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Medicina Interna

versão impressa ISSN 0872-671X

Medicina Interna vol.27 no.3 Lisboa jul. 2020

https://doi.org/10.24950/O/28/20/3/2020 

ARTIGOS ORIGINAIS / ORIGINAL ARTICLES

 

Cateterização Vesical no Doente Internado: Reduzindo as Complicações Associadas ao Procedimento

Use of Urinary Catheter in Hospitalized Patients: Reducing Procedure’s Related Complications

 

Daniela Félix Brigas1
https://orcid.org/0000-0001-6132-7611

Margarida Madeira1
https://orcid.org/0000-0001-8056-3281

Catarina Abrantes2
https://orcid.org/0000-0002-1093-3395

Francisca Santos1
https://orcid.org/0000-0002-0230-9517

Gonçalo Mendes1
https://orcid.org/0000-0003-0207-2035

Susana Neves Marques1
https://orcid.org/0000-0002-0621-2587

Ermelinda Pedroso1
https://orcid.org/0000-0001-9751-8444

1Serviço de Medicina Interna, Centro Hospitalar de Setúbal, Setúbal, Portugal

2Serviço de Nefrologia, Centro Hospitalar de Setúbal, Setúbal, Portugal

 

Resumo:

Introdução: Estima-se que cerca de 25% dos doentes hospitalizados são submetidos a cateterização vesical (CV) num determinado momento do internamento, embora não exista muitas vezes uma indicação formal para o procedimento. Este trabalho pretende analisar a incidência de algaliação inapropriada num Serviço de Medicina Interna, relacionando com o número de complicações associadas ao procedimento.

Métodos: Trata-se de um estudo prospetivo observacional que incluiu a consulta do processo clínico de todos os doentes submetidos a CV durante o internamento no Serviço de Medicina, num período de 3 meses. Excluíram-se os doentes algaliados cronicamente e doentes transferidos para outra instituição.

Resultados: Num total de 193 doentes submetidos a CV neste período, 124 foram algaliados inapropriadamente num determinado momento do internamento, verificando-se um total de 1651 dias de algaliação inapropriada. Registou-se hematúria traumática em 8% e retenção urinária pós-desalgaliação em 9% dos casos. Foi diagnosticada infeção associada a CV em 41 doentes (21%), sendo que em 14 doentes não havia indicação formal para algaliação.

Discussão/Conclusão: Verificou-se uma taxa de doentes submetidos a CV (47%) muito superior ao descrito em outros estudos semelhantes, bem como um período de algaliação inapropriada excessivamente prolongado. As Infeções urinárias nosocomiais constituem uma das principais complicações da algaliação, contribuindo significativamente para a mortalidade e morbilidade destes doentes, sendo essencial a implementação de protocolos que racionalizem o uso de CV nos doentes internados.

Palavras-chave: Cateterismo Urinário; Infecções Relacionadas a Cateter; Infecções Urinárias/etiologia.

 

Abstract:

Introduction: About 25% of patients would have a urinary catheter (UC) in place at some time during their hospitalization, although there is no formal indication for the procedure in a significative number of cases. We intend to analyze the incidence of inappropriate use of UC in an Internal Medicine Department and to relate to its complications rate.

Methods: This is an observational prospective study that includes the clinical records review of all hospitalized patients in Internal Medicine Department who were submitted to UC during hospital stay, in a 3 months period. Patients with chronic use of urinary catheter and patients who were transferred to another institution were excluded.

Results: In 193 patients with UC, 124 were improperly used in a certain time of the hospital stay, totalizing 1651 days of inappropriate UC. Traumatic hematuria was found in 8% and urinary retention after catheter removal was found in 9% of cases. Catheter associated urinary tract infection was diagnosed in 41 patients (21%) and in 14 of these patients there was no formal reason for UC.

Discussion/Conclusion: The rate of UC (47%) was significantly higher than that found in other similar studies and the time of inappropriate catheterization was overly prolonged. Nosocomial urinary infections are a major concern related to catheterization, as they contribute to mortality and morbidity of this patients. Implementation of rational use of UC protocols is crucial to improve outcomes of hospitalized patients.

