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Revista de Ciências Agrárias

versão impressa ISSN 0871-018Xversão On-line ISSN 2183-041X

Rev. de Ciências Agrárias vol.45 no.4 Lisboa dez. 2022  Epub 01-Dez-2022

https://doi.org/10.19084/rca.28423 

Artigo

Qualidade da matéria orgânica e perda de fitotoxicidade em estágios progressivos da compostagem de bagaço de azeitona

Organic matter quality and phytotoxicity loss in progressive composting stages of olive pomace

Zulimar Hernández1  2 

Daniel Figueiredo1 

Ana Caroline Royer3  4 

Felicia Fonseca3 

Gonzalo Almendros2  5 

Tomás de Figueiredo2  3 

1 MORE-Laboratorio Colaborativo, Edifício Brigantia Ecopark, Av. Cidade de Léon 506, 5300-358 Bragança, Portugal

2 Grupo de Investigación RIESGOS, Dpto. Geografía, Universidad Autónoma de Madrid (UAM), C/ Francisco Tomás y Valiente 1, 28049 Madrid, Spain

3 CIMO-Centro de Investigação de Montanha, Instituto Politécnico de Bragança (IPB), Campus de Santa Apolónia, 5300-253 Bragança, Portugal

4 CICA-Centro de Investigaciones Científicas Avanzadas, Universidad de A Coruña (UDC), Rúa As Carballeiras, 15071, A Coruña, Spain

5 MNCN, Consejo Superior de Investigaciones Científicas (CSIC), C/ Serrano 115 B, 28006 Madrid, Spain


Resumo

Foram avaliados quatro tratamentos de compostagem aeróbica com diferentes matérias primas (BA: bagaço de azeitona, ES: estrume, CA: casca de amendôa) durante 176 d: pilha A com 44% BA, 25% ES, 25% CA e revolvimento; pilha B com 44% BA, 11% ES, 44% CA e revolvimento; pilha C com 25% BA, 50% ES, 25% CA e revolvimento; pilha D com 44% BA, 11% ES, 44% CA e sem revolvimento, de modo a testar os três fatores limitantes do BA: alta relação C/N, elevada humidade e teor de polifenóis. As variáveis analisadas nas pilhas, quinzenalmente, foram (n=160): densidade, humidade, fração grosseira, pH, condutividade elétrica (CE), matéria orgânica (MO), cinzas e cor; a análise elementar CHNO foi determinada por análise química elementar e a fitotoxicidade conforme o índice de Munoo-Liisa (MLV). Os resultados do diagrama de Van Krevelen (H/C vs O/C) mostram uma ligeira deshidrogenação nos primeiros 98 d, seguida por uma degradação seletiva de hidratos de carbono e um aumento da aromatização após 120 d. A análise de componentes principais (ACP) mostrou que a maior variabilidade é explicada pela qualidade da MO (83%), onde o teor de C (C/N alta) diminui conforme aumenta a disponibilidade de N e o pH. Por outro lado, verifico-se que a MLV é explicada (52%) pela alifaticidade dos constituintes orgânicos no composto (H/C alta).

Palavras-chave: MLV; análise elementar; diagrama de Van Krevelen; alifaticidade

Abstract

Four treatments of aerobic composting with different raw materials (BA: olive pomace, ES: manure, CA: almond husk) were evaluated during 176 days: pile A with 44%BA, 25%ES, 25%CA and turning; pile B with 44%BA, 11%ES, 44%CA and turning; C pile with 25%BA, 50% ES, 25%CA and turning; D pile with 44%BA, 11%ES, 44%CA and without turning over, in order to test the three limiting factors of BA: high C/N ratio, humidity and content of polyphenols. The routine variables analyzed bi-weekly were (n=160): density, humidity, coarse fraction, pH, electric conductivity (EC), organic matter (OM), ash and color; CHNO was determined by chemical elemental analysis and the phytotoxicity according to the Munoo-Liisa index (MLV). Van Krevelen diagram´s results (H/C vs O/C) show a slight dehydrogenation in the first 98 d, followed by a selective degradation of carbohydrates and an increase in the aromatization of the compounds after 120d. The principal component analises (PCA) showed that the greatest variability is explained by the OM quality axis (83%), where the C content (high C/N) decreases as the N availability and pH increases, on the other hand, the MLV was explained (52 %) by the aliphaticity of the organic constituents in the compost (high H/C).

Keywords: MLV; elemental analyses; Van Krevelen diagram; aliphaticity

INTRODUÇÃO

Portugal produz anualmente cerca de 100 Gg de azeite (5% da produção mundial), em cujo processo industrial de extração em contínuo (2 fases) se geram mais de 547 Gg por ano de BA.

A mudança no processo industrial ocorrida nos lagares nos últimos 20 anos, passando de um sistema de extração contínuo de 3 para 2 fases, resolveu o problema do elevado consumo de água e da produção das águas ruças associados ao primeiro caso: Todavia, passou a gerar-se um BA mais húmido (65-70% de humidade) (Alburquerque et al., 2006). O problema ambiental transitou para as indústrias extratoras de óleo de bagaço onde, com graves impactos, cada ano se concentram toneladas de BA em lagoas ao ar livre.

