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Sociologia

Print version ISSN 0872-3419

Sociologia  no.tematico10 Porto Dec. 2020  Epub Mar 24, 2022

https://doi.org/10.21747/08723419/soctem2020na 

Nota de apresentação

Nota de apresentação

Direitos das crianças: abordagens críticas a partir das ciências sociais

1Inês Barbosa

João Teixeira Lopes

Lígia Ferro

Eunice Castro Seixas

Paulo Castro Seixas

1Instituto de Sociologia da Universidade do Porto

2Departamento de Sociologia da Faculdade de Letras da Universidade do Porto

3Centro de Investigação em Sociologia Económica e das Organizações-Universidade de Lisboa

4Instituto Superior de Economia e Gestão-Universidade de Lisboa

5Centro de Administração e Políticas Públicas-Universidade de Lisboa

6Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas-Universidade de Lisboa


Os Direitos das Crianças constituem o mote do número temático de 2020 da Sociologia: Revista da Faculdade de Letras da Universidade do Porto, celebrando assim os sessenta anos da Declaração Universal dos Direitos da Criança, assinada no dia 20 de novembro de 1959 e adotada pela Assembleia Geral das Nações Unidas, sob a forma de uma Convenção Universal, no mesmo dia, em 1989.

A Sociologia da Infância, em particular, tem dado passos de gigante em Portugal, não só pela sua institucionalização (em mestrados e doutoramentos ou no seio da Associação Portuguesa de Sociologia), mas também pelo florescimento de pesquisas ancoradas em múltiplas plataformas de observação, com uma diversidade de ferramentas metodológicas inovadoras e um forte pendor interdisciplinar, irrompendo em cruzamentos fecundos com a Antropologia, a Arquitetura, a História ou a Economia e lançando pistas para políticas públicas inovadoras, justas e não burocráticas (Sarmento, Fernandes e Tomás, 2017; Sarmento, 2018). Importante ainda, e porventura a necessitar de maior desenvolvimento, é o diálogo entre os resultados dessas pesquisas concretas e os debates clássicos da teoria social. O que nos dizem tais pesquisas sobre as noções de agente, estrutura e quadro de interação? Como se articulam, nas práticas das crianças, as várias escalas de observação social? Existe uma agência infantil que atualiza de forma singular os constrangimentos societais, aproveitando interstícios e margens de manobra que não estamos habituados a analisar? Como são socialmente moldadas as crianças (através de que finas e articuladas malhas sociais) e, em contrapartida, o que produzem as mesmas em termos do sentido que conferem ao mundo da vida? O que se aprende, em termos do estudo sobre a dominação, a partir das práticas e contextos infantis? E sobre resistência e colaboração? Qual a autonomia dos quadros de interação (Corsaro, 2005) onde se constroem as sociabilidades das crianças face à organização das molduras de interação hegemónicas? Como se distingue o processo de socialização entre pares e em ambiente familiar, olhando para as disposições (Lahire, 2019) que ensinam e disseminam perceções de similitude e afinidade (de classe, de género, de etnia…)? Quais os modos de multiplicação das desigualdades nas condições sociais das crianças? As perguntas não teriam fim e o seu desdobramento constituiria um horizonte heurístico de abertura permanente. É esse fio ininterrupto que permite à Sociologia assumir-se como construção intersubjetiva e coletiva.

Os organizadores/as deste volume, partindo da sua experiência no projeto CRiCity , lançaram desafios a colegas próximos no sentido de, em conjunto, colaborarmos na acumulação crítica de conhecimento sobre a relação das crianças com a cidade e a cidadania, pois raramente as instituições pensam o “terceiro espaço” das crianças, suas geografias e culturas espacialmente situadas (Soja, 200: 10-11). Ainda são relativamente escassos os exemplos de planeamento participado com as crianças e de programações culturais que as envolvam num papel mais ativo do que o de meros destinatários (Driskell, 2002; Foley e Leverett, 2011). Ainda assim, as crianças têm um modo próprio, embora condicionado, de se relacionarem com o mundo, de usarem e fazerem cidade e de serem públicos e criadores de cultura. É certo que não devemos homogeneizar em demasia a experiência da infância, esquecendo as clivagens internas (de classe, de género, de etnia), mas importa reconhecer uma tipicidade singular na organização infantil do espaço-tempo com a humildade de que, amiúde, não possuímos as chaves para entrar nesse universo (Aitken, 2001). Aliás, quando se esquecem dos adultos e do seu controle, as crianças não hesitam: brincam, transgridem, experimentam, exploram, descobrem, decidem, constroem, usam, ainda que perpassadas pelas desigualdades do mundo dos mais velhos, que é e não é o seu mundo (Ward, 1978; Hart, 1979).

