SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.45 issue4Pasture and livestock management effects on soil quality indicators in a dehesa of ExtremaduraOrganoclay granules as a sorbent to increase the persistence of the allelochemical scopoletin in soil author indexsubject indexarticles search
Home Pagealphabetic serial listing  

Services on Demand

Journal

Article

Indicators

Related links

  • Have no similar articlesSimilars in SciELO

Share


Revista de Ciências Agrárias

Print version ISSN 0871-018XOn-line version ISSN 2183-041X

Rev. de Ciências Agrárias vol.45 no.4 Lisboa Dec. 2022  Epub Dec 01, 2022

https://doi.org/10.19084/rca.28565 

Artigo

Efeito da mobilização do solo na composição do coberto vegetal espontâneo em olival: resultados preliminares

Effect of tillage on spontaneous ground cover composition in olive groves: preliminary results

Carolina Campos*1 

Maria Villa, Carlos Reis1 

Carlos Aguiar1 

Paula Baptista1 

1Centro de Investigação de Montanha (CIMO), Instituto Politécnico de Bragança, Campus de Santa Apolónia, 5300-253 Bragança, Portugal


Resumo

O olival é uma cultura de elevada importancia na região de Trás-os-Montes, constituindo o olival tradicional o principal sistema de produção. A mobilização do solo para controlo de infestantes, é tradicionalmente, praticada nos olivais desta região, no entanto esta prática aumenta a susceptibilidade dos solos à erosão e pode perturbar a biota do solo e as suas interações. O conhecimento acerca do efeito desta prática cultural no coberto vegetal espontâneo do olival é escasso. Este estudo pretende elucidar os efeitos que a mobilização poderá provocar na diversidade e composição da vegetação espontânea de cobertura do solo em olival tradicional. Os resultados preliminares mostram que a mobilização do solo parece promover o aumento da abundância de espécies pertencentes às famílias Caryophyllaceae e Poaceae, e de limitar o desenvolvimento das famílias Asteraceae, Geraniaceae e Polygonaceae. Algumas destas famílias, em particular Poaceae e Asteraceae, contém espécies com reconhecido papel na atração de organismos auxiliares e, por conseguinte, são importantes fatores a ter em conta na gestão sustentável desta cultura.

Palavras-chave: Asteraceae; Olea europaea L.; Olival tradicional; Poaceae; vegetação expontânea

Abstract

The olive grove is a highly important crop in the region of Trás-os-Montes, being the traditional olive grove the main production system. Tillage for weed control is traditionally practiced in the olive groves of this region, however this practice increases soil susceptibility to erosion and can disturb soil biota and their interactions. Knowledge about the effect of this cultural practice on spontaneous vegetation cover in olive groves is scarce. This study aims to elucidate the effects that tillage may have on the diversity and composition of spontaneous ground cover vegetation in traditional olive groves. Preliminary results show that tillage seems to promote increased abundance of species belonging to the families Caryophyllaceae and Poaceae, and to limit the development of the families Asteraceae, Geraniaceae and Polygonaceae. Some of these families, in particular Poaceae and Asteraceae, contain species with recognized roles in attracting auxiliary organisms and are therefore important factors to consider in the sustainable management of this crop.

Keywords: Asteraceae; Olea europaea L.; Poaceae; Traditional olive grove; spontaneous vegetation

INTRODUÇÃO

A oliveira (Olea europaea L.) tem elevada importância sócio-económica em Portugal, sendo este o quarto maior produtor europeu de azeite e o oitavo a nível mundial (IOC, 2021). Em Trás-os-Montes, a segunda maior região produtora de azeite em Portugal, o olival tradicional constitui o principal sistema de produção. Estes olivais, normalmente de sequeiro, possuem uma densidade de plantação baixa e reduzido uso de fatores de produção (fertilizantes e produtos fitofarmacêuticos). O controlo das infestantes é feito mediante a mobilização do solo, com recurso a grade de discos ou escarificador. Esta prática faz com que o solo passe grande parte do ano completamente nu, sem qualquer tipo de vegetação, aumentando a suscetibilidade dos solos à erosão e perda da capacidade de retenção de água, aspeto fundamental para os olivais de sequeiro (Cerdà et al., 2021). O problema da erosão dos solos é ainda mais acentuado na região de Trás-os-Montes, uma vez que, os olivais estão frequentemente localizados em áreas com declive e em solos com baixa fertilidade. Por outro lado, a mobilização poderá perturbar a biota presente no solo, bem como as interações que se estabelecem entre eles e deles com as plantas, causando desequilíbrios difíceis de restaurar (Simões et al., 2014). Estes desiquilibrios poderão culminar num aumento de incidência de pragas e doenças que, no atual contexto de alterações climáticas, em que a frequência de eventos extremos é maior, poderão ter efeitos ainda mais preocupantes.

