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Revista Portuguesa de Educação

Print version ISSN 0871-9187On-line version ISSN 2183-0452

Rev. Port. de Educação vol.36 no.2 Braga Dec. 2023  Epub Nov 20, 2023

https://doi.org/10.21814/rpe.28456 

Recensão

Práticas letradas na cibercultura: Possibilidades e reflexões em múltiplos contextos + Recensão

Adriana Fischeri 
http://orcid.org/0000-0001-9787-2814

Mariana Aparecida Vicentinii 
http://orcid.org/0000-0001-6256-2904

Linara Mafessolli Xavier Furlani 
http://orcid.org/0000-0003-1741-7323

i Universidade Regional de Blumenau, Brasil.


Remenche, M. L. R., & Dionísio, M. L. (Eds). (2021). Ler e escrever na Cibercultura: Concepções e práticas. (1.ª Ed.). Pontes Editores.

Apresentamos o livro “Ler e Escrever na Cibercultura: Concepções e Práticas”, lançado, em 2021, por Maria de Lourdes Remenche (Universidade Tecnológica Federal do Paraná, Brasil) e Maria de Lourdes Dionísio (Universidade do Minho, Portugal). O livro, organizado em nove capítulos, inclui colaborações de diferentes autores que relacionam processos e práticas de leitura e escrita na cibercultura em seus textos.

A obra expõe resultados de pesquisas realizadas no Brasil, na Europa (Portugal, Alemanha, Itália) e nos Estados Unidos. Nas palavras das organizadoras, os capítulos se revelam “distintos quanto aos seus lugares de produção, posicionam-se também de modo distinto quanto às apropriações e usos dos conceitos de literacia(s)/multiliteracias ou letramento(s)/novos letramentos/multiletramento(s)” (Remenche & Dionísio, 2021, p. 7). No entanto, destacam:

[que] os usos de textos e da linguagem como socialmente situados não anulam, particularmente em circunstâncias educativas, a necessidade de conhecimentos e competências a desenvolver junto dos estudantes, a fim de poderem participar plenamente nas atuais sociedades letradas, que envolvem mídia impressa, visual, digital e analógica (Remenche & Dionísio, 2021, p. 9).

No capítulo 1, Entre muros e redes: letramentos, sujeitos e tecnologias em práticas escolares, Maria de Lourdes R. Remenche apresenta problemáticas em relação ao espaço-tempo escolar e desafios que podem ser encontrados no uso de tecnologias digitais em contexto escolar, questionando “quais práticas de leitura são mobilizadas na escola, considerando o uso das tecnologias digitais?” (Remenche & Dionísio, 2021, p. 20). Dentre as análises, com dados de pesquisa em Portugal, a autora afirma que, mesmo com a disseminação das tecnologias digitais, nos contextos pesquisados, o texto literário, por vezes, é utilizado como fonte para o ensino de gramática e os artefatos tecnológicos disponíveis são pouco utilizados em práticas letradas. Os dados da pesquisa de Remenche indicam a predominância de atividades em que são mobilizados textos impressos ou verbais, em sua maioria.

Ao desenvolver a sua pesquisa, a autora busca refletir sobre questionamentos realizados em uma escola de educação básica e um curso profissional técnico sobre o processo de ensino e aprendizagem, além de conectar com práticas envolvendo as tecnologias digitais e a leitura.

As discussões aqui realizadas por Remenche seguiram uma análise empírico-teórica, com a aplicação de questionários e acompanhamentos de aula em uma escola secundária, em Portugal. Ao finalizar o estudo, a autora indica a importância do trabalho com as tecnologias digitais de modo que possam se conectar com o processo de leitura, para que permitam, colaborativamente, um planejamento mais interativo aos estudantes.

O capítulo 2, Cibercultura na escola: evidências e implicações da hibridização no processo de construção de sentidos nos textos digitais, de Ângela Campos e Íris Susana Pereira, apresenta discussões em torno da presença das novas literacias da cibercultura em ambiente escolar português. De acordo com as autoras, trata-se de um texto “que consta de uma ‘lição’ oferecida numa plataforma on-line destinada à promoção da construção de conhecimento em contexto escolar” (Remenche & Dionísio, 2021, p. 38).

O artigo tem como objetivo discutir a concepção do processo de hibridização de gêneros e formas de uma possível representação. Compartilha, ainda, implicações à educação escolar de trabalhos com a cibercultura. As autoras analisaram um vídeo que constitui parte de uma ‘aula’ mediada pela plataforma de aprendizagem TED-Ed, exemplificando a emergência de novas formas de construir sentido que fazem parte das novas práticas de aprendizagem na escola.

