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Jornal Português de Gastrenterologia

versão impressa ISSN 0872-8178

J Port Gastrenterol. v.18 n.2 Lisboa mar. 2011

 

Profilaxia Antibiótica em Endoscopia Digestiva

 

Sociedade Portuguesa de Endoscopia Digestiva

 

Nos últimos anos assistimos ao emergir de muitas inovações técnicas na área da endoscopia digestiva colocandose sempre a questão da segurança e do potencial desenvolvimento de complicações infecciosas iatrogénicas. A American Heart Association publicou há cerca de dois anos novas guidelines para a prevenção da endocardite infecciosa que diferem grandemente das anteriores. Publicaram-se também os resultados de vários ensaios clínicos randomizados e controlados e resultados de meta-análises sobre complicações infecciosas em endoscopia digestiva. Tais factos conduziram a profundas alterações nas guidelines posteriormente publicadas pela American Society of Gastrointestinal Endoscopy e pelas várias Sociedades Europeias, nomeadamente a Britânica.

As recomendações portuguesas que agora se emitem reflectem esta mudança.

 

INTRODUÇÃO

A abordagem da eficácia da profilaxia antibiótica em endoscopia digestiva deve ter em conta vários parâmetros nomeadamente: a frequência da complicação infecciosa associada a determinado procedimento endoscópico, o custo (relacionado com o elevado número de exames endoscópicos realizados), o risco de selecção de estirpes de microorganismos resistentes, o risco de reacções adversas, por ex. alérgicas, decorrentes da terapêutica e o grau de eficácia do tratamento antibiótico.

 

1. PROFILAXIA DA ENDOCARDITE INFECCIOSA (EI)

A bacteriemia pode ocorrer após exames endoscópicos com uma frequência variável e poderá ser aferida como marcador de risco de EI. No entanto, a ocorrência de EI após endoscopia digestiva é extremamente rara.

Bacteriemia Associada a Exames Endoscópicos

As taxas mais elevadas de bacteriemia são reportadas após esclerose de varizes esofágicas (0% - 52%) e dilatação esofágica (12% - 22%); a bacteriemia parece ser mais frequente após dilatação de estenoses malignas e aumenta com o nº de dilatadores utilizados na mesma sessão. A laqueação elástica de varizes associa-se a baixas taxas de bacteriemia (0% - 25%, média – 8,8%). A CPRE em doentes sem obstrução biliar associa-se a taxas baixas de bacteriemia (6,4%) que aumentam para 18% nos casos de obstrução da árvore biliar por cálculo ou tumor. A endoscopia digestiva alta (EDA) tem taxas de 0% a 8% de bacteriemia, a colonoscopia entre 0% a 25% e a sigmoidoscopia flexível entre 0% - 1%. A ultrassonografia endoscópica, com punção aspirativa de lesões sólidas ou quísticas do tracto digestivo alto tem taxas de bacteriemia semelhantes às da EDA (4 - 5,8%).

Bacteriemia Associada a Actividades da Rotina Diária

A bacteriemia transitória ocorre frequentemente, e em taxas muitas vezes superiores às verificadas nos exames endoscópicos, em actividades como escovagem dos dentes e uso de fio dental (20% - 68%), bem como mastigação de alimentos (7% - 51%). Assim, a frequência de bacteriemia associada à endoscopia digestiva é muito inferior quando comparada com a frequência da bacteriemia no decurso das actividades de higiene diárias. Este facto, associado à ocorrência extremamente rara de EI após endoscopia digestiva, à não demonstração inequívoca de uma relação de causalidade entre o procedimento endoscópico e EI e à não existência de dados que suportem que a profilaxia antibiótica antes de um exame endoscópico previna realmente a ocorrência de EI, são as bases de evidência para a não recomendação, por rotina, da profilaxia antibiótica da EI em doentes cardíacos. A possibilidade de uma EI deve, no entanto, ser sempre considerada nos doentes com factores de risco cardíacos conhecidos, que apresentem sinais ou sintomas de infecção após procedimentos endoscópicos.

RECOMENDAÇÃO

Profilaxia da endocardite bacteriana em qualquer condição cardíaca – não indicada.

A American Heart Association define, no entanto, um grupo com risco mais elevado de EI, que inclui doentes com:

- Próteses valvulares cardíacas;

- História anterior de EI;

- Transplantados cardíacos com posterior valvulopatia;

- Cardiopatia congénita (cardiopatia cianótica complexa não operada, ou operada com shunt paliativo, ou cardiopatia

congénita operada há menos de 6 meses com introdução dematerial protésico por via cirúrgica ou vascular).

