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Revista de Ciências Agrárias

Print version ISSN 0871-018X

Rev. de Ciências Agrárias vol.42 no.3 Lisboa Sept. 2019

https://doi.org/10.19084/rca.16658 

ARTIGO

Contributo para o conhecimento da agrodiversidade no concelho de Santa Cruz, Madeira

Contribution to the knowledge of agrodiversity in the county of Santa Cruz, Madeira

Miguel A.A. Pinheiro de Carvalho*, Carla Ragonezi, Fabrício Lopes de Macedo, Gonçalo Antunes, Gregório Freitas e Humberto Nóbrega

Banco de Germoplasma ISOPlexis. Universidade da Madeira. Campus da Penteada. 9050-290 Funchal. Portugal

(*E-mail: miguel.carvalho@staff.uma.pt)


RESUMO

O presente trabalho procura analisar as alterações sofridas pela agrodiversidade no território do Santa Cruz. Este concelho localizado na costa sul da Madeira é um concelho, com 81,5 km2, quatro patamares bioclimáticos e numerosas unidades agroecológicas (UAE). A evolução da agrodiversidade iniciou-se, com o povoamento do Arquipélago, descoberto inabitado em 1418. A agrodiversidade biofísica, específica e intraespecífica aumentou e diversificou-se, devido à construção de agrossistemas, introdução de culturas, sucessão de ciclos agrícolas, adaptação às condições agroecológicas, aparecimento de pragas e doenças e pela ação do homem. Os registos históricos indicam a introdução de um elevado número de espécies, bem como a utilização de 72 espécies agrícolas, no concelho. E, indicam como fundamentais no povoamento e economia as culturas do trigo e as cerealíferas (cevada, centeio), cana-sacarina, vinha e sumagre. Várias outras culturas desempenharam um papel importante na economia do concelho, sendo cultivadas para fins alimentares, comerciais, industriais, culturais ou religiosos. A adaptação destas espécies aos agrossistemas e às condições agroecológicas deu origem a um número indeterminado de variedades locais. Apesar das limitações da documentação disponível, foram encontradas variedades locais cuja cultura remonta há 140 a 500 anos, nomeadamente o Trigo da Serra, castas Malvasia e Tinta Antiga de Gaula, pêra Caniça, Banana da terra, feijão Corno de carneiro e Couve de João Ferino, que podem ser relacionadas com o historial do concelho. Porém, desde meados do século XX, a agrodiversidade sofreu uma drástica redução com a diminuição das áreas cultivadas, o abandono de várias espécies agrícolas e a extinção de variedades locais. A análise desta agrodiversidade foi realizada, a fim de apurar as alterações históricas e geográficas ocorridas na agrodiversidade em onze culturas representativas do concelho, visando a sustentabilidade agronómica.

Palavras-chave: agrodiversidade, biofísica, específica, intraespecífica, variedades locais


ABSTRACT

This work analyzes the changes undergone by agrodiversity in Santa Cruz. This municipality, in Southern Madeira Island, presents four bioclimatic levels and many agroecological units. The evolution of agrodiversity began with the first human settlement, after the discovery of the Archipelago in 1418. In the first, the biophysical, specific and intraspecific agrodiversity increased and diversified due to the construction of agro-systems, introduction of crops, succession of agricultural cycles, adaptation to agroecological conditions and to the action of pests, diseases or man. Historical records document the introduction of a large number of crop species and the use of more than 72 crop species in the county. Some references indicate the cereals wheat and barley, rye, sugarcane, vineyards and sumac was most important crops in the settlement. However, several other cultures played an important role in the county's economy, being grown for food, commercial, industrial, cultural or religious purposes. The adaptation of these species to agro-systems and agro-ecological conditions gave rise to an indeterminate number of local varieties. Despite the limitations of historical records some local varieties of these cultures date back 140 to 500 years. Local varieties such as the wheat Trigo da serra, the grapevine varieties Malvasia and Gaula’s Tinta Antiga grape, the pear Caniça, Banana da terra, bean Corno de Carneiro and the João Ferino´s cabbage can be linked to the county's History. However, since the middle of the 20th century, the agrodiversity undergoes a drastic reduction due to the decrease of agricultural areas, abandonment of crop species and extinction of local varieties. The evolution of agrodiversity was study by the Germplasm Banck ISOPlexis with the objective of establishing the historical and geographical changes that occurred with eleven of the most representative crops of the county. Despite the negative trends affecting agriculture, these varieties constitute a factor of differentiation and appreciation of local agricultural production, with the creation of short food chains and diversification of the rural economy.

