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Nascer e Crescer

versão impressa ISSN 0872-0754

Nascer e Crescer vol.23 no.3 Porto set. 2014

 

PERSPETIVAS ATUAIS EM BIOÉTICA / CURRENT PERSPECTIVES IN BIOETHICS

 

Sentimento de mulheres atendidas por graduandos de Medicina na realização do exame ginecológico em ambulatório de Ginecologia e Obstetrícia da Fundação Santa Casa de Misericórdia do Pará*

 

Informed consent of women attended by students of medicine performing gynecological examination in obstetrics and gynecology clinic of Fundação Santa Casa de Misericórdia do Pará

 

 

José Antônio Cordero da SilvaI; Nara Macedo BotelhoII; Naiana Gouveia de MeloIII; Renyer do Santos GonçalvesIII; Nathalya Botelho BritoIII

IMédico, Doutor, Prof. Disciplina de Deontologia Médica e Direitos Humanos, Universidade do Estado do Pará (UEPA). CEP: 66.050-540 E-mail: corderobel4@gmail.com
IIMédica, Profª Doutora Titular da Disciplina Ginecologia, Universidade do Estado do Pará(UEPA). CEP: 66.050-540
IIIGraduandos de Medicina da Universidade do Estado do Pará (UEPA). CEP: 66.050-540

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

Introdução: As aulas práticas são fundamentais para a formação médica. Entretanto, matérias como Ginecologia e Obstetrícia, o exame físico é profundamente íntimo, lidando com áreas do corpo humano, na qual imperam preconceitos e tabus.

Objetivo: Avaliar o sentimento das mulheres atendidas por graduandos de medicina em um hospital de ensino de referência no estado do Pará.

Método: O estudo foi realizado nos meses de março a abril de 2013, com uma casuística de 110 mulheres atendidas por graduandos de medicina em ambulatório de ginecologia e obstetrícia de um hospital de ensino.

Resultados: A maioria das mulheres deste estudo obtiveram esclarecimentos acerca do exame ginecológico a ser executado (79%) e alegam que foi solicitado consentimento para realização do exame (58%), que ocorreu sem dor ou desconforto (55%), sendo que a 66% dos graduandos prosseguiu na realização do exame na presença da dor ou desconforto. Após a realização do mesmo 41% das mulheres referiu sentir vergonha e as que não receberam esclarecimento revelaram que se sentiriam melhor (48%) ou indiferente (48%) caso recebessem. 62% referiram não ser solicitada a participação do graduando durante exame, porem sua conduta foi considerada adequada (64%), sendo o ambiente serio durante a realização do exame (65%). 55% das mulheres referem ter conhecimento do caráter acadêmico do hospital de ensino.

Conclusão: A maioria das mulheres obteve esclarecimento acerca do exame ginecológico, principalmente pelo médico preceptor, alegam que foi requerido consentimento para realização do exame, e não foi questionada a participação do graduando durante o mesmo.

Palavras-chave: Centros médicos acadêmicos, consentimento esclarecido, ensino e saúde, mulheres.


ABSTRACT

Introduction: The classes are crucial for medical training. However, issues such as obstetrics and gynecology, physical examination is deeply intimate, dealing with areas of the human body which prevail prejudices and taboos.

Objective: Evaluate the consent form from women assisted by undergraduate students of medicine at teaching hospital in the state of Pará Reference.

Method: The study will be conducted in the months from March to April 2013, with a sample of 110 women attended by undergraduate’s medicine in obstetrics and gynecology clinic of a teaching hospital.

Results: The majority of women at study had clarification on the gynecological examination to be performed (79%) and claim that consent was required for the exam (58%), which occurred without pain or discomfort (55%), and 66% of graduates went on to conduct the test in the presence of pain or discomfort. After performing the same 41% of women reported feeling ashamed and who did not receive clarification revealed that they would feel better (48%) or indifferent (48%) if they received. 62% reported not being asked to participate in the graduate examination, however his conduct was considered adequate (64%), and seriously environment during the exam (65%). 55% of women report having knowledge of an academic teaching hospital.

