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Revista Portuguesa de Educação

versão impressa ISSN 0871-9187versão On-line ISSN 2183-0452

Rev. Port. de Educação vol.35 no.2 Braga dez. 2022  Epub 08-Out-2021

https://doi.org/10.21814/rpe.21275 

Artigos Originais

Avaliar para aprender em ciências experimentais

Assess to learn in experimental sciences

Evaluar para aprender en ciencias experimentales

Margarida Teixeira de Sousa1 

Leonor Santos2 

1Escola Básica e Secundária Frei Gonçalo de Azevedo, São Domingos de Rana, Portugal.

2Instituto de Educação, Universidade de Lisboa, Portugal.


Resumo

Este artigo reporta um estudo que tem por objetivo compreender como uma professora portuguesa do 3.º ciclo do ensino básico desenvolve práticas avaliativas em atividades investigativas de Ciências Naturais para orientar e apoiar a aprendizagem dos seus alunos. Optámos por uma abordagem metodológica interpretativa, com design de estudo de caso. A professora Eva é o caso deste estudo. Recorreu-se à entrevista, observação de aulas e pesquisa documental, para recolha de dados. A metodologia usada foi a de análise de conteúdo. Os resultados obtidos evidenciam que as práticas de avaliação formativa da professora Eva refletem a importância de o aluno aprender acerca da ciência e a pensar a ciência, numa abordagem Inquiry Based Science Education. Enquanto instrumentos ao serviço do ensino e da aprendizagem, estas práticas de avaliação formativa são de natureza formal e informal. Para obter evidências que melhorem o desenvolvimento de competências científicas, a professora Eva usa como estratégias o feedback oral e escrito, a explicitação dos objetivos de aprendizagem e de critérios de avaliação e o incentivo ao trabalho colaborativo por parte dos alunos. A estas estratégias junta-se a seleção criteriosa de tarefas de natureza investigativa de inquérito estruturado, guiado e aberto. As implicações para contextos de formação de professores mostram-se orientadas por um diálogo de práticas avaliativas.

Palavras-chave Avaliação formativa; Aprendizagem das ciências experimentais; Competências investigativas; Atividades práticas investigativas

Abstract

This article presents a study that aims to understand how a middle school Portuguese teacher develops assessment practices in Natural Sciences to guide and support the learning development. An interpretative methodology was followed, using a case study design. Teacher Eva is the case of this study. Interviews, class observation and documental research were used to collect data. Content analysis methodology was performed. The results show that Eva’s formative assessment practices reflect the importance of students to learn about science and to think about science, in an Inquiry Based Science Education approach. These practices, formal and informal in nature, are a way to contribute to teaching and learning. In order to gather evidence to improve the development of the students’ scientific competences, Eva uses oral and written feedback, learning objectives and assessment criteria in an explicit form, and the promotion of student collaborative work. To these strategies, Eva adds a careful selection of investigative structured tasks, oriented and open inquiry. The implications for teacher’s professional development are oriented by a dialogue of assessment practices.

Keywords Formative assessment; Experimental sciences learning; Scientific skills; Investigative and practical activities

Resumen

Este artículo reporta un estudio que tiene como objetivo comprender cómo un profesor portugués en el 3er ciclo de la educación básica desarrolla prácticas evaluativas en actividades de investigación de Ciencias Naturales para guiar y apoyar la construcción del aprendizaje. Se optó por un enfoque metodológico interpretativo con diseño de estudio de caso. La profesora Eva es el caso en este estudio. Para la recolección de datos se utilizaron entrevistas, observación de clases y recogida documental. Su análisis siguió la metodología del análisis de contenido. Los resultados obtenidos muestran que las prácticas de evaluación formativa de la profesora Eva reflejan la importancia de que el estudiante aprenda sobre la ciencia y piense sobre la ciencia, en un enfoque de educación científica basada en la indagación. Estas prácticas son de carácter formal e informal, como instrumentos al servicio de la enseñanza y el aprendizaje. Para obtener evidencias que mejoren el desarrollo de las competencias científicas, se utilizan como estrategias la retroalimentación oral y escrita, la explicación de los objetivos de aprendizaje y de los criterios de evaluación, y el fomento del trabajo colaborativo por parte de los estudiantes. Estas estrategias se suman a la cuidadosa selección de tareas de carácter investigativo estructurada, guiada y abierta. Las implicaciones para los contextos de formación docente se orientan por un diálogo de prácticas evaluativas.

Palabras clave Evaluación formativa; Aprendizaje de las ciencias experimentales; Capacidades de investigación; Actividades prácticas investigativas

1. Introdução

A investigação centrada na disciplina de Biologia e Geologia do ensino secundário no contexto do sistema educativo português destaca a importância de atividades práticas para elevar o nível de complexidade do trabalho prático e levar os alunos a investigar, promovendo a mudança da atual cultura escolar que enfatiza a memorização e a compreensão de nível simples (Ferreira & Morais, 2017). Acresce que, na sala de aula, a abordagem Inquiry Based Science Education (IBSE) (Galvão et al., 2016) estimula o desenvolvimento de capacidades e competências investigativas nas aprendizagens científicas.

A natureza das atividades laboratoriais utilizadas e o modo como têm sido integradas no ensino das ciências leva a concluir que a necessária inovação depende, fundamentalmente, do professor (Clough & Clark, 1994; Ferreira & Morais, 2017; Leite, 2003). Também o uso da avaliação formativa em atividades práticas investigativas tem contribuído para um ensino mais inovador das ciências, nas últimas décadas (Cowie & Bell, 1999; Grob et al., 2017).