Keywords: agrodiversity, biophysical, specific, intraspecific, local varieties


INTRODUÇÃO

O presente trabalho visa contribuir para o conhecimento dos processos que estão na origem da agrodiversidade endógena da Madeira, utilizando como modelo o concelho de Santa Cruz. Na análise do tema consideramos fundamental abordar inicialmente alguns conceitos necessários à compreensão da problemática.

A Convenção para a Diversidade Biológica (CDB), aprovada na cimeira do Rio de Janeiro em 1992, artigo 2º, introduziu o conceito de biodiversidade, definindo-a como a diversidade de seres vivos, ecossistemas e habitats de todas as origens, incluindo os complexos ecológicos, onde ocorrem esses seres vivos (UN, 1992; ICN, 1997). A diversidade biológica compreende ainda a variabilidade entre e dentro das espécies.

No entanto, a biodiversidade é habitualmente quantificada pelo número de espécies, e menor realce é dado à diversidade relacionada com a variabilidade intraespecífica ou ecológica. A biodiversidade global conhecida ou atual contabiliza 1.899.587 espécies (Chapman, 2009). Contudo, este e outros autores (Mora et al., 2011) estimam que esta poderá ascender a 8,5 ou 11,3 milhões de espécies. O inventário da biodiversidade no arquipélago da Madeira contabiliza em 7.571 taxa, que incluem 1.761 espécies de plantas e 1.473 espécies de fungos (Borges et al., 2008). No entanto, este inventário não inclui as espécies não espontâneas introduzidas para fins agrícolas ou recreativos (Pinheiro de Carvalho et al., 2016).

A CDB refere a agrobiodiversidade, definindo-a como a diversidade de “espécies domesticadas ou cultivadas” que “tenham valor medicinal, agrícola ou outro valor económico” e “importância social … ou cultura” (ICN, 1997) ou seja com valor reconhecido ou potencial para o homem, e uso agrícola, alimentar ou económico. Os termos agrobiodiversidade e agrodiversidade são utilizados muitas das vezes como sinónimos, mas tem diferentes significados. A agrobiodiversidade é o conceito mais antigo e serve para definir a diversidade biológica presente nos sistemas agrícolas (Brookfield e Stocking, 1999). O conceito de agrodiversidade é mais abrangente do que a biodiversidade, sendo anterior à CDB, cuja definição foi iniciada por Doolittle (1984). O conceito de agrodiversidade ilustra a sua complexidade, e inclui como componentes: os agrossistemas, com as suas interações bióticas e abióticas (diversidade biofísica); as espécies agrícolas e a sua diversidade; as espécies auxiliares e outros seres vivos (agro e biodiversidade), presentes no agrossistema, os quais em conjunto, as práticas agrícolas e os conhecimentos associados (diversidade organizacional e de maneio), condicionam a produção dos agrossistemas (Brookfield e Stocking, 1999; Pinheiro de Carvalho et al., 2016). A agrodiversidade inclui as espécies silvestres parentes ou percursoras das espécies vegetais, animais e microbianas de interesse agronómico direto (Vavilov, 1987; Maxted et al., 2006).

