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Jornal Português de Gastrenterologia

versão impressa ISSN 0872-8178

J Port Gastrenterol. vol.19 no.2 Lisboa fev. 2012

 

Avaliação funcional do esfíncter esofágico inferior por manometria esofágica

Functional assessment of the lower esophageal sphincter by esophageal manometry

 

Luis Novais

Chefe de Serviço de Gastrenterologia, Professor Convidado de Fisiologia da Faculdade de Ciências Médicas/Universidade Nova de Lisboa; Laboratório de Neurogastrenterologia e Motilidade Digestiva, Centro de Estudos de Doenças Esofágicas/ Faculdade de Ciências Médicas

Correio eletrónico: luisnovais@netcabo.pt

(L. Novais)

 

A manometria esofágica permitiu demonstrar a existência de um esfíncter esofágico inferior (EEI), nos estudos realizados no início dos anos 501. O aperfeiçoamento técnico com sistemas de registo computorizado, utilização de sondas com sistemas de perfusão, sondas com transductores internos sólidos e recentemente a manometria esofágica de alta resolução (MEAR), permitem a avaliação funcional esofágica indispensável na avaliação clínica e em investigação.

A MEAR foi inicialmente descrita por Clouse2, com utilização de sonda de perfusão com múltiplos canais e seu desenvolvimento deveu-se à técnica que a precedeu, a manometria de mapping que utilizava a mobilização da sonda cm a cm até que todo o esófago fosse avaliado, demonstrando maior acuidade na detecção de alterações manométricas esofágicas do que a manometria estacionária3,4.

O EEI é uma estrutura funcional de pressões elevadas de 2 a 4 cm de comprimento, tendo um segmento intra-abdominal e outro intra-toracico. A separação das duas porções faz‑se através da determinação do chamado ponto de inversão respiratória, em que as deflexões positivas do segmento intra-abdominal durante a inspiração se tornam negativas. Esta zona tem uma extensão aproximada de 0,5 cm, está normalmente localizada no meio da zona de alta pressão e está relacionada com o diafragma crural. Normalmente, dois ou mais centímetros estão situados abaixo do ponto de inversão respiratória e correspondem ao comprimento do segmento intra-abdominal. A zona de alta pressão do EEI evidencia assimetria axial e radiária, sendo as pressões lateral esquerda e posterior esquerda significativamente superiores5,6.

O diafragma influencia a pressão do EEI com variações rítmicas, actuando como um esfíncter externo. O registo manométrico da pressão do EEI caracteriza-se por aumento de pressão na inspiração resultante da contracção do diafragma crural que envolve o esfíncter7.

A enervação do EEI bem como do restante músculo liso do esófago, está dependente do sistema nervoso autónomo, parassimpático e simpático em conexão com Sistema Nervoso Entérico (SNE) com os seus dois plexos, mioentérico ou de Auerbach e submucoso ou de Meissner. A enervação parassimpática é dependente do nervo vago que contém fibras aferentes e eferentes em conexão com o núcleo motor dorsal do vago. A enervação simpática é dependente da cadeia simpática torácica. As fibras colinérgicas actuam pela libertação de acetilcolina, as adrenérgicas de noradrenalina e as fibras inibidoras não-adrenérgicas não-colinérgicas pela libertação de óxido nítrico (NO), péptido intestinal vasoactivo (VIP) e ATP8. O EEI responde à deglutição com diminuição do tónus, que se inicia em menos de 2 segundos após o início da deglutição, com duração de 8 a 10 segundos. Por vezes regista-se uma pos-contracção que está dependente da contracção peristáltica do corpo do esófago, com duração de 7 a 10 segundos. O relaxamento faz parte do processo de inibição na deglutição e é mediado pela via inibitória vagal e pelos neurónios pos-ganglionares mioentéricos que actuam com libertação de NO.