Assim, Ferreira e Morais (2017) destacam a necessidade de mais estudos sobre contextos de ensino e de avaliação do trabalho prático. Estas autoras ponderam a análise do que (conhecimentos e capacidades) e do como (relações intradisciplinares) de práticas pedagógicas para a sua efetiva implementação. Na mesma linha, Galvão et. al. (2016) reforçam a importância de se continuar a estudar a implementação de práticas avaliativas em abordagem IBSE como forma de dar feedback ao aluno com o propósito de melhorar a sua aprendizagem.

É nosso interesse perceber como a avaliação apoia o aluno num determinado percurso, através do currículo escolar em Ciências Experimentais, para sucesso de cada um e de todos os alunos. A atenção particular dada à avaliação formativa é sustentada pela literatura da especialidade ao recomendar o incremento de práticas de avaliação interna na sua modalidade formativa, para (re)organizar o ensino e melhorar as aprendizagens (Black & Wiliam, 2009; Fernandes, 2007; Santos, 2011; Santos & Pinto, 2018; Wiliam, 2010). De forma a compreender em profundidade as práticas avaliativas, a nossa escolha recaiu sobre uma professora, a professora Eva, considerando a identidade própria da sua experiência académica e as suas práticas pedagógicas no desenvolvimento de competências em atividades práticas investigativas com abordagem IBSE. Esta escolha deliberada pretende melhorar a necessidade de definir objetivos, metas e estratégias, no projeto educativo do agrupamento de escolas a que Eva pertence, referentes ao desenvolvimento da literacia científica em todos os níveis de educação e de ensino, de acordo com um relatório recente elaborado no âmbito do ensino experimental das ciências, sobre o trabalho desenvolvido neste agrupamento de escolas. É nossa convicção que este estudo é particularmente relevante, pela valorização dos processos avaliativos de Eva, e para a compreensão de práticas de ensino e melhoramento das aprendizagens em ciências, particularmente na disciplina de Ciências Naturais, do 3.º ciclo do ensino básico, contribuindo para a reflexão, por parte dos docentes, sobre as suas práticas, envolvendo-os em processos de autoformação.

Deste modo, o presente estudo teve por objetivo compreender as práticas avaliativas da professora Eva, que, num contexto de abordagem IBSE, procurou ajudar o aluno a aprender na disciplina de Ciências Naturais, do 3.º ciclo do ensino básico. Para tal, procurámos responder à seguinte questão: Qual a natureza e caraterísticas das práticas avaliativas formativas de Eva, conducentes ao controlo, por parte do aluno, da sua aprendizagem científica?

2. Enquadramento Teórico

Em ordem ao desenvolvimento de uma teoria da avaliação interna das aprendizagens, efetiva-se o desenvolvimento de teorias e modelos que dão peso apropriado à avaliação formativa como parte da pedagogia (Black & Wiliam, 2009, 2018; Fernandes, 2006; Santos, 2011). Também, em inter-relação com modelos de ensinar e aprender, comprova-se que a avaliação formativa pode melhorar substancialmente o desempenho dos alunos (Cowie & Bell, 1999; Santos & Pinto, 2018).

Não há uma definição consensual de avaliação formativa entre os investigadores. Alguns autores colocam a ênfase da avaliação formativa na melhoria do desempenho dos alunos, relativamente ao seu papel na autorregulação da aprendizagem, e, por isso, a denominam de avaliação como aprendizagem (Hayward, 2015). Outros direcionam-na para uma avaliação para a aprendizagem, onde é fundamental o processo pelo qual os professores usam evidências de avaliação para (re)formular o ensino e regular a aprendizagem (Heritage, 2018). Neste estudo, assumimos um conceito de avaliação formativa como sustentado por Wiliam (2010): a avaliação formativa é uma atividade interativa de construção compartilhada entre professores, alunos e seus pares, que fornece informações a serem utilizadas para transformar as práticas de ensino num maior apoio e orientação ao controlo da aprendizagem por parte do aluno.

Pelo exposto, entende-se que a avaliação formativa é um processo privilegiado de comunicação entre professores e alunos para a construção de aprendizagens. Segundo Black e Wiliam (2009), opera-se através de cinco principais práticas de avaliação da aprendizagem: a) o esclarecimento e partilha clara de objetivos de aprendizagem e critérios de avaliação; b) a promoção de discussões coletivas em sala de aula e outras tarefas de aprendizagem que forneçam evidências da compreensão do aluno; c) o fornecimento de feedback orientador; d) o incentivo à coavaliação dos alunos; e e) a valorização do envolvimento do aluno, no contexto, para construção da sua aprendizagem. Contudo, estes autores consideram que qualquer uma destas estratégias-chave seguidas pelo professor não esgota outras possibilidades de ação avaliativa de caráter formativo.

A avaliação formativa situa o aluno em relação ao objetivo educacional a ser alcançado e aos critérios de avaliação que este deve conhecer para o efeito. Nesse sentido, referem Pinto e Santos (2006) que:

Assim, o jogo de explicitação/apropriação do que o professor pretende e a forma como os alunos se apropriam desses critérios são balizas importantes para os alunos construírem as suas respostas, e consequentemente os juízos avaliativos que o professor faz sobre os seus trabalhos. (p. 105)

Também, a qualidade do feedback é uma característica crítica na atividade de aprendizagem, por permitir que o aluno tome consciência das suas dificuldades e receba indicações de como as ultrapassar, num ato de construção do conhecimento (Black & Wiliam, 2018; Fernandes, 2007; Santos & Pinto, 2018). Apontam Tunstall e Gipps (1996) que o feedback avaliativo de caráter formativo parece dar ao aluno um sentido de maior responsabilidade no trabalho desenvolvido, assim como meios para articular futuras possibilidades de aprendizagem.