Ao analisar os dois primeiros artigos da obra, há a identificação do uso das tecnologias digitais em sala de aula por meio de diferentes práticas letradas. Faz coro a esses enfoques o estudo de Monte Mór (2013), que indica a necessidade de o estudante desenvolver compreensões sobre assuntos que permeiam suas vivências, com intuito de abrir caminhos para um pensamento crítico e reflexivo sobre tecnologias digitais.

No capítulo 3, Navegar e ler na prática: escolhendo brinquedos e códigos, Carla Viana Coscarelli objetiva analisar o processo de navegação e leitura de alunos em uma prática online, com a proposta de escolha de três brinquedos ecológicos a serem vendidos em uma grande loja.

A pesquisa envolveu 36 estudantes de uma escola pública dos Estados Unidos. A Autora inicia a pesquisa com idas ao laboratório de informática para a realização de atividades em que, em duplas, os estudantes “navegavam por vários sites e escolhiam os brinquedos que achavam mais interessantes dentro da proposta dos brinquedos ecológicos” (Remenche & Dionísio, p. 67). Além disso, apresenta uma proposição no uso da informática, na direção de uma forma de pesquisa em que os alunos tinham autonomia para selecionar o que mais lhe chamavam a atenção sobre brinquedos ecológicos.

Ao finalizar o estudo, Carla Viana Coscarelli propõe necessidade de separação entre a navegação na internet e o processo de leitura para a aprendizagem e a pesquisa dos alunos, não caracterizando como conclusão somente os envolvidos em sua pesquisa.

O capítulo 4, A produção de textos na escola e sua relação com a cultura digital: uma análise do componente curricular de língua portuguesa na BNCC, por Ana Paula Pinheiro da Silva e Nívea Rohling, analisa a hibridização na produção textual, a partir do eixo de produção de textos, conforme proposto na Base Nacional Comum Curricular (Ministério da Educação do Brasil, 2018).

O objetivo é refletir sobre como a cultura digital incide nas novas formas de escrita no contexto escolar, mais especificamente na produção de textos multissemióticos. Ao relacionarem, neste capítulo, a aprendizagem com o uso de práticas digitais, Nívea Rohling e Ana Paula Pinheiro explicam as produções de textos na cultura digital, mais especificamente com a Web 2.0 (segunda geração do World Wide Web). As autoras compreendem tal contexto online como um ambiente plural de grande absorção, que transita em diversos campos da atividade humana.

Como resultado desta pesquisa, as duas Autoras indicam que a perspectiva apresentada sobre a linguagem se conecta diretamente com elementos fundamentais no processo de desenvolvimento da autoria dos alunos em práticas escolares, também com tecnologias digitais.

O capítulo 5, Romances gráficos no ensino de ciências e matemática para adolescentes, de William G. Brozo, professor da Universidade de Virginia, Estados Unidos, com tradução de Mérie Ellen Weber de Oliveira, apresenta como objetivo desenvolver uma conexão entre os conteúdos das disciplinas e as práticas letradas dos estudantes, dentro e fora da sala de aula. O Autor acrescenta o impacto emocional com relação à área de Ciências e Matemática, relacionando com romances gráficos e histórias em quadrinhos, que podem fazer com que os alunos se tornem mais engajados e, acima de tudo, interessados pelas aulas e atividades.

No artigo, são compartilhadas práticas de sala de aula que envolveram uma professora e sua turma de Ensino Médio, com enfoque no desenvolvimento da compreensão de distintos temas, a partir de outros textos que não somente os apresentados nos livros didáticos em uso pelos estudantes. Dessa forma, as práticas letradas não integram apenas leitura e escrita por uma abordagem conteudista, mas a possibilidade de um olhar crítico em torno de temáticas estudadas na escola e sua relação com contextos externos ao educativo.

No Capítulo 6, A Pedagogia dos Multiletramentos e salas de aulas multiculturais no cinema contemporâneo, Hércules Tolêdo Corrêa analisa três filmes franceses que retratam salas de aula multiculturais: Entre os muros da escola (no original, Entre les murs); O melhor professor da minha vida (Les Grands Esprits) e A Trama (L’atellier).

