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Revista Portuguesa de Educação

versão impressa ISSN 0871-9187versão On-line ISSN 2183-0452

Rev. Port. de Educação vol.35 no.2 Braga dez. 2022  Epub 15-Jun-2022

https://doi.org/10.21814/rpe.18837 

Artigos Originais

Os Beneditinos e a Educação na América Portuguesa

The Benedictines and Education in Portuguese America

Los Benedictinos y la Educación en la América Portuguesa

Cézar de Alencar Arnaut de Toledo1  2 

Marcos Ayres Barboza3 

1Universidade Estadual de Maringá/UEM-PR, Brasil.

2Grupo de Pesquisa sobre Política, Religião e Educação na Modernidade, Brasil.

3Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Paraná (IFPR), Campus Paranavaí.


Resumo

Esta pesquisa investiga as práticas educativas beneditinas em seus mosteiros e destaca a importância desse trabalho desenvolvido no campo da formação para a história da educação brasileira. Os beneditinos na América Portuguesa foram grandes proprietários de terras e de escravos. Eles desfrutavam de grande prestígio e influência política entre os povoadores e principais lideranças das capitanias. Os laços iam muito além do aspecto espiritual, alguns benfeitores podiam desfrutar de sepultamentos na capela da Igreja, missas, entre outros privilégios. Para ingressar na Ordem, o candidato era avaliado com severidade e não podia pertencer aos estratos inferiores daquela sociedade. Os beneditinos eram também desafiados a oferecer alguma instrução aos seus subordinados, em grande número nos engenhos e na manutenção das instalações urbanas, para dar sustentação àquela estrutura social.

Palavras-chave Educação; História da educação; Beneditinos; América Portuguesa

Abstract

This research investigates the Benedictine educational practices in their abbeys and stand out the importance of this work developed in the area of the formation for the Brazilian education history. The Benedictines in Portuguese America were great landowners and slaves owners. They relished great prestige and political influence among the villagers and main captaincies leaders. The ties were far beyond the spiritual aspect, some benefactors made preconditions, such as burials in the church chapel, masses, among other requests. To join the Order, the contender was severely evaluated and could not belong to the lower underclass of that society. The Benedictines were also challenged to offer some instruction to their subordinates, in large numbers in the mills and in the maintenance of urban facilities, to support that social structure.

Keywords Education; History of education; Benedictines; Portuguese America

Resumen

Esta investigación analiza las prácticas educativas benedictinas en sus monasterios y destaca la importancia de ese trabajo desarrollado en el campo de la formación para la historia de la educación brasileña. Los benedictinos en la América Portuguesa fueron grandes dueños de tierras y de esclavos. Ellos disfrutaban de gran prestigio e influencia política entre los colonos y principales liderazgos de las capitanías. La convivencia iba mucho más allá del aspecto espiritual, algunos benefactores hacían previas condiciones, como entierros en la capilla de la iglesia, misas, entre otros privilegios. Para unirse a la Orden, el candidato era clasificado con severidad y no podía pertenecer a los estratos inferiores de aquella sociedad. Eran también desafiados a ofrecer alguna instrucción a sus subordinados, en gran número en los ingenios y en el mantenimiento de las instalaciones urbanas, para dar sustentación para aquella estructura social.

Palabras clave Educación; Historia de la educación; Benedictinos; América Portuguesa

1. Introdução

O tema deste texto é a educação nas propriedades beneditinas na América Portuguesa, visando contribuir para o aprofundamento dos estudos sobre História da Educação do Brasil no período. A História da Educação, nesse contexto, é pouco estudada. Trata-se de um tema da educação brasileira que necessita de maior aprofundamento.

Existem poucos estudos que analisam a historiografia da educação no período da América Portuguesa, sobretudo quando o tema envolve o trabalho desenvolvido pelas Ordens religiosas. Há, certamente, um considerável acervo documental sobre as práticas educativas jesuítas; contudo, na América Portuguesa, quando discutimos a respeito do tema, eles não foram os únicos. Os franciscanos, oratorianos, carmelitas e beneditinos também contribuíram. As missões de evangelização e catequização desenvolvidas por essas Ordens são importantes para o entendimento da relação entre religião e educação. É no campo da instrução, da doutrinação e da formação de hábitos cristãos que podemos compreender o trabalho relevante das diferentes Ordens religiosas na educação no contexto da América Portuguesa.

Os religiosos foram essenciais no processo de ensinamento cristão: instruíam os filhos dos colonos que objetivavam assumir funções políticas e aqueles que desejavam ingressar nas Ordens religiosas. Os indígenas e os negros também recebiam alguma instrução. Nas missões, nos engenhos e nas igrejas, os indígenas e negros recebiam uma formação preparatória para o batismo, para a vida cristã e para cumprir deveres com o Estado e com a Igreja.

No contexto da colonização da América Portuguesa, a Igreja teve um papel político essencial. Pelo regime do Padroado, ela estava unida ao poder Real, contribuindo para a manutenção do poder político da Coroa sobre as terras colonizadas. A atividade catequética e missionária potencializava a hegemonia portuguesa. A prática pedagógica das Ordens religiosas, nesse contexto, assumia um caráter de agente da colonização, que era vinculado à ascensão e ao desenvolvimento das ideias capitalistas e da articulação de sua expansão com a dinâmica civilizatória. A educação, nesse sentido, é analisada como parte desse desenvolvimento e expansão, já que se relacionava com os conhecimentos necessários para a vida em comunidade.

O trabalho dos religiosos beneditinos, e de outras Ordens, ligado à catequese é compreendido como uma ação educativa, uma vez que ocorria na interface da conversão dos indígenas e africanos ao cristianismo, como também no processo de aculturação aos valores do modo de produção em expansão. A conversão dos indígenas e africanos, a conquista do território, a construção de novos costumes e valores, vinculados aos interesses da economia basicamente extrativista, foram elementos que constituíram o processo de colonização. Na articulação entre Igreja e Estado, a prática catequética foi como uma ação política, visto que dela dependia a ocupação e a exploração; e, igualmente, a dominação.

