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Medicina Interna

Print version ISSN 0872-671X

Medicina Interna vol.24 no.4 Lisboa Dec. 2017

https://doi.org/10.24950/rspmi/O112/17/2017 

ARTIGOS ORIGINAIS / ORIGINAL ARTICLES

Hospitalização Domiciliária: Balanço de um Ano da Primeira Unidade Portuguesa

Home Hospitalization: One Year Balance of the First Portuguese Unit

Vitória Cunha, Maria Conceição Escarigo, João Correia, Rita Nortadas, Pedro Correia Azevedo, Pedro Beirão, Ana Gomes, Francisca Delerue

Unidade de Hospitalização Domiciliária, Serviço de Medicina Interna, Hospital Garcia de Orta, Almada, Portugal

Correspondência

 

RESUMO

Introdução:A hospitalização domiciliária é uma alternativa ao internamento convencional de doentes agudos que surgiu na década de 40 do século XX nos Estados Unidos da América. Tem crescido a adesão dos hospitais americanos e europeus a esta abordagem, que se provou segura, eficaz, e com capacidade de resposta a um grande número de patologias médicas agudas evitando todos os problemas inerentes ao internamento convencional.

Material e Médodos:Em Portugal, o Hospital Garcia de Orta foi pioneiro na criação deste conceito com a abertura da Unidade de Hospitalização Domiciliária (UHD), em 2015, e ao fim de um ano tem já uma experiência consolidada com um número crescente de utentes admitidos com patologia médica aguda variada. Os autores apresentam neste artigo a casuística de um ano de internamento.

Resultados: Durante esse período estiveram internados 281 doentes, 52,0% do sexo feminino e 67,4 anos de idade média. A demora média de internamento foi de 8,7 dias e a maioria dos doentes provieram do serviço de urgência. Destacou-se a pluripatologia, a polifarmácia e complexidade crescente dos doentes admitidos. O diagnóstico mais frequente foi a pneumonia adquirida na comunidade. Registaram-se poucas intercorrências ao longo do internamento e em 22 casos (7,8%) houve necessidade de retorno ao hospital. Na alta, a maioria dos doentes foi referenciado para a consulta externa hospitalar. Aos 30 dias após alta a estabilidade clinica predominou.

Conclusão: Este modelo de internamento tem demonstrado potencial para abarcar cada vez mais doentes e a experiência da primeira unidade portuguesa irá com certeza contribuir para a expansão a outros hospitais do país.

Palavras-chave: Admissão do Doente; Portugal; Serviços Hospitalares de Assistência Domiciliar; Serviço de Urgência Hospitalar.

 


ABSTRACT

 

Introduction: Home hospitalization is an alternative to conventional hospitalization of acute patients that emerged in the 40’s of the 20th century in the United States of America. The adherence of American and European hospitals to this approach has been growing and has proven to be safe, effective, and responsive to a large number of acute medical conditions avoiding all the problems inherent in conventional hospitalization.

Material and Methods:In Portugal, Hospital Garcia de Orta pioneered the creation of this first Home Hospitalization Unit (UHD) in 2015 and by the end of one year has already gained a more consolidated experience with a growing number of admitted patients with varied acute medical pathology. The authors present in this article the casuistry of one year of hospitalization.

Results:During this period, 281 patients were hospitalized, 52.0% were female and an average of 67.4 years old. The mean length of hospital stay was 8.7 days and most patients came from the emergency department. The pluripathology, the polypharmacy and the increasing complexity of the admitted patients were highlighted. The most common diagnosis was community-acquired pneumonia. There were little intercurrence during hospitalization and in 22 cases (7.8%) there was a need to return to the hospital. The majority of patients were referred to outpatient hospital after discharge, and the clinical stability prevailed at 30 days post-discharge.

Conclusion:This model of hospital admission has demonstrated the potential to embrace more and more patients, and the experience of the first Portuguese unit will certainly contribute to the expansion to other hospitals in the country.

Keywords: Emergency Service, Hospital; Home Care Services, Hospital-Based; Patient Admission; Portugal.

 


 

Introdução

O aumento da esperança média de vida traduz o progressivo envelhecimento da população e consequente aumento da prevalência de patologia médica crónica. Desta forma, é notória uma necessidade crescente de assistência médica quer em cuidados de saúde primários, quer a nível hospitalar, traduzindo esta última uma sobrelotação dos serviços de urgência e de camas disponíveis para internamento de doentes agudos.

