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Nascer e Crescer

versão impressa ISSN 0872-0754versão On-line ISSN 2183-9417

Nascer e Crescer vol.26 no.4 Porto  2017

 

ARTIGOS ORIGINAIS | ORIGINAL ARTICLES

 

Segurança infantil dos 1 aos 5 anos – o que sabem os cuidadores?

 

Child safety in preschool years – what do caregivers know?

 

 

Sara Pires da SilvaI; Joana SampaioII; Cristiana Teixeira da SilvaII; Raquel BragaII

I  Department of Pediatrics, Hospital Pedro Hispano, Unidade Local de Saúde de Matosinhos. 4464-513 Senhora da Hora, Portugal. sarampsilva@gmail.com
II General Practice and Family Medicine, Unidade de Saúde Familiar Lagoa, Unidade Local de Saúde de Matosinhos. 4460-352 Senhora da Hora, Portugal. joanamazoni@gmail.com; cristiana.t.silva@gmail.com; raquel31braga@gmail.com

Correspondence to

 

 


RESUMO

Introdução: Os acidentes representam a principal causa de morbilidade e mortalidade nos primeiros anos de vida. Este estudo pretendeu avaliar o conhecimento dos cuidadores de crianças entre os um e cinco anos sobre segurança infantil.

Métodos: Estudo transversal, descritivo e analítico com aplicação de questionário por auto-preenchimento, a uma amostra de conveniência, numa Unidade de Saúde Familiar, de setembro a dezembro de 2014.

Resultados: Foram inquiridos 56 cuidadores, de 99 crianças (média 1.7 crianças/família), com idades compreendidas entre os 22 e os 63 anos (mediana 34 anos). A maioria dos inquiridos (89%) procura habitualmente informação sobre segurança infantil, sendo que apenas 37% afirma que este tema é abordado em todas as consultas de saúde infantil. Quando questionados sobre segurança rodoviária, apenas 14% respondeu corretamente a todos os itens e, apesar de 95% utilizarem dispositivo de retenção, apenas 18% o usam de modo adequado. Nas questões sobre afogamentos, apenas 31% utilizam sempre braçadeiras e 11% permitem brincar na banheira sem supervisão. Relativamente à prevenção de quedas salienta-se que 41% assumem a utilização de andarilhos e só 29% têm todas as atitudes preventivas adequadas. A área da prevenção de queimaduras foi a que teve maior défice de respostas corretas (27%), na qual nenhum cuidador respondeu adequadamente a todas as questões. Finalmente as áreas sobre prevenção de engasgamentos e intoxicações foram as que tiveram uma percentagem mais elevada de comportamentos corretos (54% e 41%, respetivamente).

Discussão: A segurança infantil é uma preocupação parental. No entanto, continuam-se a verificar práticas quotidianas erradas. Os profissionais de saúde têm responsabilidade nesta área, devendo promover programas de sensibilização efetivos e abordando mais regularmente esta temática nas consultas de saúde infantil.

Palavras-chave: Educação em Saúde; Intervenção; Prevenção Primária; Segurança infantil


ABSTRACT

Introduction: Accidents in the early years of childhood are the leading cause of morbidity and premature mortality. This study aimed to assess preschool children caregivers’ knowledge about child safety.

Methods: Cross-sectional study, using a structured self-administered questionnaire to caregivers in a Family Healthcare Unit, between September and December 2014.

Results: Fifty-six caregivers agreed to participate, 80% females, median age (minimum-maximum) of 34 (22-63) years, caregivers of 99 children, with a mean 1.7 child/family. Eighty-nine percent routinely search about child safety and 37% states that it is topic discussed in all child healthcare visits. Only 14% answered all road safety questions correctly and despite 95% use a child-restraint system, only 18% applies it properly. In drowning prevention, only 31% promotes the use of inflatable swimming armbands and 11% of caregivers allows unsupervised play in the bathtub. In relation to falls prevention, we highlight that baby walkers are handled by 41% and only 29% of caregivers perform all appropriate preventive measures. Burn avoidance was the subject with greater shortcomings, with a total of 27% correct attitudes, and none of the caregivers answered accurately to all questions. On the other hand, choking and poisoning were the areas with higher rates of correct answers (54% and 41% respectively).

