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Revista de Ciências Agrárias

versão impressa ISSN 0871-018Xversão On-line ISSN 2183-041X

Rev. de Ciências Agrárias vol.45 no.4 Lisboa dez. 2022  Epub 01-Dez-2022

https://doi.org/10.19084/rca.28467 

Artigo

Perda de carbono em resíduos de origem vegetal: efeito das características (bio)químicas iniciais

Carbon loss in plants residues: effect of initial (bio)chemical characteristics

João Ricardo Sousa1 

João Coutinho2 

1 Centro de Investigação e Tecnologias Agroambientais e Biológicas (CITAB), UTAD, Vila Real, Portugal

2 Centro de Química (CQ), UTAD, Vila Real, Portugal


Resumo

A gestão da matéria orgânica do solo, através da aplicação dos resíduos das culturas, pressupõe o conhecimento do respetivo processo de decomposição e mineralização, de modo a fornecer informações importantes, quer ao nível da libertação de nutrientes para as culturas, quer no rendimento de húmus, para a manutenção do fertilidade e qualidade do solo. O objetivo do presente trabalho é avaliar os processos de decomposição de diferentes resíduos vegetais, através da respetiva estimativa da dimensão e dinâmica, com base no ajustamento do modelo exponencial negativo de um reservatório. Os resultados revelaram diferenças significativas para os parâmetros C0 e kC, com os valores a variarem entre os 270 a 661 g/kg e 0,008 a 0,027 dia-1, respetivamente, de acordo com a ordem decrescente: Trem; Pt; Rm; e Fvid=Fcast=Fmac. Foram observadas correlações significativas entre a qualidade (bio)química inicial dos materiais e os C0 e kC, com os indicadores de Csol (r2 0,977***) e Len (r2 0,969 ***) dos resíduos vegetais a revelarem-se como os mais robustos nas estimativas da dimensão e dinâmica dos respetivos processos de perda de C. Estes resultados revelam a necessidade de integração de indicadores mais eficientes na avaliação dos processos de decomposição/humificação, de modo a tornar a aplicação de resíduos orgânicos mais ecocompatível.

Palavras-chave: Carbono; decomposição; humificação; resíduos; solo

Abstract

The management of soil organic matter, through the application of crop residues, implies the knowledge of the respective decomposition and mineralization process, in order to provide important information, in terms of the release of nutrients to the crops and in the humus yield, for the maintenance soil fertility and quality. The objective of the present work is to evaluate the processes of decomposition of different plant residues, through the respective estimation of the dimension and dynamics, based on the adjustment of the negative exponential model of one pool. The results revealed significant differences for the parameters C0 and kC, with the values varying between 270 to 661 g/kg and 0.008 to 0.027 day-1, respectively, following the decreasing order: Trem, Pt, Rm and Fvid= Fcast=Fmac. Significant correlations were observed between the initial (bio)chemical quality of the materials and the C0 and kC, with the indicators of Csol (r2 0.977***) and Len (r2 0.969 ***) of the vegetal residues revealing the more robust results in estimation of the dimension and dynamics of C loss processes. These results reveal the need to integrate more efficient indicators in the evaluation of decomposition/humification processes, in order to make the application of organic residues more eco-frendly.

Keywords: Carbon; decomposition; humification; residues; soil

INTRODUÇÃO

O teor de húmus, a fração mais estável da matéria orgânica do solo, é resultado de um equilíbrio entre os processos de decomposição biológica e os ganhos decorrentes da restituição de resíduos das culturas, como folhas, palhas, raízes, e aplicação de corretivos orgânicos ao solo (Zech et al., 1997). Este equilíbrio sensível, dependente do balanço de entradas e saídas de matéria orgânica do solo, é fortemente influenciado pelas condições edafo-ambientais e qualidade (bio)química dos respetivos materiais orgânicos que, por sua vez, influenciam a respetiva dinâmica, fazendo variar o teor de húmus no solo.

O estudo dos processos de decomposição dos resíduos orgânicos torna-se, assim, uma ferramenta importante na avaliação dos processos decomposição/humificação. A estimativa das frações potencialmente mineralizáveis do carbono (C0) e respetivas dinâmicas (kC), bem como a sua dependência de fatores de qualidade dos resíduos orgânicos, ajudam a melhor entender os processos de humificação e sequestro de C associado à aplicação de resíduos orgânicos no solo.

Deste modo, o objetivo do presente trabalho centra-se na avaliação do efeito da qualidade (bio)química inicial de resíduos vegetais nos respetivos processos de mineralização de C, durante um período de 392 dias de incubação, em condições de campo.