A pressão basal do EEI é devida ao tonus miogénico. A estimulação é dependente da actividade colinérgica e o relaxamento principalmente pela libertação do NO. O controlo do tónus miogénico basal do EEI é modelado por grande variedade de hormonas e neurotransmissores: nicotina, agonistas B-;adrenergicos, dopamina, colecistoquinina, secretina, VIP, adenosina, prostaglandina E, fornecedores de NO como nitratos e inibidores da 5-fosfodiesterase, reduzem a pressão do EEI. Por outro lado, receptores agonistas muscarínicos M2 e M3, agonistas a- adrenérgicos, gastrina, substância P e prostaglandina F2a, causam aumento da pressão do EEI9.

O relaxamento do EEI sem peristalse esofágica é chamado relaxamento transitório do EEI (TLESR) e é o mecanismo responsável pelos episódios de refluxo gastroesofágico (RGE) fisiológicos e o factor etiopatogénico mais frequente na doença de refluxo gastroesofágica10. Os TLESRs são desencadeados primariamente pela distensão gástrica e pela estimulação vagal aferente e podem ser inibidos pelos B agonistas GABA, como o baclofeno.

A motilidade esofágica, a pressão do EEI e a frequência dos TLESRs, podem também ser modulados por outros factores, nomeadamente o aumento do valor da glicémia. A hiperglicémia aguda reduz a pressão do EEI e afecta a motilidade esofágica, reduzindo os níveis plasmáticos de PP, o que sugere perturbação da actividade vagal colinérgica durante a hiperglicémia11. A hiperglicémia elevada mesmo em indivíduos saudáveis, aumenta a frequência dos relaxamentos transitórios, ainda que o seu mecanismo permaneça incerto. O efeito da hiperglicémia no desencadear dos TLESRs pode ser um factor importante na elevada frequência de RGE em doentes com diabetes mellitus, ainda que os necanismos não sejam completamente conhecidos. É provável que um dos factores que desencadeiam os episódios de refluxo nestes doentes, seja o mau controlo da glicemia12.

Na evolução da diabetes mellitus pode surgir uma neuropatia autonómica, nomeadamente no tipo I, que provoca perturbações motoras no tracto gastrointestinal, nomeadamente gastroparésia e alterações do trânsito intestinal13.

Assim, no trabalho publicado neste número do GE, o objectivo de estudar as alterações do EEI na Diabetes de tipo II, é de interesse científico e clínico. Conforme referido na discussão do trabalho, a técnica manométrica e a sonda de perfusão utilizadas têm limitações técnicas, nomeadamente pela orientação radial dos sensores e a distância entre eles. O estudo mais adequado do relaxamento do EEI não é possível, por não detectar o deslocamento da sonda motivado pelo encurtamento do esófago durante a deglutição, resultando a migração proximal do EEI em média de cerca de 2 cm, dando origem a artefactos de «falsos relaxamentos». A manometria esofágica de alta resolução (MEAR) com sonda de 36 sensores colocados cm a cm com a detecção radiaria de 12 determinações, permite a topografia das pressões esofágicas, superando as limitações principais da manometria convencional (fig.). Na MEAR o relaxamento do EEI é avaliado pela determinação da pressão integrada de relaxamento (IRP), em que o resultado é a média dos valores dos 4 segundos do relaxamento máximo após a deglutição14,15(tabela).

 

Figura MEAR: Topografia das pressões esofágicas e estudo do EEI com avaliação do relaxamento (IRP). Laboratório de Neurogastrenterologia e Motilidade Esofágica. CEDE/FCM.

 

Tabela Manometria esofágica de alta resolução: medidas topográficas da JEG segundo a classificação de Chicago

 

Os novos avanços tecnológicos da avaliação manométrica como a MEAR e mais recentemente a MEAR 3D, permitem um maior detalhe do que a manometria convencional no estudo EEI, possibilitando uma mais adequada avaliação anatomo — fisiológica e caracterização da sua disfunção, indispensáveis na identificação e tratamento da base fisiopatológica da doença.

 

 

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