Como ocorreu a prática educativa dos beneditinos na América Portuguesa? Para atingir o objetivo desta pesquisa, realizamos uma pesquisa exploratória em diversas bibliotecas digitais: Biblioteca digital Iberoamericana, Biblioteca digital da UNICAMP e da USP; e também no Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (IHGB), no Real Gabinete Português de Leitura do Rio de Janeiro, na Biblioteca Nacional (BN) do Rio de Janeiro, entre outras. Em arquivos privados, destaca-se o arquivo do Mosteiro de São Bento do Rio de Janeiro.

A metodologia aplicada para a realização desta investigação foi a pesquisa bibliográfica com análise documental, sendo que os documentos beneditinos foram os documentos históricos básicos de análise e investigação e que permitiram estabelecer os pontos de referência para a abordagem da temática.

Com o objetivo de responder ao questionamento apresentado, o texto se encontra organizado da seguinte maneira: na primeira parte, discutimos os aspectos históricos do processo de colonização da América Portuguesa e, na segunda, a organização dos estudos entre os beneditinos a partir das Constituições da Congregação, uma de 1590 ( Constituições da Ordem de Sam Bento) e outra atualizada em 1629 (Constitutiones Monachorum Nigrorum Ordinis…).

2. Aspectos Históricos Do Processo De Colonização Da América Portuguesa

A história da América Portuguesa está ligada ao processo de desenvolvimento do comércio e da colonização encetada pelos portugueses. A organização da vida social e econômica desse período foi marcada por atividades mercantilistas, com características de uma economia complementar, para atender às necessidades comerciais de Portugal.

A colonização por meio da produção agrícola possibilitou a valorização das terras “descobertas”. Com a dificuldade do domínio e controle da resistência indígena, os portugueses, em meados do século XVI, passaram a utilizar a escravidão negra como forma preferencial de exploração da mão de obra. A exploração da terra e o trabalho escravo foram os fatores centrais para o enriquecimento e a constituição dos grandes patrimônios; além disso, como a relação entre o público e o privado não era totalmente distinta, grande parte dos recursos públicos eram destinados, sem maiores problemas, aos interesses privados (Ricupero, 2009). A adoção de donatarias foi o primeiro modelo administrativo utilizado na América Portuguesa. A atividade lucrativa que mais interessava aos possíveis colonizadores, visando à fixação e ao povoamento das terras, era a produção de açúcar. Nessa época, Portugal dispunha da experiência de produção da cana de açúcar, sobretudo, nas Ilhas do Atlântico, bem como dos contatos comerciais para o escoamento da produção.

Para a efetivação do empreendimento português, houve a necessidade do estabelecimento de núcleos de povoamento, especialmente no litoral, para garantir o domínio do território. O litoral era muito frequentado por navios franceses, ingleses e holandeses, que realizavam constantes atividades ‘comerciais’ com os indígenas. O estabelecimento de núcleos de povoamento com a constituição de uma estrutura urbana responsável pelas atividades administrativas, militares e religiosas era fundamentada na iniciativa privada, apoiada pela Coroa. Essa política adotada pela Coroa portuguesa foi eficaz. O reino de Portugal, com a utilização de recursos humanos e financeiros privados, viabilizou o seu projeto colonizador. A Coroa, em troca desse apoio, concedia terras, cargos, rendas e títulos nobiliárquicos. A política de troca de serviços por mercês se desenvolveu de maneira diversa, dadas as peculiaridades de cada região, permitindo que os detentores dos postos estatais construíssem grandes fortunas. A distribuição de mercês e honrarias, cargos e terras se tornou uma base de prestígio e de poder da elite, que se refere a uma minoria detentora do poder econômico e político, como ocorreu, por exemplo, na capitania de São Vicente; o que, em certa medida, permitiu que o reino de Portugal conseguisse os préstimos de seus leais vassalos, na medida em que eles reforçavam a sua autoridade e o seu domínio sobre a América Portuguesa (Ricupero, 2009).

A atuação direta da Coroa portuguesa ocorria em situações específicas, como por exemplo a comercialização do pau-brasil, por meio do arrendamento de sua exploração e da mineração de metais preciosos, do que o tesouro régio cobrava o quinto. A presença mais efetiva da Coroa ocorreu, concretamente, a partir da criação do Governo Geral, em 1540, decorrente da ameaça de seus domínios. A Coroa, mesmo com a instituição do Governo Geral, não deixou de conceder a particulares honras e mercês, como a concessão de exploração de metais preciosos ou o incentivo à produção de alguns gêneros agrícolas (Ferlini, 2003).

A expansão colonial portuguesa tinha apoio e anuência da Santa Sé. A Igreja Católica, mediante uma série de documentos, confirmou os direitos portugueses sobre as novas terras, na medida em que agiam sob “mandato de Cristo”, a serviço da propagação da fé e da salvação das almas. Dentre as bulas mais importantes, destacamos a Romanus Pontifex, de Nicolau V (8 de janeiro de 1454), a Inter Caetera, de Calisto III (13 de março de 1455), a Ineffabilis, de Alexandre VI (1 de junho de 1497). Todas chancelavam as conquistas lusitanas e o direito dos portugueses sobre as terras conquistadas sob a alegação fundamental de compromisso com a expansão da fé católica. O instrumento mais efetivo desse compromisso lusitano foi a instituição do Padroado. O compromisso estabelecido entre a Igreja Católica e a Coroa lusitana concedia aos monarcas portugueses o direito de administração dos negócios eclesiásticos. Eles eram os eleitos para a difusão da fé cristã (Arnaut de Toledo, Ruckstadter, Ruckstadter, 2006; Azzi, 2004).