Keywords: Catheter-Related Infections; Urinary Catheterization; Urinary Tract Infections/etiology.

 

Introdução

A cateterização vesical é um dos dispositivos médicos mais frequentemente utilizados, estimando-se que cerca de 25% dos doentes hospitalizados são algaliados em algum momento durante o internamento.1 No Inquérito de Prevalência de Infeção de 2010, da Direção Geral de Saúde (DGS), verificou-se que, em 21 011 doentes internados em Portugal no dia do estudo, 4793 estavam algaliados, 377 dos quais tinham infeção urinária nosocomial.2 A cateterização vesical está associada a um conjunto de potenciais complicações bem definidas, nomeadamente a hematúria traumática, retenção urinária pós-desalgaliação e infeções urinárias associadas ao cateter vesical.1,3,4 Assim, é preocupante que não pareça existir uma indicação formal para algaliação num número muito significativo dos doentes internados.5 Num estudo prospetivo num hospital universitário em Taiwan, que incluiu 321 doentes, verificou-se um total de 1035 dias de algaliação inapropriada (52,8% do total de dias de algaliação), sendo que a “conveniência para o profissional de saúde” foi o motivo de algaliação inapropriada mais frequente (em 50,6% dos casos).1 Noutro trabalho, realizado em hospitais holandeses, constatou-se que uma significativa percentagem de doentes que tinham sido inicialmente algaliados apropriadamente acabou por perder indicação formal ao longo do estudo, sugerindo uma certa inércia dos profissionais de saúde relativamente a este dispositivo.3

Relativamente à realidade portuguesa, em dois estudos realizados em Serviços de Medicina Interna de hospitais distritais distintos, verificou-se que a taxa de algaliação sem indicação clínica podia rondar entre 25%4 e 36,5%,6 respetivamente.

A algaliação inapropriada está comprovadamente associada a um aumento da incidência das infeções associadas ao cateter, prolongamento do tempo de internamento e aumento da taxa de algaliação crónica após alta hospitalar.1

A infeção do trato urinário associada à algaliação corresponde a cerca de 70% das infeções urinárias associadas aos cuidados de saúde7,8 e define-se como a presença de sinais/sintomas clínicos, como febre, micção imperiosa, polaquiúria, disúria e dor ou hiperestesia suprapúbica ou no ângulo costovertebral, atribuídos à presença de bactérias no trato urinário (mais de 105 colónias/mL em urocultura), num doente algaliado.9-11

Num estudo retrospetivo sobre a algaliação em doentes idosos, num hospital do Ohio (EUA), verificou-se que, em 277 doentes com mais de 65 anos que tinham sido algaliados, 28% tinha o diagnóstico de “infeção do trato urinário” no momento da alta, sendo que a algaliação foi considerada inapropriada em 46% dos doentes que desenvolveram infeção urinária nosocomial.12 Noutro estudo, desenvolvido num hospital universitário da Arábia Saudita, os autores verificaram que 68% dos doentes que desenvolveram infeção do trato urinário estiveram algaliados mais que 8 dias, havendo uma associação estatisticamente significativa entre a presença de infeção e o prolongamento da demora média de internamento.11

Sabendo que o risco de desenvolvimento de infeção do trato urinário aumenta entre 3% a 7% por cada dia de algaliação,7torna-se essencial rever diariamente os critérios para cateterização vesical, de forma a esta ser descontinuada assim que possível.13 De facto, a literatura demonstra que os principais fatores de risco para a persistência da cateterização vesical inapropriada são a ausência inicial de um motivo real para algaliação, bem como a inexistência de um registo clínico diário sobre o seu uso.1,7

Este trabalho pretende, assim, analisar a incidência da algaliação inapropriada no Serviço de Medicina Interna, relacionando com o número de complicações associadas ao procedimento, mortalidade intra-hospitalar e mortalidade aos 30 dias após alta clínica.