Conclusions: Child safety proved to be a caregivers’ concern. However, daily incorrect behaviors are still common. Health care professionals have the responsibility to promote more effective awareness programs and approach this topic to caregivers more regularly in their practice. 

Keywords: Child Safety; Health Education; Intervention; Primary Prevention


 

 

INTRODUÇÃO

Os acidentes representam a principal causa de morbilidade e mortalidade nos primeiros anos de vida, sendo um problema de saúdes pública.1-3 Em Portugal são responsáveis pela morte de 5,9 crianças por cada 100.000 habitantes, e segundo dados do Instituto Nacional de Estatística, em 2013, morreram 35 crianças entre um e cinco anos, devido a acidentes não intencionais.4,5

Estima-se que a implementação uniformizada de estratégias preventivas poderia evitar até 90% das lesões acidentais em crianças.4 Em Portugal, cerca de 26% das mortes entre os 0 e os 19 anos poderiam ser evitadas, caso a taxa de mortalidade por lesões fosse reduzida ao nível do país mais seguro da Europa (Holanda).3

Na prevenção de acidentes podem ser adotadas dois tipos de estratégias (ativas e passivas).1 As medidas preventivas ativas requerem o envolvimento do cuidador e são menos adotadas por indivíduos em maior risco (zonas carenciadas e/ou cuidadores culturalmente menos diferenciados). É o exemplo da utilização de braçadeiras em locais como piscinas. Dado que implicam uma necessidade de mudança de hábitos culturais, estas medidas são mais difíceis de implementar e, por isso, menos eficazes. Por outro lado, as medidas preventivas passivas, como a aplicação de leis e regulamentos aplicáveis a toda a população, são mais facilmente implementadas e mais efetivas. É o exemplo da obrigatoriedade de fabrico de automóveis com airbag.1,3 Apesar disso, a ausência de cariz retroativo mantém alguma desigualdade na implementação, uma vez que as famílias mais carenciadas terão mais dificuldade em adquirir um automóvel novo com airbag obrigatório.3

Genericamente, a prevenção de acidentes passa por estratégias implementadas em três níveis: a melhoria da legislação que visa a proteção da criança promovendo comportamentos seguros; a formação dirigida a profissionais de saúde e todos aqueles que trabalhem diretamente com a comunidade; a educação da população em geral com intervenções informativas sobre segurança junto das crianças e cuidadores recorrendo, por exemplo à comunicação social e implementado ações formativas dentro da comunidade.2

É neste esquema de prevenção que o aconselhamento sobre segurança infantil efetuado pelos profissionais de saúde ganha um papel preponderante.

Este estudo pretendeu avaliar o conhecimento dos cuidadores de crianças entre os um e cinco anos sobre segurança infantil e determinar se existem diferenças estatisticamente significativas de acordo com a idade, género e literacia.

 

MÉTODOS

Foi elaborado um protocolo de investigação, onde foram definidos os objetivos e metodologia do estudo, que foi aprovado pela Comissão de Ética da Unidade Local de Saúde da área a que pertence a Unidade de Saúde Familiar onde decorreu o estudo.

Foi realizado um estudo observacional analítico e transversal, com recolha de dados através da aplicação de questionário de auto-preenchimento, a uma amostra de conveniência.

A população alvo do estudo foram os cuidadores (pais ou outros) das crianças entre os um e os cinco anos de idade seguidas numa Unidade de Saúde Familiar da área de Matosinhos, que compareceram à Consulta de Saúde Infantil de modo programado ou em situação de doença aguda, no período compreendido entre 15 de setembro e 31 de dezembro de 2014. Aos inquiridos foi-lhes previamente explicada a finalidade do estudo. Após obtenção de consentimento informado para a sua participação, solicitado o preenchimento de um questionário anónimo.