O grande questionamento que parece orientar a construção do artigo é como os professores podem:

[...] contribuir para o desenvolvimento das habilidades de leitura e escrita em ambientes digitais (e também nos analógicos) de nossos alunos? Como incorporar em nossas práticas pedagógicas o trabalho com um produto cultural, como o cinema, para desenvolver os multiletramentos de nossos alunos?” (Remenche & Dionísio, 2021, p. 154).

Como possíveis respostas, o Autor apresenta um protótipo de ensino com base na perspectiva teórica mencionada e nos filmes em análise, sugeridos como possibilidades de adaptação a contextos educativos brasileiros, em aulas de língua portuguesa.

As discussões realizadas por Corrêa durante a apresentação do protótipo são amparadas pelos pressupostos teóricos dos multiletramentos. Os debates promovidos no texto certamente contribuem para reflexões acerca da necessidade de acompanhamento de processos de inclusão e apropriação crítica, planejada e a favor da aprendizagem, de novas práticas sociais de leitura e escrita, em diferentes contextos, a partir da disseminação das Tecnologias Digitais da Informação e Comunicação (TDIC). Outra relevante contribuição do estudo emerge das palavras do próprio autor, quando indica que a Pedagogia dos Multiletramentos constitui uma alternativa às modalidades de ensino ditas mais normativas em aulas de Português, considerando que procura reconhecer a faceta multi, tanto nas línguas quanto nas culturas.

O Capítulo 7, O mapeamento multimodal como estratégia de promoção da literacia acadêmica, de Sílvia Araújo, apresenta uma metodologia de mapeamento multimodal, dividida em quatro etapas: pesquisa documental; técnica de mind mapping, transposição monomodal; e transposição multimodal.

O objetivo da autora é o de fomentar práticas de letramentos acadêmicos associadas a percursos de interação, ressignificação e expressão da informação. A inquietação emerge a partir de crítica situada no contexto da necessidade de valorização de práticas escritas e nas mudanças que os avanços tecnológicos digitais proporcionaram nas formas de processar e comunicar a informação.

Para o desenvolvimento do estudo, construído junto a duas unidades curriculares, uma de um curso de mestrado em Tradução e Comunicação Multilingue e outra de licenciatura em Línguas Aplicadas, a Autora procura percorrer um caminho epistemológico situado entre o construtivismo e o conectivismo, que sirva de orientação aos movimentos pedagógicos atuais, em particular às teorias que realçam o impacto dos conceitos de multiliteracia e multimodalidade no cenário educacional.

O estudo em enfoque, de modo geral, nos parece contribuir para redução do discurso do déficit de letramentos (Gee, 1999), por meio de dados que mostram a apreensão e criação de textos multimodais cada vez mais complexos por parte dos estudantes, a partir do uso de distintas ferramentas que, nas palavras da autora, assumem, na atualidade, um papel cada vez mais influente e imprescindível.

No capítulo 8, Filme e romance: Harry Potter e o Cálice de Fogo, estudo desenvolvido em contexto brasileiro, Luciane de Paula e Ana Carolina Siani refletem acerca da representação nos filmes de Harry Potter (HP), no que concerne a questões como raça, gênero e classe, além da arquitetônica e do estilo (autoral e genérico) característicos da saga.

Após uma contextualização das obras escritas de Harry Potter, as autoras destacam a produção cinematográfica de HP como um marco que alavanca ainda mais o sucesso e a propagação da narrativa. Esta produção extrapola o objeto livro e o campo literário, transforma Harry Potter em uma das maiores franquias da indústria cultural, bem como estabiliza um dado regime imagético do mundo configurado por J. K. Rowling e materializado nos filmes da saga, a partir de uma configuração hollywoodiana de cinema.

Para refletir sobre a linguagem e suas configurações materiais enunciativas, as autoras se amparam no que Paula designa como tridimensionalidade verbivocovisual, termo que se refere “ao trabalho, de forma integrada, das dimensões sonora, visual e o(s) sentido(s) das palavras” (Remenche & Dionísio, 2021, p. 211). Além disso, são guiadas pela perspectiva crítica dos estudos culturais acerca dos meios de comunicação de massa e por uma perspectiva dialógica bakhtiniana.