Em razão do Padroado, os religiosos regulares e seculares estavam sob dependência da monarquia lusitana, tendo como compromisso o fortalecimento da autoridade do monarca. Os portugueses, como defensores e protetores da Igreja, para a realização perfeita da vida cristã, assumiram o projeto de missionação. Os agentes desse projeto lusitano foram os religiosos de diversas Ordens religiosas, dentre as quais destacamos os jesuítas, os franciscanos, os beneditinos, os carmelitas. A educação foi o instrumento de propagação da fé cristã, defendido e desenvolvido pelas Ordens religiosas. Esse trabalho envolvia a educação religiosa com a educação para as ciências e humanidades. Nesse contexto, estava subordinada à fé. A ação das Ordens religiosas teve um importante significado educativo, sobretudo após o Concílio de Trento (1546-1563), em que se defendeu a confirmação dos pontos essenciais da doutrina. As diretrizes tridentinas tiveram repercussão em todos os campos da cultura; cabe aqui destacar o seu valor essencialmente pedagógico, na medida em que a Igreja Católica tomou consciência de sua função educativa e, nesse compromisso, estimulou o florescimento e renovação de diferentes Ordens religiosas que assumiram a responsabilidade de desenvolver atividades formativas específicas não somente com os eclesiásticos, mas, igualmente, com a formação dos grupos dirigentes.

A dimensão educativa do trabalho da Igreja Católica é explicada com a renovação da concepção de Homem elaborada pela teologia tridentina, bem como pela redefinição das tarefas pastorais atribuídas aos religiosos e religiosas, regulares e seculares (Cambi, 1999). Além disso, desde o início da colonização, o trabalho de evangelização desenvolvido pelas Ordens religiosas foi uma das atividades prioritárias, sem a qual, no entendimento da Coroa portuguesa, o projeto colonizador fracassaria.

3. O Trabalho Formativo Beneditino Na América Portuguesa

Os beneditinos fazem parte de uma ordem religiosa dedicada ao recolhimento, ao claustro; assim, como ela poderia ter participado dos aldeamentos ou reduções? O trabalho de evangelização e educação religiosa desenvolvido por eles ocorreu em suas propriedades, nos mosteiros e em suas fazendas, pela doação de mão de obra cativa e pela pregação nos aldeamentos. Cabe destacar, segundo Casimiro (2009), que a educação religiosa no período da América Portuguesa era realizada nos conventos, irmandades, ordens terceiras, engenhos e paróquias. Entre os beneditinos, ocorria em suas propriedades: mosteiros, engenhos, fazendas, olarias.

Nas Atas Capitulares ocorridas entre 22 e 26 de agosto de 1596 determinava-se que os religiosos beneditinos na América Portuguesa desenvolvessem trabalho de educação religiosa. Era preciso que eles trabalhassem com toda diligência em todas as casas para poder confessar e doutrinar os indígenas (Bezerro 1, 1570-1611). Diversas foram as práticas educativas utilizadas pelos religiosos para que pudessem ampliar as experiências catequéticas: peças teatrais, procissões, músicas e danças (Almeida & Casimiro, 2020). Não se pode esquecer a pregação. Ela ocupou grande parte das atividades missionárias desenvolvidas pelas Ordens religiosas. Era uma atividade muito valorizada pela população. A pregação buscava exortar os ouvintes à conversão das almas e à reforma das condutas (Massimi, 2005). Os Abades de cada mosteiro da Congregação podiam autorizar os religiosos a pregar em outras igrejas, ou mesmo a assistirem à pregação de outros religiosos famosos. Os Abades podiam conceder licença aos religiosos para fazerem sermão na igreja anexa aos mosteiros ou em outras paróquias ( Constituições da Ordem de Sam Bento…, 1590). Na América Portuguesa, os beneditinos se destacaram no campo da pregação. Os Dietários beneditinos fornecem uma série de nomes de religiosos dedicados à pregação, tais como o abade frei Manuel do Desterro, frei Ruperto de Jesus, Mateus da Encarnação Pina, entre outros (Massimi, 2005). A pregação também integrava o quadro pedagógico das práticas educativas utilizadas pelos religiosos em sua missão de conversão à religião cristã.

Em São Paulo, os beneditinos, a partir de 1640, passaram a administrar a aldeia de Pinheiros, conforme consta em documento existente no Arquivo Público do Estado de São Paulo (caixa 79, ordem 437, livro 219, 1765). Nessa região, de acordo com o Livro do Tombo do Mosteiro de São Paulo , consta a venda de terras na região de Tijucusú aos beneditinos, em 24 de fevereiro de 1598, conforme documento existente no Arquivo Público do Estado de São Paulo (na caixa 3, ordem 229, pasta 3 [1768-1798]). Nesse documento, frei Mauro Teixeira informa que chegou nessas terras a pedido do Provincial da Ordem em Portugal para missionar e, nelas, recebeu um lugar para construir uma casa e fundar uma Capela dedicada a São Bento.

As práticas educativas dos beneditinos, realizadas por meio da evangelização e da educação profissional, desenvolvidas em suas propriedades, buscavam ‘convencer’ os indígenas e os negros a se integrarem à sociedade. Era preciso torná-los ‘úteis’ dentro de uma estrutura social colonizadora. “As crianças ... recebiam aulas de alfabetização, e instrução na prática dos trabalhos rurais como: lavoura, criação de gado e vários serviços domésticos” (Tavares, 2007, p. 86).