Desde 2020, o BA não tem qualquer valor económico e os mais de 130 mil lagareiros têm de assumir os custos do trasporte deste subproduto para as indústrias extratoras. Na falta de soluções tecnológicas, persiste o alto risco ambiental de que o BA seja despejado no solo sem tratamento prévio, causando fitotoxicidade, situação para a qual urge encontrar alternativas.

A natureza orgânica do BA, o qual contém um alto teor de lenhina e celulose, alguma gordura e ausência de metais pesados, converte-o numa matéria-prima interessante para compostagem aeróbica. A maioria dos estudos de compostagem à escala industrial não têm sido conclusivos, reconhecendo a dificuldade em compostar um material que é pastoso, saturado de água e contem um alto teor de polifenóis, o que o torna fitotóxico.

Alguns dos tratamentos industriais desenvolvidos até agora concluem que é necessário aumentar o tempo de compostagem (até 9 meses) e a frequência dos revolvimentos mecânicos, ou a aplicação de ar forçado, o que encarece o processo industrial (de 0,12€/t para 0,63€/t). Apesar disso, grande parte dos autores considera aceitável o grau de maturidade e estabilidade dos compostos obtidos, nos quais estão presentes os percursores orgânicos das substâncias húmicas (Droussi et al., 2009). Todavia, não são ainda bem conhecidos os mecanismos de degradação dos polifenois e de outros compostos fitotóxicos.

Foi objetivo principal da investigação subjacente a este estudo avaliar, ao longo do processo de compostagem, a evolução de três caraterísticas do BA que se reconhecem como fatores limitantes da atividade microbiana, a saber, elevada razão C/N, elevado teor de humidade e densidade e elevada fitotoxicidade.

MATERIAL E MÉTODOS

Delineamento e amostragens

Foram desenvolvidos 4 tratamentos de compostagem à escala industrial (pilhas de 27 m3) com diferentes doses de BA e outras matérias-primas como o ES e a CA como agente estruturante, cujas principais propriedades fisicoquímicas se apresentam no quadro 1. A temperatura dentro e fora da pilha foi registada diariamente e a do ar e evapotranspiração potencial foram obtidas duma estação meteorológica próxima (menos de 1 km). Os tratamentos A, B e C foram sujeitos a 6 revolvimentos ao longo da compostagem. O tratamento D, com composição igual à do A, não foi revolvido. As pilhas foram regadas quando necessário, de modo a garantir um teor de humidade próximo de 66%. Foram colhidas 3 a 5 amostras ao longo do eixo central das pilhas, aos 0, 15, 34, 58, 77, 98, 120, 148 e 176 dias de compostagem (160 amostras no total), para posterior análise laboratorial. Para além disso, foram colhidas amostras não perturbadas para determinação da densidade aparente (DapH) e teor de humidade.

Determinações analíticas

Com exceção destas últimas, as amostras secas a 65°C foram trituradas e crivadas (2 mm), quantificando-se a fração grosseira (Egr). Dados da cor (índices ah/Lh) foram processados com o software GIMP © . O pH em água 1:2.5 (p/v) e a condutividade eletrica (CE) 1:5 (p/v) foram medidos com um potenciômetro e medidor de condutividade Combi 5000, respetivamente. O carbono orgânico total (COT) e o azoto total (Ntotal), assim como as relações elementares C/N, H/C e O/C, foram obtidas por análise química elementar (AQE) com um LECO CHNS-932, e foram calculadas as cinzas após combustão em mufla a 500°C. Para avaliação da fitotoxicidade da mistura em compostagem, foram determinados o MLV (índice inverso de Munoo-Liisa, %) e o índice de germinação (GI), com base em ensaios com sementes de agrião (Lepidium sativum L.), nos quais se mediu o comprimento da raiz (RI), usando o software Image J © (Zucconi et al., 1981). Por último, foi utilizado o Statgraphics Centurion V para tratamento estatístico da informação.

Quadro 1 Proporções das matérias-primas e Razão C/N inicial da mistura dos 4 tratamentos (Pilhas) 

Tratamento Revolvimento Proporção (%) C/N
BA ES CA Mistura inicial
A Com 31 8 62 30
B Com 44 11 44 30
C Com 25 50 25 20
D Sem 31 8 62 30

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Os resultados da análise elementar CHNO permitiram monitorizar o processo durante os 176 dias de compostagem, observando-se uma importante perda de peso no primeiro mês (20%), seguida de rápida mineralização de C e N orgânicos. Este processo foi mais rápido na pilha C (com menos BA), onde a perda de N é favorecida pelos altos valores de pH (>8). No entanto, nas pilhas A, B e D, que contêm mais BA, o processo de mineralização de N foi menos expressivo, registando-se perdas de N abaixo de 7% nos primeiros 6 meses de compostagem.