Em conformidade, estudos empíricos descrevem medidas, na prática em sala de aula/laboratório, que se baseiam numa combinação de várias estratégias de avaliação formativa, com o objetivo claro de apoiar os professores de ciências para que os alunos aprendam algo enquanto são avaliados (Cowie & Bell, 1999; Galvão et al., 2016; Grob et al., 2017).

O estudo de Cowie e Bell (1999) apresenta um modelo que envolveu os professores em dois tipos de avaliação formativa, a “avaliação formativa estruturada” (AFE) e a “avaliação formativa interativa” (AFI). A avaliação formativa foi estruturada na medida em que o professor providenciou a realização de uma atividade para obtenção e interpretação de informações e, em seguida, a tomada de medidas formais e produtivas sobre a aprendizagem científica. Tendia a ser realizada com toda a turma. A avaliação formativa foi interativa quando o principal objetivo dos professores foi intervir na aprendizagem de cada aluno no que diz respeito à sua aprendizagem científica, mas, também, à aprendizagem social e pessoal. A AFI desenvolveu-se em resposta direta e imediata ao que os alunos, individualmente ou em pequenos grupos, realizavam no momento nas suas atividades práticas. Os detalhes deste tipo de avaliação formativa são de natureza informal. Não foram planeados e não puderam ser antecipados e, ainda, dependeram muito das capacidades de interação dos professores com os alunos e da natureza das relações estabelecidas.

As investigações de Galvão et al. (2016) e Grob et al. (2017) discutem, a partir de perspetivas de professores, implicações para a implementação de uma AFE na educação científica baseada em abordagem Inquiry. Tal significa que as práticas pedagógicas se direcionam para questionar o aluno, levando-o a responder de forma crítica a questões de pesquisa, por meio da análise dos dados, promovendo, deste modo, o desenvolvimento das competências científicas dos alunos.

No desenvolvimento do projeto internacional SAILS, Galvão et al. (2016) descrevem atividades investigativas e práticas de avaliação de competências. O foco da avaliação formativa é colocado no apoio ao desenvolvimento de seis competências e capacidades científicas: formulação de hipóteses, trabalho colaborativo, argumentação, planificação de investigações, raciocínio científico e literacia científica.

É de notar que, segundo Galvão et al. (2016) e Grob et al. (2017), a aprendizagem em abordagem de Inquiry não é um método de ensino ou modelo curricular, é tão-somente um conceito que representa a essência da educação científica e que pode ser incorporado em vários modelos de práticas pedagógicas.

Mas, seja qual for o modelo de prática pedagógica, recorre-se a atividades práticas que podem apresentar quatro níveis de exigência conceptual de aprendizagem científica (Bell et al., 2005; Morais et al., 2020). No nível 1, de mais baixa exigência conceptual, encontram-se as atividades de confirmação, onde os alunos conhecem os resultados pretendidos e o professor facilita a questão-problema e o procedimento a seguir. No nível 2, encontram-se as atividades de inquérito estruturado, nas quais os alunos investigam uma questão e seguem um protocolo, ambos da responsabilidade do professor. No nível 3, encontram-se as atividades de inquérito guiado, para as quais os alunos elaboram um procedimento de modo a responder à questão de investigação proposta pelo professor. No nível 4, as atividades de inquérito aberto, através das quais se pretende que os alunos formulem as suas questões e elaborem os seus procedimentos de investigação.

3. Metodologia

Apresentamos o caso da professora Eva, focado na forma como desenvolve práticas avaliativas formativas e as articula com os processos de ensino na disciplina de Ciências Naturais. Procuramos um conhecimento aprofundado sobre o caso, baseado em pormenores concretos da prática (Lessard-Hébert et al., 2010), valorizando o processo regulador da avaliação formativa em significados de abordagem IBSE. O estudo seguiu uma abordagem interpretativa (Flick, 2012), optando-se pelo design de estudo de caso (Stake, 1994), uma vez que se pretendeu compreender em profundidade uma situação particular, procurando fazer sobressair o que nela há de essencial, único e característico. Tratou-se de um estudo de caso intrínseco, pois o intuito foi conhecer um caso particular, no que às suas práticas avaliativas diz respeito.

Eva tem uma licenciatura em Biologia, no ramo de investigação em Recursos Faunísticos e Ambiente, pela Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, e dois cursos de pós-graduação. Um dos cursos é na área da educação ambiental e o outro é em Supervisão Pedagógica. Lecionava como professora do Quadro de Escola há 23 anos, aquando do início do estudo. A professora Eva foi considerada estudo de caso pela importância que atribui à realização de atividades, que são estratégias eficazes na promoção das aprendizagens científicas, numa avaliação formativa que decorre ao longo das suas aulas.

A turma foi selecionada por conveniência de horário, para possibilitar à investigadora, primeira autora deste texto, a observação de aulas. A turma de 8.º ano de escolaridade do ensino regular era constituída por 15 rapazes e 12 raparigas, com idades entre os 13 e os 14 anos, sem alunos repetentes.