Os agrossistemas e as espécies agrícolas e pecuárias são nucleares na determinação da dimensão e características da agrodiversidade. Os agrossistemas são ecossistemas de natureza antropogénica, que variam na sua composição, estrutura e funções agrícolas, de acordo com as condições agroecológicas locais. As espécies têm a sua origem relacionada quer com processos naturais, quer artificiais aproveitados ou condicionados pelo Homem. Na origem e evolução das espécies agrícolas estes processos, que incluem a poliploidia, mutação, hibridação, isolamento genético e autopolinização, seleção e adaptação às condições agroecológicas locais. A origem da agrodiversidade foi explicada por Vavilov (1987) que propôs a teoria dos centros de origem e domesticação das espécies agrícolas, posteriormente desenvolvida por outros autores (Harlan e Wet, 1971). Esta teoria considera que as espécies utilizadas na agricultura, na sua esmagadora maioria não existiam em estado silvestre e resultaram dos processos referidos anteriormente e dos cuidados do Homem. Oito regiões do globo terrestre são identificadas como centros de domesticação das espécies agrícolas (Vavilov, 1987; Harris, 1990). Estes centros caracterizam-se pela riqueza de espécies, onde ocorre um número elevado de parentes silvestres e os ancestrais das espécies agrícolas relacionadas. Cada centro de origem e domesticação, ou centro de Vavilov, deu origem a uma agrodiversidade específica. A domesticação conduziu à alteração dos ciclos de vida, com o aparecimento de caraterísticas úteis e o aumento do teor em nutrientes e calorias disponibilizadas ao Homem ou aos animais domésticos.

Frequentemente, agrodiversidade tem sido quantificada habitualmente, pelo número de espécies domesticadas, cultivadas e/ou utilizadas pelo Homem. E, a sua dimensão resultou da nossa capacidade de domesticação das 85.000 espécies vegetais espontâneas, comestíveis, que foram exploradas de forma regular ou esporádica, como fonte de alimento (Pinheiro de Carvalho et al., 2016). Mas, a classificação das espécies comestíveis como parte da agrodiversidade não é linear, pois a maioria não sofreu domesticação, critério inerente à na agrodiversidade nuclear (espécies agrícola). Por outro lado, como foi referido, na evolução da agrodiversidade nuclear e na segurança alimentar é atribuído papel importante aos seus parentes silvestres. Assim, à luz do conhecimento atual considera-se que 35.000 espécies vegetais e entre 30 a 100 espécies animais podem ter sido utilizadas pelo Homem, na agricultura, pecuária, silvicultura, floricultura ou medicinal (Khoshbakht e Hammer, 2008; FAO, 2010; Pinheiro de Carvalho et al., 2016). Destas terão sido apenas 7.000 e 14, respetivamente, as espécies vegetais e animais, efetivamente, domesticadas, cultivadas ou criadas, de forma regular e continuamente até ao presente, para alimentação ou outros bens de consumo, Mas, alguns autores (Meyer et al., 2012) defendem que a agrodiversidade strictum sensu é constituída por número ainda menor de espécies domesticadas (2.500 plantas) e que na atualidade apenas 150 a 250 espécies de plantas continuam a ser exploradas na agricultura moderna.