Foi criada em 2015, no Hospital Garcia de Orta, uma modalidade alternativa ao internamento convencional, inovadora e inédita em Portugal: a hospitalização domiciliária. Surgiu, na década de 40, nos Estado Unidos da América e tem crescido a adesão de diversos hospitais americanos e europeus provando-se segura, eficaz e com múltiplas vantagens relativamente ao internamento convencional.1-5

Trata-se do internamento de doentes agudos com necessidade de cuidados médicos hospitalares, mas praticados no domicílio do utente. Centra-se nas necessidades do doente, mais humanizada e sem as complicações inerentes à hospitalização convencional, oferecendo um serviço de qualidade sempre que a permanência no hospital seja prescindível, que o doente prefira e tenha condições de acesso.1,2,4,6 Para admissão nesta unidade é essencial que exista um diagnóstico estabelecido.

Material e Métodos

A Unidade de Hospitalização Domiciliária (UHD) do Hospital Garcia de Orta (HGO) iniciou atividade em Novembro de 2015 e ao fim de um ano tem já uma experiência consolidada com um número crescente de utentes admitidos com patologia médica aguda variada.

Conta com uma equipa multidisciplinar composta por médicos, enfermeiros, assistente social, farmacêutica, assistente técnica e administrador hospitalar. Trabalha ainda em articulação com os Cuidados Primários de Saúde (CPS) na procura de solução clínica para os doentes e seus familiares no momento da alta clinica. São objetivos da UHD aproximar o hospital da comunidade, desenvolvendo uma medicina de ambulatório e uma atividade de educação para a saúde, na família, no indivíduo e na comunidade; promover a recuperação funcional e autonomia do doente no seio da sua família e estimular a participação ativa da família na prestação de cuidados prevenindo a rejeição e abandono.

A unidade funciona 24 horas por dia, em regime de presença física e prevenção, dispondo de veículos próprios para as deslocações a casa dos doentes. A atividade da UHD abrange doentes da área de influência direta do HGO – concelhos de Almada e Seixal.

Foram analisados os processos clínicos informáticos dos utentes admitidos entre 16 de Novembro de 2015 e 16 de Novembro de 2016, completando um ano de funcionamento da UHD, com recurso aos programas informáticos Excel© e SPSS©. Os dados analisados focaram-se na caracterização da população (idade, sexo, estado funcional), demora média de internamento, diagnósticos principais e secundários, proveniência dos utentes, antecedentes pessoais e terapêutica de ambulatório, intercorrências durante o internamento, retornos e evolução/ destino à data de alta. A prevenção médica e de enfermagem está disponível cobrindo as 24 horas/dia após o normal horário de funcionamento para qualquer tipo de intercorrência que surja com o utente internado, à semelhança da urgência interna a nível intra-hospitalar.

Resultados

No primeiro ano de funcionamento da UHD foram internados 281, 52,0% do sexo feminino e 48,0% do sexo masculino. A média de idade foi de 67,4 anos, tendo o doente mais jovem 18 anos e a mais idosa 103 anos, e uma moda de 77 anos (Fig 1).

 

 

Relativamente ao estado funcional dos doentes previamente à admissão: 73,3% eram autónomos, 14,6% parcialmente dependentes para as atividades de vida diária e 12,1% totalmente dependentes (acamados).

A demora média de internamento na UHD foi 8,7 dias. A admissão mais curta foi apenas de 24 horas num doente internado por pneumonia que ao chegar a casa teve episódio de vómitos e tonturas, mas enganou-se ao marcar o contacto da UHD acabando por retornar à urgência e ficar no HGO. De entre os cinco doentes (1,8%) com internamentos mais curtos, de 48 horas: um caso de acidente vascular cerebral isquémico cardioembólico major, uma doente com fibroelastose pleuroparenquimatosa idiopática que necessitou de ventilação não invasiva urgente; uma doente com insuficiência cardíaca descompensada que teve episódio de taquidisrritmia; doente internada por pneumonia que teve episódio de edema agudo do pulmão; doente com pielonefrite que se mostrou incapaz de cumprir as indicações médicas e a terapêutica. A doente com internamento mais prolongado foi acompanhada durante 31 dias, por insuficiência cardíaca grave descompensada. A maioria dos utentes (n = 207; 73,7%) esteve internada entre 6 e 10 dias. No total, o internamento na UHD poupou 2541 dias de internamento hospitalar convencional. Foram realizadas 3802 visitas domiciliárias, das quais 1201 foram visitas médicas (um doente pode carecer de mais do que uma visita domiciliária programada de enfermagem até ao máximo de três por dia).

