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Nascer e Crescer

Print version ISSN 0872-0754

Nascer e Crescer vol.25 no.1 Porto Mar. 2016

 

ARTIGO ORIGINAL / ORIGINAL ARTICLE

 

Hipersensibilidade medicamentosa em crianças de idade pré-escolar

 

Drug Hypersensitivity In Pre-School Children

 

 

Jorge da Costa VianaI; Carmo AbreuII; Eva Rebelo GomesII

I S. de Imunoalergologia do Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra. 3000-075 Coimbra, Portugal. viana.jorge@gmail.com
II S. de Imunoalergologia do Centro Hospitalar do Porto. 4099-001 Porto, Portugal. nuchabreu@gmail.com; evamariasrg@yahoo.com

Endereço para correspondência

 

 


ABSTRACT

Introduction: Drug hypersensitivity  reactions  (DHRs) are reproducible adverse effects of drugs, taken at a normal therapeutic dose, which clinically resemble allergy. The reported prevalence in children is up to 10%. The investigation of these reactions may require skin testing, dosing of drug specific immunoglobulin E (IgE) and drug provocation tests.

Objective: The aim of this study is to report the results of DHRs workup in pre-school children seen at the drug allergy clinic from January 2007 to December 2012.

Material and Methods: This study included 189 children (61% male), which first suspected drug hypersensitivity reaction occurred before the age of six years that were evaluated for DH in the referred time period.

Results: Culprit drugs were beta-lactams in 82% of the cases and NSAIDs in 10%. The clinical history was suggestive of an immediate-type reaction in 18% of the cases and the most prevalent manifestations were cutaneous (90%). The workup was completed in 118 patients (62%). Drug Hypersensitivity was confirmed in six patients (5%) and excluded in 95% of the patients who completed the workup, without any serious complications.

Conclusion: These results show the applicability and value of this diagnostic approach in pre-school children.

Keywords: Drug Allergy; Drug Allergy diagnosis; pediatrics; drug provocation tests.


RESUMO

Introdução: As reações de hipersensibilidade medicamentosa (RHM) são reacções adversas reprodutíveis que se caracterizam por sintomas típicos de alergia que surgem após administração de doses terapêuticas habituais. A sua prevalência em idade pediátrica atinge os 10%. A investigação das RHM inclui a realização de testes cutâneos, pesquisa de imunoglobulinas específicas para os alergénios implicados e provas de provocação.

Objectivos: No presente trabalho pretendemos relatar os resultados da investigação de RHM em crianças em idade pré-escolar, observadas na Consulta de Alergia a Fármacos, entre janeiro de 2007 a dezembro de 2012.

Material e Métodos: O estudo incluiu 189 crianças (61% do sexo masculino) cuja primeira RHM ocorreu antes dos seis anos de idade e que realizaram investigação diagnóstica no Serviço durante o período referido.

Resultados: Os fármacos suspeitos foram os beta-lactâmicos em 82% casos e os AINEs em 11%. A reacção descrita tinha carácter imediato em 18% dos casos e a maioria das manifestações descritas eram cutâneas (90%). Completaram a investigação 118 doentes (62%) confirmando-se hipersensibilidade a medicamentos em seis doentes (5%). Excluiu-se o diagnóstico em 95% dos casos.

Conclusão: Estes resultados demonstram a aplicabilidade e a importância destes procedimentos diagnósticos em crianças em idade pré-escolar.

Palavras-chave: Alergia a fármacos; diagnóstico de alergia fármacos; idade pediátrica; provas de provocação.


