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Revista de Ciências Agrárias

versão impressa ISSN 0871-018Xversão On-line ISSN 2183-041X

Rev. de Ciências Agrárias vol.45 no.4 Lisboa dez. 2022  Epub 01-Dez-2022

https://doi.org/10.19084/rca.28558 

Artigo

Análise preliminar da comunidade bacteriana em diferentes fases do processo de compostagem de bagaço de azeitona

Preliminary analysis of the bacterial community in different phases of the olive pomace composting process

Ana Caroline Royer1  2 

Inês Nancassa1 

Cristina Cameirão1 

Tomás de Figueiredo1 

Daniel Figueiredo3 

Zulimar Hernández3 

Paula Baptista1 

1 Centro de Investigação de Montanha (CIMO), Instituto Politécnico de Bragança, Campus de Santa Apolónia, 5300-253 Bragança, Portugal

2 Universidade da Coruña, Grupo AQUATERRA, Centro de Investigacións Científicas Avanzadas (CICA), Rúa As Carballeiras, 15071, A Coruña, España

³ Ambiente de Montanha e Gestão de Ecossistemas, MORE CoLab - Laboratorio Colaborativo Montanhas de Investigação, Edifício Brigantia Ecopark, Av. Cidade de Léon 506, 5300-358 Bragança, Portugal


Resumo

O bagaço de azeitona (BA) é um subproduto húmido gerado na produção de azeite, com alta carga orgânica, e elevada toxicidade devido à sua composição em polifenóis. A sua produção pode, assim, constituir um problema ambiental para os países produtores de azeite, como Portugal. A compostagem poderá ser uma forma de valorizar este subproduto, sendo os microrganismos os principais agentes deste processo de degradação aeróbica. O objetivo do presente estudo foi estudar a evolução da comunidade bacteriana ao longo do processo de compostagem de BA e isolar e identificar bactérias com a finalidade de explorá-las no futuro como inóculos de compostagem. A compostagem foi realizada em quatro pilhas de escala industrial com diferentes proporções de BA, fonte de azoto, agente estruturante e reviramentos. Amostras compósitas foram coletadas nas pilhas em três momentos: fase inicial, fase mesófila e fase termófila. Os isolados bacterianos, obtidos através de diluições seriadas, foram identificados por sequenciação da região 16S do rRNA. Os resultados de composição e diversidade, mostraram diferenças significativas entre as fases de compostagem e entre pilhas, sugerindo uma mudança contínua de espécies bacterianas ao longo das diferentes fases do processo de compostagem do BA.

Palavras-chave: Diversidade; composição; bactérias; bagaço húmido de azeitona

Abstract

Olive pomace (OP) is a wet by-product generated in olive oil production, with a high organic load, and high toxicity due to its polyphenol composition. Its production can therefore be an environmental problem for olive oil-producing countries, such as Portugal. Composting may be a way to valorise this by-product, and the microorganisms are the main agents of this aerobic degradation process. The aim of the present study was to study the evolution of the bacterial community along the OP composting process and to isolate and identify bacteria with the purpose of exploring them in the future as composting inoculums. Composting was carried out in four industrial-scale piles with different proportions of OP, nitrogen source, structuring agent, and turnings. Compost samples were collected from the piles at three-time points: initial phase, mesophilic phase, and thermophilic phase. The bacterial isolates, obtained through serial dilutions, were identified by sequencing the 16S rRNA region. The results of composition and diversity, showed significant differences among the composting phases and among piles, suggesting a continuous change of bacterial species throughout the different phases of the OP composting process.

Keywords: diversity; composition; bacteria; wet olive pomace

INTRODUÇÃO

O bagaço de azeitona (BA) oriundo do processo de extração de azeite por centrifugação contínua em duas fases é um subproduto de difícil degradação. A elevada humidade e fitotoxicidade do BA limitam a sua utilização, sendo necessário encontrar formas alternativas para a sua valorização. Portugal representa 5% da produção de azeite da União Europeia, produzindo cerca de 100 mil toneladas de azeite e 547 mil toneladas de BA anualmente (GPP, 2020; Hernández et al., 2021).

O processo de compostagem de BA poderá ser uma alternativa de valorização, tendo em vista a obtenção de compostos que podem ser reintroduzidos no ciclo de nutrientes, contribuindo para a economia circular. Os microrganismos são os grandes agentes que promovem a degradação aeróbica dos resíduos, e podem diferenciar-se de acordo com as condições térmicas da pilha de compostagem (Panaliveloo et al., 2020), comumente dividas em fase mesófila ou de ativação, fase termófila e fase de maturação ou arrefecimento. Os grupos mais abundantes de microrganismos nos processos de compostagem compreendem bactérias e fungos, e sabe-se que a atividade da população bacteriana é mais intensiva durante as fases mesófila e termófila devido ao rápido metabolismo das bactérias e a sua rápida adaptação as mudanças e condições do substrato durante a compostagem, enquanto as populações fúngicas atuam especialmente quando ocorre a humificação, durante a fase de maturação (Tortosa et al., 2020).