 

Material e Métodos

Foi realizado um estudo de coorte prospetivo observacional no período de 7 de maio de 2017 a 7 de agosto de 2017, que incluiu a consulta do processo clínico de todos os doentes submetidos a algaliação durante o internamento no Serviço de Medicina Interna. Foram incluídos todos os doentes com idade superior a 18 anos, submetidos a cateterização vesical durante o internamento. Foram excluídos os doentes algaliados cronicamente e doentes transferidos para outra instituição.

Relativamente ao doente, foram avaliados parâmetros demográficos e clínicos, como idade, sexo, diagnóstico de admissão, grau de dependência (medido pelo índice de Barthel) e co-morbilidades (medidas pelo índice de Charlson), os quais foram comparados com o universo total de doentes internados no Serviço de Medicina Interna no mesmo período. Foram também analisados os dados relativos ao procedimento de cateterização vesical, incluindo motivo e local de algaliação, número de dias de cateterização vesical, momento de desalgaliação, necessidade de realgaliação e complicações relacionadas com o procedimento, nomeadamente hematúria traumática, retenção urinária  pós-desalgaliação e infeção urinária associada ao cateter vesical.

A algaliação foi considerada apropriada se o motivo inicial teve por base uma das seguintes indicações, descritas na literatura1,7-9:

·   Retenção urinária aguda ou obstrução;

·   Bexiga neurogénica;

·   Monitorização de diurese no doente crítico;

·   Hematúria;

·   Incontinência urinária na presença de úlcera cutânea na região sagrada ou períneo;

·   Medida paliativa para conforto do doente em fim de vida.

Foi determinado o número de casos de algaliação inapropriada e calculou-se o respetivo número total de dias de algaliação. Nos casos em que o motivo de algaliação não era percetível pela análise dos registos clínicos, assumiu-se “motivo desconhecido”, o que foi igualmente interpretado como algaliação inapropriada. Os autores não questionaram propositadamente o restante pessoal médico sobre os motivos de algaliação, de forma a não influenciar os resultados. Também se considerou algaliação inapropriada no caso de um doente em que, apesar de, inicialmente, existir um motivo formal para algaliação, nomeadamente “Registo de diurese no doente crítico”, este permaneceu algaliado um período de tempo superior ao necessário para essa monitorização, o que foi igualmente inferido a partir da consulta diária dos registos clínicos.

Também foi avaliada a incidência de infeções do trato urinário associadas ao cateter vesical, as quais foram definidas como infeções urinárias diagnosticadas e tratadas pelo médico assistente na presença ou não de uma urocultura positiva, detetadas durante o período de algaliação ou no período máximo de 48 horas após remoção do cateter.8,9 Nos casos em que não existiam sinais e sintomas clínicos que justificassem o tratamento com antibioterapia, foi considerado o diagnóstico de bacteriúria assintomática.

Foi calculada a taxa de mortalidade dos doentes submetidos a algaliação no período em que decorreu o estudo, relativamente ao universo total de doentes internados no Serviço de Medicina Interna. Foi igualmente determinada a mortalidade dos doentes algaliados aos 30 dias após alta clínica.

Utilizou-se o programa MicrosoftExcel® para o tratamento estatístico dos dados. As variáveis categóricas nominais e ordinais são apresentadas como frequências absolutas e relativas e as variáveis contínuas são apresentadas como médias e medianas. Não foram realizados testes de hipóteses, tendo em conta a natureza descritiva deste trabalho.

inicial de 39,4%. A colheita de urina para meios complementares de diagnóstico foi o motivo inicial de algaliação inapropri- ada mais frequente (Tabela 1). Foram contabilizados 1046 dias de algaliação inapropriada em doentes sem indicação formal num momento inicial, o que corresponde a 43% do total de dias de algaliação.

