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Revista Portuguesa de Imunoalergologia

versão impressa ISSN 0871-9721

Rev Port Imunoalergologia vol.27 no.1 Lisboa mar. 2019

https://doi.org/10.32932/rpia.2019.03.002 

ARTIGO DE REVISÃO

 

Reações adversas a meios de contraste iodados

Adverse reactions to iodinated contrast media

 

João Marcelino1,2, Sara Carvalho1,2, Fátima Cabral Duarte1,2, Ana Célia Costa1,2, Manuel Pereira Barbosa1,2

1 Serviço de Imunoalergologia, Hospital de Santa Maria, Centro Hospitalar Lisboa Norte

2 Clínica Universitária de Imunoalergologia, Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa

 

Correspondência para:

 

RESUMO

Os meios de contraste radiológico iodados (MCRI) são os meios de contraste mais usados em radiologia e são cada vez mais utilizados na prática clínica. A ocorrência de reações adversas a MCRI é muitas vezes desvalorizada, podendo colocar o doente em risco numa posterior utilização ou, pelo contrário, sobrevalorizada, condicionando restrições desnecessárias. O reconhecimento precoce das reações adversas, assim como a sua fisiopatologia, factores de risco, abordagem diagnóstica e abordagem terapêutica, são essenciais para um correto manejo dos MCRI. Por esta razão é importante a divulgação deste tema em Imunoalergologia, pela necessidade de abordar e orientar correctamente estes casos.

Palavras-chave: Meios de contraste radiológico iodados, reações adversas, reações imediatas, reações tardias, testes cutâneos.

 

ABSTRACT

Iodinated contrast media (ICM) are the most common contrast agents used in modern radiology and they are becoming more commonly used in medical practice. The occurrence of adverse reactions is frequently undervalued, placing the patient at risk for further exposure. On the other hand, reactions can be overvalued, conditioning unnecessary restrictions. Early recognition of adverse reactions, knowledge of their physiopathology, risk factors and therapeutic approach are essential for a correct management of ICM. This is why it is important to divulge this knowledge among imunoallergologists, who will need to evaluated and treat these cases.

Key-words: Iodinated contrast media, adverse reactions, immediate reactions, late reactions, skin tests.

 

INTRODUÇÃO

Desde as últimas décadas do século XX que o desenvolvimento de técnicas de investigação e diagnóstico tem transformado a prática clínica.

Uma das grandes alterações foi a introdução de meios de contraste radiológico (MCR) na prática médica.

Atualmente, os MCR são dos fármacos mais usados na medicina moderna de diagnóstico e, entre eles, salientam-se os meios de contraste radiológico iodados (MCRI), pela maior frequência de utilização.

O primeiro exame radiológico efetuado com MCRI foi uma angiografia em 1920. Durante o século XXI, os MCRI evoluíram, de agentes iónicos de elevada osmolalidade, para não iónicos de baixa osmolalidade, condicionando uma redução progressiva no número de reacções adversas desencadeadas por estes agentes. Por um lado, a ocorrência das mesmas continua a ser desvalorizada/subdiagnosticada pelos profissionais de saúde que manipulam estes produtos. Por outro, existem ideias erradas disseminadas (como considerar fator de risco a rinite e a coexistência de alergia a marisco) que levam a uma atitude demasiado preventiva/restritiva na utilização destes produtos, adiando desnecessariamente a realização de exames radiológicos importantes.

Com este artigo, os autores alertam para a necessidade da atualização de conhecimentos nesta área, pelo que apresentam uma revisão dos vários aspetos subjacentes, nomeadamente a classificação dos MCRI, assim como fisiopatologia, fatores de risco, abordagem diagnóstica e terapêutica de reações adversas a estes produtos.

CLASSIFICAÇÃO DOS MEIOS DE CONTRASTE RADIOLÓGICO IODADO

Todos os MCRI têm em comum o anel de benzeno tri-iodado nas posições 2, 4 e 6, diferindo apenas no número destes anéis por molécula e nos radicais que cada anel apresenta. Os radicais tornam a molécula menos tóxica, aumentam a solubilidade do anel de benzeno lipofílico e são responsáveis pelas propriedades individuais de cada MCRI (Figura 1)1,2,3.