A proveniência da maioria dos utentes foi do Serviço de Urgência (85,4%) diretamente de ambulatório, ou após estabilização da situação clínica no serviço de observação. Dos restantes, 9,6% provieram dos serviços de internamento (principalmente Medicina Interna, Cirurgia Vascular, Hemato-Oncologia), da Consulta Externa em 3,9% (a maioria de Cirurgia Vascular) e ainda 1,1% directamente dos Cuidados de Saúde Primários.

No que respeita aos antecedentes pessoais: 56,6% (n = 159) tinha hipertensão arterial documentada, 35,9% (n = 101) dislipidémia, 28,8% (n = 81) diabetes mellitus, 24,9% (n = 70) insuficiência cardíaca, 16,4% (n = 46) fibrilhação auricular, 14,2% (n = 40) neoplasia ativa ou já tratada, 13,9% (n=39) doença pulmonar obstrutiva crónica (DPOC), 13,5% (n = 38)) doença renal crónica de grau variado, 9,6% (n = 27) história prévia de acidente vascular cerebral (AVC) e/ou acidente isquémico transitório e 5,7% (n = 16) patologia tiroideia (Fig 2).

 

 

Salienta-se ainda que, em média, os utentes estavam medicados com seis fármacos previamente à admissão na UHD. Os diagnósticos principais mais frequentes foram: pneumonia adquirida na comunidade (76; 27,1%), pielonefrite aguda (56; 20,0%), insuficiência cardíaca (IC) descompensada (38; 13,5%), cistite aguda (27; 9,6%), traqueobronquite aguda (19; 6,8%), dermo-hipodermite bacteriana aguda (12; 4,3%), prostatite (9; 3,2%), úlcera cutânea infetada (6; 2,1%), gastroenterite aguda (5; 1,8%), doença hepática crónica descompensada (3; 1,1%) (Fig 3).

 

 

Os diagnósticos secundários mais frequentes foram: insuficiência respiratória (50; 127,8%), IC descompensada(20; 7,0%22%), lesão renal aguda (18; 6,3%), DPOC agudizada (16; 5,6%14%), traqueobronquite aguda (10; 3,5%), bacteriemia (9; 3,1%), diabetes mellitus (8; 2,8%) (Fig 4).

 

 

Foi avaliado o score de MEWS (modified early warning score), que estratifica os doentes por gravidade com base nos sinais vitais, prevendo potencial agravamento clínico ou admissão em unidade de cuidados intermédios/ intensivos) à admissão sendo que a maioria, 23,1% (n = 65), apresentavam score de 0, seguindo-se como mais frequentes os indivíduos com MEWS de 2 em 16,0% dos casos (n = 45). Em todo o caso, 5,6% dos doentes foram admitidos com scores iguais ou superiores a 5 (n = 15) (Fig 5).

 

 

Foi também avaliado o score de Charlson adaptado à idade - um score que estratifica a morbilidade dos doentes conforme a carga de patologias de base e que prevê a mortalidade a um ano. A maioria apresentava score de 0 (17,1%, n = 48)), enquanto 47,4% apresentavam scores entre 3 e 6 (n = 133) e apenas 4,3% tinham score igual ou superior a 9% (n = 12) (Fig 6).

 

 

No que respeita aos quadros clínicos infeciosos, 86 doentes (30,6%) tiveram isolamentos microbiológicos documentados em vários produtos biológicos. Os agentes mais frequentes foram a Escherichia coli (n = 43; 15,3%), Pseudomonas aeruginosa (n = 14; 5,0%), Klebsiella pneumoniae (n = 7; 2,5%), meticillin resistant Staphylococcus aureus (MRSA) (n = 7; 2,5%) e meticillin susceptible Staphylococcus aureus (n = 4; 1,4%), Morganella morganii (n = 3; 1,1%) e Serratia marcescens (n = 2; 0,7%), entre outros. Em 10 casos foi isolado mais que um agente no mesmo utente. As fontes de isolamento foram urocultura (n = 62; 22,1%), hemoculturas (n = 17; 6,0%), exsudados de ferida cutânea (n = 12; 4,3%), coproculturas (n = 3; 1,1%), líquido ascítico (n = 1; 0,4%) e secreções brônquicas (n = 1; 0,4%).