A descrição das propriedades beneditinas ajuda no entendimento do trabalho de educação religiosa desenvolvido por eles. Ensinavam a doutrina cristã e a trabalhar em suas propriedades. Em São Paulo houve a doação de dois sítios aos beneditinos, doados pelo capitão Duarte Machado, aos 19 de setembro de 1631, conforme consta no Livro do Tombo do Mosteiro de São Paulo. As terras do Tijucusú, pertencentes ao capitão Manoel Temudo, após a sua morte, em 5 de julho de 1671, foram compradas pelo capitão Fernão Dias Paes e, na sequência, doadas aos beneditinos.

Na Fazenda de São Caetano, antigamente denominada fazenda de Tijucusú, propriedade dos beneditinos de São Paulo, havia uma capela, construída em 1717, dedicada a São Caetano de Thiéne e possuía escravos, uma olaria, fundada em 1730, e outra em 1757, que produzia telhas, tijolos, ladrilhos, telhões e outros objetos; além da criação de bois e vacas e produção de alimentos, de acordo com registro no Livro do Tombo do Mosteiro de São Paulo e no Arquivo Público do Estado de São Paulo (caixa 3, ordem 229, pasta 3 [1768-1798]). Nessa mesma pasta, número 3, do Arquivo Público do Estado de São Paulo, constam como bens dos beneditinos: a Fazenda de Paraty, em Mogi das Cruzes, na qual se produzia água ardente; a Fazenda de São Bernardo, que possuía 26 foreiros, com altos rendimentos; a Fazenda de Curitiba, com a criação de 100 vacas; a Fazenda de Santa Quitéria, na qual existia um hospício, que produzia alimentos; a Fazenda de Sarapoly, em Itapetininga, na qual se criava gado e cavalos; e o Hospício de São Bento da Vila de Jundiaí, com 10 foreiros, com altos rendimentos, somada à criação de bois e vacas.

Em Pernambuco, o trabalho pastoral dos beneditinos também ocorreu em suas propriedades. De acordo com registros contidos no Livro do Tombo do Mosteiro de São Bento de Olinda (1948), os beneditinos, nessa região, possuíam três engenhos e quatro fazendas, a saber: Engenho Mussurepe, Engenho São Bernardo, Engenho Goitá e as fazendas de Jabuaribe, Tapacurá, Terra Nova e Gramame.

A educação formal era destinada aos brancos portugueses, filhos da elite colonial, formação preparatória para assumir os cargos de poder e/ou para a vida religiosa. Os brancos portugueses, filhos das classes populares, tinham acesso à educação elementar (ler, escrever e contar). A educação dos indígenas e mestiços ocorria nas missões, nos engenhos e nas igrejas. A eles era ensinado o catecismo preparatório à vida cristã, para cumprirem os seus deveres para com a Igreja e para com o Estado (Casimiro, 2009).

O Engenho Mussurepe era de Manoel Gonçalves de Souza e, após a sua morte, sua esposa, D. Izabel Dias Videira, o vendeu aos religiosos beneditinos, aos 11 de agosto de 1695. Esse engenho era considerado de pequeno porte; porém, as suas rendas correspondiam à metade dos recursos anuais dos religiosos. Os engenhos beneditinos de Olinda eram muito lucrativos e cumpriam a sua função ao fornecer recursos à manutenção do Mosteiro e das atividades dos religiosos em Pernambuco. As fazendas eram destinadas à criação de gado, produção agrícola, e às olarias.

A Fazenda de São Bento de Jaguaribe estava localizada nas antigas terras da sesmaria de Jaguaribe, doadas pelo donatário Duarte Coelho a Vasco Fernandes em 1540. A Sesmaria de Jaguaribe foi um dos primeiros núcleos de povoação da Capitania de Pernambuco. Fazem parte dela áreas remanescentes de Mata Atlântica e manguezais, e compõem a região metropolitana de Recife, constituída pelos municípios de Paulista, Igarassu e Abreu e Lima. Nela existia uma olaria, com dois fornos; uma caieira, para produção de cal, uma salina e um engenho de farinha, além dos depósitos para armazenar os produtos manufaturados. Possuía uma capela, a casa de vivenda, duas senzalas, cozinhas nas senzalas, adega, enfermaria, rouparia, estrebaria, uma cacimba, uma canoa.

Na Fazenda, também eram criados caprinos e havia carro de tração animal. Há registros de que essa fazenda possuía em torno de 100 escravos. Os religiosos realizavam práticas do apostolado aos moradores dos arredores de suas fazendas e aos indígenas da vizinhança (Medeiros, 2005). Ensinavam ofícios àqueles que demonstravam aptidão. As atividades econômicas beneditinas na fazenda de Jaguaribe cumpriam com a sua missão de evangelização, educação e catequese.

Nos aldeamentos indígenas, os beneditinos buscavam convencê-los a deixar as crianças irem para os mosteiros e fazendas, para que fossem educadas conforme a doutrina cristã (Tavares, 2007). As crianças indígenas eram atraídas para as atividades de catequese, leitura, escrita e cálculo. A evangelização das crianças envolvia, numa única ação, a prática de educação cristã e a escolarização das primeiras letras (Ferreira Júnior & Bittar, 1999).

Os religiosos beneditinos de Olinda assistiam a sete ou oito aldeias indígenas. Nas fazendas, estimulavam a formação de unidades familiares. Era permitido o casamento de escravas com homens livres, mas não de escravos com mulheres livres, já que os filhos das mulheres livres seriam livres também. Os beneditinos compreendiam que a prática de estímulo à constituição de famílias diminuía as insurreições (Schwartz, 1988).