 

 

Os MCRI inicialmente sintetizados apresentavam uma osmolalidade 5 a 8 vezes superior ao plasma, razão pela qual eram designados MCRI de elevada osmolalidade (HOCM). Os MCRI mais recentes apresentam uma osmolalidade muito inferior e mais fisiológica (2 a 3 vezes a osmolalidade do plasma) e são designados MCRI de baixa osmolalidade (LOCM)1.

É a partir destes dois pontos descritos (estrutura e osmolaridade) que se faz a classificação dos MCRI (Quadro 1)3.

 

 

De um modo geral, todos estes compostos não são reativos, têm baixa ligação proteica e são excretados, não metabolizados, na urina até 24 horas após a sua administração.

CLASSIFICAÇÃO E EPIDEMIOLOGIA DAS REAÇÕES ADVERSAS AOS MEIOS DE CONTRASTE RADIOLÓGICO IODADO

As reações adversas aos MCRI foram descritas pela primeira vez em meados da década de 80. Atualmente, de acordo com Brockow et al.4, as reações adversas aos MCRI classificam-se em três tipos (Figura 2): 1) Reações tóxicas: relacionadas com as características moleculares do MCRI, que são responsáveis pela quimiotoxicidade, osmotoxicidade ou ligação molecular a ativadores moleculares.

 

 

Não são reações de hipersensibilidade, mas uma resposta fisiológica ao MCRI dependente da dose e concentração4,5; 2) Reações não relacionadas com MCRI: ocorrem durante o período de tempo espectável para reações adversas a MCRI, mas têm outra causa; 3) Reações de hipersensibilidade alérgicas e não alérgicas: são definidas pela Academia Europeia de Alergia e Imunologia Clínica (EAACI) como “Conjunto de sintomas e/ou sinais objetivos e reprodutíveis, iniciados após exposição a um estímulo definido numa dose tolerada por indivíduos normais”4,6. Estão incluídas as reações que envolvem o sistema imunitário (imunológicas) e as sem mecanismo imunológico subjacente (não imunológicas). Estas últimas, no passado denominadas reações anafilactoides, “alérgicas-like” ou idiossincráticas, são dependentes da dose e da concentração, e ocorrem a partir de um determinado limiar de fármaco4,5. Relativamente ao timming de ocorrência, as reações adversas consideram -se imediatas quando ocorrem até 1 hora após a administração do MCRI ou tardias, quando ocorrem entre 1 hora e 10 dias após a administração do MCRI4.

Além de imediatas ou tardias, as reações podem ser classificadas de acordo com a sua gravidade. A gravidade das reações imediatas costuma ser classificada segundo a escala de Ring e Messmer (Quadro 2)4. Quanto à classificação das reações tardias, não existe um critério único para as definir. Uma possível forma de classificação usada por alguns autores é a seguinte4: ligeira se não houver necessidade de terapêutica; moderada se for necessário tratamento, mas o doente responde rápida e adequadamente ao mesmo; e grave se for necessário internamento, podendo mesmo conduzir à morte.

A prevalência exata das reações adversas a MCRI é desconhecida devido à constante evolução dos MCRI usados7, à dificuldade no diagnóstico (uma vez que os sintomas podem estar relacionados com patologias médicas concomitantes e/ou terapêuticas simultâneas) e devido à inexistência de um registo obrigatório para a declaração destas reações, tornando -as subdiagnosticadas e subreportadas3,5,8. Apesar destas dificuldades, sabe-se que com a passagem dos HOCM para os LOCM a frequência de efeitos adversos por MCRI diminuiu acentuadamente5. Talvez um pouco relacionado com esta mudança, as reações tardias são atualmente mais comuns do que as imediatas (embora no passado as imediatas tenham sido mais reportadas do que as tardias)18.