Tanto quanto se sabe, existem poucos estudos que tenham avaliado a comunidade microbiana durante o processo de compostagem de bagaço de azeitona (Filippi et al., 2002). Face ao exposto o presente trabalho tem por objetivos: (I) estudar a evolução da comunidade bacteriana ao longo do processo de compostagem de BA; (II) Isolar e identificar bactérias com a finalidade de explorá-las no futuro em processos de compostagem de BA.

MATERIAL E MÉTODOS

Compostagem

A compostagem foi realizada na empresa ACUSHLA S.A. azeites biológicos em pilhas trapezoidais (Figura 1) com proporções de BA: fonte de azoto: agente estruturante iguais a 4,1:1:8,2 (pilha A), 4,1:1:4,1 (pilha B), 1:2:1 (pilha C) e 4,1:1:8,2 (pilha D). As pilhas foram reviradas manualmente, com exceção da pilha D, que permaneceu estática ao longo do processo. Foram recolhidas 5 amostras compósitas de cada pilha em três fases distintas da compostagem: T0, correspondente ao tempo inicial; T1, correspondente a fase mesófila, de ativação; e T2, fase termófila, com exceção da pilha C, onde a amostragem do T1 não foi possível.

Figura 1 Pilhas de compostagem de BA, em escala industrial. 

Isolamento de bactérias

Para o isolamento de bactérias utilizou-se o método da diluição seriada, utilizando uma solução tampão fosfato salino (PBS). Diluições de 10-5 e 10-6 foram utilizadas para inocular placas de petri contendo meio de cultura PCA (Plate Count Agar), em duplicata. As placas foram incubadas no escuro, a 25 ºC (T0), 30ºC (T1) e 45ºC (T2), para mimetizar as condições térmicas de cada uma das fases de compostagem, durante 48h. Ao fim deste tempo procedeu-se à contagem do número de colónias de cada morfotipo, e à obtenção de culturas puras.

Identificação das bactérias

A identificação das bactérias obtidas foi feita pela sequenciação de uma porção do gene 16S do rRNA. Para tal, procedeu-se à extração de DNA dos isolados bacterianos utilizando o kit REDExtract-N-AmpTM Plant PCR (Sigma-Aldrich), seguindo as instruções do fornecedor. A amplicação do DNA foi realizada utilizando o mesmo Kit, no termociclador MyCycler da BioRad, com 20 µl de mistura final, que possuía a Taq polimerase (1,25 U), os primers 27F (0,2 µM) e 534R (0,2 µM), dNTP’s (200 µM), tampão contendo MgCl2 (2,5 mM), água ultrapura estéril e 2 µL de DNA bacteriano. Os produtos amplificados foram purificados e sequenciados usando os serviços da Macrogen Inc. (Madrid, Espanha). As sequências de DNA obtidas foram analisadas utilizando o software informático BioEdit. Recorrendo ao servidor NCBI (http://www.ncbi.nlm.nih.gov) e utilizando o algoritmo BLAST, foi analisada a homologia das sequências obtidas com outras sequências presentes na base de dados GenBank.

Análise estatística

A diversidade da comunidade bacteriana entre as pilhas e fases da compostagem foi avaliada pela riqueza de espécies (nº de espécies) e abundância (nº de isolados). As diferenças entre médias foram determinadas por análise de variância ANOVA e Tukey, no software PAST 4.10. Para avaliar a similaridade da comunidade microbiana entre pilhas e fases de compostagem, procedeu-se à elaboração de uma ordenação não métrica multidimensional (NMMS) utilizando o coeficiente de similaridade de Bray-Curtis. Para detetar as diferenças significativas, aplicou-se o ANOSIM. Estas duas análises foram efetuadas recorrendo ao software Community Analysis Package v. 5.0.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Em termos de composição, a ordenação não métrica multidimensional (Figura 2) e ANOSIM, mostram que a comunidade bacteriana varia significativamente (p=0,001) entre as diferentes fases da compostagem (T0, T1 e T2). Por sua vez, as diferenças de composição bacteriana entre pilhas foram significativas (p<0,05) apenas na fase inicial T0 (A vs C, A vs D, B vs C e C vs D) e termófila T2 (A vs C, B vs D e C vs D).

As espécies bactérias que mais contribuíram para a diferenciação entre tempos foram Acetobacter cf. tropicalis, Klebsiella pneumoniae, Bacillus siamensis, Bacillus subtillis, Leuconostoc mesenteroides, Mycoplasma wenyonii, Enterococcus saccharolyticus e Gluconacetobacter cf. aggeris.

Figura 2 Ordenação não métrica multidimensional (NMMS) da comunidade bacteriana agrupada por matriz biológica (i.e., fases da compostagem - T0, T1, T2; e pilha - A, B, C e D), usando o coeficiente de Bray-Curtis. 