 

 

INTRODUÇÃO

Uma reação adversa a medicamentos (RAM) é qualquer resposta prejudicial, indesejável e não intencional à administração de um medicamento usado para fins de profilaxia, diagnóstico ou tratamento.1

A classificação farmacológica clássica distingue dois subtipos principais: as reações tipo A – dose dependentes e previsíveis e as reações tipo B – imprevisíveis e menos dependentes da dose administrada. As reações de hipersensibilidade medicamentosa (RHM) integram-se no tipo B e caracterizam-se por sintomas e sinais, típicos de uma reação alérgica, iniciados após exposição a um medicamento numa dose habitualmente tolerada. As RHM podem ser subdivididas em alérgicas e não alérgicas, sendo que as primeiras implicam a demonstração de resposta imune específica (mediada por imunoglobulinas ou linfócitos T específicos). 2

Aspetos epidemiológicos:

As RAM são consideradas um problema de saúde pública e têm grande impacto na prática clínica; causam morbilidade e mortalidade significativa, limitam as opções terapêuticas futuras e acarretam custos socioeconómicos importantes.

Em 2012 Smith et al, numa revisão sistemática sobre RAM nos grupos etários pediátricos, que incluiu 48 estudos, refere uma incidência de 0,6 a 16,8% em doentes internados e reporta as RAM como causa de 0,4 a 10,3% dos internamentos pediátricos.3 As crianças mais pequenas, sobretudo com idade inferior a 2 anos, têm um risco acrescido de RAM na exposição a fármacos.4

Relativamente às RHM, vários estudos transversais em populações pediátricas apontam para uma prevalência autodeclarada que varia entre os 3 e os 10%. 5-7

Em Portugal, uma publicação de 2009, refere uma prevalência autodeclarada de RAM de 9.7% e 6.4% de RHM entre 1849 crianças inquiridas em ambulatório.8 Mais recentemente, Martins et al, reporta uma prevalência autodeclarada de 4% de RHM entre 1169 crianças recrutadas em creches de Lisboa e Porto demonstrando a importância deste problema mesmo em idade pré-escolar.9

Casos suspeitos de RHM

O esclarecimento dos casos suspeitos de RHM é importante de forma a reduzir os falsos diagnósticos de alergia medicamentosa. A utilização desnecessária de fármacos alternativos na suspeita de alergia medicamentosa implica muitas vezes não só custos acrescidos como a utilização de fármacos com perfil de segurança mais desfavorável.10-12 Além disso, as alternativas terapêuticas em idade pediátrica aos fármacos habitualmente implicados (beta-lactâmicos, ibuprofeno e paracetamol) são escassas por estarem contraindicadas, não existirem formulações adequadas ou não estarem disponíveis estudos de segurança em crianças.

Apesar da elevada prevalência de alergia medicamentosa autodeclarada em idade pediátrica, vários estudos demonstraram que, após avaliação clínica exaustiva, apenas uma minoria destas reações podem ser efetivamente classificadas como alérgicas.

Num estudo recente realizado na Turquia numa população escolar, avaliaram-se em consulta de Alergologia os participantes que autodeclararam RHM em inquérito prévio. Os resultados revelaram que apenas 1,5% das suspeitas de RHM foram confirmadas, estimando-se uma prevalência de 0,12% de RHM imediata nesta população.13

Em Portugal, entre 1426 questionários recolhidos numa população pediátrica do ambulatório hospitalar, foram identificados 67 casos de RHM autodeclarada (4,7%). Das 60 crianças que responderam ao convite para avaliação em consulta de Alergia a Fármacos, apenas em 3 casos (5% dos estudados) se confirmou a suspeita de RHM estimando-se uma prevalência de 0,2% de RHM nesta população.14

Segundo revisão de casuística de uma base de dados europeia (Drug Allergy and Hypersensitivity Database) com 3275 doentes foi demonstrado também que a taxa de confirmação diagnóstica da suspeita de RHM é menor em idade pediátrica, observando-se a confirmação em 10,6% das crianças comparativamente a 16,5% dos adultos investigados.15

 

OBJECTIVO

O presente trabalho tem como objetivo apresentar os resultados do estudo diagnóstico de suspeita de RHM em crianças em idade pré-escolar observadas em Consulta de Alergia a Fármacos num Hospital Pediátrico.