Na população adulta, as reações adversas imediatas ligeiras (sem perigo para vida e sem necessidade de internamento) ocorrem em 3,8-12,7% das administrações endovenosas de HOCM e 0,7-3,1% das de LOCM. As reações adversas imediatas graves ocorrem em 0,1 -0,4% das administrações endovenosas de HOCM e 0,02 -0,04% das de LOCM2,4,5,10,11. Na população pediátrica, a frequência de reações imediatas é de 0,18-0,46% com a administração endovenosa de LOCM5. Um dos  estudos mais relevantes sobre a prevalência de reações imediatas é o prospetivo multicêntrico realizado por Katayamana no Japão em 1990 (Quadro 3)12.

 

 

Relativamente às reações adversas tardias, têm uma prevalência ente 0,5 e 23%4,5,7. Apesar de poderem ocorrer até ao 7.º dia, ≤4% ocorre nas primeiras 1 -24 horas e >50% das reações ocorre nos primeiros três dias7.

Em termos de mortalidade, apesar de as reações adversas a LOCM serem, em geral, menos graves que a HOCM, a mortalidade de ambas é semelhante, cerca de 1/100 000 administrações2,4.

Quanto ao MCRI mais associado a reações adversas, o iodixanol é o mais frequentemente referido na literatura.

Num grande estudo multicêntrico10 com 220 doentes, o iodixanol surge associado a reações tardias em número significativamente superior a outros MCRI, seguido pelo iomeprol. Apesar de este e outros artigos5,11 referirem o iodixanol como tendo maior probabilidade de causar reações tardias, nenhum artigo descreve as frequências relativas do uso de cada um dos diferentes MCRI. Os resultados referidos podem dever-se, apenas, ao facto do iodixanol ser mais usado que outros MCRI.

FISIOPATOLOGIA

O mecanismo fisiopatológico das reações adversas a MCRI é diferente consoante se trate de uma reação imediata ou tardia.

No caso das reações imediatas, múltiplos estímulos – ocorrendo isolados ou em simultâneo – podem desencadear a reação. Um deles é a osmolaridade. Os primeiros MCRI (HOCM) eram hipertónicos. Um fluido hiperosmolar, independentemente da sua composição, causa vasodilatação, aumento da permeabilidade capilar, cárdio e nefrotoxicidades diretos e desgranulação mastocitária.

Por induzirem a libertação direta de histamina pelos mastócitos e basófilos, estas reações manifestam-se de forma semelhante às reações alérgicas mediadas por IgE13. Este mecanismo explica as reações como sensação de calor ou dor no local da administração, náuseas, vómitos ou mal-estar geral13. O aparecimento dos LOCM, por terem menor osmolalidade, permitiu uma redução significativa no número destas reações adversas13.

Outro mecanismo fisiopatológico envolvido é a capacidade de a própria molécula do contraste induzir a desgranulação inespecífica de mastócitos e basófilos. Este facto foi demonstrado in vitro por Stellato et al.14 que observaram diferentes graus de ativação dos mastócitos entre os MCRI testados, não sendo estas diferenças passíveis de explicação unicamente pela sua concentração ou osmolalidade12,14.

Outros mecanismos envolvem a ativação, inactivação ou inibição de mediadores vasoativos5,8. Em resumo, os mecanismos envolvidos nas reações imediatas são: 1) efeito membranar direto, relacionado com a osmolalidade e estrutura química do MCRI3,4,12-15; 2) mecanismo mediado por IgE3,4, evidenciado por testes cutâneos positivos, identificação de IgE específicas para alguns MCRI (Ioxaglato e Ioxitalamato) e a clínica desenvolvida por alguns doentes com reações anafiláticas reprodutíveis após a reexposição3;3) ativação do sistema de complemento através da via alternativa formando C3a e C5a16-18 ou da via clássica9,19; e 4) ativação do sistema da cinina e bradicinina por inibição direta da enzima conversora da angiotensina16.