Este estudo da agrodiversidade no arquipélago da Madeira baseia-se na análise da informação dispersa por diferentes fontes: tradição oral, conhecimento empírico; bibliografia técnico-científica; levantamento de toponímias, bibliografia técnico-científica; registos históricos; acervo etnográfico e do património agrícola edificado (engenhos, moinhos, lagares e eiras); e o conhecimento compilado e divulgado pelo sistemas de documentação (SDI) do Banco de Germoplasma (BG ISOPlexis, 2017). Esta última fonte de informação reúne dados de prospeção, relatórios de missões de colheita, inventariação, fenotipagem e avaliação (genotipagem) dos acessos da coleção de germoplasma. Parte significativa desse esforço tem sido direcionada para a inventariação, amostragem e documentação da agrodiversidade e dos recursos genéticos para a agricultura e alimentação (RGAA). O banco mantém um sistema de documentação e informação (BG ISOPlexis, 2017) da agrodiversidade, cujos dados são utilizados neste trabalho. Os dados mais recentes do inventário de agrodiversidade permitem quantificar 895 espécies vegetais, que incluem 310 espécies cultivadas e 585 espécies silvestres com interesse agronómico (dados não publicados). Muitas destas espécies, em particular as cultivadas têm atualmente uma ocorrência esporádica. Mas, o facto de integrarem o inventário realça o contributo da Região e o contributo da agricultura madeirense na transferência (introdução) e aclimatação de inúmeras espécies de e para diversos pontos do globo terrestre. A classificação destas espécies por categorias permite concluir que 392 são parentes silvestres, com potencial importância para a segurança alimentar, 200 são agrícolas, com utilização atual ou remota, 52 espécies negligenciadas, 13 espécies silvícolas e as restantes 238 espécies tem outros usos. Por sua vez, as espécies agrícolas incluem 163 espécies alimentares e 37 espécies não alimentares. As espécies alimentares subdividem-se em 49 frutícolas e 114 outras culturas (Pinheiro de Carvalho et al., 2016). Por sua vez, a agrodiversidade animal terá estado representada no território terá por cerca de uma dezena de espécies, utilizadas para fins alimentares, de trabalho ou recreativos.

A agrodiversidade inclui também uma componente intraespecífica, constituídas por variedades e raças. Os conceitos de raça e de variedade local (landrace) são essenciais para a avaliação e compreensão da riqueza da agrodiversidade na Madeira. O conceito de raça aplica-se sobretudo aos animais domesticados e/ou utilizados na pecuária. As raças são constituídas por grupos ou populações animais, com um conjunto de caracteres comuns, que transmitem aos seus descendentes, e os diferenciam de outros indivíduos ou populações da mesma espécie. O aparecimento destas raças é o resultado da sua adaptação às condições ambientais ou de uso, e do seu isolamento geográfico ou artificial pelo homem. As características destas raças são fixadas, pelos certificados de pedigree e adquirem um interesse e valor económico crescente (Fernandes, 1996). A inexistência de documentação histórica detalhada não permite estimar o número de raças bovinas, ovinas, caprinas, equinas, suínas ou aviárias, que terão sido “criadas” e apuradas pelos camponeses madeirenses. Desta agrodiversidade intraespecífica estima-se que poderão subsistir duas a três raças entre os efectivos de bovinos e suínos, cuja base genética estará severamente afetada pela erosão e poluição genética, colocando dúvidas quanto à viabilidade da sua manutenção. O Porco-bravo Preto, a Cabra do Bugio (extinta) e a Vaca Alvaçã dos Prazeres constituirão exemplos de raças locais da Madeira, que se encontram negligenciadas ou extintas, com a perda do seu potencial económico. A desestruturação do sistema produtivo tradicional, que assentava na manutenção dos animais junto das explorações agrícolas levou a uma diminuição drástica dos efetivos pecuários, provocando a erosão e/ou a extinção das raças locais. A ação dos agentes económicos do sector pecuário e a falta de uma estratégia de diferenciação positiva das raças endógenas terão acelerado o processo, com alterações dramáticas a ocorrer na última metade do século passado.

As variedades locais (landraces) são definidas como entidades únicas (formas cultivadas, populações ou o grupo de indivíduos do mesmo campo agrícola) ou um conjunto de entidades de uma espécie agrícola (cultura), cujo material de propagação é origem local, que se distinguem pela sua variabilidade (heterogeneidade genotípica e fenotípica), características nucleares comuns de natureza agronómica ou botânica, distribuição geográfica restrita, boa adaptação às condições agroecológicas locais, uso agronómico ou económico, e valor histórico, etnográfico ou cultural documentado (Zeven, 1998; Camacho Villa et al., 2006; Pinheiro de Carvalho et al., 2013; Karanikolas et al., 2018).