Este estudo desenvolveu-se num contexto de trabalho colaborativo, que ocorreu entre a professora Eva e duas outras professoras conjuntamente com a investigadora, perfazendo um total de 15 reuniões, ao longo de um ano letivo. Nesse contexto, a professora Eva identificou conteúdos e conceitos-chave a abordar, de acordo com o programa curricular em vigor. Produziu atividades para o desenvolvimento de competências científicas IBSE e respetivos critérios de avaliação. Refletiu sobre as aulas realizadas, em particular sobre as estratégias de orientação e apoio à aprendizagem desenvolvidas (Galvão et al., 2016; Santos & Pinto, 2018). A investigadora interagiu com o campo de estudo e as professoras participantes na produção do saber, mas sem interferência nas disposições definidas no Departamento das Ciências Experimentais da escola onde decorreu o estudo. Vigoravam as indicações das Metas Curriculares do Ensino Básico – Ciências Naturais (Ministério da Educação e Ciência, 2013). Como métodos de recolha de informação (Lessard-Hébert et al., 2010), o estudo recorreu: a) à observação direta de 11 aulas de trabalho prático científico da professora Eva, na sua turma do 8.º ano de escolaridade selecionada; b) à observação participante da investigadora na totalidade das 15 sessões de trabalho colaborativo; c) a entrevistas à professora; e d) à recolha de produções realizadas por alunos (relatórios escritos das atividades ou outras produções do portefólio do aluno) e de documentos escritos desenvolvidos nas reuniões de trabalho colaborativo. As aulas observadas, as sessões de trabalho colaborativo e as entrevistas foram registadas em áudio.

A entrevista individual a Eva decorreu durante o primeiro período escolar. No final do ano letivo, foi realizada uma nova entrevista, agora em focus group, com as outras professoras que participaram no trabalho colaborativo. O guião da entrevista individual contemplava questões relativas ao percurso profissional, à vocação pedagógica e a perspetivas e práticas de avaliação da professora. O guião da entrevista em focus group abordou as práticas de avaliação formativa das professoras ao longo do ano letivo.

É na perspetiva construtivista da avaliação de sala de aula/laboratório, um modelo pedagógico centrado na relação entre os alunos e o saber e onde o professor desempenha um papel facilitador dessa comunicação (Pinto & Santos, 2006), que se situa o presente estudo (cf. Quadro 1). O acesso ao saber coloca o aluno em diferentes níveis de complexidade conceptual de aprendizagem, conforme traduzem as atividades práticas investigativas propostas por Eva.

Quadro 1: Contributos do Professor, Alunos e Atividades no Modelo Pedagógico Centrado no Aprender 

Apoia, como principal responsável pela construção de experiências de aprendizagem. Desenvolvem processos cognitivos, afetivos e comportamentais com o objetivo de realizar aprendizagens significativas. Inclui funcionalidades que potenciam a investigação científica e dão significado às aprendizagens em Ciências Experimentais.

Assim, a análise dos dados procura traduzir três dimensões, que, de acordo com a intencionalidade formativa da avaliação, se interligam: o papel da professora Eva, o papel do aluno e dos seus pares, e a natureza das atividades a propor por Eva. O trabalho de categorização processou-se através da análise da amostra do corpus, com o objetivo de elaboração do próprio código. As categorias definidas conjugam-se com as caraterísticas apontadas na literatura da especialidade (Bell et al., 2005; Cowie & Bell, 1999; Fernandes, 2006; Galvão et al., 2016; Morais et al., 2020; Pinto & Santos, 2006; Santos & Pinto, 2018; Wiliam, 2010).

De acordo com uma avaliação formativa estruturada ou interativa: i) o papel do professor considera as categorias de questionamento, de feedback escrito, de incentivo à discussão em turma/grupo e de explicitação de objetivos e critérios de avaliação, as quais conduzem os alunos a responder de forma crítica às questões de pesquisa; ii) o papel do aluno e dos seus pares cuida do seu envolvimento no contexto da atividade para experimentar, investigar e desenvolver as competências de comunicação científica, de formulação de hipóteses, de literacia científica, de planificação e operacionalização da investigação, de raciocínio científico, de trabalho colaborativo e de trabalho laboratorial; iii) a natureza das atividades refere-se às categorias de inquérito estruturado, de inquérito guiado e de inquérito aberto, para o desenvolvimento de aprendizagens científicas. Durante a análise dos dados recolhidos, e de modo a garantir a sua validade e fiabilidade, as duas investigadoras, autoras do presente artigo, após uma primeira codificação dos dados, discutiram os desacordos e dúvidas emergentes, para chegarem a um consenso.

Durante esta investigação foram tidos em conta os cuidados éticos expressos na Carta de Ética do Instituto de Educação da Universidade de Lisboa (Instituto de Educação da Universidade de Lisboa, 2016). Todos os participantes foram envolvidos, após o registo do seu consentimento informado. Foi, também, garantida a confidencialidade dos seus dados. Assim, os nomes que estão a ser usados para a professora e alunos são fictícios, para salvaguardar o anonimato.

4. Apresentação Dos Resultados No Modelo Pedagógico Centrado No Aprender

4.1. O Papel Do Professor Em Atividades Investigativas

Eva procura uma forma de agir referenciada pela voz do aluno, promovendo oportunidades para que este se interrogue, discuta e compreenda a partir das atividades que lhe foram propostas. A título de exemplo, refira-se que Eva, no primeiro trabalho que propõe à turma, ‘Observação de células ao Microscópio Ótico Composto (M.O.C.)’ (atividade de inquérito estruturado), alinha o ensino da célula, como unidade básica da biodiversidade, em torno da realização de atividades de observação de estruturas biológicas e suas inferências, que corroboram na avaliação do desenvolvimento de competências de trabalho laboratorial, de raciocínio e literacia científica. Eva aumenta o comprometimento do aluno com a atividade solicitando-lhe, no final, um relatório científico. Um dos alunos documenta o trabalho laboratorial, relacionando conhecimentos técnicos e científicos, com uma representação esquemática detalhada de células eucarióticas vegetais (elódea) e de células eucarióticas animais (epitélio bucal), conforme o M.O.C. Eva dá feedback escrito à produção do aluno completando, a cor verde, a informação da ampliação usada (= 100x), pretendendo, deste modo, que os alunos aprendam (Figura 1).

