INTRODUÇÃO
A aplicação ao solo de resíduos orgânicos compostados é um exemplo de medida paradigmática da Economia Circular, integrada no Pacto Ecológico Europeu “Green Deal”. Esta técnica permite não só resolver o problema da acumulação de diversos resíduos orgânicos, como pode, também, contribuir para aumentar o teor de matéria orgânica do solo, sequestrando carbono e melhorando diversas propriedades físicas, químicas e biológicas do solo.
Apesar do seu interesse para resolver e aproveitar o potencial de resíduos gerados pela crescente capacidade produtiva do sector olivícola nacional, a utilização de compostados em olivais é uma prática ainda pouco disseminada.
Apresentam-se resultados de dois anos de um ensaio de aplicação de um compostado num olival superintensivo, com o objectivo de avaliar se: (1) ocorrem efeitos no solo a curto prazo e, em especial, na matéria orgânica do solo; (2) os métodos adotados permitem detetar alterações no solo resultantes da aplicação de compostados.
Apresentam-se resultados dos resíduos à superfície do solo e do carbono oxidável pelo permanganato de potássio (POX-C) (Weil et al., 2003). O POX-C tem sido considerado um bom indicador precoce de práticas promotoras da acumulação ou da estabilização da matéria orgânica no solo e, portanto, um bom indicador do sequestro de carbono no solo nomeadamente, através da aplicação de compostados (Hurisso et al., 2016).
MATERIAL E MÉTODOS
Este trabalho resulta de um ensaio em olival superintensivo (var. “Cobrançosa”), localizado na Herdade de Torre das Figueiras, Monforte, Portalegre (39°04'09.19"N, 7°27'58.69"O).
O solo dominante na área do ensaio é um coluviossolo de textura mediana (Sb), formado por coluviação de material proveniente, pelo menos parcialmente, de um solo Pcx (Solo Calcário Pardo de xistos ou grauvaques associados a depósitos calcários), que se encontra mais acima na encosta (SROA, 1970). A textura varia entre franco-argilosa, na parte superior da encosta, a franca, na parte inferior, sem grande contraste até aos 30 cm de profundidade.
Usou-se um delineamento experimental em blocos completos casualizados (3 tratamentos e 3 repetições, num total de 9 talhões - Figura 1). Foram marcadas 3 linhas de árvores (blocos I, II, III) separadas por duas linhas. Em cada bloco foram casualizados 3 talhões, cada um com uma das 3 dosagens (tratamentos) diferentes: T0 (0 kg m-2), T1 (2,5 kg m-2) e T2 (5 kg m-2). Cada talhão tem 20 árvores separadas, entre si, por 6 árvores de bordadura.
O compostado foi produzido na própria exploração entre junho e outubro de 2019, a partir de estrume de ovino e das folhas e raminhos da limpeza das azeitonas antes da entrada no lagar. No final, o compostado apresentou 42,4% de humidade, 12,4% C orgânico e razão C/N=11,8 (Peça, 2021). Foi aplicado em fevereiro de 2020 com recurso ao espalhador de estrume Herculano H2RSP, que permitiu a sua distribuição à superfície numa faixa até ~1 m de cada lado da linha (Figura 2).
A amostragem do solo em cada talhão realizou-se por aleatorização das árvores, considerando um quadrado de cerca 0,5x0,5 m em que a árvore é um dos vértices e a recolha das amostras se realiza no vértice oposto. Foram recolhidas quatro amostras por talhão dos resíduos orgânicos à superfície do solo (36 amostras no total) usando para o efeito um quadrado metálico de 25x25 cm2 de área. Foi determinada a massa seca a 65ºC dos resíduos orgânicos de dimensão >1 mm. Recolheu-se uma amostra composta de solo, por talhão, das camadas 0-5, 5-15 e 15-30 cm, extraídas com uma sonda manual, de um mínimo de 12 pontos de amostragem por talhão, metade de cada lado da linha. O carbono oxidável pelo permanganato de potássio (POX-C) (Culman et al., 2014) foi determinado (em duas repetições) nestas amostras de solo.
Fizeram-se as seguintes amostragens antes e após a aplicação do compostado, realizada no final de fevereiro de 2020: i) antes (início de 2020); ii) 5 meses após (2020.07) - apenas recolha de resíduos; iii) um ano após (2021.03) e iv) dois anos após (2022.01). Todas as amostragens se realizaram de acordo como os mesmos critérios já apresentados.
Para cada data de amostragem confirmou-se a homoscedasticidade das variâncias pelo teste de Fligner, procedeu-se à análise de variância e, sempre que a hipótese de igualdade das médias teve p<0,05, compararam-se as médias pelo teste múltiplo de Tukey. Nas análises estatísticas utilizou-se a linguagem R (R Core Team, 2021).