Neste grupo de doentes, se demonstrada infecção do tracto gastro-intestinal, designadamente quando exista suspeita de que o agente envolvido possa ser o enterococo, como é o caso da colangite, e particularmente se os doentes vão ser submetidos a procedimento endoscópico que aumenta o risco de bacteriemia (ex: CPRE), poder-se-á incluir a amoxacilina/ampicilina no regime antibiótico tendo em vista a cobertura do enterococos. Em caso de alergia à penicilina, substituir por vancomicina.

 

2. PROFILAXIA ANTIBIÓTICA FORA DO CONTEXTO DA ENDOCARDITE INFECCIOSA

2.1. CPRE

O risco de colangite e sepsis na CPRE varia entre 0,5% e 3%. No entanto a profilaxia antibiótica por rotina não demonstrou claro benefício na prevenção da colangite/sepsis. A profilaxia antibiótica parece apresentar benefício nos casos de drenagem biliar incompleta por CPRE ou quando é previsível que não se obtenha drenagem biliar completa após CPRE (estenose hilar, colangite esclerosante primária, doença de Caroli) particularmente se a mesma for continuada durante vários dias (cerca de 5 dias). O mesmo princípio parece aplicar-se nos casos de pseudoquisto pancreático com comunicação com ducto pancreático durante CPRE e na drenagem por via transmural ou transpapilar de colecções pancreáticas (pseudoquisto ou necrose) para prevenção da infecção. No entanto não existem ensaios randomizados que permitam esclarecer qual o risco de infecção e o valor da profilaxia antibiótica nestes casos.

Um caso particular parece ser o do grupo de doentes submetidos frequentemente a CPRE. Nestes casos, a intervenção repetida nas vias biliares associa-se a um risco aumentado de bacteriema e colangite podendo a profilaxia antibiótica estar indicada. Se um doente foi alvo de exposição prolongada a determinado antibiótico no decurso de anteriores procedimentos, é de considerar um antibiótico alternativo pois poderá ter adquirido flora bacteriana resistente.

RECOMENDAÇÃO

Sem obstrução biliar / Obstrução biliar sem colangite – CPRE com drenagem completa – profilaxiaantibiótica não recomendada

Obstrução biliar sem colangite – CPRE com drenagem incompleta (colangite esclerosante primária, estenose hilar, Doença de Caroli) – profilaxia antibiótica recomendada e continuada após procedimento

CPRE em doentes transplantados hepáticos com estenose biliares mesmo com drenagem completa– profilaxiaantibiótica recomendada em todos os casos

Colecção pancreática estéril (pseudoquisto, quisto) com comunicação com ducto pancreático submetida a CPRE - profilaxia antibiótica recomendada

Colecção pancreática estéril (pseudoquisto) submetida a drenagem transpapilar ou transmural – profilaxiaantibiótica recomendada

CPRE em doentes com colangite/sepsis já diagnosticada - nestes casos a antibioterapia já terá sido iniciada e otipo de antibiótico deve ser guiado pelos resultados das culturasmicrobiológicas

2.2. ULTRASSONOGRAFIA ENDOSCÓPICA (USE) COM PUNÇÃO ASPIRATIVA

A infecção ou sépsis nestes casos é pouco frequente. O risco parece ser raro nos casos de punções de lesões sólidas do tracto digestivo alto. A análise do subgrupo com lesões quísticas parece indicar um risco de infecção superior mas não existem estudos randomizados. A maioria dos peritos preconiza profilaxia antibiótica neste grupo antes da endoscopia e durante 3 a 5 dias depois. Não existem dados actualmente que permitam elaborar recomendações para profilaxia antibiótica nas lesões sólidas do espaço peri-rectal, tendo um estudo prospectivo recente revelou baixa taxa de bacteriemia e ausência de complicações infecciosas.

RECOMENDAÇÃO

Lesões sólidas do tracto digestivo superior submetidas a USE com punção aspirativa – profilaxia antibióticanão recomendada

Lesões sólidas do tracto digestivo inferior submetidas a USE com punção aspirativa - profilaxia antibióticadecidida caso a caso

Lesão quística do tracto digestivo (inclui-se também mediastino) submetidas a USE com punção aspirativa – profilaxia antibiótica recomendada

2.3. PEG / PEG – J

Os doentes submetidos a colocação de gastrostomia (ou gastrojejunostomia) endoscópica percutânea são mais vulneráveis á infecção face á desnutrição, imunosupressão e comorbilidades múltiplas. Uma revisão sistemática dos estudos randomizados controlados do Cochrane Database demonstrou uma redução estatisticamente significativa do risco de infecção peristomal com profilaxia antibiótica.