Em 19 casos (22,1%) os microorganismos isolados foram multirresistentes (em doentes com internamentos prévios): Escherichia coli, Pseudomonas aeruginosa, MRSA, Klebsiella oxytoca e Pseudomonas putida.

Durante o internamento na UHD verificaram-se intercorrências cardiovasculares: um caso (0,4%) de enfarte agudo do miocárdio sem supra-desnivelamento do segmento ST que foi transferido para o hospital e tratado conservadoramente após discussão com a Cardiologia, quatro casos (1,4%) de insuficiência cardíaca descompensada de novo só diagnosticadas no decorrer do internamento domiciliário mas compensadas em casa, e dois episódios (0,7%) de fibrilhação auricular com resposta ventricular rápida que tiveram de ser transferidos para o hospital por necessidade de monitorização cardíaca. No que respeita às iatrogenias verificadas houve quatro casos (1,4%) de alterações iónicas farmacológicas (essencialmente no contexto da terapêutica diurética endovenosa, como hiponatrémia e hipocaliémia), uma (0,4%) toxidermia exuberante a antibioterapia sem alergia prévia conhecida mas facilmente tratada no domicílio e uma (0,4%) flebite significativa com necessidade de antibioterapia.

Houve ainda várias idas ao hospital para realização de exames complementares, observação por outras especialidades e realização de suporte transfusional.

Houve cerca de 92 ativações (32,7%) da prevenção (qualquer tipo de chamada efectuada pelo utente ou família por sintomas de novo ou suposto agravamento clínico).

Registaram-se 22 retornos (7,7%) de doentes para o hospital por descompensação da IC e/ou DPOC com necessidade de conexão a ventilação não-invasiva, alteração para antibioterapia dirigida de 6/6 horas por isolamento de agente, más condições habitacionais ou ausência de cuidador adequado, um AVC isquémico major e taquidisrritmias não controláveis no domicílio. Alguns dos utentes regressaram para o domicílio aos cuidados da UHD após compensação clínica em contexto hospitalar convencional.

À data de alta 162 (57,7%) doentes foram encaminhados para a consulta externa para reavaliação, 105 (37,4%) ficaram a ser acompanhados apenas no Centro de Saúde, 12 (4,3%) necessitaram de internamento convencional e quatro (1,4%) tiveram alta para os cuidados da Unidade Funcional de Cuidados Continuados (UFCC) do HGO por necessidade de manutenção e cuidados de enfermagem.

Registaram-se sete óbitos (2,4%) em internamento convencional [insuficiência respiratória grave (IC, DPOC, PAC), sépsis grave (um caso de isquemia grave do membro inferior com septicemia e falência multiorgânica, uma pneumonia grave, um caso de pielonefrite complicada com necessidade de colocação de stent que acabou por infetar e evoluir para sepsis), um caso de AVC isquémico major cardioembólico apesar de anticoagulação com INR terapêutico] e três óbitos (1,1%) no domicílio sob os cuidados da equipa da UHD (um utente com IC terminal, um utente muito idoso com pneumonia complicada que a família preferiu manter no domicílio para acompanhamento até ao final de vida e um caso de uma utente idosa com úlcera de perna infetada a agente multirresistente e diversas complicações sistémicas da sépsis e da própria antibioterapia instituída, que a família também preferiu que fosse acompanhada pela UHD até ao final no seu domicílio).

Na avaliação feita aos utentes após a alta verificou-se que a maioria (241, 85,8%) se encontrava estável aos 30 dias, sendo que apenas 11 (3,9%) retornaram ao serviço de urgência (na maioria por motivos não relacionados com o internamento anterior), nove foram internados no hospital (3,2%), três foram internados na UHD (1,1%) e cinco faleceram (1,8%). Aos 6 meses houve mais 16 internamentos (5,7) e 13 óbitos (4,6%). Assim, 3,9% (n = 11) foram internados novamente aos 30 dias (sem critério para reinternamento) e 5,8% aos 6 meses (n = 16). Os internamentos a breve/médio prazo foram, na sua maioria, nos indivíduos com cistites de repetição no caso dos algaliados cronicamente, casos de taquidisrritimia e IC descompensada. Analisando os óbitos a posteriori, estes aconteceram em doentes já com neoplasias de base, IC e DPOC, e ainda casos de vasculite e neoplasias de novo.