Conclusion:  Most  women  got  clarified about the gynecological examination, especially by the physician preceptor, claim that consent was required for the exam, and was not questioned the participation of the student in the meantime.

Key-words: Academic Medical Centers, education and health, Informed Consent, women.


 

 

INTRODUÇÃO

A Ginecologia e Obstetrícia exercem sua prática, apoiada em seus conhecimentos e experiências, num dos mais importantes períodos do ciclo vital: a vida reprodutiva (e pós-reprodutiva) feminina. Esta, além dos biológicos, envolve aspectos sociais, culturais e outros. É importante que saibamos valorizar a interconexão que existe entre o corpo, a mente, as emoções, os fatores sociais e o meio ambiente(1).

Como é de conhecimento geral, a Ginecologia e Obstetrícia exercem sua prática, apoiada em seus conhecimentos e experiências, num dos mais importantes períodos do ciclo vital: a vida reprodutiva (e pós-reprodutiva) feminina. Esta, além dos biológicos, envolve aspectos sociais, culturais e outros. É importante que saibamos valorizar a interconexão que existe entre o corpo, a mente, as emoções, os fatores sociais e o meio ambiente(2).

De uma forma geral exames ginecológicos apresentam uma série de dificuldades, como a resistência a sua realização e os danos físicos e psíquicos decorrentes da inexperiência do executor. Uma outra dificuldade está relacionado ao constrangimento da paciente principalmente em hospitais universitários, onde os exames são realizados às vistas de estudantes(3).

Desta forma, o presente trabalho teve como objetivo avaliar o sentimento das mulheres atendidas por graduandos de medicina em um hospital de ensino credenciado junto ao ministério da educação de referência no estado do Pará, com particular atenção a área da saúde da mulher, afim de tomar conhecimento da realidade que as pacientes estão sujeitas durante suas consultas ginecológicas.

 

OBJETIVO

Avaliar o sentimento livre e esclarecido das pacientes atendidas por graduandos de medicina no ambulatório de ginecologia e obstetrícia da Fundação Santa Casa de misericórdia do Para (FSCMP).

 

MÉTODO

Todas as pacientes envolvidas nesta pesquisa foram estudadas segundo os preceitos da Declaração de Helsinque e do Código de Nuremberg, respeitadas as Normas de Pesquisas envolvendo Seres Humanos (Res. CNS 196/96) do Conselho Nacional de Saúde após, do Comitê de Ética em pesquisa da Fundação Santa Casa de Misericórdia do Pará (FSCMP) e pelas pessoas incluídas no trabalho por meio do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.

O estudo foi realizado nos meses de março a abril de 2013, com uma casuística de 110 mulheres consultadas por graduan-

pelos autores com perguntas sobre a visão das pacientes acerca do atendimento concomitante dos graduandos de medicina juntamente com médico responsável, o esclarecimento e consentimento para a realização do exame ginecológico.

As entrevistas foram realizadas durante a espera das consultas no próprio hospital, em local escolhido pela entrevistada, que oferecesse condições de realiza-la de forma reservada, confortável, sigilosa e individual. Optando ou não pela presença do pesquisador para que lhes orientassem na leitura das perguntas do questionário.

Foram incluídas no estudo mulheres atendidas pelo serviço de ginecologia e obstetrícia da FSCMP, que tenham sido consultadas alguma vez por graduandos de medicina junto ao médico preceptor naquele local, que estivessem de acordo com a sua participação na pesquisa e tivessem assinado o TCLE, as pacientes menores de idade também tiveram o aceite do responsável legal que as acompanhava. Foram excluídas do estudo mulheres que não se encontrarem dentro das condições anteriormente descritas, as que preencherem o protocolo de forma incompleta bem como as que não estiveram de acordo em participar.