No Rio de Janeiro, os beneditinos também possuíam um expressivo complexo agrário. Aos 11 de novembro de 1591, os beneditinos fluminenses receberam uma doação de terras realizada por Jorge Ferreira, às margens do Rio Iguaçu, que foram confirmadas pelo governador Francisco de Sousa, em 25 de abril de 1662, somada a outras compras. Em 1606 compraram de Estevam de Araújo e sua esposa, Catharina de Bittencourt, uma parte; em 1615, fizeram a aquisição de outra parte, de Manuel Pontes e sua esposa, Joanna Lopes; e em 1646, 1669, 1755 e 1786 realizaram a compra de outras partes. Essa propriedade possuía uma extensão de mais de 10 mil hectares (Fragoso, 2015; Silva-Nigra, 1943).

Entre os anos de 1613 e 1616, no governo abacial de frei Bernardino de Oliveira, construiu-se na fazenda do Iguaçu um engenho para beneficiamento da produção de cana de açúcar. Esse empreendimento cresceu e, entre os anos de 1651 e 1652, contava com aproximadamente 109 escravos. A fazenda do Iguaçu contribuiu para o início do processo de colonização do Vale do Rio Iguaçu, que atualmente constitui o município de Duque de Caxias (Fragoso, 2015).

Parte das terras da fazenda do Iguaçu era arrendada a particulares, conforme termos de arrendamentos existentes, como o termo de arrendamento estabelecido pelo abade Bernardino de Oliveira, assinado aos 6 de agosto de 1615. Em 1697, o engenho de cana de açúcar da fazenda do Iguaçu foi transferido para a fazenda da Vargem Pequena. As terras da fazenda do Iguaçu, nos anos seguintes, serviram para a criação de gado. E, em 1703, iniciou o ciclo da plantação de mandioca, com a construção de um engenho para a produção de farinha. Em 1711, com a invasão francesa, a fazenda contribuiu com mantimentos (carne, farinha e feijão) para auxiliar as três companhias da Armada e da Junta do Comércio, cujo efetivo perfazia um total de 3.270 homens. A fazenda do Iguaçu hospedou e alimentou soldados que vieram das Minas Gerais com o governador Antônio de Albuquerque para socorrer a cidade do Rio de Janeiro (Silva-Nigra, 1943).

Entre os anos de 1777 e 1780, o abade frei Lourenço da Expectação Valadares, nos fundos da fazenda do Iguaçu, construiu um novo engenho para atender a uma produção de quatro mil alqueires de farinha. Além da farinha, há indícios de que a fazenda do Iguaçu também possuía uma olaria. Ela fornecia tijolos, ladrilhos e telhas para as obras da fazenda e para a construção do mosteiro de São Bento do Rio de Janeiro. Essa olaria foi uma doação feita pelo monge frei Luís do Rosário, que, por sua própria iniciativa e financiamento, construiu-a próxima à fazenda do Iguaçu para fins comerciais e, anos depois, aos 29 de novembro de 1735, com sua morte, a propriedade e a olaria, inclusive seus escravos, ficaram para os beneditinos (Silva-Nigra, 1943).

Entre os anos de 1743 e 1746, o abade frei Francisco de São José aumentou a produção da olaria e o número de escravos, para atendimento das demandas. Frei Miguel da Conceição, entre os anos de 1760 e 1763, também realizou melhorias para o aumento da produção. E, no governo abacial de frei Gaspar da Madre de Deus, entre os anos de 1763 e 1766, foi feito na fazenda do Iguaçu um terceiro forno, o que possibilitou a produção de mais tijolos e telhas para a construção do grande quartel das tropas do Rio de Janeiro, no Campo de Santana.

A primeira referência a uma casa grande na fazenda do Iguaçu ocorreu no governo abacial de frei Manuel do Rosário, entre os anos de 1660 e 1663, período em que esse Abade arquiteto construiu a casa da vivenda. Entre os anos de 1754 e 1757, no abaciado de frei Manuel do Espírito Santo, foi iniciada a construção de uma casa nova, em formato de mosteiro. As informações sobre a construção da Igreja na fazenda do Iguaçu dão conta de que ocorreram, possivelmente, entre os anos de 1645 e 1648, no governo abacial de frei Mauro das Chagas. O abade frei João de Santana Monteiro, em 1695, fundou na fazenda do Iguaçu, a Irmandade do Rosário dos Pretos, uma confraria de culto católico que veio para a América Portuguesa no início do século XVI e tinha por finalidade abrigar a religiosidade dos negros. Entre os anos de 1757 e 1760, a Igreja da fazenda do Iguaçu recebeu novas reformas, incluindo uma sacristia.

No Dietário do Mosteiro de São Bento do Rio de Janeiro consta que o frei Francisco de Jesus serviu, por muito anos, como administrador da Fazenda de Inhumerim, até à sua morte, aos 10 de janeiro de 1653. Na fazenda de Inhumerim, frei Leandro de São Bento também, por alguns anos, administrou a referida fazenda (Silva-Nigra, 1943). Essa fazenda foi doada aos beneditinos fluminenses aos 28 de abril de 1590, por Salvador Correia de Sá, e ficava no atual município de Magé. Em 1626, essa fazenda agregou as terras doadas por Diogo de Brito de Lacerda, juntamente com 30 escravos (Fragoso, 2015).

A partir de 1591, às margens do Rio Guandu, nas terras que possuíam em Campo Grande, foi introduzida a criação de gado. Frei Bento do Espírito Santo administrou a fazenda da Ilha por aproximadamente duas décadas, nas quais dedicou especial atenção à educação dos cativos. Na documentação reunida no códice 105 há o registro de uma visita realizada ao Mosteiro de São Bento do Rio de Janeiro em que é expressa a preocupação com a formação cristã dos escravos e sobre a necessidade de ensinar a doutrina a todos os escravos nas propriedades beneditinas, tendo o cuidado de orientá-los a se confessar algumas vezes no ano (Arquivo do Mosteiro de São Bento da Bahia, 1784-1798, fl. 1).

