SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.45 número4Avaliação preliminar das características físicas de solos de sobreirais mediterrânicos: Avaliação a longo prazo após o fogoMonolitos edafológicos: una herramienta útil para dar a conocer el suelo más allá del ámbito universitario índice de autoresíndice de assuntosPesquisa de artigos
Home Pagelista alfabética de periódicos  

Serviços Personalizados

Journal

Artigo

Indicadores

Links relacionados

  • Não possue artigos similaresSimilares em SciELO

Compartilhar


Revista de Ciências Agrárias

versão impressa ISSN 0871-018Xversão On-line ISSN 2183-041X

Rev. de Ciências Agrárias vol.45 no.4 Lisboa dez. 2022  Epub 01-Dez-2022

https://doi.org/10.19084/rca.28766 

Artigo

O conhecimento e a gestão sustentável dos solos agrícolas em Portugal: barreiras e oportunidades

Knowledge and sustainable management of agricultural soils in Portugal: barriers and opportunities

Nádia Luísa Castanheira1 

Ana Marta Paz1 

Maria Conceição Gonçalves1 

1Instituto Nacional de Investigação Agrária e Veterinária, I.P., Laboratório de Solos, Avenida da República, Quinta do Marquês, 2780-157 Oeiras, Portugal


Resumo

Atualmente existem sérios desafios que colocam pressão no recurso solo. A gestão sustentável dos solos agrícolas é indispensável para atenuar estas pressões e para aumentar a contribuição destes solos para alguns dos principais desafios da sociedade, como a adaptação e mitigação das alterações climáticas. No âmbito do EJP SOIL foi realizada uma consulta organizada a vários administradores do recurso solo para avaliar o conhecimento e gestão do solo agrícola em Portugal. Este estudo teve como objetivo identificar importantes barreiras e desafios que afetam atualmente o conhecimento do solo agrícola, mas também avaliar oportunidades para superar essas barreiras. Entre as barreiras mais importantes identificadas estão as de natureza técnica, networking, comunicação e económicas, que muito limitam o desenvolvimento e o pleno uso do conhecimento proveniente da investigação em solos. Os resultados deste estudo sugerem que a gestão sustentável do solo será beneficiada com: aumento de financiamento para investigação, estabelecimento de ensaios experimentais de longo prazo, criação de redes de conhecimento e infraestruturas nacionais ligadas às que operam a nível europeu e desenvolvimento de estratégias regionais de gestão do solo. O conjunto destas medidas contribuem para ecossistemas de solo mais saudáveis, resilientes e sustentáveis em Portugal.

Palavras-chave: solos agrícolas; conhecimento do solo; desafios do solo; gestão sustentável do solo

Abstract

There are currently serious challenges that place great pressure on soil resources. The sustainable management of agricultural land is essential to alleviate these pressures and to increase the contribution of these soils to some of the main challenges facing society, such as adaptation and mitigation of climate change. Within the scope of the EJP SOIL, an organized consultation was carried out with several administrators of the soil resource to assess the knowledge and management of agricultural soils in Portugal. This study aimed to identify important barriers and challenges currently affecting agricultural soil knowledge, but also to assess opportunities to overcome these barriers. Among the most important barriers identified are those of a technical, networking, communication, and economic nature, which greatly limit the development and full use of knowledge from soil research. The results of this study suggest that sustainable soil management will benefit from: increased funding for research, establishment of long-term experimental trials, creation of knowledge networks and national infrastructures linked to those operating at European level and development of regional strategies for soil management. All these measures contribute to healthier, resilient and sustainable soil ecosystems in Portugal.

Keywords: agricultural soils; soil knowledge; soil challenges; sustainable soil management

INTRODUÇÃO

Muitas pressões são colocadas nos solos, a população mundial não pára de aumentar, as cidades expandem-se, ocorrem mudanças climáticas, os regimes alimentares alteram-se, há insegurança alimentar, existe pobreza, perda de biodiversidade, poluição, migração, pandemias, enquanto os solos agrícolas progressivamente se degradam (FAO-ITPS, 2020). A gestão sustentável dos solos é essencial para atenuar muitas das pressões que o solo enfrenta. Recentemente, foi elaborado um protocolo (FAO-ITPS, 2020) para avaliar se num determinado solo as práticas de gestão estão alinhadas com as práticas definidas nas Diretrizes para a Gestão Sustentável do Solo (FAO-ITPS, 2015). Este protocolo refere um conjunto de indicadores-chave e ferramentas para avaliar as funções do solo com base nas suas propriedades físicas, químicas e biológicas.