Figura 1: Resultados Observados na Atividade Prática “Observação de Células ao Microscópio Ótico Composto (M.O.C.)” – Relatório Científico do Daniel 

A legendagem das representações das células eucarióticas e suas inferências mostra uma correta estruturação dos dados e a construção de explicações científicas elaboradas pelo Daniel (Figura 2). O aluno identifica o núcleo na célula eucariótica animal e infere não ter conseguido identificar o núcleo na célula eucariótica vegetal, por não ter usado corante na preparação. Depreende, ainda, que os cloroplastos da célula eucariótica vegetal se encontram junto à parede celular devido aos vacúolos. O feedback de Eva é positivo e incentiva-o a avançar (com a simbologia de um smile) no trabalho.

Figura 2: Discussão dos Resultados Observados na Atividade Prática “Observação de Células ao Microscópio Ótico Composto (M.O.C.)” – Relatório Científico do Daniel 

O trabalho colaborativo entre pares no funcionamento do grupo é outra competência que a professora muito valoriza. Para Eva, o diálogo no grupo é uma das estratégias de prática pedagógica que diz concretizar no sentido de levar o aluno a ganhar curiosidade e a questionar-se:

Quando em sala de aula desenvolvem a atividade prática, eu também gosto que eles estejam em grupo para poderem dialogar e tirar dúvidas primeiro entre eles, não irem logo pedir esclarecimentos ao professor. É importante desenvolverem trabalho colaborativo com um bom funcionamento do grupo, raciocínios e literacia científica, para serem eles, entre si, a procurar a resposta. (Eva, entrevista inicial)

Salienta o interesse de não lhes dar respostas de imediato não só para não lhes tirar o prazer de serem eles a darem a resposta, mas também para que não percam o seu fio de pensamento. Contudo, lamenta fazê-lo algumas vezes por falta de tempo:

Gosto que façam perguntas e que queiram respondê-las, que tenham o gosto de, sozinhos, chegar à resposta. Não gosto de ser eu a dar a resposta, porque perdem conexões. Mas, às vezes, a falta de tempo faz-me abreviar as respostas deles, o que é pena! (Eva, entrevista inicial)

De facto, reportamos, na segunda aula observada, ainda durante o desenvolvimento da primeira atividade investigativa, ‘Observação de células ao Microscópio Ótico Composto (M.O.C.)’, que Eva, pressionada pelo curto tempo restante de aula, acaba por dar indicações de resposta:

1. João: Isto é o núcleo?

2. Anita: A nós parece-nos a molécula.

3. Eva: Sim, isso é um núcleo. É o núcleo! [olhando pela objetiva]

4. Anita: Não nos parece…

5. Eva: Vão ver com atenção.

(…)

6. Rosa: Professora, cheira a queimado.

7. Eva: É do microscópio, é a lâmpada… vamos ter que mudar de microscópio. Conseguiram ver ou não?

8. Anita: Ui! Está a cheirar a queimado, é mesmo crítico!

(…)

9. Eva: Agora, conseguem ver… têm imensos tecidos aqui. Até vou pôr [a preparação] assim, no meio, para vocês verem. Vê-se muito bem o núcleo. Vê-se tudo. Agora, se ampliarem, conseguem desenhar. Desenhem e indiquem a ampliação. Qual é o primeiro valor que indicam para calcular a ampliação? (Eva, Aula 2 – 2016.11.30)

A intervenção de Eva mostrou todo o seu empenho e vontade para que os grupos de alunos identificassem algumas das estruturas das células. Contudo, ao corrigir um erro de observação num dos grupos, dá a resposta ao frisar que a estrutura identificada é um núcleo (fala 3). Noutra situação, é ela a delimitar o campo de visão da preparação das células eucarióticas (fala 9). Neste caso, Eva teve consciência de que o tempo de aula é encurtado pelo incidente ocorrido no microscópio e decide facilitar uma das tarefas. Durante momentos, a interatividade das práticas pedagógicas de Eva esteve condicionada pelo tempo de aula. O seu feedback determinou, em parte, a validade da avaliação formativa.

Eva busca sentidos avaliativos e, nesse âmbito, desenvolve uma AFE que decorre na explicitação da questão-problema das atividades, dos objetivos decorrentes e dos critérios de avaliação. A professora gosta de estimular a curiosidade dos alunos durante a introdução das atividades, numa prática de AFE: “Gosto que mostrem curiosidade e gosto de lhes instigar e alimentar essa curiosidade” (Eva, entrevista inicial). Por isso, vai questionando os alunos, sem preocupação de obter respostas imediatas. Também, num enquadramento de orientações de uma estratégia de AFE à atividade ‘Observação de células ao Microscópio Ótico Composto (M.O.C.)’, as questões lançadas relembram a questão-problema – “Qual a utilidade do M.O.C. na observação de estruturas biológicas?” – e criam condições mais favoráveis para o esclarecimento do objetivo do trabalho a alcançar: a observação, no M.O.C., do núcleo e outros organelos das células eucarióticas:

Vamos fazer explorações no M.O.C. Não se esqueçam que nós estamos a estudar as células eucarióticas, certo? E estas são o quê? Que células eucarióticas? Vocês vão tentar identificar as células com o núcleo. Algumas poderão não se ver bem porque estão dobradas, amontoadas, mas se vocês procurarem o sítio onde se vê a célula muito direitinha vão ver com nitidez o núcleo. Que ampliação pensam usar? Procurem uma zona da célula que se veja bem para desenharem. É nos vossos cadernos que vocês vão fazer os registos, ok? (Eva, Aula 2 – 2016.11.30)

A informação avaliativa de Eva na introdução da atividade pretendeu melhorar o desempenho do aluno e tornar-lhe a atividade mais motivadora.