Sob o ponto de vista da funcionalidade, há a salientar uma melhoria global do estado funcional dos doentes refletida pela avaliação da escala de Barthel, sendo que da admissão para a alta aumentaram o número de indivíduos autónomos (n = 206 para n = 222; 73,3% para 79,0%) e reduziram-se o número de indivíduos parcial ou totalmente dependentes (n = 41/ 14,6% e n = 34/12,1% respectivamente, para n = 28/ 10,0% e n = 31/ 11,0% respectivamente).

Discussão

O número de internamentos na UHD tem crescido nos últimos meses. Ao longo do primeiro ano observou-se um crescendo do número de admissões, reflexo do início de um projeto inovador, quer em experiência de funcionamento por parte da equipa, quer pela receção da comunidade da área de influência do hospital a um internamento tão diferente do convencional, muitas das vezes protelando a aceitação do mesmo. Com o desenrolar da experiência permitimo-nos também a alargar o leque de patologias, tornando mais natural todo o processo de admissão dos utentes.

Os doentes admitidos foram semelhantes aos admitidos numa enfermaria convencional de Medicina Interna havendo, por isso, internamentos mais prolongados (superiores a 10 dias), que se explicam na maioria por: contexto da pluripatologia apresentada pelos utentes, índices de co-morbilidades e idade, infeções a agentes multirresistentes com ciclos de antibioterapia mais prolongados e muitas das vezes apenas dirigidos após alguns dias de internamento (pela demora nos resultados microbiológicos), pelas patologias crónicas graves como o caso da IC classe III da NYHA, DPOC / síndroma de apneia obstrutiva do sono / síndroma de obesidade-hipoventilação com insuficiência respiratória global. Contudo, a média da idade dos doentes na UHD (67,4 anos) é mais baixa que a do internamento convencional de Medicina Interna no HGO (74,4 anos) no mesmo período.

Os internamentos mais curtos, por outro lado, deveram-se a incapacidade de gestão da doença quer por parte do utente quer por parte dos cuidadores (a salientar um caso de diarreia grave com múltiplas dejeções diárias num indivíduo acamado que a esposa se sentiu incapaz de gerir), má adesão terapêutica apesar da educação para a saúde por parte da equipa (p. ex. um caso de uma doente com IC classe III da NYHA que se recusava a fazer contabilização da diurese, elevação dos membros inferiores e restrição salina), más condições de higiene e salubridade do domicílio (p. ex. uma utente com erisipela extensa e grave que residia em muito más condições habitacionais e não tinha água regularmente para se poder proceder à lavagem das feridas), agravamento clínico precoce com necessidade de ventilação não-invasiva ou monitorização cardiorrespiratória. A demora média de internamento na UHD (8,7 dias) foi mais baixa do que a demora média de internamento na enfermaria convencional de Medicina Interna do HGO (10 dias).

No que respeita à proveniência dos utentes, o primeiro ob jetivo da UHD é que os doentes sejam diretamente referenciados do Serviço de Urgência para evitar mais precocemente as complicações do internamento convencional. Contudo, pretende-se que os utentes sejam devidamente estabilizados, se necessário 24-48 horas de antibioterapia nos casos de infeções mais graves (até ser observada resposta à antibioterapia empírica), ou no caso de utentes com descompensações cardíacas como as taquidisrritmias, que estas sejam controladas no mínimo 24 horas antes da admissão na UHD. Apesar da preferência pelas admissões diretas pela urgência, também pretendemos que toda a comunidade clínica esteja a par desta opção de internamento e que as referenciações sejam feitas do internamento, da consulta externa e dos centros de saúde, nestes últimos em especial quando é possível a avaliação complementar suficiente para obtenção de um diagnóstico final e apreciação da gravidade do quadro clínico.

A polimedicação também é reflexo da complexidade dos utentes e foi alvo de ensinos variados: apresentação adequada dos fármacos, atualização das listas terapêuticas, explicação dos objetivos e alvos terapêuticos, reforço da necessidade de cumprimento terapêutico.

De salientar que no que diz respeito aos diagnósticos secundários, a insuficiência respiratória reflete o elevado número de infeções respiratórias (pneumonia adquirida na comunidade, traqueobronquite aguda), IC e DPOC descompensadas que necessitaram de oxigenoterapia no domicílio.

O MEWS é um score de gravidade que quando igual ou superior a 5 representa elevada probabilidade de admissão em unidade de cuidados intensivos ou morte. Os nossos doentes apresentavam maioritariamente scores baixos, mas ainda assim 5,6% apresentavam score elevado com grande possibilidade de admissão em UCI ou morte, refletindo mais uma vez a complexidade dos doentes internados na UHD.