 

Resultados

No período em que decorreu o estudo, estiveram internados no Serviço de Medicina Interna 413 doentes, sendo que 193 (47%) foram submetidos a cateterização vesical e, por conseguinte, incluídos no estudo. Destes, 104 eram do sexo feminino e 83 do sexo masculino. Os doentes tinham idades compreendidas entre 34 e 99 anos, com uma média de 80,4 e mediana de 81 anos, comparativamente a uma média global do internamento de 69,1 e mediana de 72,5 anos. Estes doentes permaneceram internados durante um período médio de 15,5 dias, um valor manifestamente superior à demora média global do Serviço no mesmo período (12,3 dias). O índice de Barthel médio era 33,6, traduzindo uma população com elevada dependência nas atividades da vida diária. O índice de Charlson médio era 5,5, estimando uma probabilidade de mortalidade aos 10 anos superior a 21%.

Os diagnósticos de admissão mais frequentes eram insuficiência cardíaca agudizada, Infeção respiratória e Infeção do trato urinário.

Registou-se um total de 2427 dias de algaliação neste período, com uma média de número de dias de algaliação por doente de 12,6 dias (mínimo de 1 e máximo de 67). O Serviço de Urgência foi o local de algaliação mais frequente (76,7% - 148 casos), seguido da Enfermaria (20,2%, correspondente a 39 casos). Nos restantes casos, o doente foi algaliado na Unidade de Cuidados Intensivos ou Unidade de Cuidados Intermédios. Em 72 casos (37,3%), o momento da desalgaliação coincidiu com o momento da alta clínica.

Relativamente ao motivo inicial para algaliação, verificou-se que não existia indicação formal para o procedimento em 76 casos, registando-se uma taxa de algaliação inapropriada inicial de 39,4%. A colheita de urina para meios complementares de diagnóstico foi o motivo inicial de algaliação inapropriada mais frequente (Tabela 1). Foram contabilizados 1046 dias de algaliação inapropriada em doentes sem indicação formal num momento inicial, o que corresponde a 43% do total de dias de algaliação.

 

 

Ao longo do estudo, 48 doentes submetidos inicialmente a cateterização vesical para “Registo de diurese no doente crítico” perderam essa indicação formal, mas permaneceram algaliados, perfazendo um total de 124 doentes com algaliação inapropriada (64% do total de doentes algaliados). A perda da indicação formal para algaliação nestes casos verificou-se, em média, ao sétimo dia de cateterização vesical, mas os doentes permaneceram algaliados uma média de 13 dias.

Verificou-se assim um total de 1651 dias de algaliação inapropriada, correspondendo a 68% do total de dias de algaliação.

Foi diagnosticada Infeção Urinária associada ao cateter vesical em 41 doentes (21,2% dos casos). Em 14 destes doentes, não havia uma indicação formal para algaliação. Os agentes etiológicos mais frequentes (Fig. 1) eram a Escherichia coli (em 11 doentes) e a Pseudomonas aeruginosa (9 doentes). Em dois casos, verificou-se bacteriémia a Escherichia coli. Não foi isolado qualquer agente etiológico em 11 casos. Noutros 11 doentes, foi considerado o diagnóstico de Bacteriúria assintomática pela ausência de clínica sugestiva e não foi prescrita antibioterapia.

Em média, o diagnóstico de Infeção associada ao cateter foi realizado ao 14º dia de algaliação. Ao analisar a Fig. 2, verifica-se que 58,5% dos doentes que desenvolveram infeção urinária estavam algaliados há um período igual ou superior a 10 dias no momento do diagnóstico. Em três casos, a infeção urinária foi diagnosticada no período de 48 horas após remoção do cateter vesical.

Relativamente a outras complicações associadas à cateterização vesical, verificou-se a ocorrência de hematúria traumática em 16 casos (8%) e retenção urinária pós-desalgaliação em 17 casos (9%), o que motivou sempre uma realgaliação.

Durante o internamento, no período em que decorreu o estudo, faleceram 29 doentes submetidos a algaliação, correspondendo a 74% de um total de 39 óbitos ocorridos no serviço nesta altura. Foi diagnosticada infeção associada ao cateter vesical em 6 destes doentes.

Verificou-se ainda uma taxa de mortalidade aos 30 dias após alta clínica de 13% (26 de 193 doentes algaliados), em 8 dos quais tinha sido diagnosticada infeção do trato urinário associada ao cateter vesical durante o internamento.