O Diagrama de Van Krevelen (H/C vs O/C), comunmente usado para estudar o progresso da humificação (Hernández et al., 2019), demonstra poucas alterações na natureza dos compostos orgânicos nos primeros 4 meses, fase mesófila, na qual se produz ligeira deshidrogenação (baixa H/C) ou perda de grupos alifáticos (-CH2), provavelmente associada à degradação de gorduras vegetais, como o ácido oleico, ainda presente no BA (~3%). Observa-se, também, degradação seletiva de hidratos de carbono a partir dos 120 dias (baixa O/C), fase de maturação, o que conduz a um aumento da aromatização dos restos orgânicos compostados (Figura 1).

Figura 1 Diagrama de Van Krevelen: valores médios em três estados de compostagem (fase termófila, mesófila e de maturação). Nota: Tamanho da bola indica dias desde o início da compostagem (77, 120 e 176 d) e nº amostras. 

O índice MLV diminuiu de forma geral durante o processo de compostagem (Figura 2). Pode observar-se que as pilhas A, B e D perderam fitotoxicidade em apenas 120 d (MLV~50-65%), a pilha B alcançando a maior taxa de germinação e índice de comprimento radicular aos 148 d (GI~0,8; RI~0,9). A pilha C manteve-se fitotóxica ainda aos 156 d de compostagem (MLV~20%; GI~0,6, RI~0,3).

Figura 2 Valores médios de fitotoxicidade (MLV) durante a compostagem (0, 58, 120, 148 e 176 d). 

De modo a identificar as variáveis que melhor explicam a fitotoxicidade durante a compostagem, aplicou-se uma ACP com as variáveis determinadas, que mostra que o primeiro eixo de variabilidade (Fig. 3) reúne elementos associados à qualidade da matéria orgánica nos diferentes estágios da compostagem (83%). De facto, maior teor de COT e menor de Ntotal (C/N alta), significando matéria orgânica menos decomposta, correlacionam bem com a cor (ah), tornando-a um bom indicador do estágio de compostagem. A alta correlação do Ntotal com o pH e o teor de cinzas (inverso da perda de peso) indica que o processo de amonificação é favorecido para valores altos de pH. Se tal indica que a compostagem favorece a passagem do N orgânico a formas assimiláveis, sugere também que a regulação do pH durante a compostagem pode ser crucial para minimizar perdas de N-NH3.

Figura 3 Valores próprios das variáveis analisadas representados nos eixos (componentes) identificados na ACP (83% CP1vs CP2). 

Por outro lado, o segundo eixo de variabilidade (52%) é explicado pela fitotoxicidade do composto em formação. O MLV é inversamente correlacionado com H/C, isto é, quanto maior o teor de compostos alifáticos (alta H/C) maior a fitotoxicidade. Este efeito é mais expressivo na pilha C, com menos BA, a que manifestou fitotoxicidade em estágios avançados de compostagem (Figura 4).

Figura 4 Regressão simples entre MLV e H/C (P valor 0,000, r 2 = - 0,72). 

CONCLUSÕES

A elevada fitotoxicidade do BA é significativamente reduzida após 120 dias de compostagem aeróbia nas pilhas A, B, D, sendo que são os compostos alifáticos (alta H/C) os principais responsáveis; observa-se também que a compostagem favorece a qualidade da MO devido á formação de constituintes orgânicos com uma natureza mais semelhante aos ácidos húmicos; então podemos dizer que a compostagem de BA é necessária como tratamento prévio para sua aplicação ao solo.

Agradecimentos

Os autores agradecem à empresa Acushla e à equipa ECO do MORE, e o suporte financeiro do projeto Mobilizador BIOMA (POCI-01-0247-FEDER-046112).

Referências bibliográficas

Alburquerque, J.A.; Gonzálvez, J.; García, D. & Cegarra, J. (2006) - Measuring detoxification and maturity in compost made from “alperujo”, the solid by-product of extracting olive oil by the two-phase centrifugation system. Chemosphere, vol. 64, n. 3, p. 470-477. https://doi.org/10.1016/j.chemosphere.2005.10.055Links ]

Droussi, Z.; D’Orazio, V.; Provenzano, M.R.; Hafidi, M. & Ouatmane, A. (2009) - Elemental and spectroscopic characterization of humic-acid-like compounds during composting of olive mill by-products. Journal of Hazardous Materials, vol. 163, n. 2-3, p. 1289-1297. https://doi.org/10.1016/j.jhazmat.2008.07.136Links ]

Hernández, Z.; Almendros, G.; Alvárez, A.; Figueiredo, T. & Carral, P. (2019) - Soil carbon stabilization pathways as reflected by the pyrolytic signature of humic acid in agricultural volcanic soils. Journal of Analytical and Applied Pyrolysis, vol. 137, p. 14-18. https://doi.org/10.1016/j.jaap.2018.10.015Links ]

(*E-amil:tomasfig@ipb.pt)

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