Relativamente às reações de hipersensibilidade tardias, estas são mediadas por células T. A ativação dos linfócitos T é suportada por várias evidências: 1) existência de testes epicutâneos e intradérmicos tardios positivos; 2) presença de infiltrados de células T na derme dos locais com reação positiva aos testes cutâneos; 3) reaparecimento da erupção cutânea após prova de provocação; 4) capacidade de os MCRI estimularem a proliferação de linfócitos T periféricos em doentes com erupções cutâneas induzidas por MCRI12,16,20.

CLÍNICA E FATORES DE RISCO

As manifestações clínicas das reações adversas são bastante heterogéneas (Quadro 4). Este facto dificulta a capacidade de atribuir como etiologia da reação o MCRI administrado e não outra patologia ou fármaco administrado em concomitância. Este problema é especialmente evidente nas reações tardias, em que o intervalo de tempo entre a administração do MCRI e o aparecimento dos sintomas pode ir até 10 dias. Um estudo de 2003 relatou que 50% das reações adversas tardias não se relacionavam verdadeiramente com o MCRI7, o que demonstrou a importância do estudo imunoalergológico destes doentes na identificação de verdadeiras reacções imunológicas aos MCRI.

 

 

Relativamente às reações imediatas, 70% ocorrem nos primeiros 5 minutos após administração do MCRI e 96% das reações graves ou fatais manifestam-se nos primeiros 20 minutos21. As reações imediatas são predominantemente mucocutâneas, de gravidade ligeira e autolimitadas4,21.

As reações tardias são predominantemente ligeiras e os sintomas mais frequentes são cutâneos, principalmente exantemas (>50% das reações tardias), prurido, cefaleias, náuseas, tonturas, febre e alterações gastrointestinais4,7,10.

O principal fator de risco para reação adversa a MCRI é a história de uma reação prévia. Doentes com reacções prévias têm um risco de 21-60%4 (ou 10-35% segundo outros autores5) de desenvolverem reação numa exposição posterior. Quando reatores prévios a HOCM são expostos a um LOCM há uma redução de dez vezes na incidência de reações graves4,5. Um estudo multicêntrico com 220 doentes mostrou que 62% dos doentes com reações imediatas e 49% de doentes com reações tardias apresentavam história de reação prévia a MCRI10.

Outros fatores de risco descritos na literatura por diversos autores encontram -se descritos no Quadro 54.

Contudo, nenhuma destas condições é uma contraindicação absoluta para a administração de MCRI.

É importante referir que a alergia a marisco e a produtos contendo iodo são muitas vezes falsamente considerados fatores de risco para reações adversas. Estes mitos tiveram origem nos anos 1970 em trabalhos de Witten et al. (1973)22 e Shehadi et al. (1975)6, mas têm vindo a ser desmistificados, quer em estudos multicêntricos europeus10, quer em estudos nacionais23,24.

ABORDAGEM DIAGNÓSTICA

A informação mais crucial para o diagnóstico é uma boa história clínica e a classificação da reação em imediata ou tardia. É a partir destes dados que se decidem os meios complementares de diagnóstico a usar para confirmar ou excluir o diagnóstico.

Os exames disponíveis para as reações imediatas e tardias são descritos seguidamente e estão divididos consoante são usados no momento da reação adversa ou após a mesma.

Relativamente às reações imediatas, no momento da reação pode avaliar -se a triptase e histamina séricas. Estas estão elevadas em alguns doentes com reações imediatas graves ou fatais. O pico da elevação da histamina ocorre entre os 5 a 10 minutos após o início dos sintomas e retorna ao valor basal em <1 hora. O pico da elevação da triptase ocorre 1 a 2 horas após o início dos sintomas4.

Alguns autores sugerem que o momento ideal para a colheita da histamina varia consoante a gravidade da reacção observada: entre 5 a 15 min após o início da reacção grau I; entre 15 a 30 min após o início da reação grau II; entre 30 min a 2 horas após o início da reação grau III ou IV. No caso da triptase sugerem: entre 15 a 60 min após o início da reação se grau I ou II; entre 30 min a 2 horas após o início da reação se grau III ou IV3.