 

Discussão

Neste trabalho, verifica-se uma taxa de doentes submetidos a cateterização vesical (47%) muito superior ao descrito em outros estudos semelhantes, que apontam para uma média de 20% a 25% de doentes algaliados durante o internamento.1,3,4 A taxa de algaliação inapropriada é também excessivamente elevada, verificando-se que em 39,4% dos doentes algaliados não existia um motivo formal para o procedimento num momento inicial. Este número acaba por aumentar significativamente ao longo do período em que decorreu o estudo, na medida em que vários doentes acabaram por perder indicação formal, mas permaneceram algaliados por um período de tempo excessivamente prolongado. De facto, num total de 2427 dias de algaliação registados no período em que decorreu o estudo, constatou-se que 43% (1046 dias) correspondiam a dias de algaliação inapropriada em doentes sem indicação formal num momento inicial. Ao longo do estudo, esta percentagem aumentou para 68% (total de 1651 dias) devido aos casos de doentes que, após estabilização clínica e ausência de necessidade de manter monitorização da diurese, permaneceram algaliados indefinidamente. Apesar de existir uma grande variabilidade na taxa de algaliação inapropriada, que se pode situar entre os 21% e 55% em diferentes estudos,1,3,4,6,14 os números francamente superiores apresentados neste trabalho evidenciam a facilidade com que este dispositivo médico pode ser esquecido pelo profissional de saúde. Na grande maioria dos casos, não existia qualquer registo no diário clínico sobre os motivos de algaliação, os quais foram muitas vezes inferidos a partir dos registos de enfermagem ou contexto clínico do doente internado. Numa percentagem significativa dos casos (11,4%), não foi de todo possível inferir um motivo para algaliação, demonstrando assim a importância de um adequado registo clínico relativo à prescrição e indicação para o procedimento. De facto, todas as normas de boa prática clínica nesta matéria reforçam o importante papel do registo da cateterização vesical no diário clínico, de forma a evitar a perpetuação da algaliação inapropriada por tempo indeterminado.4,7,13,15

O número médio de dias de algaliação por doente foi de 12,6 dias, muito próximo do tempo de demora média do internamento (15,5 dias). Efetivamente, num significativo número de casos (72, correspondendo a 37,3%), os doentes foram desalgaliados apenas no dia da alta clínica, mais uma vez evidenciando uma certa tendência para o esquecimento deste dispositivo por parte do profissional de saúde.

A algaliação está indiscutivelmente associada a um aumento do risco de desenvolvimento de infeções do trato urinário, tendo-se verificado uma taxa de 21,2% de infeção associada ao cateter neste trabalho. Num número não desprezável de doentes14, não havia indicação formal para a algaliação num momento inicial, o que deve ser alvo de reflexão. Os agentes etiológicos isolados em urocultura não divergiram significativamente dos de outros trabalhos semelhantes.11 Constatou-se que os doentes com infeção associada ao cateter permaneceram algaliados durante um período de tempo excessivamente prolongado, sendo que, em mais de metade dos casos, o diagnóstico foi realizado ao fim de 10 dias de cateterização vesical. Vários estudos documentam a associação estatistica- mente significativa entre a duração da cateterização e a taxa de  infeções  do  trato  urinário,3,11 reforçando a necessidade emergente de avaliar diariamente a possibilidade de descontinuar o procedimento. Esta problemática  tem motivado a implementação de várias estratégias nos serviços hospitalares,7,14,15 que incluem quer a obrigatoriedade de prescrição e documentação sistemática do motivo de algaliação no processo clínico,7,13 quer a restrição do uso do cateter vesical na ausência de uma indicação formal.15-17 A criação de ordens STOP, nomeadamente a implementação de um protocolo de desalgaliação autónoma por enfermeiros mediante uma lista de verificação previamente definida, também demonstrou ter um forte impacto na redução do tempo de algaliação inapropriada.15,16 Uma abordagem integrada que associe várias destas estratégias possibilita, assim, uma maior racionalização do uso do cateter urinário e consequentemente uma franca redução da taxa de infeções urinárias associadas aos cuidados de saúde.7,15,18