 

MATERIAIS E MÉTODOS

Estudo retrospetivo abrangendo 6 anos da Consulta de Alergia a Fármacos do Hospital de Crianças Maria Pia – Centro Hospitalar do Porto (CHP) (2007 a 2012). Foram incluídos todos os doentes cuja primeira reação suspeita de hipersensibilidade (HS) ocorreu antes dos 6 anos de idade num total de 189 crianças.

Estudo da suspeita de RHM

A investigação diagnóstica das suspeitas de RHM iniciou-se pela colheita de uma história clínica detalhada da qual se partiu para a programação dos exames complementares de diagnóstico in vitro (pesquisa de imunoglobulinas E específicas) e in vivo (testes cutâneos e prova de provocação). O protocolo utilizado para a colheita da história clínica baseou-se na proposta do European Network for Drug Allergy – ENDA protocolo esse traduzido para português.16,17

Na anamnese foi dada particular importância ao número de reações prévias, aos fármacos envolvidos, ao motivo causal da toma do medicamento; aos sintomas e sinais referidos durante a RHM e à correlação temporal entre o seu aparecimento e a administração do fármaco/s suspeito/s; também foi contemplada a gravidade da reação, o tempo decorrido até à resolução e, ainda, quais os fármacos utilizados posteriormente e a respetiva tolerância. Considerou-se estar perante uma reação imediata quando a reação se observava até uma hora após a toma.

Nos casos suspeitos de RHM grave em que testes de provocação são contraindicados e não há exames laboratoriais ou testes cutâneos validados, optou-se pela manutenção da evicção do fármaco mesmo sem confirmação diagnóstica evitando estudos complementares duvidosos e contraproducentes. Na suspeita de reação a mais de um fármaco, houve a necessidade de realizar o esclarecimento diagnóstico para cada uma das classes de fármacos envolvidas. Nos casos de identificação de RHM a uma classe de fármacos com potenciais reações cruzadas, procedeu-se à identificação de alternativa terapêutica.

Os doentes sem contraindicações para os procedimentos foram seletivamente submetidos à pesquisa de IgEs específicas de fármaco, a testes de picada, intradérmicos ou epicutâneos e a prova de provocação. A seleção dos exames complementares dependeu da clínica, ponderando-se o risco e o benefício associado a cada procedimento.

Imunoglobulinas E específicas

Para o estudo das RHM imediatas ou de “timing” mal definido envolvendo betalactâmicos realizou-se o doseamento dos níveis séricos de imunoglobulina E para benzilpenicilina, penicilina V, amoxicilina, ampicilina e cefaclor (cut-off de 0,35 KUA/L, Thermo Fisher Scientific, Uppsala, Suécia).

Testes cutâneos

Para os testes cutâneos por picada e intradérmicos foram utilizadas as formulações injetáveis dos fármacos a testar até às diluições máximas não irritativas descritas na literatura, utilizando soro fisiológico como controlo negativo e histamina a 10mg/ml como controlo positivo. No caso das reações a beta-lactâmicos recorreu-se também aos kits comerciais da Diater® (PPL, MDM).18

Os testes cutâneos de contacto foram usados no estudo de algumas reações cutâneas não imediatas segundo as recomendações internacionais.18

Prova de provocação

A prova de provocação é proposta às crianças sem contraindicações em que os restantes estudos não se encontram validados, não são possíveis, ou são inconclusivos.19,20

Cada prova foi executada respeitando as orientações de segurança preconizadas internacionalmente e com consentimento informado de quem detinha a tutela da criança. As provas foram efetuadas em Hospital de Dia sob supervisão médica. 19,20

As doses a administrar foram calculadas com base na idade/ peso de cada criança. As doses atingidas no final da provocação correspondiam à dose total de uma toma no caso de reações imediatas após uma única toma ou à dose total de um dia de terapêutica nas reações não imediatas, com relação temporal com a administração mal definida e naquelas que ocorreram após várias tomas

 

RESULTADOS

No período considerado foram observadas 189 crianças com idade inferior a seis anos no momento da primeira RAM. A idade média da amostra foi de dois anos e quatro meses e encontramos uma predominância do género masculino (61% dos casos).