Nas tendências urbanas contemporâneas assistimos a processos poderosos de institucionalização, alienação e insularização dos mundos da vida (Zeiher, 2003; Qvortrup, 2008). Formam-se, pois, no universo descontínuo de experiências, com os seus interditos e circuitos estandardizados, cidades arquipélago, mosaicos fragmentários de ninhos pretensamente seguros onde se nota um desconhecimento do espaço urbano, dos seus lugares-outros, interstícios e liminaridades.

Mayumi Souza Lima, japonesa radicada no Brasil, no seu livro A cidade e a criança, mostra como espaços escolares, assim como parques e zonas infantis, são produzidos de maneira a perpetuar e reforçar a dominação e o poder do adulto sobre a criança (Lima, 1989). Cada vez mais projetamos em tais espaços os nossos medos e fobias: do outro-como-diferente; da insegurança (mais subjetiva do que objetiva); do contágio, da impregnação. As crianças bolha arriscam-se a crescer confinadas (Malone, 2007), muito para além das medidas sanitárias da emergência pandémica, numa distopia de heteronomia, não lhes sendo permitido errar, assustar-se, experimentar, retificar. Em sociedades de enclaves sociais e culturais; em cidades onde a relegação e a injustiça sócio espaciais proliferam ao ritmo de processos de urbanismo improvisados e desenfreados e ao sabor do turismo não sustentável e da gentrificação, as crianças não desenvolverão, como deviam, o labor do alteridade, de ser no outro, como o outro, com o outro (de ser o outro), impregnadas do seu olhar, cheiro, corpo e experiência. Não exercitarão a autonomia, porque desconfiarão dos lugares e das pessoas que as confrontem, acrescentem, modifiquem, reproduzindo, sem o saberem, as mais arreigadas fronteiras sociais.

Estas inquietações atravessam as diferentes contribuições.

A abrir o elenco de artigos, Manuel Sarmento e Catarina Tomás lançam a seguinte pergunta, aparentemente simples, mas instigadora: “A infância é um direito?” No entender dos autores, a infância tem sido encarada como uma espécie de “qualidade moral” associada à ingenuidade, à ludicidade ou à bondade natural. As crianças “são o outro do adulto”, necessitando do seu auxílio e da sua ação disciplinadora para se desenvolverem plenamente. Essa conceção não só produz “fortes efeitos regulatórios” como exclui todos aqueles/as que se encontram fora da imagem idílica de infância: refugiadas, migrantes, trabalhadoras precoces, vítimas de abusos, entre inúmeros outros exemplos que fariam com que mais de metade da população mundial infantil - sobretudo nos países do Sul Global - não tivesse infância. O artigo defende, pois, uma mudança de perspetiva que dê conta da diversidade desta categoria geracional, que ponha em relevo as intersecções de classe, género, etnia, religião, orientação sexual ou espaço geográfico e que preste uma especial atenção às crianças em situação de exclusão. Para isso, consideram necessário rever aquele que é um dos documentos mais importantes para a promoção dos direitos infantis, mas também um dos que melhor espelha essa normatividade: a Convenção sobre os Direitos das Crianças. Os autores assinalam alguns dos debates construídos em seu torno: a crítica à sua cristalização, na medida em que não integra as transformações sociais da contemporaneidade (como o acesso às novas tecnologias de informação ou os desafios ambientais); o facto de terem sido atribuídos direitos às crianças que não resultaram da sua própria participação; o modo como os seus conceitos vagos e ambíguos geram distintas interpretações e aplicações por parte dos adultos; ou a crítica à sua marca ocidental e eurocêntrica que contribui para ocultar a diversidade cultural. Um dos principais pontos da agenda da sociologia da infância crítica deveria, assim, incidir na reformulação “cosmopolita, interseccional e ampliada dos direitos” tendo como referência primordial as crianças em condições subalternas. Tratando-se de uma sociologia crítica, esta preocupa-se não apenas com a interpretação das realidades, mas também com a sua transformação, lado a lado com as crianças e os movimentos sociais.

