desequilíbrio. E por fim, não menos importante, avaliar o doente como um todo, em casos com controlo ótimo da inflamação e manutenção do atraso estatural: considerar outras causas além da DII, o que inclui outras causas do foro endocrinológico ou causas psicossociais (fig. 5 e fig. 6).

 

 

 

Conclusão

O objetivo primário do tratamento da doença de Crohn Pediátrica é a remissão sustentada da doença e o crescimento pleno. Muitas interações se entrecruzam na patogénese do atraso estatural com a malnutrição e a ação de mediadores inflamatórios a atuarem de forma sinérgica para o hipotrofismo verificado nesta patologia. A otimização da renutrição e o uso de estratégias anti-inflamatórias que permitam estimular o máximo de crescimento posiciona em primeiro plano o uso da terapia nutricional. Recentemente usados em Pediatria, os agentes biológicos poderão vir a ter uma expressão mais marcada pois até à data parecem associar a ação anti-inflamatória a uma menor restrição do crescimento do que os corticosteroides.

As alterações do crescimento constituem uma preocupação fundamental para os pediatras que se dedicam à doença de Crohn dada a evidência clínica de doentes com atraso grave de crescimento que ocorre independente do controlo da inflamação e nutrição adequadas. Mais estudos são necessários para consolidar o estado da arte no que se refere ao conhecimento de mecanismos que condicionam a perturbação do crescimento.

 

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Conflito de interesses

Os autores declaram não haver conflito de interesses.

 

*Autor para correspondência

Correio eletrónico: mdtavares@gmail.com (M. Tavares).

 

Recebido a 14 de julho de 2011; aceite a 11 de junho de 2012