No relatório científico desta atividade investigativa de laboratório, ‘Observação de células ao Microscópio Ótico Composto (M.O.C.)’, um dos alunos considera o objetivo de observar células eucarióticas vegetais e animais, com e sem corante, para perceber melhor estas células. As palavras-chave que o aluno menciona dão ênfase à perceção que faz da atividade, de que soube selecionar a informação significativa. Eva usa um feedback informativo e de aprovação sobre o produto, as estruturas biológicas identificadas (Figura 3):

Figura 3: Objetivo e Palavras-Chave da Atividade Prática “Observação de Células ao Microscópio Ótico Composto (M.O.C.)” – Relatório Científico do Luís 

No caso da atividade de campo com procedimentos experimentais, ‘Estudo de um ecossistema da escola’ (atividade de inquérito guiado), que decorreu durante os 2.º e 3.º períodos escolares, Eva pretende avaliar o trabalho dos alunos nas tarefas da atividade, em resposta à questão-problema “Como varia um ecossistema ao longo do tempo?”. A ideia subjacente a esta atividade é que os alunos, em trabalho de grupo, comecem a contactar com o conhecimento científico em ambiente real para desenvolvimento dos conteúdos essenciais/conceitos-chave programados. Para uma das tarefas da atividade, importa esclarecer as etapas de construção de um gráfico para análise de fatores abióticos e bióticos no equilíbrio do ecossistema. A professora relembra para o critério de avaliação relativo ao raciocínio científico, os indicadores de avaliação de registo de dados, de apresentação de resultados e de conclusões, recorrendo a uma nova explicitação como estratégia de AFE. Eva atua com uma AFE em feedback com foco no processo, que premeia boas sugestões e aponta pistas na tarefa para que, a partir delas, o aluno saiba como prosseguir. Como tal, entusiasma os alunos a fazerem registos a inscrever no estudo da biodiversidade do ecossistema:

Portanto, falta essa parte, que é, digamos, é o mais importante, perceber e concluir o que é que andaram a fazer. E, para tal, eu vou relembrar: primeiro, após observações e registos, apresentar os dados em tabela; segundo, vocês vão ter que fazer gráficos com os dados que estiverem a recolher, não é? Portanto, eu quero estes gráficos feitos em Excel, sim? Vocês sabem fazer em Excel? Muito bem! Nas abcissas indicam o tempo de estudo e nas ordenadas apontam o fator que estão a estudar. O grupo 5 ficou de hoje tratar os dados do pH da água e do solo, certo? E, o grupo 6 considera os dados da temperatura, não é? (Eva, Aula 8 – 2017.03.22)

Relativamente aos critérios, indicadores e níveis de apreciação dos dados de desempenho dos alunos, a considerar na avaliação das atividades práticas, Eva ponderou, com a equipa de trabalho colaborativo, a construção do instrumento de avaliação. Nesta atividade, os três critérios a avaliar, em conformidade com as competências em observação, são: a formulação de hipóteses, consistentes com a questão-problema e as variáveis em estudo; a planificação e operacionalização da investigação; e o raciocínio científico. Segundo Eva, os critérios e respetivos indicadores e os níveis de apreciação delineados são “um método de avaliação rápido de tudo o que eles fazem (…). Eu tento rentabilizar, de maneira a que os miúdos façam o trabalho e sintam feedback, no pouco tempo que tenho!” (Eva, Trabalho Colaborativo 3).

Os alunos ilustram algumas das tarefas da atividade ‘Estudo de um ecossistema da escola’ com os gráficos realizados pelo grupo de trabalho (Figura 4). Fazem a recolha de dados e os registos da variável humidade ao solo, realizados entre fevereiro e março de 2017. Apresentam os dados em tabela e em gráfico de barras agrupadas para ilustrar comparações da humidade do solo ao sol, à sombra e no meio da vegetação. O feedback da professora Eva é de questionamento, num apelo a que os alunos não se esqueçam de indicar, na tabela, o fator abiótico em estudo e as variáveis independentes, nos respetivos eixos do gráfico.

Figura 4: Tarefa de Gráficos na Atividade Prática “Estudo de um Ecossistema da Escola” – Relatório Científico da Leonor, Laura, Manuel e Nuno 

4.2. O Papel Do Aluno E Pares Em Atividades Investigativas

Suportados pelo feedback de Eva, os alunos mostram compreensão na realização das atividades. Na atividade de resolução de problemas na organização de conceitos, ‘Mapa de conceitos sobre…’ (atividade de inquérito estruturado), são avaliadas as competências de comunicação científica, de literacia científica e de trabalho colaborativo. Consideramos um curto e diretivo feedback escrito de Eva a um dos mapas de conceitos realizado pela Ana, em trabalho de casa, complementado com feedback oral, aquando da sua entrega. O tema foi previamente discutido em aula, nos grupos de trabalho, e foi dada a oportunidade de terminarem a tarefa em casa. A aluna utiliza linguagem científica e representa a informação com compreensão da mensagem. Sobre o fluxo de energia nos ecossistemas, Eva questiona a função dos microdecompositores, escrevendo “O que fazem?”, e assinala uma segunda designação, “detritívoros” (entre parêntesis), para os macrodecompositores:

Figura 5: Mapa Sobre o Fluxo de Energia nos Ecossistemas Para a Atividade “Mapa de Conceitos Sobre…” Realizado por Ana 

Em sala de aula, reportamos o feedback da professora Eva sobre o mapa de conceitos de Ana (Figura 5). A análise deste mapa de conceitos estende-se à restante turma, numa estratégia AFI. A Ana completa a sua lacuna de informação e, interpretando o feedback de Eva, estende o seu nível de compreensão no tema:

1. Eva: Muito bem! E a matéria orgânica depois decompõe-se em inorgânica … Quem faz essa transformação?

2. Ana: Os decompositores.

3. Eva: Os decompositores, o que são?

4. Ana: As bactérias.

5. Joana: Os fungos.

6. Eva: Muito bem! Bactérias e fungos. E, no vosso livro, surge uma terminologia diferente. Chamam-lhes…?

7. Ana: Micro e macro.

8. Eva: Microdecompositores e macrodecompositores. Os macrodecompositores, também chamados de detritívoros, não transformam a matéria orgânica em inorgânica. Atenção! Eles só reduzem o tamanho das partículas. Eles facilitam o trabalho de decomposição que as bactérias e os fungos realizam. E, se não existissem decompositores, o que aconteceria?

9. Ana: Ia acumular-se muito lixo.

10. Eva: Pois, não haveria reciclagem! Eles têm um importante papel no equilíbrio ecológico.

11. Hugo: As plantas iriam conseguir que toda a matéria inorgânica se transformasse em orgânica…

12. Eva: No limite! (Eva, Aula 10 – 2017.05.17)

Nesta discussão em turma com base no mapa de conceitos, Eva consegue que o seu discurso seja acessível aos alunos, numa comunicação reflexiva e instrutiva. Vai colocando perguntas (ex.: falas 1, 3, 6) e apoiando os alunos com informação (ex.: falas 1 e 8) que os ajuda a formular hipóteses para a questão-problema que, de momento, lhes coloca: “E, se não existissem decompositores, o que aconteceria?” (fala 8). Os alunos argumentam com hipóteses que denotam a importância do papel dos decompositores no equilíbrio dos ecossistemas do planeta (falas 9 e 11).

No sumário da aula, do dia 3 de maio de 2017, registou: “Feedback das propostas do trabalho 3D” (atividade de inquérito aberto). São avaliadas as competências de comunicação científica, de planificação e operacionalização da investigação e de trabalho colaborativo. Esta atividade considera a realização de uma maquete interativa, com o conteúdo programático selecionado pelos alunos em trabalho de grupo. Em apresentação dos projetos das maquetes, Eva preocupa-se em orientar a discussão em turma, fornecendo feedback com foco conceptual, em respostas imediatas ao que os alunos argumentam no momento. Identifica e coloca à discussão um erro na inter-relação respiração celular – sistema respiratório dos seres vivos (ex.: falas 6, 8 e 11), e cuida da explicitação de sentidos (ex.: falas 13, 18) na complexidade da relação entre estes conhecimentos. Durante um momento de AFI, os alunos reanalisam as suas respostas sobre algo a aprender e a melhorar para documentação e realização de uma das etapas do trabalho de investigação:

1. Marco: Então, o nosso trabalho é sobre a respiração celular.

2. Eva: Muito bem. O que é que acontece na respiração celular?

3. Marco: As células respiram.

4. Eva: E o que é que acontece nesse processo da respiração celular?

5. Vítor: As células filtram o ar.

6. Eva: Filtram? A sério!?

7. Vítor: Não sei…

8. Eva: Vocês confundem respiração celular com movimentos respiratórios. Confundem respirar com ventilar, com a entrada e saída do ar. Lembram-se o que é que acontece nas células? O que é que entra e o que é que sai?

9. Marco: Entra oxigénio e sai dióxido de carbono.

10.Vítor: Sai dióxido de carbono e vapor de água.

11.Eva: Ah, sim!? Apenas? Aqui, a seta indica a saída de carbono e hidrogénio…De onde é que vocês pensam que surgem?

12. Marco: Porque as células têm carbono. O nosso corpo tem carbono… Dos nossos alimentos.

13. Eva: Alimentos… Qual é o alimento que é usado na respiração celular? Turma, ajudem! Porque se dá a respiração celular? Vamo-nos focar nas células! O oxigénio entra na célula, e a célula usa o oxigénio para quê?

14. Laura: Libertar energia.

15. Eva: Claro! Onde é que essa energia química estava contida? Em que organelo celular?

16. Sandra: No núcleo.

17. João: Não! Na ligação química. Na ligação entre os carbonos da glicose que está na mitocôndria.

18. Eva: Boa! A respiração celular acontece nas mitocôndrias das células e serve para obter energia, certo? E essa energia é utilizada pelas células nas suas diversas funções vitais, certo? (Eva, Aula 9 – 2017.05.03)

Os alunos precisaram de reconhecer um erro e de reformular o seu entendimento sobre o processo da respiração celular para poderem alcançar um nível desejado de compreensão.

5. Discussão Dos Resultados

É possível identificar que a professora Eva procura adotar procedimentos de AFE e de AFI como parte integrante do processo de ensino, com a finalidade de melhorar a aprendizagem dos seus alunos em Ciências Naturais (Cowie & Bell, 1999; Fernandes, 2006, 2007; Santos & Pinto, 2018). Eva considera estratégias avaliativas formativas que promovem e facilitam a utilização da abordagem IBSE, num ensino que pretende uma participação ativa do aluno (Galvão et al., 2016; Grob et al., 2017).