O questionário construído pelos autores, não validado, era constituído por oito grupos distintos (em anexo). O primeiro grupo versava dados sociodemográficos do cuidador e das crianças a seu cuidado (idade, sexo, escolaridade, profissão). Os restantes grupos compreendiam questões sobre fontes de informação e conhecimentos acerca de segurança infantil em geral e comportamentos/atitudes de segurança rodoviária, prevenção de afogamentos, asfixia, quedas, intoxicações e outros acidentes.

Os dados obtidos foram codificados e registados numa base de dados informática (Excel®) e posteriormente foram analisados com o programa SPSS 20.0®. Utilizou-se o teste do qui-quadrado para comparação de proporções, sendo 0,05 o valor de significância estatística adotado.

 

RESULTADOS

Aceitaram participar 56 cuidadores (100% dos inquiridos), destes 80% eram do sexo feminino, com mediana de idades de 34 anos, mínimo de 22 e máximo de 63 anos. Apresentavam como nível de escolaridade o terceiro ciclo 33,9% (n=19) e o ensino secundário ou superior 46,5% (n=26). Quanto à atividade laboral, 28,5% (n=16) encontravam-se desempregados ou reformados. Os inquiridos eram cuidadores de 99 crianças, média 1.7 crianças/família, com idade média de 4,4 anos. No Quadro 1 explicita-se a caracterização da amostra.

Quando questionados acerca da procura de informação sobre segurança infantil, 89% (n=50) afirma que tal é habitual, sendo a internet a fonte de informação mais utilizada (84%; n=47). A grande maioria dos cuidadores afirma ter caixa de primeiros socorros em casa (89%, n=50) e os principais números de telefone em caso de acidente em local acessível (93%, n=52). Inquirindo sobre a frequência com que este tema é abordado nas consultas de saúde infantil, 37% (n=21) afirma que tal ocorre em todas as consultas e 11% (n=6) que raramente ou nunca é abordado.

Inquiridos sobre segurança rodoviária, apenas 14% (n=8) responde de modo adequado a todas as questões e 4% (n=2) respondeu a menos de 50% corretamente. A maioria, 95% (n=53) utiliza sempre dispositivo de retenção, embora apenas 18% (n=10) transporte preferencialmente a criança nos bancos traseiros e no sentido contrário ao trânsito. Encerrar as portas do carro durante a viagem é hábito de 89% (n=50). Por outro lado, 13% (n=7) afirma já ter deixado a criança sozinha no carro em alguma situação.  

Sobre prevenção de afogamentos, 25% (n=14) dos inquiridos apresenta todas as atitudes corretas e 29% (n=16) responde acertadamente a menos de metade das questões. Retirar as chaves das casas de banho de modo a impedir que a criança fique fechada no seu interior é um hábito de 77% (n=43), mas brincar na banheira sem supervisão é permitido por 11% (n=6) dos cuidadores. Na prevenção de afogamentos no exterior, como em locais com piscina/mar/rio, apenas 31% (n=17) dos cuidadores fomentam sempre o uso de braçadeiras.

Quanto à prevenção de engasgamentos, a maioria apresenta todos os comportamentos corretos (54%, n=30). Cerca de 63% (n=35) verifica diariamente a presença de objetos de pequenas dimensões nos locais onde a criança brinca, 93% (n=52) verifica se os brinquedos estão adequados à idade da criança e apenas 5% (n=3) continua a “enfeitar” a criança com adereços ou joias.

Na prevenção de quedas, 29% (n=16) demonstra todas as atitudes adequadas. A maioria tem o cuidado de verificar a existência de escadas, janelas e varandas potencialmente perigosas (96%; n=54) e de ensinar a criança a descer em segurança de locais elevados (96%; n=54). Quase metade dos cuidadores assume a utilização de andarilhos (41%; n=23) e 48% (n=27) dos cuidadores não encosta a cadeira de alimentação à parede de modo a evitar quedas.