Atualmente, os solos estão no topo da agenda política da União Europeia (UE) com a missão na área da saúde do solo e alimentação (Mission Soil Health and Food), a estratégia temática do solo da UE e com o lançamento do Observatório Europeu dos Solos (EUSO). O Programa Conjunto Europeu EJP SOIL (https://ejpsoil.eu/) pretende criar uma comunidade europeia de investigação sobre o solo agrícola e alinhar as prioridades de investigação nacionais com as ambições da Comissão Europeia (CE). Trata-se de uma parceria público-pública de cofinanciamento de investigação. Criou-se um consórcio com 26 institutos de investigação e universidades de 24 países europeus (o INIAV é o responsável em Portugal). Estes países aliaram-se com o objetivo de aumentar a contribuição dos solos agrícolas para alguns dos principais desafios da sociedade, tais como: a adaptação e mitigação das alterações climáticas, a produção agrícola sustentável, a prestação de serviços dos ecossistemas e a prevenção e mitigação da degradação do solo. Para criar sintonia entre todos os administradores do recurso solo, as atividades do EJP SOIL ocorrem em interação com os utilizadores finais, estados-membros, a Direção-Geral de Agricultura e Desenvolvimento Rural da CE (DG AGRI) e os stakeholders. A nível europeu, foram consultados stakeholders com o objetivo de caracterizar o atual estado do conhecimento sobre solos agrícolas na UE. Considerou-se que o conhecimento pode ser estruturado em quatro fases (adaptado de Dalkir, 2005): i) desenvolvimento ii) harmonização, organização e armazenamento, iii) partilha e transferência e iv) aplicação. O objetivo deste estudo é apresentar os resultados desta consulta aos stakeholders portugueses. São identificadas e priorizadas barreiras e oportunidades para a melhoria do conhecimento do solo agrícola em Portugal.

MATERIAL E MÉTODOS

As consultas participativas aos stakeholders ocorreram entre junho e setembro de 2020. No total, cerca de 329 stakeholders nos vários países europeus deram o seu contributo. Em Portugal, foi consultado o National Hub, um grupo de 20 stakeholders constituído no âmbito do EJP SOIL. A consulta foi feita através de preenchimento de um questionário online.

Obtiveram-se contributos de 19 stakeholders distribuídos por várias classes (Figura 1).

Figura 1 Proporção das classes de stakeholders que participaram no questionário EJP SOIL. 

Verificou-se equidade de género, 17 stakeholders têm idades entre 40 e 69 anos e todos possuem formação superior. As questões formuladas foram iguais para todos os países do EJP SOIL e o questionário foi organizado em duas seções: 1) priorização dos desafios de gestão do solo agrícola para cada país participante, e 2) identificar, de uma lista pré-definida, quais as barreiras que afetam atualmente o conhecimento do solo, mas também identificar oportunidades para o melhorar. As barreiras e oportunidades encontram-se organizadas em quatro fases do conhecimento do solo. Assim, obtêm-se informações sobre a contribuição do conhecimento do solo para superar os desafios do solo agrícola.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Os stakeholders portugueses priorizaram os desafios de gestão do solo agrícola de entre os onze considerados no âmbito do EJP SOIL, conforme mostra a Figura 2. O desafio considerado mais relevante em Portugal foi “Manter/aumentar a matéria orgânica” do solo, o que pode ser explicado pelo fato de em geral, os solos do país não serem muito ricos em matéria orgânica. “Evitar a erosão do solo” foi o segundo desafio mais referido. Em terceiro lugar estão os desafios “Aumentar a capacidade de retenção de água pelo solo” e “Melhorar a estrutura do solo”. No nosso país, em que mais de metade da produção agrícola é dependente de regadio, os desafios relacionados com a redução da erosão e com a retenção da água no solo seriam esperados.

Figura 2 Desafios de gestão dos solos mais relevantes em Portugal (consulta aos stakeholders - EJP SOIL). 