Existe atualmente algum conhecimento sobre o impacto da mobilização do solo nas suas propriedades químicas e físicas, mas sabemos menos sobre o efeito que poderá ter na composição do coberto vegetal espontâneo. Este aspeto é de extrema importância uma vez que a disponibilidade de plantas úteis em proteção biológica de conservação, por serem habitat e fontes de alimentação alternativas para a entomofauna auxiliar (predadores e parasitoides), pode ficar comprometida pela prática da mobilização do solo. No entanto, esta prática também poderá contribuir para a diminuição de plantas que sejam hospedeiras de pragas e consequentemente contribuir para uma redução da incidência de ataques. Apesar da mobilização ser feita com o principal objetivo de controlar as infestantes, esta prática poderá ter efeitos indesejáveis ao promover a germinação de espécies anuais de infestantes que não foram eliminadas pela mobilização. O processo de mobilização do solo poderá também trazer para a superfície do solo sementes de infestantes que se encontravam enterradas em profundidade, potenciando assim o reaparecimento destas plantas. Estes aspectos são de extrema importância no olival, uma vez que as espécies de infestantes normalmente presente nos seus solos caracterizam-se por possuírem grande capacidade de propagação e germinação, podendo manter-se viáveis durante vários anos, o que as torna extremamente invasoras e competitivas. Face ao exposto, o objetivo deste trabalho é avaliar a influência da mobilização do solo na diversidade e composição da cobertura vegetal espontânea num olival. Pretende-se ainda, verificar se a mobilização do solo poderá ter um maior impacto do que a não mobilização do solo na variação da composição do coberto vegetal ao longo do tempo (1 ano).

MATERIAL E MÉTODOS

Área de estudo

O olival onde decorreu o estudo encontra-se localizado em Mirandela, região de Trás-os-Montes, nas seguintes coordenadas geográficas 41º 29’ 19.19’’ N e 7º 14’ 53.37’’ O. Este local encontra-se a uma altitude de 351 m e o clima é do tipo Csa (clima temperado com Inverno chuvoso e verão seco e quente) de acordo com a classificação climática de Köppen. O local pertence em termos geomorfológicos ao Maciço Ibérico, mais concretamente à Depressão de Mirandela.

O olival no qual o estudo foi realizado é de sequeiro, com cerca de 10 anos, e encontra-se em modo de produção biológico há cerca de 5 anos. O controlo de infestantes, antes do início do ensaio, era feito pelo destroçamento do coberto vegetal, uma a duas vezes no ano. O espaçamento entre as árvores é de 7 × 7 m, sendo a maioria das cultivares Madural e Cobrançosa. Este olival, com uma área de cerca de 4 ha, foi dividido em duas parcelas (cada uma com cerca de 2 ha), tendo sido uma mobilizada e a outra não mobilizada. A mobilização do solo foi feita na Primavera de 2021, com recurso a um escarificador, a uma profundiadade aproximada de 10 cm da superfície do solo.

Análise da vegetação espontânea

A composição do coberto vegetal espontâneo do olival em estudo foi avaliado imediatamente antes da realização da mobilização (i.e., 18 de maio de 2021), e passado quase um ano depois da mobilização (i.e., 1 de março de 2022). Para tal, foram estabelecidas em cada parcela (mobilizado e não mobilizado) 12 subparcelas com 49 m2 cada, correspondendo a um quadrado em que os 4 vértices eram oliveiras. Em cada uma das subparcelas foi feita a avaliação do coberto vegetal. Para tal, colocou-se sobre o solo uma fita métricae, para um comprimento total de 6 m, foram identificadas as espécies de plantas a cada 20 cm ou a presença de solo. Este processo foi efetuado 2 vezes em cada subparcela. Com os dados obtidos calculou-se a percentagem de cobertura de cada espécie. Os resultados são apresentados por famílias de plantas. Foi avaliado ainda o índice de diversidade de Shannon.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

No total deste estudo foram identificadas 81 espécies de plantas, pertencentes a 16 famílias (Figura 1). Independentemente do tratamento, verificou-se uma maior abundância de plantas das famílias Asteraceae (47% do coberto vegetal), seguida por Fabaceae (19%) e Poaceae (16%). Ao nível das espécies, no ano de 2021 as que apresentaram maiores percentagens de cobertura foram Coleostephus myconis L. (43%), Bartsia trixago L. (10%), Anthemis arvensis L. (9%), Rumex bucephalophorus L. (9%) e Trifolium glomeratum L. (9%). Em 2022 Spergula arvensis L. (11%), Poa bulbosa L. (7%), Erodium cicutarium L. (7%), Chamemelum fuscatum (Brot.) Vasc. (7%) e Andryala integrifolia L. (6%) foram as espécies com maior percentagem de cobertura da área de estudos. Espécies pertencentes aos géneros Rumex, Poa e Erodium são frequentemente encontradas em olival e descritas como infestantes (Barros, 2020).