Estas variedades locais constituem uma parte significativa da agrodiversidade, cuja dimensão depende da espécie agrícola, da distribuição da cultura, do agrossistemas, das condições agroecológicas e da sua manutenção pelos agricultores. A intervenção dos agricultores foi essencial na criação destas variedades. Este processo secular está relacionado, com a importância da cultura, as práticas culturais utilizadas, os conhecimentos tradicionais associados e a manutenção dos recursos genéticos. O desenvolvimento destas variedades ocorreu sem recurso a esquemas formais de melhoramento. Mas, os agricultores detinham conhecimentos práticos relacionados com a produção, seleção, limpeza e armazenamento do material de propagação destas variedades. As variedades locais são atualmente reconhecidas pela sua importância na economia rural e adaptação da agricultura às alterações climáticas. A existência das variedades locais aumenta exponencialmente a dimensão da agrodiversidade. A riqueza dos recursos genéticos endógenos associados àquelas variedades locais representa um potencial de diferenciação económica das produções locais. As variedades locais têm enquadramento jurídico atribuído pela Diretiva Comunitária, 2009/145/EC e pelo decreto-lei 118/2002, de 20 de abril, e decreto-lei 82/2017, de 18 de julho. Ao nível mundial, o número de landraces em algumas culturas agrícolas pode variar entre dezenas e centenas de milhares. Por exemplo, nas leguminosas para grão (feijão, etc.) o número de variedades locais referenciado pelo SDI dos bancos de germoplasma, atinge 133.132. E, nas culturas cerealíferas, o número de variedades locais atinge 179.514 no trigo, 124.083 na cevada, 19.755 na aveia e 7.662 no centeio, devido à sua ampla distribuição geográfica (Newton et al., 2010; Pinheiro de Carvalho et al., 2013; Suso et al., 2016).

Seguidamente, serão abordadas a agrodiversidade histórica e a sua distribuição geográfica num concelho representativo, para estimar o número de variedades locais de onze culturas típicas da Região Autónoma da Madeira e contribuir para a compreensão das alterações temporais e geográficas evidenciadas por esta agrodiversidade intraespecifica.

Agrodiversidade e elementos biofísico

O povoamento e a agrodiversidade

O arquipélago é uma região, com área terrestre de 750 km2, cuja redescoberta ocorreu há 600 anos. O povoamento da Madeira ocorreu após a chegada à ilha inabitada, o que terá tido início em 1425 (Ribeiro et al., 1995). A povoação de Santa Cruz foi fundada entre 1425 e 1440. A povoação foi elevada à condição de freguesia em 1450 e instituída como concelho em 1505 (Ferreira Pio, 1967).

Crosby (1983) estudou a colonização das “Ilhas Afortunadas”, pelos europeus e classificou este esforço como a primeira experiência bem-sucedida de globalização baseada no “imperialismo ecológico” e na introdução de espécies então conhecidas na Europa, substituindo os ecossistemas naturais e criando outros que garantissem a produção de alimento e bens, necessários ao desenvolvimento da economia. Na Madeira, os primeiros povoadores encontraram uma cobertura vegetal luxuriante, mas que incluía sobretudo espécies cuja utilidade era desconhecida. Estes procuraram utilizar ou domesticar algumas dessas espécies, com potencial alimentar, por exemplo a norça, a cenoura da rocha, o brigalhó ou a tamareira, mas estas não garantiam o sustento da população (Silva e Meneses, 1908; Vieira, 1992). O povoamento exigiu um esforço de “terra formação”, com a eliminação dos ecossistemas nativos, e a construção de novos sistemas ecológicos, os agrossistemas, utilizando espécies alimentares introduzidas. Estas últimas desempenharam um papel fundamental na fixação das populações, garantindo a sua segurança alimentar. Uma agrodiversidade “naturalizada” foi criada e evoluiu, constituída pelos novos agrossistemas e pelas espécies agrícolas e pecuárias mais aptas e produtivas. Por exemplo, houve a seleção empírica, mas sistemática, das plantas de trigo com semente menos exigente em frio para germinar e, ao mesmo tempo, menos sensíveis ao fotoperíodo local e capazes de produzir grão, com dias curtos.