MATERIAL E MÉTODOS

Na realização do trabalho foram considerados seis resíduos vegetais de origem e caraterísticas (bio)químicas variadas: (i) folhada de castanheiro (Fcast); (ii) folhada de macieira (Fmac); (iii) folhada videira (Fvid); (iv) palha de trigo (Pt); (v) restolho de milho (Rm) e (vi) tremocilha (Trem) (Figura 1). Uma massa de material, equivalente a 10 toneladas por hectare, foi individualmente colocada a incubar num saco de decomposição (12 cm*7 cm e malha 1 mm), enterrado a 10 cm de profundidade, num Regossolo eutrico (pH 6,8; matéria orgânica 15,2 g/kg; N total 0,6 g/kg, argila 10,6 g/kg e classe de textura areno-franco). Para cada resíduo foram consideradas quatro repetições e seis datas de amostragem (28, 56, 85, 112, 224 e 392 dias), num total de 144 sacos de decomposição, colocados em simultâneo a incubar in-situ, em condições de clima Mediterrâneo, durante um período de 392 dias (Sousa et al., 2016).

Figura 1 Diagramas de extremos e quartis para os parâmetros de carbono (C), azoto (N) totais, carbono (CSOL) e azoto (NSOL) orgânico solúvel, hemicelulose (HEM), celulose (CEL) e lenhina (LEN), determinados para avaliação (bio)química inicial dos resíduos vegetais. 

Em cada data de amostragem foram recolhidos quatro sacos de decomposição por material e, após limpeza para eliminação de resíduos e partículas de solo, foram colocados em estufa a 60 ºC para determinação da matéria seca (MS). Uma toma de MS (± 50 mg) de cada material foi usada para determinação dos teores de C remanescente na MS, por via seca, através de NIRD, após combustão a 1100 ºC, em autoanalisador SKALAR®. Posteriormente, os valores foram corrigidos através da determinação do teor de cinzas.

Os dados obtidos para cada material foram ajustados a um modelo de um único reservatório [CMSR=C0*(exp(-kc*t))+(1000-C0)] (Olson, 1963), para estimativa das respetivas constantes de C potencialmente mineralizável (C0) (mg/kg MS) e a respetiva cinética associada (kC) (dia-1), através do método NonLin, com base no software Systat®. Com base nos dados estimados foram determinados os respetivos tempos de semi-vida (t50%) (0,693/kC), para cada material. Por sua vez, os valores obtidos foram sujeitos a uma análise de normalidade e homogeneidade, pelos testes de Kolmogorov e Barlett, respetivamente, seguida da realização de uma ANOVA a um fator, acompanhada do teste de Tukey para um grau de probabilidade de p≤0,05. Por sua vez, os valores de C0 e kC foram correlacionados com os parâmetros (bio)químicos iniciais e determinadas as respetivas relações, através de modelos de regressão linear simples.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Os resultados da qualidade de ajustamento dos dados ao modelo de um único reservatório e respetivas constantes associadas a cada resíduo vegetal estudado são apresentados no Quadro 1.

Quadro 1 Valores das constantes estimadas pela aplicação do modelo de um único reservatório, C0 e kC, tempo de semi-vida (t50%) e respetiva qualidade de ajustamento (r2 ajust

Material C0 kC r2 ajust. t50% (g/kg) (dia-1) (dia)
Fcast 320 ab 0,008 a 0,971 *** 93 d
Fmac 270 a 0,009 a 0,958 *** 67 d
Fvid 318 ab 0,011 a 0,972 *** 72 d
Pt 404 c 0,018 c 0,976 *** 32 b
Rm 361 bc 0,016 b 0,966 *** 58 c
Trem 661 d 0,027 d 0,992 *** 26 a

Para cada coluna, relativa a cada parâmetro, linhas seguidas da mesma letra não diferem significativamente entre sí, pelo teste de Tukey, para 5% de probabilidade; *** significativo para um grau de probabilidade de 0,1%.

O modelo testado revelou uma elevada exatidão, explicando mais de 95% da variação do C mineralizável em todos os resíduos vegetais, com as respetivas constantes a registar diferenças significativas (p≤0,05) entre sí, com os valores a variarem entre os 270 a 661 g/kg, para o C0, e 0,007 a 0,027 dia-1 para a kC (Quadro 1).

A Trem foi o material que apresentou maior fração de C mineralizável (661 g/kg), associado a uma elevada dinâmica de decomposição (0,027 dia-1), que se traduziu por um t50% de 26 dias. Os maiores teores de Csol e Nsol, associados a reduzidos teores de elementos estruturantes, como a Len, conferem a este resíduo uma elevada e acelerada decomposição no solo, comportamento consistente com os resultados observados por Abiven et al. (2005).