Analisando as questões sobre queimaduras, nenhum cuidador respondeu de modo correto a todas as questões. No entanto, a totalidade dos inquiridos tem um conhecimento adequado em mais de metade das questões colocadas. Nenhum dos inquiridos tem por hábito cozinhar com a criança ao colo e a maioria evita circular pela casa transportando líquidos quentes (96%; n=54) ou colocar alimentos muito quentes à mesa (80%; n=45) e 96% (n=54) verifica a temperatura dos alimentos antes de os oferecer. Apesar destes cuidados, 87% (n=49) não limita o acesso à cozinha, 20% (n=11) não utiliza preferencialmente os bocais traseiros do fogão e 13% (n=7) utiliza com frequência velas acesas pela casa.

Inquiridos sobre intoxicações e outros acidentes, 41% (n=23) apresenta todas as atitudes corretas. Cerca de 82% (n=46) protege as tomadas; no entanto apenas 52% (n=29) utiliza travões de portas/gavetas e protetores de esquinas. A maioria dos cuidadores evita mudar os produtos químicos de embalagem (95%; n=53) e garante que estes se encontram fora do alcance das crianças (84%; n=47).

No Quadro 2 encontram-se explicitadas as respostas dadas às questões colocadas.

A totalidade de cuidadores respondeu de modo correto a pelo menos uma das questões de cada grupo. No entanto, ninguém respondeu corretamente a todas as questões, sendo a área com maiores défices a prevenção de queimaduras com nenhum dos inquiridos a apresentar todas as atitudes corretas (Fig. 1).

 

 

Não foram registadas diferenças com significado estatístico em relação ao sexo, escolaridade ou profissão dos cuidadores. O nível de conhecimento demonstrado também não foi significativamente diferente nas diversas áreas de prevenção avaliadas.

 

DISCUSSÃO

A temática da segurança infantil parece ser uma preocupação parental, sendo a principal fonte de informação a internet. Constatou-se que a maioria dos cuidadores tem em casa a caixa de primeiros socorros e os números de telefone em caso de acidente em local de fácil acesso, sendo estas atitudes tradutoras da consciência da eventualidade de acidentes com as suas crianças.

Neste estudo, apenas 37% dos inquiridos afirma ter aconselhamento médico sobre segurança infantil em todas as consultas de saúde infantil (CSI), tornando notória a necessidade de alertar a comunidade médica (pediatras e médicos de família) para a necessidade de intervir direta e regularmente com cada família. A difícil gestão do tempo de consulta pode ser responsável pela raridade da abordagem regular do tema.6 Sabe-se que o aconselhamento médico nesta área, se efetuado em cada visita médica, tem um importante impacto na prevenção de acidentes.1 Nestes momentos de aconselhamento, os cuidadores necessitam de ser frequentemente relembrados que a supervisão próxima da criança é a melhor maneira de prevenir acidentes e que as medidas mais eficazes são aquelas que alteram o ambiente onde a criança vive e cresce, tornando-o menos hostil.1

Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), 56% das mortes em crianças atribuíveis a acidentes, são causados por acidentes rodoviários, afogamentos, queimaduras e intoxicações. Já as lesões atribuíveis a sufocamento, asfixia, mordeduras de animais, hipo e hipertermia representam 31% destas.2 Com este trabalho fica patente a necessidade de intervir em todas estas áreas. De facto, apenas as questões sobre prevenção de engasgamento foram corretamente respondidas por mais de 50% dos inquiridos. Realça-se que a prevenção de queimaduras apresenta um défice de conhecimento parental elevado, com nenhum cuidador a responder de modo acertado a todas as questões sobre este tema.