Por outro lado, o score de Charlson adaptado à idade prediz a mortalidade a 1 ano com base em 22 comorbilidades e na idade e é útil para ajudar a decidir o quão agressivo deve ser o investimento clínico. Salientam-se 47,4% de doentes com scores entre 3 e 6 (já com complexidade intermédia) e os 4,3% com score igual ou superior a 9 (correspondendo a uma mortalidade de cerca de 20% num ano).

Os isolamentos microbiológicos refletem por um lado o grande número de patologias infeciosas tratadas na UHD, mas por outro lado também a complexidade dos casos clínicos com os microrganismos multirresistentes, responsáveis por quadros clínicos mais graves, internamentos prolongados e antibioterapias mais agressivas.

Verificaram-se naturalmente algumas intercorrências durante o internamento, mas ainda assim os autores consideram que o seu número é pouco significativo para o trabalho desenvolvido e para a tipologia de doentes admitidos. As ocorridas são facilmente explicadas no contexto da pluripatologia que a UHD apresenta como enfermaria de Medicina Interna não convencional.

Nem todos os doentes foram reavaliados em consulta externa, muitos por serem acamados já com médico de família no domicílio, outros preferiam o seguimento no centro de saúde em vez de se deslocarem ao hospital pelas dificuldades económicas. Esta situação é também tradução da articulação privilegiada entre a UHD e os cuidados de saúde primários com comunicação das notas de alta dos doentes por correio electrónico directamente para os médicos de família.

O status dos utentes verificado aos 30 dias e aos 6 meses salienta mais uma vez a complexidade dos mesmos e as patologias crónicas muitas delas em fase terminal.

A melhoria do estado funcional dos utentes da admissão para a alta reflete o trabalho multidisciplinar da equipa, em especial o trabalho dos enfermeiros especialistas em reabilitação, e todo o trabalho feito na educação e promoção para a saúde, e ainda o envolvimento do utente e do cuidador na abordagem à doença aguda e às co-morbilidades.

Conclusão

Da análise apresentada, e ao contrário do que inicialmente poderia ser de esperar, identificaram-se doentes bastante complexos com pluripatologia, polimedicados e cerca de um terço com algum grau de dependência. Apesar do motivo do internamento ter em geral baixa gravidade para ser possível e seguro a transferência para o domicílio, alguns apresentavam na admissão hospitalar quadros clínicos graves, com pontuação alta em scores de risco clínico como o MEWS. A grande maioria dos doentes proveio do Serviço de Urgência.

Os diagnósticos principais de internamento mais frequentes foram patologias bem documentadas como pneumonia adquirida na comunidade, IC e pielonefrite aguda. Em um terço dos quadros infeciosos houve isolamento de agentes, sendo destes 19 (22,1%) multirresistentes. Registou-se uma baixa taxa de intercorrências e óbitos e apenas 7,7% (n = 22) retornos ao hospital.

Consideramos como vantagens deste modelo a maior disponibilidade dos profissionais para o doente, maior envolvimento do utente e da família, mais educação para a saúde, menor deterioração do estado funcional, melhor articulação com os cuidados de saúde primários e maior satisfação dos profissionais de saúde.

A hospitalização domiciliária representa uma modalidade de internamento inovador em Portugal, sendo que os dados do primeiro ano de experiencia desta unidade mostram resultados animadores, com um aumento crescente do número de doentes internados assim como a complexidade dos mesmos, representando atualmente uma alternativa válida ao internamento hospitalar convencional.

Agradecimentos

Agradecemos a toda a equipa da UHD pela aposta num projeto inovador, e pelo excelente trabalho desenvolvido com elevada satisfação profissional.

 

Referências

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Correspondência: Vitor Cunha vitoria.mcunha@gmail.com
Hospital Garcia de Orta, Hospital Garcia de Orta, Almada, Portugal Av. Torrado da Silva - 2805-267 Almada, Portugal

 

Protecção de Seres Humanos e Animais: Os autores declaram que não foram realizadas experiências em seres humanos ou animais

Direito à Privacidade e Consentimento Informado: Os autores declaram que nenhum dado que permita a identificação do doente aparece neste artigo.

Conflitos de Interesse: Os autores declaram a inexistência de conflitos de interesse na realização do presente trabalho

Fontes de Financiamento: Não existiram fontes externas de financiamento para a realização deste artigo

 

Recebido: 10/08/2017

Aceite: 27/10/2017

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