Os fármacos suspeitos mais vezes envolvidos nas RHM foram os beta-lactâmicos implicados em 82% do total das reações: 39% (60/155) dos casos amoxicilina, 44% (69/155) associação amoxicilina com ácido clavulânico, cefalosporinas em 11% (17/155) e a penicilina em 6% dos casos (9/155).

Os AINEs foram suspeitos em 11% das reações: ibuprofeno em 76% (16/21) e paracetamol nos restantes casos. Em 13 dos doentes investigados encontramos outros fármacos suspeitos: sulfametoxazol+trimetoprim (2), gentamicina (1), vecurónio (1), mebendazol (1), dimetindeno (1), nitrofurantoína (2), azitromicina (2), claritromicina (2), e à associação pseudoefedrina com triprolidina (1).

Os fármacos implicados foram utilizados, na maioria dos casos, em contexto infecioso: 48 casos por amigdalite aguda e 33 casos por otite média aguda. Menciona-se ainda prescrição em 20 crianças por febre sem foco, em sete por ITU, dois por gastroenterite, sete administrações de carácter profilático (quatro por cirurgia, três por procedimentos diagnósticos) e uma durante exame oftalmológico. Não se conseguiu apurar motivo de prescrição em 49 crianças.

As reações foram imediatas em 34 (18%) casos incluindo sete reações anafiláticas. Os sintomas surgiram em média no terceiro dia de tratamento observando-se, no entanto, casos com início até ao décimo dia.

Os sintomas cutâneos foram os mais referidos surgindo em 90% (170/189) das reações descritas; exantemas maculopapulares em 74%, e urticária/angioedema em 26%.

As reações motivaram o recurso ao Serviço de Urgência em 57% dos casos; metade das crianças necessitou de tratamento, mas apenas em dois casos houve administração de adrenalina documentada.

Estudo complementar

Não se submeteram a estudos complementares três crianças cuja história clínica não era compatível com reação de hipersensibilidade a fármacos.

Em sete crianças com suspeita de RHM manteve-se a evicção apesar de não ter havido confirmação ou exclusão diagnóstica cabal. Uma apresentava clínica sugestiva de doença soro-like associada a tratamento com amoxicilina. Nesta criança foi negativa a pesquisa de IgEs para beta-lactâmicos e a prova de provocação a cefixima, fármaco que foi proposto como alternativa possível tendo-se assumido o diagnóstico de presunção de doença soro-like por amoxicilina. Outras duas crianças apresentaram manifestações cutâneas consideradas graves, nomeadamente Stevens-Johnson e eritema multiforme sendo a amoxicilina o fármaco suspeito. Face à existência de alternativas terapêuticas já conhecidas, não se realizou estudo adicional. As restantes quatro crianças apresentaram suspeita de reação a fármacos não essenciais e com alternativas reconhecidamente toleradas e eficazes, pelo que também não se justificou a progressão do estudo (quatro reações não imediatas: ao mebendazol, dimetindeno, nitrofurantoína e à associação pseudoefedrina com triprolidina).

Consideraram-se inconclusivos 61 casos, em que não foi possível confirmar ou excluir HSM por não se ter concluído a investigação diagnóstica, ou por apenas terem sido realizados testes de provocação com fármacos alternativos.

Dos 118 doentes (62% da amostra inicial) que completaram todo o estudo proposto foi possível excluir a suspeita inicial de HS em 112 crianças após realização de teste de provocação diagnóstico com resultado negativo e apenas se documentou a existência de hipersensibilidade em seis crianças (5% dos que completaram todos os procedimentos diagnósticos propostos). Os dados relativos a estes seis doentes apresentam-se na Tabela 1:

Em resumo

O estudo foi considerado conclusivo em 118 crianças. Confirmou-se hipersensibilidade medicamentosa em seis crianças correspondendo a 5% das que completaram o estudo.