O Mosteiro de São Bento da Bahia possuía os engenhos de São Sebastião das Lages, São Caetano das Tapassarocas, Cabussu e Inhatá, localizados na região de São Francisco do Conde, que abrange os atuais municípios de Santo Amaro, Amélia Rodrigues, Jacuípe, Terra Nova, Teodoro Sampaio, São Sebastião do Passé e Catú. A organização espacial dos engenhos envolvia casa grande, capela, senzala e fábrica.

No Livro do Tombo do Mosteiro de São Bento de Olinda, o motivo pelo qual a Câmara Municipal da cidade pleiteou a implantação do mosteiro beneditino foi em função do trabalho espiritual que realizariam com a população. Nesse Livro Velho do Tombo também consta uma petição ao Governador da Capitania da Bahia, em suas páginas 290 e 291, na qual o Presidente do Mosteiro solicitou sesmarias nos limites da Serra de Jurará para garantir recursos (dízimos) necessários à administração do mosteiro, realização do culto divino e administração dos sacramentos aos fieis. Esse trecho da petição feita pelo Presidente do Mosteiro é relevante, uma vez que demonstra que os religiosos beneditinos realizavam pregações nas aldeias para a conversão dos indígenas, atividade espiritual que também realizavam em suas propriedades. Em 1662, os religiosos beneditinos, em petição, solicitaram ao rei a isenção de impostos; para tanto, exaltaram os mosteiros construídos e sua importância no acolhimento de missões e catequização e o quanto esse trabalho requeria recursos, conforme códice 46, folhas 214-214v, do Arquivo Histórico Ultramarino, em 3 de outubro de 1662.

Das propriedades do Mosteiro de Salvador, o engenho de São Bento das Lages era o mais conhecido e foi construído nas terras doadas por Gonçalo Eanes nos anos de 1650. A exploração das propriedades beneditinas era semelhante à dos senhores leigos. Eles precisavam da mão de obra escrava para o desenvolvimento das atividades agropecuárias (Olivera Hernández, 2005).

Dentre as resoluções do Conselho do Mosteiro de São Bento da Bahia consta que os religiosos indicados para as granjas (fazendas) fossem fiéis e inteligentes e que ensinassem a doutrina cristã aos escravos nos domingos e dias santos; além de se confessarem e observarem a lei de Deus (Arquivo Distrital de Braga, 1770-1789, fl. 194).

No engenho de São Caetano das Tapassarocas, construído em 1720, além da produção de açúcar, as terras eram ocupadas por cerca de 200 inquilinos, que desenvolviam as lavouras de trigo, feijão e arroz e, anualmente, pagavam aos religiosos o dízimo de suas lavouras. Eles também possuíam as fazendas de Itapoá, Iraípe, Lage, Rio São Francisco, Santo Antônio das Barreiras, Inhatá e Rio Vermelho. As propriedades rurais forneciam materiais e matérias-primas para beneficiamento em outras propriedades, para a subsistência e para comércio local (Olivera Hernández, 2005). Na fazenda de Iraípe, localizada nas imediações do rio Buranhém, no atual município de Porto Seguro, a economia da região era baseada na extração do pau-brasil e na produção de farinha. Na Fazenda de Barreiras também se trabalhava na extração de madeira. Havia alguns engenhos implantados e pequenas propriedades agrícolas. Nela, a partir dos anos de 1700, foram construídas olarias para a produção de louças de barro, vidrada, telhas e tijolos, que eram comercializados nas vilas e cidades.

Os religiosos adquiriam os seus cativos indígenas nas expedições realizadas pelas aldeias do sertão, por meio de doações e compra. Em relação aos africanos, passaram a recebê-los por doações e compra. Nas fazendas foram construídos barracões e, neles, deram início ao trabalho de catequização, possibilitando a inserção dos indígenas e africanos nas celebrações e nos sacramentos. Aos indígenas e africanos eram ensinados alguns ofícios para que servissem de mão de obra aos religiosos, usando a ideologia da salvação para torná-los pacíficos. Essas atividades ocorriam em suas propriedades: fazendas e mosteiros; elas também ocorriam por meio da pregação nas aldeias (Tavares, 2007).

Pela bula de 5 de outubro de 1462, o Papa Pio II justificava a escravidão como um meio necessário para fazer com que os negros assumissem a fé católica. A teologia em vigor justificava a expatriação como uma necessidade para abrir as portas da salvação dos indígenas e africanos. A escravidão era representada como um componente da própria cristandade e, para ‘libertá-los’ de seus cultos, a eles era oferecida proteção celeste por meio do culto a Nossa Senhora e aos Santos. Foram criadas associações religiosas que contribuíram para o fortalecimento dos negros enquanto um grupo social. As confrarias eram uma maneira de possibilitar aos negros acesso à crença católica. Os negros foram incentivados à devoção de Santa Ifigênia, São Benedito, Santo Antônio de Catagerona, São Gonçalo, Santo Onofre, que, segundo a hagiografia tradicional, eram pretos ou pardos. Os escravos, por meio das festas celebradas em honra aos Santos, podiam encontrar alento para a sua triste condição de vida (Azzi, 2004).

De acordo com Ordem Régia proferida aos 27 de abril de 1719, a Coroa Portuguesa ordenou aos provinciais dos jesuítas, beneditinos, franciscanos e carmelitas que doutrinassem os escravos quando chegassem aos portos. Segundo a Ordem Régia, era preciso ter todoo cuidado para que se instruíssem os africanos na doutrina cristã, além da necessidade de serem batizados (Ordem Régia para os Provinciais..., 1719).