Este trabalho, embora apenas demonstrativo de uma realidade limitada ao nível do Serviço de Medicina Interna de um hospital distrital, parece refletir muitos dos achados presentes noutros estudos e constituiu um instrumento de reflexão para os autores. Neste sentido, foi elaborado um protocolo de abordagem multidisciplinar, com a colaboração da equipa médica e de enfermagem, que integra, quer a obrigatoriedade de prescrição e registo diário do procedimento no processo clínico por parte do médico, quer a aplicação de uma lista de verificação que permite a desalgaliação autónoma pelo enfermeiro. Esperamos que as respetivas auditorias a este protocolo demonstrem uma maior racionalização do uso da cateterização vesical no nosso Serviço, o que poderá constituir objeto de estudo em publicações futuras.

Embora a natureza descritiva deste trabalho não permita associar estatisticamente a algaliação inapropriada com prognóstico, constataram-se valores significativos de mortalidade, sugerindo maus outcomes nesta população. Será interessante desenhar futuramente outro tipo de estudos que permitam avaliar esta problemática.

Consideramos que a principal limitação deste trabalho é o facto de este se basear na consulta dos registos clínicos, o que poderá ter levado a dificuldade na inferência dos respetivos motivos para algaliação nos casos em que a informação era omissa.

 

Conclusão

O cateter vesical é um dispositivo muito frequentemente utilizado a nível hospitalar, embora, por vezes, sem justificação estrita, sendo facilmente esquecido pelo profissional de saúde. Tal resulta muitas vezes em períodos de algaliação inapropriada excessivamente prolongados. Este procedimento está associado a uma taxa significativa de complicações, com destaque para as infeções urinárias associadas ao cateter, que contribuem para o aumento da mortalidade e morbilidade destes doentes. Torna-se assim essencial implementar protocolos nos Serviços Hospitalares que racionalizem o uso do cateter vesical nos doentes internados.

 

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Responsabilidades Éticas

Conflitos de Interesse: Os autores declaram a inexistência de conflitos de interesse na realização do presente trabalho.

Fontes de Financiamento: Não existiram fontes externas de financiamento para a realização deste artigo.

Confidencialidade dos Dados: Os autores declaram ter seguido os protocolos da sua instituição acerca da publicação dos dados de doentes.

Proteção de Pessoas e Animais: Os autores declaram que os procedimentos seguidos estavam de acordo com os regulamentos estabelecidos pelos responsáveis da Comissão de Investigação Clínica e Ética e de acordo com a Declaração de Helsínquia da Associação Médica Mundial.

Proveniência e Revisão por Pares: Não comissionado; revisão externa por pares.

 

Ethical Disclosures

Conflicts of interest: The authors have no conflicts of interest to declare.

Financing Support: This work has not received any contribution, grant or scholarship

Confidentiality of Data: The authors declare that they have followed the protocols of their work center on the publication of data from patients.

Protection of Human and Animal Subjects: The authors declare that the procedures followed were in accordance with the regulations of the relevant clinical research ethics committee and with those of the Code of Ethics of the World Medical Association (Declaration of Helsinki).

Provenance  and  Peer  Review:  Not  commissioned;  externally  peer  reviewed.

 

© Autor (es) (ou seu (s) empregador (es)) e Revista SPMI 2020. Reutilização permitida de acordo com CC BY-NC. Nenhuma reutilização comercial.

© Author(s) (or their employer(s)) and SPMI Journal 2020. Re-use permitted under CC BY-NC. No commercial re-use.

 

Correspondence / Correspondência:

Daniela Félix Brigas – daniela.felixbrigas@gmail.com

Serviço de Medicina Interna, Centro Hospitalar de Setúbal, Setúbal, Portugal

R. Camilo Castelo Branco 175, 2910-549 - Setúbal

 

Received / Recebido: 19/02/2020

Accepted / Aceite: 06/04/2020

 

Publicado / Published: 28 de Setembro de 2020

 

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