Após a obtenção dos dados coletados o resultado foi rigorosamente avaliado, tabelado e confeccionados gráficos para o seu melhor entendimento, com o auxílio do programa Excel® 2007 e BIOESTAT® 5.0. Foram utilizados os testes binomial e Kolmogorov Smirnov, sendo fixado p<0,05 para análise estatística.


RESULTADOS

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

DISCUSSÃO

A despeito de toda tecnologia incorporada pela prática médica nas últimas décadas, o exame físico permanece como pedra angular do diagnóstico e da relação médico-paciente, e seu aprendizado é de suma importância na educação médica. Os exames ginecológicos são especialmente sensíveis tanto para os estudantes inexperientes quanto para a mulher que está sendo examinada, a inexperiência pode levar à insegurança, dificultando ao aluno inspirar confiança nas pacientes(4).

A maioria das mulheres deste estudo obtiveram esclarecimentos acerca do exame ginecológico a ser executado, conforme o proposto pelo Código de Ética Médica que configura como infrações da ética profissional: “Art. 46. Efetuar qualquer procedimento médico sem o esclarecimento e o consentimento prévios do paciente ou de seu responsável legal, salvo em iminente perigo de vida”.

Apesar deste resultado, 42% das mulheres não receberam esclarecimento acerca do exame a ser realizado. A não elucidação ao sujeito examinado quanto ao que esta sendo feito dificulta o estabelecimento de uma adequada relação médico-paciente. Os médicos preceptores da instituição em estudo precisam estar atentos e conscientes de tal infração diante dos graduandos de medicina.

Durante a realização do exame ginecológico, 45% das mulheres sentiram dor ou desconforto, o que concorda com estudo realizado por Barbeiro et al. (2009)(5), com estudantes de uma escola pública em Niterói, que indica o desconforto do exame como um dos principais problemas relatados pelas mulheres. Essa sensação pode estar diretamente ligada ao pudor, pois exame ginecológico sob uma situação de tensão pode levar a contração da musculatura pélvica e dos membros inferiores, gerando um momento desagradável e doloroso.

Das pacientes que se queixaram de dor e desconforto, a maioria delas alegou que o executor do exame prosseguiu em sua realização e não valorizou a queixa. A prática da medicina pressupõe respeito a valores e ao indivíduo em todos os seus aspectos, o que não se evidenciou no presente estudo, negligenciando o papel ético frente ao sofrimento e a dor.

Nos últimos anos, produziu-se uma separação cada vez mais acentuada entre a ética prescrita pelos códigos e aquela que é efetivamente praticada(6). As pacientes que são atendidas pelos estudantes frequentemente não sabem que estes não são médicos formados, e por não terem supervisão adequada podem provocar danos aos pacientes.

Com relação à sensação referida pelas mulheres após o exame a maioria apontou vergonha como o principal sentimento. Concordando com o trabalho de Brito, Nery e Torres (2007) (7), que indicou a vergonha como o principal sentimento durante um exame ginecológico. A mulher percebe-se fragmentada: de um lado, utiliza-se da vergonha como forma de se “proteger” da exposição no exame e, por outro, reconhece a inevitabilidade dele(8).

A maioria das pacientes entende a necessidade de ser examinada, dentre as razões principais, a existência de inúmeras campanhas de saúde que alertam para a prevenção e rastreamento das principais doenças da mulher que hoje são veiculadas pelos meios de comunicação. No entanto, ainda assim se mostram envergonhadas tendo em vista os valores socioculturais que são atribuídos ao componente físico de atuação da ginecologia, que se configuram como uma violação da intimidade e agressão ao seu pudor, que são agravadas em um exame realizado por graduandos de medicina.

As mulheres da pesquisa em sua maioria referem que o sentimento após o exame teria sido melhor ou indiferente caso houvesse um esclarecimento adequado quanto aos seus aspectos gerais. Duavy e col (2007)(9) em um estudo de caso de mulheres acerca da percepção do exame preventivo de colo uterino relata que no universo assistencial há carência de programas educativos, voltados à população em geral. A falta de informação desencadeia diversos sentimentos nas mulheres, o que pode fazê-las se sentirem constrangidas à realização do exame, independentemente da idade ou do nível de instrução.