Na área da segurança rodoviária, destaca-se a dicotomia entre a elevada utilização dos dispositivos de retenção (95%) e a baixa taxa de correta utilização do mesmo (18%). Tal divergência dever-se-á, em parte, ao facto de ser legalmente penalizada a ausência de utilização destes dispositivos e da dificuldade de interpretação da lei no que se refere ao modo de utilização do mesmo. Poderá também ter o seu contributo, o facto de a lei portuguesa não obrigar ao transporte no sentido contrário ao do trânsito a crianças até idades mais tardias (Decreto Lei nº 72/2013 de 3 de setembro no seu artigo 55), apesar de esta ser a posição mais segura estando recomendada por diversas entidades idealmente até aos quatro anos. O custo elevado dos dispositivos mais recentes com esta capacidade é também uma clara desvantagem. Apesar de todas as intervenções de sensibilização, 13% dos inquiridos ainda deixam por vezes a criança sozinha no interior do carro, tal pode ser justificado pela ausência de penalização legal e pela falsa noção de que a criança se encontra em segurança no interior do automóvel.

Cerca de um quarto dos inquiridos apresenta atitudes de prevenção de afogamentos corretas. Nesta área destaca-se a baixa adesão ao uso de braçadeiras sempre que se encontre num local com piscina/mar/rio (31%). A ausência de legislação formal, o desconhecimento parental da imprevisibilidade inerente às brincadeiras das crianças e do risco que mesmo pouca profundidade de água representa, podem estar na base deste tipo de comportamento. Sabendo que o afogamento é a segunda causa de morte acidental em idade pediátrica em Portugal, muito há ainda a fazer na sensibilização e consciencialização da população e na implementação de legislação que imponha o uso de barreiras físicas e medidas de segurança em locais públicos e privados.7 O ensino precoce da natação poderá também ser uma medida com elevado impacto na redução das mortes por afogamento nas crianças mais velhas.3

A prevenção de engasgamento foi a área que registou mais atitudes corretas. A grande maioria dos pais tem o cuidado de confirmar a adequação dos brinquedos à idade da criança. A legislação que implementou a necessidade de assinalar nos brinquedos infantis a idade a que os mesmos se destinam em muito contribuiu para este tipo de atitudes corretas. Apesar de a maioria dos pais (63%) afirmar verificar regularmente o espaço onde a criança brinca, assume-se que, na realidade do dia-a-dia, esta medida poderá ser difícil de implementar, sendo um comportamento reconhecido pelos cuidadores como correto, mas não realizado com tal regularidade pelos mesmos.

As atitudes preventivas de quedas mostraram ser difíceis de implementar pelos cuidadores, apresentando apenas 28% atitudes corretas. Apesar de todas as recomendações, destaca-se o uso frequente do andarilho (41%), grande potenciador de quedas e acidentes importantes. A legislação neste campo, com a retirada do mercado deste tipo de produto poderá ser uma medida passiva com alto impacto nos acidentes por queda nesta faixa etária. Cabe também ao aconselhamento médico recomendar a evicção do seu uso, explicando a ausência de vantagens na aquisição da marcha e a inerente exposição ao risco do uso de andarilhos.8

As queimaduras são um risco real nesta faixa etária. Sabe-se que a maioria das mortes por queimaduras ocorre em casa, sendo as crianças com menos de dois anos as que incorrem em maior risco.6 Neste trabalho, a prevenção de queimaduras foi a área que se mostrou mais deficitária, com nenhum cuidador a apresentar atitudes adequadas. Poucos são os pais que limitam o acesso à cozinha, a noção da cozinha como espaço de encontro da família e o não reconhecimento dos seus potenciais perigos poderá estar na base desta questão. Relativamente à utilização dos bocais traseiros do fogão e apesar de ser uma medida simples, esta não é adotada por 20% dos inquiridos e 13% ainda tem por hábito acender velas em casa. Estas medidas preventivas ativas, não são fáceis de implementar e deverão ser alvo de aconselhamento médico regular.

A prevenção de intoxicações e outros acidentes foi corretamente assinalada por 41% dos cuidadores, com a grande maioria a demonstrar comportamentos adequados na proteção das tomadas elétricas e nos cuidados com produtos químicos. Por outro lado, apenas metade dos inquiridos protege gavetas e esquinas revelando a menor preocupação parental com este tipo de acidentes do que com as intoxicações e eletrocussão.