Na Madeira, os agrossistemas foram organizados adaptando práticas agrícolas da Metrópole às condições locais e a sua estrutura é condicionada essencialmente, pelo território, com orografia acentuada, e pelas condições edafoclimáticas (solo e clima). Inicialmente, os agrossistemas típicos teriam provavelmente um carater temporário, localizando-se nos leitos das ribeiras, sendo a contenção do solo feita com auxílio de madeiros (Kiesow e Bork, 2017). A criação e manutenção destes sistemas agrícolas dependia do arroteamento, e nas zonas altas ou arborizadas foi desenvolvida a técnica das chamuscas (queimadas). As chamuscas serviam para preparar os terrenos para cultivos dos cereais até ao início do século passado (Ribeiro et al., 1995), representando uma forma ancestral de sistema agrícola temporário, com períodos de pousio regenerador, e “primitivo” (apresentando algumas analogias com a “agricultura itinerante”, mas contrariamente a esta, com mobilização do solo muito cuidada).

As explorações agrícolas típicas da Madeira denominam-se poios, sendo o solo agrícola estruturado em talhões horizontais, ou com ligeiro declive, que são dispostos em terraços, mais ou menos, regulares os quais acompanham as curvas de nível (em socalcos). Os poios são irrigados por levadas (longos canais de abastecimento de água) e os terraços são suportados por muros de pedra basáltica. O sistema de terraços é similar ao utilizado pela agricultura de montanha em Portugal continental, particularmente em vales do Norte e do interior acima do Rio Tejo. A origem nortenha da maioria dos primeiros cabouqueiros e agricultores (Vieira, 2001) foi relevante na adoção das técnicas utilizadas na construção e organização dos poios. Os terraços, com paredes de pedra encastelada, favorecem a infiltração da chuva, o armazenamento dessa água na camada acrescida de solo despregado e minimizam a erosão hídrica, contribuindo para a resiliência dos agrossistemas face às alterações climáticas globais (Gunderson, 2000). O desafio da conservação deverá ser complementado com técnicas agroecológicas hodiernas (Altieri et al., 2015), adaptadas pela resiliência de seis séculos. Os poios em terraços alongam-se rasgados pelas levadas, na paisagem humanizada do concelho e da Região, sendo elementos caraterizadores do património cultural da Madeira (Natividade, 1954; Kiesow e Bork, 2017). Os elementos deste património devem ser preservados como garante da sustentabilidade socioeconómica do território e usufruto das gerações futuras.

Território e condições agroecológicas no concelho de Santa Cruz

O concelho de Santa Cruz, com 81,5 km2, é delimitado a Este pela vereda da Ventrecha e a estrada de Santo António da Serra e a Oeste pelo ribeiro da Cancela, a Sul pelo Oceano Atlântico e a Norte pelas Serras do Maciço Central, atingindo no seu ponto mais elevado 1.380 m de altitude. O território apresenta uma das orografias mais suaves da Madeira, sendo recortada pelos vales profundos das ribeiras de Santa Cruz, Boaventura e Porto Novo. O território de Santa Cruz integra duas das sete subzonas agroecológicas, em que consideramos dividem a ilha da Madeira. Por sua vez, a orografia, o gradiente altitudinal, temperatura, precipitação, humidade relativa, radiação (horas de insolação), e os complexos pedológicos (tipo de solos) dividem o território em cinco patamares bioclimáticos, quatro dos quais têm importância agrícola (Figura 1a). Por sua vez, estes patamares são formados por unidades agroecológicas menores, cujo número e dimensão são variáveis e que resultam da influência conjugada dos factores edafoclimáticos e biológicos, proporcionando um fator adicional de evolução da agrodiversidade. A figura 1 ilustra a variação destes elementos no concelho de Santa Cruz, nomeadamente o gradiente altitudinal (Figura 1a), a variação da temperatura (Figura 1b) e a precipitação.