Segue-se o artigo de Frederico Lopes, Rosa Madeira e Carlos Neto intitulado “O Direito das Crianças à Cidade apropriada como lugar de liberdade e de (inter)Ação”. O texto estabelece um cruzamento entre a psicologia ambiental, a geografia e a sociologia da infância, apresentando resultados empíricos de um estudo realizado em Lisboa com recurso a uma metodologia online geo-participativa (SoftGISchildren). Debruça-se também sobre o impacto das transformações sociais contemporâneas no quotidiano infantil, agudizadas pela pandemia e o confinamento. Não sendo um direito inscrito na Convenção sobre os Direitos das Crianças, a inclusão desta reivindicação justifica-se pelo facto de mais de 50% da população mundial residir em espaços urbanos (UNICEF, 2012), espaços esses marcados por constantes desafios, nomeadamente as desigualdades sociais e territoriais e a excessiva automobilização. Os autores apontam para a invisibilidade física e social das crianças - “como sujeitos e como corpo em movimento no espaço público” e reclamam políticas públicas urbanas participativas que as incluam enquanto “espacialistas”. O termo refere-se ao modo singular como as crianças se apropriam e transformam os lugares, em que o jogo, o risco e a aventura têm um papel predominante, fazendo deles “especialistas” dos espaços que ocupam. Neste sentido, qualquer iniciativa que procure democratizar o espaço público terá de ter em conta o seu olhar. Os autores idealizam uma polis aberta e lúdica, em que o “brincar livre das crianças” nas cidades é entendido como “uma cocriação deliberada de incerteza que surge de um emaranhado de corpos, afetos, objetos, espaço e histórias”. Para que tal aconteça, enunciam um conjunto de condições que comprometem responsáveis políticos e sociedade civil: reajustar os espaços e as zonas de circulação, permitindo aumentar os níveis de independência de mobilidade; remover constrangimentos físicos que impossibilitam a brincadeira imprevisível no espaço público; sensibilizar cuidadores/as para a escuta ativa das crianças e para relações menos hierárquicas que permitam o jogo livre; implementar iniciativas à escala local que facilitem os encontros comunitários de lazer e recreação.

Em continuação, surge o artigo de Maria José Araújo e Hugo Monteiro, “Para uma definição de tempo livre tendo as crianças por medida e referente: O que diz a língua dos pássaros?”. Neste texto, de cariz filosófico e militante, os autores escamoteiam o conceito de “tempo livre”, tomando como ponto de partida um fragmento de Walter Benjamin sobre as “crianças de domingo”: meninos e meninas que gozam de um tempo encantado e ocioso, contrário ao tempo vulgar, domesticado e disciplinado imposto à maioria das pessoas e na maioria dos dias. Usufruindo de liberdade e de uma relação particular com a natureza e as pequenas coisas, só estas crianças seriam capazes de entender a linguagem dos pássaros. Fazendo uso dessa metáfora, os autores afirmam que a disputa pelo tempo livre se dá em vários planos pedagógicos e políticos, sendo influenciada pela ideologia neoliberal que estabelece uma hierarquia entre o tempo do trabalho e o tempo de lazer e em que este último é claramente preterido. Sendo as crianças encaradas como dependentes e pouco autónomas, incapazes de planear o seu quotidiano, os adultos encarregam-se de organizar, dirigir e gerir o seu tempo para que estas o aproveitem de uma forma realmente produtiva. Aliada a essa institucionalização do tempo, multiplicam-se estratégias de mercado viradas para o ócio e o lazer infantil. No entender de Maria José Araújo e Hugo Monteiro, a defesa dos Direitos das Crianças - em particular do artigo 31º que reconhece à criança o direito ao repouso e aos tempos livres assim como “o direito de participar livremente na vida cultural e artística” - pressupõe que estas sejam vistas como sujeitos políticos, com capacidade e poder de decisão relativamente aos seus próprios tempos. Prevê, também, garantir espaços autogestionados adequados às culturas da infância, em que o ato de brincar não se confunde com atividades ocupacionais, mas é antes visto como um fim em si mesmo, um momento imprevisível e, quantas vezes, desordenado e indisciplinado. Implica, por último, garantir um tempo de “nada se fazer”, de contemplação, um tempo não-mensurável e realmente livre. “Sair do controlo do relógio” torna-se, pois, “um imperativo mais do que uma alusão e um direito mais do que um privilégio”.