Na quinta reunião do Capítulo Geral da Congregação realizada no Mosteiro de Pombeiro, aos 29 de setembro de 1584, os religiosos beneditinos decidiram incorporar o Mosteiro de São Bento da Bahia à Congregação Beneditina Portuguesa, elevando o mosteiro à condição de Abadia, sendo seu abade frei António Ventura, conforme Bezerro I (1570-1611), em suas folhas 90-91v. De acordo com D. Lourenço de Almeida Prado, reitor Emérito do Colégio de São Bento do Rio de Janeiro, com a incorporação dos mosteiros à Congregação de São Bento de Portugal e à condição de Abadias, a partir de 1610 já se ensinavam as primeiras letras aos moradores dos arredores dos mosteiros. Antes de ingressar no mosteiro, o candidato passava por um processo de aprendizagem, com duração de um ano, e nesse período ele era chamado de postulante. Frei Mauro Ferreira e Frei Plácido das Chagas professaram a 10 de fevereiro de 1602 e foram os primeiros noviços que receberam a formação monástica no mosteiro fluminense (Fragoso, 2015).

Nas Constituições e Definições para a Província do Brasil para a Província do Brasil, acordadas em 23 de junho de 1623 no Mosteiro da Bahia, foi determinado que os religiosos, ao irem para as cidades e vilas, nunca fossem sozinhos (conforme capítulo quinto, definição segunda). No primeiro Capítulo Geral da Congregação Beneditina Portuguesa, realizado em 1570, conforme Bezerro 1, a preocupação com a formação religiosa e intelectual dos religiosos se revestiu de importância. Os noviços eram alvo de constante preocupação. A formação do noviciado ganhou fôlego na medida em que era preciso ampliar os quadros dos mosteiros para se garantir e possibilitar a consolidação das reformas.

Em 1575, no Capítulo Geral em Tibães, o Abade Geral da Congregação Beneditina determinou, em relação à formação, que houvesse o ensino de latinidade, artes e teologia para os religiosos da Congregação. Segundo ele, o exercício das letras, da oração e dos exercícios espirituais era um meio eficaz para expressar a verdadeira religião (Bezerro 1, 1570-1611). Para tanto, os candidatos ao noviciado eram avaliados pelo Abade geral, que analisava as qualidades e se eram de “sangue limpo”. Nos mosteiros da América Portuguesa, avaliava-se a descendência ou se eram mestiços. Havendo um desses quesitos, o candidato era desqualificado para dar prosseguimento como candidato a monge.

Nos mosteiros da América Portuguesa, segundo consta no Bezerro 1, determinou-se, na Junta de Tibães, em 1596, que houvesse religiosos qualificados para avaliar o ingresso dos candidatos ao noviciado. Para tanto, nesse Capítulo Geral e Definitório, foram nomeados para examinadores do mosteiro de São Bento de Salvador fr. Tomaz, Abade do dito mosteiro, fr. Antonio Ventura e fr. Mâncio da Cruz. E, no mosteiro de Olinda, fr. Bento do Rio Douro, fr. Bento de Lx. e Fr. Mâncio dos Mártires. No caso de morte de um deles, os demais, em cada mosteiro, elegiam outro.

A admissão de candidatos ao noviciado nos Mosteiros da América Portuguesa somente ocorreu com a elevação do Brasil à condição de Província, conforme se estabeleceu na Junta Capitular da Congregação, realizada no Mosteiro de Santa Maria de Pombeiro, em 1596. Nessa Junta Capitular houve a determinação de que não se aprovasse ao noviciado mestiços e outros que não tivessem sangue nobre (Bezerro 1, 1570-1611).

Em relação ao exercício do estudo, nas Constituições ficou estabelecido que não se criaria nos Mosteiros da Província do Brasil nenhum curso de Artes; contudo, sabendo que haveria muitos candidatos com habilidades para receber a formação beneditina, foi orientado aos Abades de cada Mosteiro que, com o Padre Provincial e com os Padres do Conselho de cada casa, examinassem e aprovassem os candidatos que parecessem ter habilidades para as letras. Cada mosteiro deveria encaminhar os nomes dos candidatos para que o Padre Geral da Ordem escolhesse quatro candidatos, os quais seriam encaminhados para a metrópole para realizarem o Curso de Artes, Filosofia e Teologia, à custa da Província do Brasil. Parte significativa dos candidatos provinha das poderosas famílias das capitanias. Os noviços, em sua maioria, pertenciam ao topo da hierarquia social da América Portuguesa. Foi o caso, por exemplo, de frei Diogo da Paixão Rangel, pois sua família pertencia à nobreza da terra (Fragoso, 2015).

Os candidatos, ao completarem a formação em Portugal, deveriam retornar para a Província do Brasil e, nela, praticar as letras aprendidas. Eles eram indicados para o magistério, formação de primeiras letras, entre outras atividades. No capítulo seis, em seu parágrafo segundo, das Constituições de 1623 é afirmado que o Padre Provincial mandaria lecionar gramática nos mosteiros do Brasil para o serviço de Deus.

O Conselho Ultramarino, em 23 de setembro de 1700, emitiu um parecer ao rei sobre a petição dos Oficiais da Câmara de Pernambuco, na qual pediam que os Abades dos mosteiros do Brasil aceitassem, como noviços, os jovens nascidos no Brasil (Arquivo Histórico Ultramarino, 1700). O aviso régio aos Oficiais da Câmara de Pernambuco sobre a entrada de noviços filhos naturais do Brasil nos mosteiros desse Estado foi emitido em 4 de dezembro de 1700. Em 1701, a Coroa Portuguesa retificou esse aviso régio sobre a entrada de noviços filhos naturais do Brasil nos mosteiros, após ter sido ouvido o Geral da Congregação. Conforme o Aviso de sua majestade para receber noviços na província do Brasil, datado de 28 de novembro de 1783, havia uma necessidade de receber noviços nos mosteiros beneditinos, visando atender às atividades religiosas. Em outro documento, intitulado Ordem que manda o N. Rmo. Pe. General Fr. Manoel dos Prazeres ao N. Rmo. Pe. Provincial Fr. Antônio de São José, datado de 26 de outubro de 1789, foi determinado que os mosteiros beneditinos do Brasil pudessem aceitar, em média, 20 noviços, com a finalidade de serem formados para atuar nas mais diferentes atividades religiosas ( Ordem que manda…, 1789).