O clima da Madeira é classificado como mediterrânico e temperado (Rivas-Martínez et al., 2011) ou temperado mediterrânico, segundo a classificação climática de Köppen-Geiger (Peel et al., 2007). De acordo com esta última classificação o clima carateriza-se pela maior pluviosidade na estação fria e uma precipitação quase nula no verão, temperaturas amenas no inverno, abaixo de 18°C, mas superiores a -3°C, no mês mais frio, e verões quentes e secos, entre 10 e 22°C, no mês mais quente. No entanto, as séries de normais climatológicas de 1960 a 1990 e de 1989 a 2015 (IPMA, 2000; DREM, 2017) evidenciam muitos traços característicos do clima subtropical nos patamares bioclimáticos mais baixos e do temperado nos patamares mais elevados. Estas séries, em conjunto com os diagramas hidrotérmicos e a caracterização climática de Santa Cruz e Santo da Serra elaborados por Natividade (1947), e a distribuição de espécies agrícolas no território, cuja produtividade é limitada pelos dias térmicos (método de temperatura acumulada), suportam a existência dos quatro patamares agrícolas proposta neste trabalho (Figura 1b).

Os dois patamares que se estendem até os 380 m de altitude apresentam caraterísticas ou elementos subtropicais. O patamar bioclimático mais baixo, até os 190 m de altitude, é mais quente, a temperatura média anual varia entre 17,1 e 18,8°C. No entanto, o número médio de noites tropicais, com temperatura mínima acima dos 20ºC, é superior a 85 noites por ano. A insolação total é de 2.241,5 horas por ano (h/ano). A precipitação anual varia entre menos de 800 e 1.000 mm e a evaporação atinge os 1.723,1 mm por ano, sendo o balanço hídrico do solo negativo. O segundo patamar, com características intermédias entre o primeiro e terceiro apresenta, os seguintes parâmetros climáticos: temperatura média anual entre 15,4 e 17,0°C; insolação total é de 1.937,4 h/ano; precipitação anual entre 1.000 e 1.200 mm; e a evaporação atinge os 877,1 mm/ano. O balanço hídrico do solo é menos desfavorável do que no patamar inferior. O terceiro patamar estende-se entre os 380 e 760 m de altitude e apresenta um clima temperado. Nele, a temperatura média anual varia entre 13,7 e 15,3°C. A precipitação anual varia entre 1.000 e 1.800 mm, e a evaporação atinge os 749,1 mm/ano. O quarto patamar, o último com interesse agrícola, estende-se entre os 760 e 950 m de altitude, e apresenta um clima temperado frio, característico das regiões de altitude. A temperatura média anual situa-se entre 11,6 e 13,5°C. A precipitação anual varia entre os 1.200 e os 1.800 mm. A insolação total é de 2.078,6 h/ano (Pereira, 1939; IPMA, 2000; DREM, 2017). Nos dois últimos patamares mencionados, o balanço hídrico do solo é geralmente positivo.

Os dados climatológicos de 1961-1990 evidenciam uma grande variação da precipitação no concelho de Santa Cruz. Os resultados da precipitação média anual são apresentados na Figura 1c, com sete curvas de igual pluviosidade ou isoietas. Os maiores volumes de chuva apresentam uma variação de 1.789,45 e 2.251,70 mm/ano localizados nas áreas com cotas mais elevadas a Norte. Este parâmetro atinge valores entre 1.519,31 e 1.789,44 mm/ano na zona central do concelho e entre 1.063,07 a 1.333,21 mm/ano nas regiões Sudoeste e Sudeste. O extremo Leste é o local onde tem menor valor, e de acordo com método de interpolação dos dados das normais climatológicas, apresenta uma variação de 720,90 a 1.063,06 mm/ano.