Após a resolução da reação, podem realizar -se:

Testes cutâneos: são o meio complementar de diagnóstico mais importante, embora a verdadeira sensibilidade e especificidade ainda esteja por determinar. Vários estudos internacionais e nacionais referem diferentes sensibilidades e especificidades. É encorajador o facto de dois grupos apresentarem testes cutâneos intradérmicos (TID) negativos em controlos saudáveis com MCRI com uma concentração de (1/100), bem como o facto de os estudos mostrarem uma baixa reatividade cruzada entre MCRI4,21. Os testes cutâneos por picada (TCP) são realizados com o MCRI puro e os TID são realizados com o MCRI em diluições de 1/1000 até 1/104. Quanto ao melhor momento para se realizarem os testes, pensa-se que será ente os 2 e os 6 meses após a reação. Um estudo mostrou uma frequência de testes positivos de 14/28 (50%) quando realizados 2 a 6 meses após a reação e apenas 17/92 (18%) quando realizados antes dos 2 meses ou após os 6 meses (p=0,0003)10. Em geral, os TCP raramente são positivos e os TID têm maior probabilidade de serem positivos quanto mais grave for a reação10,23,25-28.

Estes testes só devem ser usados se tiver ocorrido uma reação prévia. Está demonstrado que o uso de TCP ou TID como forma de pré -avaliação em doentes sem história de reações adversas não é útil para prever reações adversas25;

IgE específica sérica: não existem testes comercialmente disponíveis, mas três grupos reportaram já anticorpos IgE específicos contra ioxaglato. No entanto, as frequências de positividade variam entre 2 e 47%4,25,29;

Teste de ativação dos basófilos: está descrito que a libertação de histamina é significativamente superior em indivíduos com reações prévias a MCRI comparativamente a doentes expostos a MCRI e sem reação, ou a voluntários saudáveis. Sabe–se também que os leucócitos de indivíduos atópicos libertam uma maior quantidade de histamina após exposição a MCRI do que os leucócitos de indivíduos não atópicos. No entanto, a validade do teste permanece por demonstrar4;

Prova de provocação: é o gold standard no diagnóstico em alergologia. No entanto, pelos riscos que envolve não é uma metodologia aconselhada por rotina, em particular pela existência de MCRI alternativos. Yocum et al.30 propuseram um protocolo de prova de provocação com MCRI, no qual 0,1 mL de MCRI é administrado por via endovenosa em intervalos de 15 minutos, começando com uma diluição de 1/10 000 e subindo em diluições de 10x até à administração de 1 a 5 mL do MCRI puro antes do exame. Com este protocolo, reacções positivas ligeiras a moderadas foram observadas em 22% dos doentes com antecedentes de reação prévia. Apesar de este procedimento parecer ser eficaz na escolha do MCRI em doentes de alto risco, é de difícil prática por consumir muito tempo e recursos4.

Relativamente às reações tardias, no momento da reação pode realizar -se uma avaliação laboratorial geral. Apesar de a maioria das reações serem cutâneas, outros órgãos podem também estar envolvidos. Deve ser realizada uma avaliação da função renal e hepática e hemograma com contagem diferencial de leucócitos, embora não existam dados sobre a frequência de alterações laboratoriais4.

Pode também realizar-se uma biópsia cutânea, podendo a histologia ajudar na avaliação e confirmação da reação alérgica4.

Após a resolução da reação, podem realizar-se:

Testes cutâneos indradérmicos e epicutâneos: os testes epicutâneos (Epi) positivos com MCRI puro estão descritos e, apesar de parecerem específicos (um estudo com 30 controlos foi negativo em todos), não há dados certos quanto à sua sensibilidade, descrita entre 28 e 50%4,10,25. A leitura tardia dos TID (às 48 e 96 horas) é também usada e, segundo alguns autores, é mais sensível que os Epi5. Epi com MCRI puro no dorso e TID com leituras às 48 e 96 horas quando usados em conjunto aumentam a sensibilidade4,10.