É importante ressaltar que a espécie Salmonella enterica foi detetada somente na fase de ativação (T1), provavelmente devido à presença de estrume de animais (fonte de azoto), mas que desapareceu na fase termófila. Isso demonstra o importante papel da compostagem no processo de sanitização do composto, eliminando os organismos patogénicos (Palaniveloo et al., 2020).

Na fase termófila T2, observou-se uma abundância das bactérias Pseudomonas thermotolerans e dos géneros Pseudomonas e Bacillus, que são considerados eficientes na decomposição de matéria orgânica e sua transformação em húmus, e benéficas à melhoria das propriedades do solo aquando da aplicação do composto (Pant et al., 2012).

Em termos de diversidade, verificaram-se diferenças significativas (p<0.05) entre fases de compostagem. Quer a riqueza (Figura 3) como a abundância (Figura 4) de espécies bacterianas foi significativamente superior durante a fase de ativação (mesófila), quando comparado com a fase inicial (T0) ou mesmo a fase termófila, onde se registou o valor mais baixo. A comparação entre pilhas mostra diferenças significativas (p<0,05) ao nível da riqueza e da abundância de espécies no tempo inicial, com a pilha C revelando valores maiores e a pilha D valores menores. De igual modo, durante a fase termófila (T2), observaram-se diferenças significativas na riqueza de espécies entre as pilhas C e D, apresentando a pilha D um valor superior, também observado na abundância.

Figura 3 Gráfico Boxplot da riqueza de espécies para as diferentes pilhas (A, B, C e D) e fases da compostagem (T0, T1, T2). As barras com letras diferentes são estatisticamente diferentes, p<0,05, entre tempos (maiúscula) e entre pilhas (minúscula). 

Figura 4 Gráfico Boxplot da abundância para as diferentes pilhas (A, B, C e D) e fases da compostagem (T0, T1, T2). As barras com letras diferentes são estatisticamente diferentes, p<0,05, entre tempos (maiúscula) e entre pilhas (minúscula). 

Conclusões

Os resultados observados neste estudo evidenciam que a comunidade bacteriana evolui de forma diferente ao longo das diferentes fases do processo de compostagem do bagaço de azeitona. Esta variação da comunidade parece ter importância na transformação dos resíduos orgânicos em compostos livres de microrganismos patogénicos e de fitotoxicidade. Foram igualmente detetadas diferenças na composição bacteriana entre as quatro pilhas estudadas. Esforços futuros serão direcionados à exploração do potencial uso de microrganismos como bioprodutos, acelerando o processo de compostagem e melhorando as características do composto final.

Agradecimentos

Os autores agradecem o suporte do projeto “BIOMA - Soluções integradas de BIOeconomia para a Mobilização cadeia Agroalimentar” (POCI-01-0247-FEDER-046112).

Referências bibliográficas

Filippi, C.; Bedini, S.; Levi-Minzi, R.; Cardelli, R. & Saviozzi, A. (2002) - Cocomposting of Olive Oil Mill By-Products: Chemical and Microbiological Evaluations. Compost Science & Utilization, vol. 10, n. 1, p. 63-71. https://doi.org/10.1080/1065657X.2002.10702064Links ]

Hernández, Z.; Figueiredo, D.; Royer, A.C.; Madeira, F. & Figueiredo, T. (2021) - Otimização do processo industrial de compostagem de bagaço de azeitona no nordeste de Portugal. In: Simpósio Nacional de Olivicultura, INIAV, Oeiras, Portugal, 8 p. [ Links ]

GPP (2020) - Análise Setorial AZEITE. Gabinete de Planeamento, Políticas e Administração geral. <https://www.gpp.pt/images/PEPAC/Anexo_NDICE_ANLISE_SETORIAL___AZEITE.pdf> [ Links ]

Palaniveloo, K.; Amran, M.A.; Norhashim, N.A.; Mohamad-Fauzi, N.; Peng-Hui, F.; Hui-Wen, L.; Kai-Lin, Y.; Jiale, L.; Chian-Yee, M.G.; Jing-Yi, L.; Gunasekaran, B. & Razak, S.A. (2020) - Food Waste Composting and Microbial Community Structure Profiling. Processes, vol. 8, n. 6, p. 723. https://doi.org/10.3390/pr8060723Links ]

Pant, A.P.; Radovich, T.J.K.; Hue, N.V. & Paull, R.E. (2012) - Biochemical properties of compost tea associated with compost quality and effects on pak choi growth. Scientia Horticulturae, vol. 148, p. 138-146. https://doi.org/10.1016/j.scienta.2012.09.019Links ]

Tortosa, G.; Torralbo, F.; Márquez, P.M.; Aranda, E.; Calvo, C.; Murua, C.G. & Bedmar, E.J. (2020) - Assessment of the diversity and abundance of the total and active fungal population and its correlation with humification during two-phase olive mill waste (“alperujo”) composting. Bioresource Technology, vol. 295, art. 122267. https://doi.org/10.1016/j.biortech.2019.122267Links ]

(*E-mail: ana.royer@udc.es)

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