A partir de 1727, no Mosteiro Beneditino de Olinda, era realizado o curso de Filosofia, sendo o curso de Teologia ministrado nos Mosteiros da Bahia e do Rio de Janeiro. Os religiosos da Bahia e do Rio de Janeiro que desejassem cursar Filosofia eram encaminhados para o Mosteiro de Olinda, e os candidatos que haviam finalizado Filosofia em Olinda realizavam Teologia nos Mosteiros da Bahia e Rio de Janeiro, conforme consta na Crônica do Mosteiro de São Bento de Olinda (1940), até 1763. A formação recebida pelos religiosos servia também para doutrinar os serviçais, necessários à manutenção da estrutura produtiva.

4. Conclusões

As Ordens religiosas na América Portuguesa tinham como finalidade a conversão dos indígenas, mestiços e negros à cristandade, sendo a educação o principal instrumento. O processo de formação educacional, tal como a evangelização, acontecia para atender aos interesses da Coroa portuguesa. Era preciso tornar os nativos homens educados. Livrá-los das suas práticas culturais de origem. O processo de transformação envolvia a aprendizagem e o desenvolvimento de novos hábitos de higiene, alimentação, cuidados com a saúde, realização de trabalho e culto.

A educação beneditina, como a jesuítica, ocorreu também nas suas propriedades. O trabalho de evangelização se fundia no tripé econômico: terra, escravidão e agropecuária. Pela descrição das extensas propriedades beneditinas, organizadas por meio de relações mercantis de produção, vemos que os beneditinos participaram da construção do sistema colonial implantado por Portugal na América Portuguesa.

O trabalho escravo nas propriedades beneditinas foi a principal mão de obra empregada na produção. Foram os filhos desses escravos o contingente de crianças atendidas pela ação pedagógica dos beneditinos. A organização de fazendas de açúcar e de gado, os engenhos e olarias também fizeram parte do projeto educacional desenvolvido pelos beneditinos. A ação educadora realizava-se em espaços construídos em cada uma das fazendas de propriedade dos beneditinos, nas quais as crianças eram preparadas para o exercício da vida cristã e, é claro, para o trabalho.

Os religiosos, nas colônias, estavam a serviço da Coroa portuguesa. Eram funcionários assalariados da Coroa, assim como ocorria com o clero calvinista a serviço das Companhias Holandesas das Índias Orientais e Ocidentais. O estabelecimento dessa relação evidenciou a ascensão do Estado moderno sobre o poder eclesiástico, determinando a este um papel secundário no que se refere ao campo político e econômico. A administração dos negócios do Estado moderno pelos eclesiásticos, nas colônias, era altamente lucrativa para os monarcas ibéricos, uma vez que se fundamentava em práticas econômicas e financeiras apoiadas no espírito do mercantilismo.

Os privilégios concedidos pelo poder eclesiástico aos monarcas ibéricos, pelo regime de Padroado, envolviam a construção de catedrais, igrejas, mosteiros, conventos e eremitérios; apresentação à Santa Sé de lista de candidatos mais convenientes aos cargos de arcebispos, bispos e abades. Também serviam para administrar jurisdições e receitas eclesiásticas. A Igreja estava sob o controle direto da Coroa, exceto nas questões referentes ao dogma e à doutrina. O Estado Português exercia essa função por meio da Mesa de Consciência e Ordens, criada em 1532, que funcionava como instrumento regulador das questões relativas à política de missão.

Houve muito conflito entre religiosos, colonos e autoridades locais em relação aos métodos empregados para inserção dos indígenas e dos africanos ao modo de vida “civilizado” europeu e sua utilização como mão de obra. O trabalho catequético e missionário, portanto, educativo, dos religiosos contribuiu para a inserção do Brasil no mundo das relações comerciais. A prática religiosa serviu, também, como instrumento educativo eficaz no processo de modelação do comportamento indígena e africano, para que utilizados como força motriz da colonização e expansão das práticas comerciais mercantis.

Diferentemente de outras Ordens religiosas, como, por exemplo, os jesuítas e franciscanos, que se vincularam em maior proporção às missões em aldeias indígenas e junto aos colonos, os beneditinos eram ligados, em sua maioria, aos grupos dirigentes. O capítulo da congregação teve início em 10 de setembro de 1570, no mosteiro de Tibães. Nesse capítulo, definiu-se que a falta de instrução seria uma das preocupações da congregação, necessitando preparar melhor os seus religiosos para as necessidades dos novos tempos. Essa demanda resultou, em parte, da importância política da Igreja, como veículo de institucionalização do poder da Coroa sobre os territórios e sobre os cristãos, sobretudo após as novas diretrizes eclesiásticas estabelecidas no Concílio de Trento, que contribuíram para o estabelecimento de novas maneiras de atuação da Igreja, particularmente no campo da instrução e da educação. As mudanças introduzidas visavam não somente a renovação do clero, mas também dos cristãos. As primeiras constituições sinodais e extravagantes elaboradas sob as normativas tridentinas em Portugal já previam um novo comportamento dos religiosos em relação ao seu papel social, como agentes formadores desse novo cristão. Essas mudanças direcionaram o trabalho da Igreja para evangelização, catequese e missionação, pondo, assim, em destaque a pedagogia como foco de suas atividades.

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Recebido: 08 de Novembro de 2019; Aceito: 15 de Junho de 2022

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