Outros estudos referem a existência de desigualdades importantes em relação a fatores socioeconómicos. No entanto neste trabalho tais vulnerabilidades não são evidentes.3 A ausência de diferenças estatisticamente significativas em relação ao sexo, escolaridade e profissão dos cuidadores poderá ser justificada pela pequena amostra deste estudo, que condiciona limitações à sua validade externa.

Com este estudo pretendeu-se sobretudo refletir sobre a temática da segurança e da prevenção de acidentes, bem como acerca do nosso papel enquanto médicos na redução da mortalidade e morbilidade infantil, relembrando que a segurança é um direito da criança pelo qual deveremos zelar.

Este estudo apresenta algumas limitações: a pequena amostra poderá limitar as conclusões tiradas deste trabalho e impedir a sua extrapolação para a restante população. Embora o questionário tenha sido submetido a um teste piloto e sofrido as necessárias melhorias, a dificuldade à sua interpretação pelos inquiridos poderá ter sido um fator de enviesamento das respostas. Por outro lado, as atitudes em causa foram apenas analisadas com base em respostas dos cuidadores e não pela observação de comportamentos por um observador independente. Assim se poderá inferir que algumas respostas tenham sido inflacionadas pelo desejo de dar a “resposta certa” e não a resposta concordante com realidade.

Mais estudos serão necessários no futuro. Avaliar os conhecimentos, o impacto do aconselhamento e das diferentes medidas de sensibilização e legislativas é um desafio que poderá permitir a melhoria da qualidade de vida das nossas crianças.

 

CONCLUSÃO

A segurança revelou-se uma preocupação parental. A maioria dos acidentes em idades inferiores aos 10-12 anos ocorre em casa.2 Estes locais são difíceis de alcançar com medidas preventivas passivas. Assim, urge intervir junto dos cuidadores, tornando estes ambientes menos hostis.3 Neste trabalho fica patente que atitudes erradas são ainda frequentes, materiais desadequados são utilizados e medidas de segurança básicas continuam a ser esquecidas. A promoção da segurança começa na educação. Os pediatras e médicos de família devem continuar a trabalhar diligentemente para evitar lesões na infância, alertando e informando os pais, trabalhando com os legisladores e defendendo dentro das comunidades o direito à segurança de todas as crianças. Tais esforços serão sem dúvida recompensados ​​com vidas salvas e lesões impedidas.1

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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2. Michael E. Höllwarth. Prevention of Unintentional Injuries: A Global Role for Pediatricians. Pediatrics. 2013; 132:4-7.         [ Links ]

3. MacKay M and Vincenten J. Child Safety. Report Card 2012 – Portugal. Birmingham: European Child Safety Alliance. Eurosafe. 2012.         [ Links ]

4. MacKay M and Vincenten J. Child Safety Report Card 2012: Europe Summary for 31 Countries. Birmingham:European Child Safety Alliance. Eurosafe. 2012.         [ Links ]

5. Instituto Nacional de Estatistica - Causas de morte em Portugal. (Acedido em 27 de janeiro de 2016). Disponível em: www.ine.pt.         [ Links ]

6. Dias J, Costa S, Martins S. Prevenção de acidentes em idade pediátrica: o que sabem os pais e o que fazem os médicos. Acta Pediatr Port. 2013; 44:277-82.         [ Links ]

7. APSI, Afogamentos de Crianças – Relatório 2002/2010. (Acedido em janeiro de 2016). Disponível em: www.apsi.org.pt.         [ Links ]

8. Vincenten J., Russell S. European Child Safety Alliance and ANEC joint position statement: Baby walker. European Child Safety Alliance and European Consumer Voice in Standardisation. 2010.         [ Links ]

 

 

CORRESPONDENCE TO

Sara Pires da Silva
Department of Pediatrics
Hospital Pedro Hispano
Unidade Local de Saúde de Matosinhos
Rua Dr. Eduardo Torres
4464-513 Senhora da Hora
Email: sarampsilva@gmail.com

Received for publication: 17.11.2016 Accepted in revised form: 27.03.2017

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