Em quatro casos, a responsabilidade foi atribuída a antibióticos beta-lactâmicos, em um caso à atropina e noutro caso ao paracetamol. Excluiu-se HS nas restantes 112 crianças (95%).

Não se registaram intercorrências importantes durante o processo diagnóstico.

 

DISCUSSÃO

O presente trabalho apresenta dados relativos ao estudo de RHM em crianças de idade pré-escolar. Verificou-se um predomínio do género masculino, tal como habitualmente descrito em idade pediátrica e que contrasta com o que se observa em estudos de RHM em adultos.21

Os fármacos implicados refletem o padrão de prescrição e utilização de fármacos neste grupo etário, surgindo os antibióticos beta-lactâmicos e os AINEs como os grupos farmacológicos mais relevantes, tal como observado por outros autores.3,4,8 As reações cutâneas, sobretudo os exantemas maculopapulares, são aquelas que mais frequentemente levam à suspeita de RHM nestas idades e estavam presentes na maioria dos casos da presente série (90%). No presente trabalho, apenas 18% dos casos correspondiam a reações imediatas, percentagem similar à observada em trabalhos de outros autores.15,22,23

A investigação realizada permitiu confirmar o diagnóstico em seis doentes (5%) dos que completaram o protocolo. Quatro doentes foram diagnosticados por testes cutâneos e dois por prova de provocação positiva. Se considerarmos a totalidade dos doentes referenciados à consulta de alergia a fármacos, com os sete doentes cujo diagnóstico foi de presunção embora sem confirmação, teremos 13 doentes (7% do total de referenciados) diagnosticados com RHM. Os resultados finais da investigação alergológica são similares aos obtidos em outros estudos que referem taxas de confirmação diagnóstica entre os 5% e os 15%.15,22,23

Valores mais elevados são possíveis em populações mais selecionadas (só casos graves, reações imediatas, só beta-lactâmicos) em que as taxas de confirmação podem atingir os 58%.24 A maioria das crianças realizou terapêutica num contexto de infeção respiratória alta. A elevada incidência e ampla variabilidade de reações exantemáticas associadas a infeções, nomeadamente víricas, nesta faixa etária têm sido apontadas como possível explicação para a baixa taxa de confirmação de RHM nestas idades.25 Foi ainda observado que nas reações exantemáticas maculopapulares a confirmação da suspeita de RHM nas crianças é inferior à observada em adultos (3,1% versus 12,8%), o que reforça a hipótese da importância dos exantemas infeciosos como possível diagnóstico diferencial.15

A pesquisa de IgEs específicas isoladamente não contribuiu de forma significativa para o diagnóstico de HS. Foi possível a confirmação de HS em doentes com IgEs negativas, bem como a exclusão de HS por testes cutâneos e provocação oral em um doente com IgEs específicas positivas, o que está de acordo com os dados da literatura que apontam para uma especificidade de 90% e uma sensibilidade de 50% do referido teste.26,27 Os testes cutâneos permitiram diagnosticar quatro casos de RHM. Para os beta-lactâmicos está documentada uma maior sensibilidade destes testes face à pesquisa de IgE específicas, o que é apoiado também pelos nossos resultados.26, 28

A prova de provocação é o exame de referência no estudo da alergia a fármacos e permite esclarecer os casos em que o estudo in vitro e os testes cutâneos são inconclusivos.19,20 A sua realização é fundamental para confirmar ou excluir a suspeita de RHM na maioria dos casos, sobretudo quando os fármacos suspeitos são os AINEs. Adicionalmente permitem identificar alternativas terapêuticas seguras para doentes com RHM já diagnosticada.20,29-32

No presente trabalho a prova de provocação permitiu excluir a suspeita de RHM em 112 crianças e encontrar alternativas terapêuticas em duas crianças, uma com HS à ceftriaxona e numa outra com HS ao paracetamol.