RECOMENDAÇÃO

Profilaxia antibiótica recomendada em todos os doentes

2.4. NOTES

A utilização da via transluminal para acesso à cavidade peritoneal aumenta o risco de infecção. A informação actual não é suficiente para elaborar recomendações. Tem sido referida a importância nestas situações do uso de endoscópios e overtubes esterilizados, da descontaminação selectiva do tubo digestivo para minimizar o risco de infecção intraperitoneal. A profilaxia antibiótica poderá estar indicada.

2.5. CIRROSE HEPÁTICA COM HEMORRAGIA DIGESTIVA

Está bem demonstrado o benefício da profilaxia antibiótica na diminuição da incidência de infecções e na redução da mortalidade nos doentes cirróticos internados após episódio de hemorragia digestiva independentemente da presença de ascite.

2.6. DOENTES IMUNOCOMPROMETIDOS

Os doentes com neutropenia grave febril deverão já estar sob antibioterapia profilática de acordo com os protocolos locais. Aos doentes apiréticos com neutropenia grave ou neoplasia hematológica avançada, que forem submetidos a procedimentos endoscópicos de elevado risco de bacteriemia como escleroterapia de varizes, dilatação/prótese esofágica, laserterapia esofágica ou CPRE com obstrução biliar, deverá ser oferecida antibioterapia profilática.

2.7. SEM INDICAÇÃO PARA PROFILAXIA ANTIBIÓTICA

Profilaxia antibiótica sistemática não recomendada:

• endoscopia alta ou baixa, com ou sem biópsia ou polipectomia;

• enteroscopia;

• ecoendoscopia diagnóstica;

• dilatação esofágica, com ou sem colocação de prótese;

• laserterapia;

• árgon-plasma;

• mucosectomia endoscópica;

• laqueação elástica de varizes esofágicas.

Profilaxia antibiótica não recomendada nos doentes com:

• enxertos vasculares,

• pacemakers,

• cardiodesfibrilhadores,

• stents coronários,

• stents vasculares periféricos,

• próteses ortopédicas.

 

3. ESQUEMAS TERAPÊUTICOS PROPOSTOS

Profilaxia da Endocardite Infecciosa

Não recomendada

Profilaxia Antibiótica na CPRE sem drenagem biliarcompleta

Ciprofloxacina 750 mg per os 60 - 90 minutos antes do exame (não recomendado para crianças) e durante 3 a 5 dias depois. A alternativa à quinolona, o uso de gentamicina 1,5 mg/Kg ev. (injecção de 2 - 3 min).

CPRE em quisto ou pseudoquisto comunicante com ducto pancreático

Usar o mesmo esquema.

CPRE em transplantado hepático com complicações biliares

Adicionar ainda ampicilina 1 g ev. em toma única ou vancomicina 20 mg/Kg ev. em perfusão de 1 h, antes do exame.

Profilaxia Antibiótica na USE com punção aspirativa

Amoxacilina/ác. clavulâmico 1,2 g ev. ou ciprofloxacina 750 mg per os antes do procedimento e durante 3 - 5 dias.

Profilaxia Antibiótica na PEG / PEG - J

1,2 >g amoxacilina - com ácido clavulânico ou cefuroxime 750 mg ev. 30 minutos antes do procedimento ou cefazolina 1 g ev. 30 minutos antes do exame. Em caso de alergia à penicilina, utilizar teicoplanina 400 mg/ev. >para adultos ou vancomicina.

Profilaxia Antibiótica na Cirrose Hepática com Hemorragia Digestiva

Recomenda-se a utilização de ceftriaxone ev.

Profilaxia Antibiótica na Cirrose Hepática com Hemorragia Digestiva

Recomenda-se a utilização de ceftriaxone ev.

 

REFERÊNCIAS

1. Allison MC, Sandoe JA, Tighe R, et al. Antibiotic prophylaxis in gastrointestinal endoscopy. British Society of Gastroenterology. Gut 2009;58:869-880.        [ Links ]

2. American Society for Gastrointestinal Endoscopy. Antibiotic prophylaxis for GI endoscopy. Gastroint Endosc 2008;67:791-798.        [ Links ]

3. Prevention of Infective Endocarditis: Guidelines of the American Heart Association. Circulation 2007;116:1736-1754.        [ Links ]

4. Guidelines for the prevention of endocarditis: report of the Working Party of the British Society for Antimicrobial Chemotherapy. J of Antimicrob Chemother 2006;57:1035-1042.

5. Societé Française de Endoscopie Digestive. Consensus en Endoscopie Digestive (CED). Antibioprophylaxie en endoscopie digestive. Acta Endosc 2008; 4:401-413.        [ Links ]