Estes devem ainda ser lidos após uma semana se previamente negativos4. Quanto ao melhor momento para realizar os testes, um estudo demonstrou que 29/62 (47%) foram positivos quando realizados nos primeiros 6 meses após a reação, comparando com apenas 8/36 (26%) realizados após os 6 meses (p=0,02);

Teste de proliferação/ativação linfocitária: não se encontra suficientemente validado, apesar de alguns trabalhos demonstrarem proliferação de linfócitos em contacto com MCRI4;

Prova de provocação: existem já três estudos descrevendo este procedimento. Em todos os casos houve reprodução da reação inicial (exantema maculopapular) com a administração do MCRI não diluído, ainda que em quantidades consideravelmente menores do que as usadas no exame em que se desenvolveu a reação (1 a 5 mL vs 100 a 200mL). No entanto, pelos riscos que envolve, permanece ainda uma ferramenta de investigação e não uma metodologia aconselhada por rotina4. Além deste facto, em reações de maior gravidade com risco para a vida ou sequelas permanentes (síndrome de Stevens -Johnson, necrólise epidérmica tóxica, DRESS ou pustulose exantematosa generalizada aguda) a sua realização está contraindicada.

ABORDAGEM TERAPÊUTICA

No tratamento das reações aos MCRI, os fármacos e as doses a serem utilizadas não são consensuais. O Quadro 64 mostra as recomendações do American College of Radiology5. Salienta-se que reações cutâneas mais ligeiras e sem queixas por parte do doente podem não necessitar de terapêutica dirigida, tendo resolução espontânea sem quaisquer intercorrências.

Quanto à profilaxia que se pode realizar, considerando os diferentes mecanismos fisiopatológicos que implicam abordagens diferentes, não existe um tratamento único que previna o aparecimento de qualquer reação.

Tal não significa que o tratamento profilático não seja importante; em especial em doentes com reações prévias a MCRI ou em doentes com fatores de risco, nos quais a probabilidade de reação adversa diminui significativamente com uso de terapêutica profilática8.

Na literatura existem várias recomendações de organizações profissionais e de grupos de estudo referindo diferentes regimes profiláticos. Os problemas de uniformização devem-se à inexistência de estudos randomizados controlados por placebo, às questões éticas relacionadas com a criação destes estudos e à constante evolução e modificação dos MCRI usados na prática clínica1,4,5,8,29.

Contudo, todas as recomendações têm o primeiro passo em comum: identificação do MCRI causador da reação e a escolha de um MCRI alternativo. Della-Torre et al.29 sugeriu um algoritmo para a selecção de um MCRI baseada na história e resultados de testes cutâneos (TCP, ID e Epi).

Quanto à terapêutica profilática a realizar, o estudo mais relevante é o de Tramèr et al., que fez uma pesquisa sistemática de estudos randomizados de esquemas de profilaxia antes de exames com MCRI e os seus resultados.

Os estudos analisavam anti-histamínicos anti-H1 (hidroxizina, clemastina, clorfeniramina, dimenidrato), corticoides (betametasona, dexametasona, metilprednisolona e prednisolona) e combinação de anti-histamínicos anti-H1 e H2 (clemastina + cimetidina).

Nenhum estudo testou a combinação de corticoides com anti-histamínicos31. De uma forma global, os resultados parecem animadores, demonstrando que: 1) os anti-histamínicos e os corticoides diminuem o risco de desenvolvimento de sintomas cutâneos e também respiratórios; 2) a combinação clemastina + cimetidina demonstrou diminuição estatisticamente significativa da prevenção de angioedema; 3) os corticoides diminuem o risco de uma reação com risco de vida (hipotensão), mas precisam de ser medicados cerca de 100 a 150 doentes desta forma para prevenir esta reação em 1 doente.