Seguiram-se os resíduos Pt e Rm que apresentaram um comportamento similar, com valores de C0 equiparados (Quadro 1). A menor disponibilidade de N total ou em formas solúveis (Nsol) nestes materiais, parece limitar os fenómenos de decomposição (Reinertsen et al., 1984), os quais apresentaram valores de C0 entre os 361 e 404 g/kg MS. Em termos cinéticos, as diferenças observadas poderão estar relacionadas com os maiores teores de Len do Rm, em que a maior resistência desta fração aos processos biológicos (Talbot et al., 2012), quase duplica o t50% deste material comparativamente à Pt (Quadro 1).

Com um comportamento diferenciado dos restantes materiais, as folhadas de castanheiro (Fcast), macieira (Fmac) e videira (Fvid) apresentaram valores de C0 e kC similares, entre 270 a 320 g/kg MS e 0,008 a 0,011 dia-1, respetivamente. Estes valores são resultado dos maiores teores de Len e, nestes materiais em particular, dos maiores teores de polifenóis, que limitam fortemente a mineralização de C (Fox et al., 1990) aumentando de forma significativa o t50%, comparativamente aos restantes materiais (Quadro 1).

Sendo a qualidade química inicial dos materiais um dos vetores mais importantes do processo de decomposição da matéria orgânica no solo, foram estabelecidas correlações entre os parâmetros (bio)químicos iniciais dos materiais e os valores das constantes estimadas (C0 e kC), sendo os resultados apresentados no Quadro 2.

Quadro 2 Correlação entre o C mineralizável (C0) e respetiva constante cinética (kC) e os parâmetros (bio)químicos iniciais dos resíduos vegetais estudados 

Parâmetro (g/kg) Coeficiente de correlação
de Pearson
C0 kC
Ctotal - 0,695 ns -0,719 ns
Ntotal 0,818 * 0,663 ns
Csol 0,989 *** 0,918 *
Nsol 0,939 ** 0,812 *
HEM 0,151 ns 0,344 ns
CEL - 0,756 ns - 0,551 ns
LEN - 0,943 ** - 0,984 ***

ns - não significativo; *, **, *** significativo para um nível de probabilidade de 5%, 1% e 0,1%, respetivamente.

Os resultados indiciam correlações positivas significativas entre os indicadores das frações solúveis (Csol e Nsol) ou o teor total de N, elemento normalmente limitante nos processos de decomposição deste tipo de resíduos, que promovem um maior C0 e kC, sempre que os respetivos teores de N nos resíduos aumentam. Por sua vez, pelo contrário, os indicadores de frações mais resistentes ou recalcitrantes, como o caso da Len, apresentaram correlações negativas, contribuindo para uma maior resistência dos processos de decomposição e, consequentemente, uma diminuição dos valores de C0 e kC dos resíduos, potenciando o aumento do sequestro de C no solo, em resultado da aplicação deste tipo de resíduos. Esta tendência é corroborada por Jensen et al. (2005), em estudos que incluem um conjunto mais alargado de resíduos de origem vegetal.

Considerando os resultados obtidos na Figura 2, o Csol é o parametro que explica uma maior variabilidade dos valores estimados para o C0 nos resíduos vegetais estudados (r2 = 0,9773).

Figura 2 Regressão linear simples entre os valores de C0 (g/kg) e Csol (g/kg) nos resíduos vegetais estudados. 

Estes resultados estão de acordo com os pressupostos referidos por Smreczak & Ukalska-Jaruga (2021), os quais sugerem o Csol como um dos indicadores mais sensível das alterações associadas à transformação da matéria orgânica aplicada ao solo.

Por sua vez, no caso da constante cinética, apesar dos resultados significativos observados com o Csol (Quadro 2), a Len apresenta valores mais consistentes explicando, neste caso, cerca de aproximadamente 97% da variação dos valores estimados para o kC nos resíduos vegetais estudados (Figura 3).

Figura 3 Regressão linear simples entre os valores de kC (dia-1) e Csol (g/kg) nos resíduos vegetais estudados. 

CONCLUSÕES

De acordo com os resultados obtidos, podemos concluir que a qualidade química inicial dos resíduos vegetais estudados é um importante fator modelador dos processos de decomposição associados, podendo ser usado para estimar quer a intensidade como dinâmica dos processos associados à fração de C potencialmente mineralizável. As frações solúveis, como o Csol, e recalcitrantes, como o teor de Len, foram, entre os parâmetros estudados, os que se revelam mais capazes e sensíveis nas respetivas estimativas.

Financiamento: Este trabalho foi financiado no âmbito do projeto SoilRec4+Health - Soil recover for a healthy food and quality of life (NORTE-01-0145-FEDER000083).

Agradecimento

João Ricardo Sousa, agradece a colaboração do CITAB/UTAD, no âmbito do projeto SoilRec4+Health - Soil recover for a healthy food and quality of life.

Referências bibliográficas

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(*E-mail: jricardo@utad.pt)

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