Nos casos que realizaram apenas estudo parcial, as provas de provocação também foram úteis para exclusão de algumas das suspeitas de hipersensibilidade medicamentosa e aconselhamento de alternativas terapêuticas

A recusa de investigação da suspeita de RHM ainda é significativa (32% na presente série) e pode ser parcialmente explicada pela faixa etária avaliada no presente estudo, sendo este aspeto pouco mencionado na literatura. A caracterização do motivo não constou do objetivo do presente estudo, podendo dever-se a receio dos pais de que os procedimentos sejam dolorosos ou que ocorra alguma reação grave. Contudo, a ausência de intercorrências significativas registadas neste e noutros estudos demonstra que, cumprindo as medidas preconizadas internacionalmente, é possível realizar de forma segura e eficaz a investigação da HS medicamentosa neste grupo etário.33,34

A investigação realizada possibilitou excluir a suspeita de HS a fármacos em 95% das crianças que completaram o protocolo. Globalmente e incluindo os que não tinham clínica compatível, excluiu-se HS a fármacos em 61% das crianças referenciadas. A confirmação de RHM reserva apenas a estes doentes a necessidade de criteriosa seleção de alternativas terapêuticas. A exclusão diminui receios na utilização futura e limitações terapêuticas desnecessárias.34,35

A necessidade de esclarecimento etiológico neste grupo etário é importante, não só pela prevalência significativa de autodeclaração de alergia medicamentosa que condiciona a prescrição médica, mas também pela maior incidência de infeções e menor disponibilidade de alternativas terapêuticas seguras.

 

CONCLUSÃO

Os fármacos mais vezes implicados nas suspeitas de RHM na infância são os beta-lactâmicos e o quadro clínico mais frequente é o de reação cutânea maculopapular não imediata. A suspeita surge muitas vezes no decurso de tratamento de intercorrência infeciosa do aparelho respiratório.

Apesar da prevalência relativamente elevada de suspeitas de RHM em idades pediátricas, a taxa de confirmação das mesmas é baixa, o que pode ser parcialmente explicado pelas manifestações cutâneas que frequentemente acompanham as intercorrências infeciosas na infância.

É possível realizar em segurança a investigação diagnóstica de casos suspeitos de RHM, mesmo em crianças em idade pré-escolar. Tal investigação permite excluir na maioria dos doentes a suspeita infundada de RHM e a consequente limitação terapêutica. Nos casos em que o diagnóstico de RHM se confirma é fundamental o aconselhamento sobre alternativas farmacológicas a usar no futuro.

A referenciação à Consulta de Alergia a Fármacos possibilita reduzir os falsos diagnósticos de alergia medicamentosa e a correta orientação dos doentes com RHM confirmada.

 

AGRADECIMENTOS

Expressa-se o agradecimento, pelo apoio na elaboração da base de dados, à Dra. Patrícia Carvalho, Interna Complementar de Pediatria do Serviço de Pediatria do Hospital Santa Luzia – Unidade Local de Saúde do Alto Minho.

 

EM DESTAQUE

As reações de hipersensibilidade medicamentosa (RHM) são efeitos adversos reprodutíveis de fármacos que desencadeiam sintomas alérgicos, em doses toleradas por indivíduos normais, cuja autodeclaração em idade pediátrica ascende até 6,4%. O estudo metódico das suspeitas de RHM permite a exclusão da mesma na maioria das crianças (até 95%), permitindo limitar a evicção dos fármacos implicados aos casos confirmados.

 

HIGHLIGHTS

Drug hypersensitivity reactions (DHRs) are the adverse effects of drugs, taken at a dose tolerated by normal subjects, which clinically resemble allergy that can be self-declared in up to 6,4% of children. Its methodic study is able to exclude suspected DHRs in most children (up to 95%), restricting drug avoidance only to those with confirmed diagnosis.

 

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Endereço para correspondência
Eva Gomes Rebelo:
Serviço de Imunoalergologia, Centro Hospitalar do Porto
Largo Prof. Abel Salazar, 4099-001 Porto

Email: evamariasrg@gmail.com

 

Recebido a 04.09.2014 | Aceite a 28.12.2015

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