A maioria dos stakeholders entrevistados concordam que é deficiente a coordenação do uso e da produção do conhecimento em solos (Figura 3). O acesso dos agricultores à informação relevante e a articulação entre as atividades de investigação e as entidades legisladoras, é considerada deficiente e a precisar de melhorias. Nas opiniões recolhidas, o acesso à informação é dependente de serviços e informações veiculados por empresas e agentes comerciais (por exemplo maquinaria, agroquímicos, sistemas de rega). A utilização da comunicação social e da imprensa escrita na transferência de conhecimento é ainda considerada fraca. É referido por alguns stakeholders que existe alguma desinformação na comunicação social, informação dispersa e até contraditória, e que as medidas políticas desconsideram as especificidades das regiões. De modo geral, é considerada fraca a eficácia do atual sistema em comunicar conhecimentos aos agricultores.

Figura 3 Opinião dos stakeholders sobre a estrutura e os processos do conhecimento sobre a gestão sustentável dos solos em Portugal (consulta - EJP SOIL). 

Na segunda fase da consulta, pediu-se para identificar quais as barreiras que afetam atualmente o conhecimento do solo, e quais as oportunidades para superar essas barreiras. Na Figura 4 estão as três barreiras mais referidas. Na fase de aplicação do conhecimento é identificada a falta de uma estrutura de comunicação que facilite a divulgação do conhecimento em solos. Alguns stakeholders também referem que os grupos com mais capacidade para fazer esta divulgação são os grupos de interesse do agricultor, os serviços de aconselhamento e extensão rural e as associações de produtores. As três oportunidades mais referidas pelos stakeholders para as fases do conhecimento encontram-se na Figura 5. Continua a ser necessária mais e melhor comunicação entre todos os setores para que haja partilha de conhecimento e até aumentar a consciência do solo para a sociedade. Valorizar e financiar estudos de longo prazo é identificada como uma oportunidade para desenvolver conhecimento em solos agrícolas. Identifica-se a necessidade de criar um repositório de informações acessível e infraestruturas nacionais de dados de solo interativas.

Figura 4 As três barreiras mais votadas em cada uma das quatro fases do processo de conhecimento dos solos: 1) desenvolvimento, 2) partilha e transferência, 3) harmonização, organização e armazenamento, 4) aplicação (consulta aos stakeholders - EJP SOIL). 

Figura 5 As três oportunidades mais votadas em cada uma das quatro fases do processo de conhecimento dos solos: 1) desenvolvimento, 2) partilha e transferência, 3) harmonização, organização e armazenamento, 4) aplicação (consulta aos stakeholders - EJP SOIL). 

CONCLUSÕES

Os resultados deste estudo indicam que a maioria das barreiras (33%) e oportunidades (30%) para superar os desafios do solo agrícola em Portugal, foram identificadas na fase de desenvolvimento de novo conhecimento em solos. A maioria das barreiras identificadas são de natureza técnica, networking e de comunicação. As oportunidades mais identificadas são de natureza técnica, capacitação e política. De modo geral, não são considerados suficientes os recursos disponíveis para disseminar conhecimento sobre gestão sustentável do solo em Portugal. O aumento do financiamento para a investigação, o estabelecimento de estudos experimentais de longo prazo, juntamente com a criação de redes de conhecimento e infraestruturas nacionais ligadas às que operam a nível europeu, e o desenvolvimento de estratégias regionais de gestão do solo, são identificadas como ações-chave a serem executadas o mais rápido possível, contribuindo para ecossistemas de solo mais saudáveis.

Agradecimentos

Os resultados apresentados foram obtidos no âmbito do programa europeu EJP SOIL “Towards climate-smart sustainable management of agricultural soils”, financiado pelo programa de pesquisa e inovação H2020 da União Europeia ao abrigo do acordo n° 862695. Agradece-se a colaboração do National Hub português. Agradece-se à DGADR pelo apoio na constituição do NH e na consulta aos stakeholders.

Referências bibliográficas

Dalkir, K. (2005) - Knowledge Management in Theory and Practice (1st ed.). Routledge. [ Links ]

FAO-ITPS (2015) - Diretrizes Voluntárias para a Gestão Sustentável dos Solos. Roma. (VGSSM publicadas em português pela Parceria Portuguesa para o Solo). <http://www.fao.org/3/i6874pt/I6874PT.pdf> [ Links ]

FAO-ITPS (2020) - Protocol for the assessment of Sustainable Soil Management. Roma. <http://www.fao.org/fileadmin/user_upload//GSP/SSM/SSM_Protocol_EN_006.pdf> [ Links ]

Creative Commons License Este é um artigo publicado em acesso aberto sob uma licença Creative Commons