As mulheres da presente pesquisa apontaram a vergonha como o principal sentimento observado durante exame realizado por graduandos do sexo masculino, o que corrobora com estudo de Ferreira e Oliveira (2006)(10) realizado com 81 mulheres em Botucatu.

Este estudo relata que vergonha prevalece quando o profissional que está realizando o exame é do sexo masculino. Uma prática mais humanizada, desenvolvendo a capacidade de integração, agindo não só com preparo técnico, mas também com intuição e sensibilidade certamente contribuirá para criar um ambiente de empatia e segurança entre pacientes e acadêmicos do sexo masculino.

 

CONCLUSÃO

Conclui-se que a maioria das mulheres das pesquisadas apresentou esclarecimento prévio sobre o exame ginecológico, referindo ausência de dor com a maioria dos graduandos seguindo a realização do exame sem valorizar a queixa da paciente.

A maioria das pesquisadas referiu vergonha após o exame, com sentimento melhor ou indiferente caso recebessem esclarecimento prévio. O sentimento ao observar o acadêmico do sexo masculino realizar o exame foi de vergonha pela maioria.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

1.      Gilbert ACB, Cardoso MH, Wuillaume SM, Jung MP. Discursos médicos em construção: um estudo com residentes em Obstetrícia/Ginecologia do Instituto Fernandes Figueira/Fiocruz. Rev bras educ med. Rio de Janeiro. 2009; 33:615-23.         [ Links ]

2.      CREMESP. Manual de ética em ginecologia e obstetrícia. 3. ed. São Paulo: Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo, 2004.         [ Links ]

3.      Ferreira MLSM, Oliveira C. Conhecimento significado para funcionárias de industrias têxteis sobre prevenção do câncer do colo uterino e detecção precoce do câncer da mama. Rev Bras Cancerol 2006; 52:5-15.         [ Links ]

4.      Oliveira M. Cresce o número de denúncias médicas em São Paulo. Notícias do Brasil. 8. ed. São Paulo, p.12-13, 2005.         [ Links ]

5.      Barbeiro FMS, Cortez EA, Oliveira PAMC, Silva ALO. Cuidado é fundamental. 2009. Disponível em: http://www.seer.unirio.br/index.php/cuidadofundamental/article/view/419/401. Acedido em: 01 Jun 2013.         [ Links ]

6.      Berlinguer G. Ética da saúde. São Paulo: Hucitec. 1996.         [ Links ]

7.      Brito CMS, Nery IS, Torres LC. Sentimentos e expectativas das mulheres acerca da Citologia Oncótica. Rev Bras Enferm 2007 jul-ago; 60(4):387-90.         [ Links ]

8.      Martins DM, Amaral JL, Dourado MT, Gomes NC. Consulta coletiva: o espaço da mulher. Cad Saúde Pública 1991; 7:267-83.         [ Links ]

9.      Duavy LM, Batista FL, Jorge MS, Santos JB. A percepção da mulher sobre o exame preventive do câncer cévico-uterino: estudo de caso. Ciênc saúde coletiva 2007; 12:733-42.         [ Links ]

10.   Ferreira MLSM, Oliveira C. Conhecimento e significado para funcionárias de indústrias têxteis sobre prevenção do câncer do colo-uterino e detecção precoce do câncer da mama. Rev Bras Cancerol 2006; 52: 5-15.         [ Links ]

 

 

Endereço para correspondência
José Antonio Cordero da Silva
Avenida Governador José Malcher 1343 aptº 1300
Nazaré Belém Pará Brasil
CEP: 66060-230
E-mail: corderobel4@gmail.com

 

 

*Trabalho realizado em Hospital de Ensino, referência em saúde da mulher. Belém, Pará, Brasil.

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