Por fim, o artigo de Inês Barbosa - “Direitos cívicos e políticos na infância e adolescência: da retórica da participação ao protagonismo infantil” - começa por traçar uma breve cronologia da constituição dos Direitos das Crianças, desde a Declaração de Genebra de 1920 à Convenção de 1989, dando conta de como, historicamente, os direitos de proteção e provisão prevaleceram em relação aos direitos de participação. O enquadramento legal desses direitos mostra também como a infância tem sido vista de um ponto de vista de menoridade, um grupo social particularmente vulnerável e dependente da proteção, supervisão e controlo do adulto. Essa condição de subordinação é, como tal, um dos maiores entraves ao exercício dos seus direitos cívicos e políticos. Cabe ao adulto definir o “interesse superior da criança”, interpretar o seu “grau de maturidade” ou perceber se a sua “liberdade de expressão” vai ou não contra a “ordem pública”. O artigo de Inês Barbosa detém-se, posteriormente, nos conceitos, práticas e arenas de participação, abrindo caminho para a defesa de uma abordagem pelo “protagonismo infantil” (Gaitán, 1998; Alfageme et al, 2003). A autora define um conjunto de constrangimentos para os quais estabelece possibilidades respetivas: esbatimento das relações de poder adulto-criança; inclusão e visibilização das diferenças e dos grupos minoritários; adaptação dos ambientes, linguagens e procedimentos; preferência pela democracia participativa e pelas práticas quotidianas; preocupação com a eficácia e relevância das iniciativas e, por fim, uma aposta numa educação crítica e inconformada, em contraponto com uma cidadania encolhida e retórica. O artigo finaliza com algumas pistas para debate futuro, evidenciando por um lado, o crescimento de uma onda contestatária que atribui aos mais novos um papel de relevo e, por outro, o surgimento de novos regimes de controlo que contribuem para o enfraquecimento dos direitos de cidadania. Não tendo sido a Convenção sobre os Direitos das Crianças resultado de um movimento político ou de um processo de conquista coletiva, o grau de efetivação desses direitos passará, necessariamente, por criar espaços e tempos onde crianças e jovens possam organizar-se autonomamente e definir as suas próprias realidades, desafiando-se mutuamente.

As contribuições para este volume têm em comum uma análise crítica da sociedade atual, focando-se em particular nos contextos urbanos da modernidade tardia e no modo como tendem a reproduzir uma conceção de infância que menoriza as crianças, com impacto na efetivação dos seus direitos. Esta reflexão revela problemáticas sociais que não concernem apenas as crianças, ou seja, evidencia o modo como as suas condições de vida são fortemente influenciadas pelo contexto económico, social e político em que se inserem e que também afetam os adultos (Qvortrup, 1990). Por essa razão, é fundamental, como sugere Mayall (2000:247), “localizar o estudo da infância no estudo das sociedades”.

Neste âmbito, os autores tecem críticas à sociedade neoliberal no seu pendor crescente de controlo, vigilância e securitização, assim como de privatização, domesticação e mercadorização dos espaços públicos, do tempo e do próprio lazer. Apesar de tais tendências terem impacto em toda a sociedade, no caso das crianças estas questões tornam-se mais visíveis na medida em que se inscrevem socioculturalmente no quadro de uma relação de poder desigual. No contexto das investigações com crianças, e que visem a promoção dos direitos das mesmas é portanto fundamental refletir sobre as relações de poder, assim como tentar desvendar as conceções de infância dos nossos participantes (Cohn, 2013).