Considerando o efeito protetor no desenvolvimento de sintomas cutâneos, respiratórios e cardiovasculares, os autores consideram que os corticoides e anti-histamínicos devem ser usados sempre que o doente apresente fatores de risco (nomeadamente história de reação prévia a MCRI), no sentido de tentar prevenir uma reação adversa. Neste sentido, o Serviço de Imunoalergologia do Hospital de Santa Maria desenvolveu e aplica os seguintes protocolos em doentes com facto de risco para reações adversas a MCRI que vão realizar novo exame com MCRI:

– Se o doente apresenta apenas fatores de risco para reação adversa (asma brônquica, cardiopatia isquémica, diabetes mellitus, insuficiência renal crónica, mieloma, policitemia, drepanocitose ou terapêutica com AINES, betabloqueantes, IL-2 ou biguanidas), mas sem história de reação prévia a MCRI, deve realizar metilprednisolona 40mg EV 2 horas antes do exame e metilprednisolona 32mg PO (ou prednisolona 40mg PO) 12 horas antes do exame;

– Se o doente apresenta história de reação prévia a MCRI, independentemente de ter ou não outros fatores de risco, deve realizar 13 e 7 horas antes do exame 50mg de prednisolona e 10mg de loratadina 10mg; 1 hora antes do exame hidrocortisona 200 mg EV, clemastina 2mg diluída em 100mL de soro fisiológico EV e ranitidina 50mg EV.

A escolha de MCRI alternativo baseia-se nos resultados dos testes cutâneos intradérmicos e epicutâneos ou, caso a investigação ainda não esteja completa, adaptando o algoritmo de Della -Torre et al29.

No contexto da profilaxia é ainda importante referir as reações breakthrough. Estas reações foram identificadas pela primeira vez em 1949, desenvolvem-se apesar da pré-medicação dos doentes com anti-histamínicos e/ou corticoides e podem ocorrer quer em doentes que fazem pré-medicação por apresentarem fatores de risco, quer em doentes que fazem pré-medicação pelo principal fator de risco – a história de reação prévia3,4,31. Quando ocorrem, as reações breakthrough tendem a ser similares às iniciais em 85% dos casos e graves ou com risco de vida em 24% dos casos31. Globalmente, a taxa destas reações após a administração prévia de corticoide é estimada em 10%21.

Em alguns casos, apesar de pré-medicação e da tentativa de escolha de um MCRI alternativo, pode ser imprescindível a realização de um exame com um meio de contraste ao qual o doente já fez reações. Nestes casos, pode-se optar pela dessensibilização. Esta não é uma prática comum e poucos dados existem sobre tentativas de dessensibilização.

Em 2014, Gandhi et al. elaborou um protocolo de dessensibilização ao iodixanol com bons resultados, numa doente com história de reações adversas e com necessidade de uma coronariografia urgente32.

CONCLUSÕES

As reações adversas a MCRI são cada vez mais frequentes, seja porque estes fármacos se tornam mais usados na prática clínica ou porque há mais casos identificados/reportados. No entanto, a constante evolução dos MCRI e a existência de comorbilidades e fármacos administrados concomitantemente muitas vezes dificulta a correta interpretação destas reações.

Os pontos mais importantes na avaliação destas reacções são a identificação do MCRI responsável e a realização de uma boa história clínica, de forma a orientar a ação do imunoalergologista. A sua atuação deverá ter como foco principal a confirmação de que se tratou de uma reação adversa (seja imunológica ou não) ao fármaco, evitando a restrição excessiva do uso dos MCRI. Após identificação do agente causal, é importante fazer a evicção do MCRI responsável, escolher um MCRI (LOCM) alternativo mediante o resultado de testes cutâneos (TCP, TID, Epi) e administrar pré -medicação com corticóides e anti -histamínicos como profilaxia de uma eventual reacção em doentes com reação prévia ou com outros factores de risco para o desenvolvimento de reações adversas.

 

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Contacto:

João Marcelino

E-mail: JLAM_1987@sapo.pt

 

Data de receção / Received in:29/01/2016

Data de aceitação / Accepted for publication in: 12/12/2017

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