Além de evidenciarem que tanto no gênero literário (romanesco) quanto fílmico, a narrativa potteriana é marcada pela alteridade como condição indispensável para a constituição identitária, tanto dos sujeitos quanto do próprio ato enunciativo, conforme postulado pela perspectiva bakhtiniana ao que concerne à noção de linguagem, as análises fazem emergir distintas reflexões que perpassam o objetivo proposto, a exemplo da unicidade de cada enunciado, mesmo sendo derivado de outro, como a adaptação de textos impressos para o cinema, ou, ainda, acerca das relações de poder que perpassam o desenvolvimento de tais adaptações, as quais advêm das ideologias dos autores da obra original, do diretor e/ou do próprio estúdio. Corroborando as próprias autoras, nos posicionamos no sentido de que as discussões empreendidas não esgotam as possíveis problematizações acerca da representação da diferença na narrativa de Harry Potter.

O capítulo 9, A vida ideal de leitura para crianças, conceitos e práticas, é de autoria de Renate Valtin e Tiziana Mascia, e traduzido por Flávia Azevedo (UTFPR). No estudo em enfoque, produzido em contexto italiano, as autoras apresentam o que denominam de “abordagem orientada para a pessoa” (Remenche & Dionísio, p. 246), a partir de discussões sobre o cérebro leitor, o desenvolvimento do letramento e a dislexia.

Com análises realizadas no âmbito da neurociência cognitiva e da psicolinguística do desenvolvimento, o capítulo apresenta sugestões para uma vida ideal no âmbito da leitura para crianças de 0 a 10 anos, a partir de duas fontes principais: a Rede Europeia de Políticas de Literacia (ELINET) e o Center for Dyslexia, Diverse Learners and Social Justice. Para a interpretação dos dados coletados, as autoras se amparam, principlamente, nos estudos de Wolf e Stoodley (2007) e Woolf (2018), que também investigam dados, em grande escala, de testes oficiais, como o PIRLS - Progress in International Reading Literacy Study, PISA - Program for International Student Assessment e o PIAAC - Program for the International Assessment of Adult Competencies.

As concepções teóricas adotadas pelas autoras nos parecem dialogar fortemente tanto com o contexto de disseminação das tecnologias da informação e comunicação quanto com demais textos presentes na obra em análise, a exemplo do trabalho de Coscarelli, sobre navegação, leitura, no capítulo três. Além disso, as autoras abordam, na discussão dos dados, letramentos aos quais sujeitos são (e podem ser) apresentados durante diferentes fases de sua vida, em distintos contextos, conforme previsto pela ELINET, a exemplo do “letramento digital, a leitura por prazer, o letramento familiar, o letramento na educação escolar, o letramento de adultos” (Remenche & Dionísio, p. 249). Nesse sentido, cabe-nos destacar as relevantes problematizações levantadas por este capítulo acerca da leitura em diferentes suportes, impressos ou digitais, nas diferentes fases da vida das crianças, com destaque ao fato de que a pesquisa manifesta a ideia de que a leitura, independentemente da faixa etária, envolve diferentes aspectos cognitivos e emocionais, que podem se desenvolver e transformar na relação com diferentes textos.

Portanto, diante de inúmeras problematizações e resultados de pesquisa que se apresentam, é relevante e produtivo que acadêmicos e pesquisadores possam ler e debater esta obra, organizada por Remenche e Dionísio (2021) e que muitos encontros científicos bem sucedidos, como os manifestados nesta obra, continuem a se realizar entre os continentes americano e europeu.

Agradecimentos

Agradecimentos ao CNPQ, pelo fomento com Bolsa Produtividade de pesquisa a Adriana Fischer (2023-2026) e ao projeto da FAPESC “Observatório de Internacionalização da Educação Básica: políticas públicas de ensino bilingue e tecnologias digitais” (Edital 15/2021), em que as autoras são membros participantes.

Referências

Gee, J. P. (1999). Linguística social e letramentos: Ideologia nos Discursos. (2.ª Ed.). The Farmer Press. [ Links ]

Ministério da Educação do Brasil. (2019). Base Nacional Comum Curricular. http://basenacionalcomum.mec.gov.br/images/BNCC_EI_EF_110518_versaofinal_site.pdfLinks ]

Monte Mór, W. (2013). Crítica e letramentos críticos: reflexões preliminares. In C. H. Rocha & R. F. Maciel (Eds.), Língua estrangeira e formação cidadã: Por entre discursos e práticas (1.ª Ed., pp. 31-50). Fontes. [ Links ]

Remenche, M. L. R., & Dionísio, M. L. (Eds). (2021). Ler e escrever na Cibercultura: Concepções e práticas (1.ª Ed.). Pontes Editores. [ Links ]

Recebido: 02 de Novembro de 2022; Aceito: 07 de Agosto de 2023; Publicado: 20 de Novembro de 2023

Correspondência de autor: mvicentini@furb.br

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