Do outro lado do espelho, os textos revelam ainda as resistências que as crianças acionam face a esta visão do mundo adultocêntrica assente na construção social da infância como menoridade e vulnerabilidade. Este convite a tentarmos ver o mundo pelos olhos das crianças lembra o que Stuart Aitken sugeria há quase 20 anos atrás: “As crianças veem coisas no meio ambiente que nós nos podemos ter esquecido de ver, muito menos compreender” (Aitken, 2001: 500, tradução dos autores), mas também nos faz pensar, como Aitken, sobre os limites para os adultos quando estes tentam aprender o mundo de forma semelhante à das crianças.

A ausência nos processos participativos e de planeamento estratégico é igualmente mencionada em várias das contribuições, embora nas últimas décadas tenha havido um interesse crescente neste âmbito, levando a uma exploração de diferentes metodologias participativas e centradas nas crianças, resgatando contribuições interdisciplinares de sociólogos, psicólogos, designers, arquitetos, engenheiros, etc. (Bishop e Corkery, 2017).

Neste número temático, o texto de Frederico Lopes, Rosa Madeira e Carlos Neto utiliza o SOFTGIS, uma metodologia que tem sido progressivamente utilizada com crianças na geografia e estudos urbanos (Kyttä, Broberg, e Kahila, 2012). Poderíamos referir aqui o desenvolvimento de várias outras metodologias centradas na criança, nomeadamente, a etnografia centrada nas crianças, as walk and talk interviews, as ‘child-led tours/walks, o contar histórias, o recurso a técnicas visuais como o desenho em conjunto, ou os mapas participativos, nomeadamente os mapas digitais, o design e o planeamento participativo e centrado nas crianças, entre outras. (Barker e Weller, 2003; Punch, 2002). Estes estudos também revelaram os desafios de uma investigação feita com as crianças e não apenas sobre as crianças (Christensen e James, 2000)

Finalmente, importa notar que os direitos da criança têm de ser perspetivados em conjunto. Os autores deste volume, aliás, acabam por referir vários direitos na sua interligação, dando particular ênfase ao direito da criança à participação tal como consignado no artigo 12º (e também no artigo 13º sobre liberdade de expressão) da Convenção sobre os Direitos da Criança. As reivindicações pelo direito das crianças a serem ouvidas e levadas a sério e a serem incluídas em vários processos de decisão e avaliação de políticas públicas em domínios que as afetam, como as políticas urbanas ou as políticas da educação, não são de hoje. No entanto, continuam a existir barreiras e limitações à sua concretização. Sabemos como o caminho é difícil e atravessado por múltiplas e entrecruzadas tensões, designadamente: a tensão entre a participação como controlo social e a participação como emancipação; a tensão entre a criança como utilizadora de serviços e a criança como sujeito de direitos políticos e a tensão entre a proteção e o empoderamento das crianças (Shier, 2010). Estas tensões podem ser vistas como reproduzindo as dicotomias da modernidade ocidental, nomeadamente a oposição entre a auto-realização e o controlo, através de uma limitação da agência das crianças no espaço público (Prout, 2000).

Em suma, este número temático de 2020 da Sociologia: Revista da Faculdade de Letras da Universidade do Porto permitirá, assim o esperamos, mobilizar cognitivamente ferramentas de auscultação e de observação das crianças que não sejam desnecessariamente intrusivas, que respeitem a exploração e a indagação que lhes são próprias. Que as façam falar, no seu ritmo, tempo e modo (pode ser uma canção ou um desenho…). Tais ferramentas, se devidamente estudadas e transferidas, seriam a base de uma investigação-ação-participação que, qual utopia viável, revolucionaria as nossas sociedades. Se elas puderem conter as instituições, os projetos e os espaços das crianças (e não meramente para elas ou com elas), teremos dado um pequeno passo na redescoberta do encanto do mundo.

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As crianças e o seu direito à cidade: combater a desigualdade urbana através do desenho participativo de cidades amigas das crianças. FCT, PTDC/SOC-SOC/30415/2017.

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