Em registos formais e informais, respetivamente desenvolvidos em AFE e AFI, Eva recolhe e interpreta evidências, e atua sobre essa informação avaliativa para garantir que os alunos realizam as aprendizagens delineadas. Conforme uma AFE, Eva usa como estratégias, para obter evidências e melhorar aprendizagens, a seleção de tarefas, o seu feedback escrito e oral, a explicitação dos objetivos de aprendizagem e de critérios de avaliação (Grob et al., 2017; Pinto & Santos, 2006). Na sua AFI usa, sem planificação prévia, feedback oportuno para ajuda de identificação do erro (Black & Wiliam, 2009; Fernandes, 2006; Santos & Pinto, 2018; Tunstall & Gipps, 1996).

O feedback escrito, assíncrono, com o intuito de apoiar o aluno, corrige, valida e justifica os trabalhos de relatórios científicos e mapas de conceitos das atividades práticas investigativas. O feedback oral, num processo regulador, assume a forma de questões ou esclarecimentos rápidos aos alunos (Cowie & Bell, 1999; Santos & Pinto, 2018). Como caraterísticas apontamos-lhe ser um feedback que: i) utiliza uma linguagem acessível no contexto vivenciado e foca o aluno na tarefa; ii) procura uma comunicação interativa e instrutiva, quando identifica e coloca à discussão um erro e cuida da explicitação de sentidos; iii) orienta o aluno individualmente ou as discussões em turma, incentivando a reanalisar respostas ou apontando pistas na tarefa, para interpretação dos significados a aprender; e iv) premeia boas sugestões na ação que o aluno desenvolve (Santos & Pinto, 2018).

Os alunos respondem ao feedback de Eva investindo na construção de aprendizagens científicas em que, de forma colaborativa (Galvão et. al., 2016): i) recolhem dados e fazem o registo das variáveis em estudo; ii) apresentam os dados estruturados; iii) selecionam e articulam a informação significativa; iv) constroem explicações científicas; iv) representam a informação com compreensão da mensagem; v) argumentam com hipóteses às questões colocadas; vi) documentam o trabalho laboratorial relacionando conhecimentos técnicos e científicos; e vii) reanalisam as suas respostas durante a operacionalização da investigação para colmatar lacunas.

As atividades práticas investigativas selecionadas por Eva são estratégias avaliativas que implicam o aluno no seu próprio processo de aprendizagem, em conformidade com a orientação pró-ativa, caraterística da avaliação formativa. Consideram, em pequenas investigações de inquérito estruturado, guiado e aberto, o desenvolvimento de competências e capacidades científicas de trabalho colaborativo, de trabalho laboratorial e de campo, de comunicação, de raciocínio, de literacia, de formulação de hipóteses e de planificação e operacionalização da investigação (Galvão et. al., 2016). Os alunos desenvolvem atividades práticas em trabalho de laboratório e de campo com procedimentos experimentais, de resolução de problemas na organização de conceitos e de construção de modelos.

6. A Concluir

Numa visão cognitivista da aprendizagem, constatamos que Eva ajuda os alunos a desenvolverem competências e capacidades de investigação, começando por lhes propor atividades investigativas de mais baixa exigência conceptual (Bell et al., 2005). Eva preocupa-se em associar a natureza prospetiva da avaliação formativa à qualidade das aprendizagens.

Observamos que as práticas de avaliação formativa de Eva são de natureza formal e informal, enquanto instrumentos ao serviço do ensino e das aprendizagens. Estas práticas mostram ser: i) intencionais, na ajuda e orientação dos alunos em abordagem IBSE; ii) contínuas, por acontecerem no decorrer da aprendizagem; iii) interativas, no envolvimento de alunos e professora; iv) diversificadas, nas várias estratégias pedagógicas que Eva aplica; v) contextualizadas, porque enquadradas na tarefa; e vi) construtivas, por usar um feedback oportuno, claro, instrutivo e que procura ser facilitador do controlo, por parte do aluno, de aprendizagem científica.

A seleção de atividades investigativas e os processos de regulação são aspetos basilares na avaliação formativa de Eva. É uma professora com experiência de lecionação em turmas do 3.º ciclo do ensino básico e que perspetiva com agrado o ensino experimental das ciências. Apesar da sua experiência científica e pedagógica, mostra a tendência para dar a resposta pretendida, o que atribui à falta do tempo de aula para gerir o currículo. O tempo de 45 minutos de aula em trabalho laboratorial, com um grupo de 14 alunos do 8.º ano, foi um fator redutor para Eva proporcionar um maior questionamento aos alunos e de dar mais tempo para os alunos refletirem sobre a ciência ou sobre o que estavam solicitados a fazer. Este resultado vai na linha do estudo de Grob et al. (2017), que aponta como barreiras logísticas ao desenvolvimento da avaliação formativa os extensos currículos e a necessidade de os professores disporem de mais tempo para o seu planeamento, realização durante as aulas e análise dos resultados para decisão dos próximos passos a delinear. O tempo, paralelamente ao desafio de uma flexibilização curricular, como meios de apoio à avaliação formativa, são condições indispensáveis para corresponder ao esforço necessário dos professores na melhoria das aprendizagens.

Agradecimentos

O presente trabalho foi realizado com apoio da Bolsa de Doutoramento 2019 identificada com a referência SFRH/BD/143301/2019, da Fundação para a Ciência e a Tecnologia, I. P. (FCT) – Portugal, e do Ministério da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior – Portugal.

Referências

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Recebido: 22 de Novembro de 2020; Aceito: 08 de Outubro de 2021

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