Figura 1 Diagrama de Venn o número de famílias de plantas identificadas neste trabalho, durante o ano de 2021 e 2022. 

Comparando a composição da vegetação espontânea entre a parcela mobilizada e não mobilizada ao fim de um ano de estudo (Figura 2) verificamos diferenças ao nível de algumas famílias. A mobilização do solo parece promover o desenvolvimento de plantas pertencentes às famílias Caryophyllaceae e Poaceae, e de limitar o desenvolvimento das famílias Asteraceae, Geraniaceae e Polygonaceae, uma vez que estas famílias apresentavam uma maior e menor percentagem de cobertura nos solos mobilizados face aos não mobilizados, respetivamente. Em termos de diversidade de espécies os resultados relativos ao índice de Shannon não mostraram diferenças significativas (p>0,05). Espécies de plantas destas famílias são frequentemente encontradas e referidas como infestantes em olivais (Barros 2020), no entanto plantas da família das Poaceae e Asteraceae são consideradas como espécies de interesse por constituírem fontes de pólen e melada, para entomofauna auxiliar, tai como predadores (Franco, 2010). Familias como a Boraginaceae, Brassicaceae, Campanulaceae, Crassulaceae, Fabaceae, Plantaginaceae e Rosaceae parecem não ser afetadas pela mobilização do solo, apresentando percentagens de cobertura muito similares entre parcelas mobilizadas e não mobilizadas (Figura 2).

Figura 2 Heatmap comparativo das percentagens de cobertura do solo para cada uma das famílias identificadas na parcela mobilizada (M) e não mobilizada (NM) no ano de 2022. 

Com o intuito de avaliar o impacto da mobilização face à não mobilização do solo na variação da composição do coberto vegetal ao longo do tempo, procedeu-se à comparação do coberto vegetal do ano de 2021 com o de 2022, para ambas as parcelas (mobilizado e não mobilizado). Os resultados apresentados na Figura 3 mostram que, em ambas as parcelas, ocorreu uma redução na abundância das famílias Asteraceae, Fabaceae, Orobanchaceae, Poaceae e Polygonaceae, de 2021 para 2022. No entanto, esta redução foi mais notória e expressiva na parcela não mobilizada. Por exemplo, nesta parcela, a família Fabaceae reduziu cerca de 27 vezes de 2021 para 2022, enquanto que na parcela mobilizada a redução foi de 7 vezes. Este resultado sugere que existe uma maior variação na abundância da vegetação espontânea em solo não mobilizado, ao fim de 1 ano. A diversidade de espécies, avaliada pelo índice de Shannon, reduziu significativamente (p<0,01) até 1,2 vezes de 2021 para 2022, em ambas as modalidades mobilizado e não mobilizado.

Figura 3 Heatmap comparativo das percentagens de cobertura do solo para cada uma famílias identificadas na parcela mobilizada (M) e não mobilizada (NM) entre o ano de 2021 e 2022. 

CONCLUSÕES

Os resultados, apesar de preliminares, sugerem que a mobilização do solo influência a diversidade e abundância de determinadas espécies de plantas, algumas das quais atrativas para organismos auxiliares. No contexto atual, em que se pretende produzir de uma forma mais sustentável, é fundamental conhecer as várias funções que estas espécies de plantas podem desempenhar tendo em vista a sua exploração para o aumento da biodiversidade funcional da exploração olivícola.

Agradecimentos

Os autores agradecem ao projeto “Man4Health - New management strategies in olive groves for improving soil health and crop yield”, NORTE-01-0145- FEDER-000060 pelo suporte a este trabalho

Referências bibliográficas

Barros, J. (2020) - Controlo de infestantes em olival com enrelvamento. Universidade de Évora. [ Links ]

Cerdà, A.; Terol, E. & Daliakopoulos, I.N. (2021) - Weed cover controls soil and water losses in rainfed olive groves in Sierra de Enguera, eastern Iberian Peninsula. Journal of Environmental Management, vol. 290, p. 112-516. https://doi.org/10.1016/j.jenvman.2021.112516Links ]

Franco, J.C. (2010) - Infra-estruturas ecológicas e limitação natural dos inimigos das culturas fruteiras. Actas Portuguesas de Horticultura, n. 16. [ Links ]

IOC (2021) - World statistics on production, imports, exports and consumption. International Olive Oil Council. [cit. 2021.02.25] [ Links ]

Simões, M.P.; Belo, A.F.; Pinto-Cruz, C. & Pinheiro, A.C. (2014) - Natural vegetation management to conserve biodiversity and soil water in olive orchards. Spanish Journal of Agricultural Research, vol. 12, n. 3, p. 633-643. https://doi.org/10.5424/sjar/2014123-5255Links ]

Creative Commons License Este é um artigo publicado em acesso aberto sob uma licença Creative Commons