RESULTADOS E DISCUSSÃO
No Quadro 1 apresentam-se os dados da massa de resíduos orgânicos à superfície do solo, em kg m2.
Ano.mês | T0 | T1 | T2 | ||||||
m | s | m | s | m | s | ||||
2020.02 | 0.77a | ±0.29 | 0.54a | ±0.23 | 0.69a | ±0.35 | |||
2020.07 | 1.26a | ±0.78 | 3.08b | ±1.10 | 5.80c | ±2.71 | |||
2021.03 | 0.97a | ±0.43 | 1.28a | ±0.32 | 3.12b | ±1.25 | |||
2022.01 | 1.25a | ±0.33 | 1.50a | ±0.93 | 1.84a | ±0.97 | |||
Aplicações de compostado (kg m-2): T0=0; T1=2,5 e T2=5. |
Não se verificaram diferenças entre os tratamentos antes da aplicação do compostado. As diferenças entre os três tratamentos são máximas, e significativas, na monitorização realizada 5 meses após a aplicação do compostado, esbatendo-se a partir daí. Ao fim de 2 anos (2022) as diferenças ainda são evidentes, mas não significativas, em parte devido à elevada variabilidade dos resultados de T1 e T2. A par da mineralização dos materiais orgânicos compostados, outros efeitos podem contribuir para esta tendência, por ex., a redistribuição a partir da faixa junto à linha para a entrelinha. Para tal pode contribuir o escoamento superficial e a circulação de pessoas e máquinas nas diversas práticas agrícolas. Oscilações dos valores em T0 podem resultar de maior desfolha, como na primavera de 2020, em virtude de uma maior ocorrência do “olho de pavão” (comunic. oral).
O Quadro 2 apresenta os resultados do carbono oxidável pelo permanganato de potássio (POX-C) determinado antes da aplicação do compostado, um e dois anos após essa aplicação. Também aqui não se verificam diferenças significativas entre tratamentos na situação inicial (2020.01), em nenhuma das três camadas adotadas.
Camadas | T0 | T1 | T2 | |||||||
(cm) | m | s | m | s | m | s | ||||
2020.01 | ||||||||||
00-05 | 542.7 | ±45.9 | 534.6 | ±11.4 | 516.7 | ±12.6 | ||||
05-15 | 410.8 | ±25.0 | 407.2 | ±15.5 | 431.9 | ±55.1 | ||||
15-30 | 248.1 | ±21.8 | 260.1 | ±29.9 | 273.5 | ±15.0 | ||||
2021.03 | ||||||||||
00-05 | 547.1a | ±9.4 | 663.0a | ±84.7 | 771.1b | ±71.0 | ||||
05-15 | 379.7a | ±10.3 | 434.8a | ±46.7 | 469.7b | ±31.0 | ||||
15-30 | 234.4a | ±14.4 | 255.3a | ±3.8 | 286.6b | ±18.2 | ||||
2022.01 | ||||||||||
00-05 | 575.8a | ±37.0 | 659.0a | ±50. 5 | 835.6b | ±117.0 | ||||
05-15 | 414.4a | ±31.1 | 434.5ab | ±22.6 | 492.4b | ±38.5 | ||||
15-30 | 248.2a | ±45.4 | 253.9a | ±37.3 | 265.2a | ±82.4 |
Ao fim de cerca de um ano após a aplicação do compostado (2020.02) verificam-se diferenças marcadas entre os tratamentos, mas apenas no caso da aplicação máxima (T2) apresentam significado estatístico nas três camadas. Ao fim de dois anos continuam a verificar-se os valores mais altos do POX-C em T2, mas sem significado estatístico no caso da camada mais profunda (15-30 cm). Após um ano, na dosagem simples (T1) e dupla (T2), verificam-se aumentos de POX-C de respectivamente, c. 25% e 50% nos 0-5 cm, 8% e 10% nos 5-15 cm e, apenas em T2, 5% na camada 15-30 cm. Ao fim de 2 anos, apenas na camada 15-30 cm, em T2, se verifica uma redução. São necessários mais anos de monitorização para confirmar a tendência observada, de que o aumento do POX-C no solo, induzido pelo compostado, não é apenas um efeito de curta duração.
Os resultados obtidos comprovam a utilidade do POX-C na deteção de efeitos de práticas agrícolas sobre a matéria orgânica do solo (Lucas & Weil, 2021).
CONCLUSÕES
Dois anos após a aplicação (i) a massa de resíduos orgânicos à superfície do solo diminuiu para 1/3 a 1/2 do valor medido 5 meses após a aplicação, (ii) o POX-C na camada 0-15 cm é superior ao controlo, em especial no T2 (5 kg/m2), indiciando um aumento da matéria orgânica estável, (iii) os métodos usados permitiram detetar efeitos no solo a curto prazo.