Os solos agrícolas de Santa Cruz estão incluídos em manchas definidas predominantemente pelos seis complexos pedológicos que ocorrem no território de Santa Cruz (Figura 2a), os quais incluem cinco unidades de solos minerais (FAO et al., 2012), que são os andosolos úmbricos, cambiossolos dístricos, faeozemas háplicos, vertissolos êutricos e fluviosolos êutricos; e ainda os terrenos acidentados êutricos e dístricos (Ricardo et al., 1992).

Os andossolos úmbricos (ANu) distribuem-se, desde os 265 m (na localidade do Garajau) até os 1.380 m (freguesia da Camacha), estando presentes em todas as freguesias do concelho, acima dos 600-800 m, nos três patamares bioclimáticos superiores, de todas as freguesias do concelho. Estes solos constituem mais de 60% dos solos no concelho, e têm uma ocupação agrícola significativa. Solos de origem vulcânica são profundos, com espessura superior a 50 cm, textura fina e elevada percentagem de limo, matéria orgânica (MO) superior a 7%, podendo atingir os 15%, índice de humificação fraco, pois o rácio entre C/N apresenta valores entre 10 a 26 (Ricardo et al., 1992). O pH dos andossolos é ácido, entre 4,5 e 5,5, podendo atingir valores mais baixos. A aptidão agrícola e fertilidade destes solos são consideradas baixas, necessitando de fertilizações abundantes, dado que apresentam níveis baixos ou muito baixos de K, Mg e P e teores médios de Ca. Estas características dos andossolos promovem o aparecimento de adaptações edáficas específicas nas plantas, particularmente a tolerância ao excesso de alumínio e acidez do solo, sendo um fator de diversificação da agrodiversidade (Ganança et al., 2007).

Os cambiossolos dístricos (CMd) estão presentes no patamar temperado quente, freguesia de Gaula, entre os 300 e os 600 m, enquanto os crómicos (CMx), surgem abaixo dos 500 m (Caniço) ou dos 350 a 300 m nas restantes freguesias, localizando-se essencialmente nos dois patamares mais baixos. Os CMd são profundos, possuindo perfis com espessura superior a 50 cm, textura geralmente fina com elevada percentagem de limo e teores de MO médio ou alto, mas inferior a 7%. Estes solos apresentam níveis baixos ou muito baixos de P, médios de K, e ricos em Mg e Ca. Os CMd têm grau de saturação por bases baixo, entre 12 a 40% e o pH é ácido, entre 4,5 e 5,7, podendo encontrar-se valores mais baixos (Ricardo et al., 1992). Por sua vez, os CMx são também profundos, perfis com espessura superior a 50 cm, textura geralmente fina e elevada percentagem de limo, teores de MO médios, inferiores a 7% e grau de saturação por bases superior a 50% (Ricardo et al., 1992). O pH destes solos é ligeiramente ácido ou neutro, entre 5,6 e 7,2. Estes solos apresentam níveis baixos ou muito baixos de P, são medianamente ricos em K, e ricos em Mg e Ca. A aptidão agrícola destes solos é razoável, necessitando de adubações fosfatadas ou fertilizações N-P-K ou orgânicas, consoante as culturas exploradas.

Os faeozema háplicos (PHh) distribuem-se abaixo dos 100 m, no litoral das freguesias de Gaula e de Santa Cruz. Estes solos tem uma profundidade média ou elevada, perfis de espessura entre 30 e 50 cm ou superior a 50 cm, textura geralmente fina e elevada percentagem de limo, teores de MO médios, inferiores a 5% e grau de saturação por bases médio ou elevado entre 50 a 87% (Ricardo et al., 1992). O pH destes solos é ligeiramente ácido ou neutro, entre 5,4 e 7,3. Estes solos são pobres em P, medianamente ricos em K, e bastante ricos em Mg e Ca, apresentando um bom potencial agrícola, mas necessitam de fertilizações azotadas ou de potássio.

Os vertissolos êutricos (VRe) estão presentes até os 50 a 110 m altitude no Caniço. O solo tem um perfil médio, espessura entre os 20 e 50 cm de profundidade, textura fina, sendo o conteúdo de argila, em geral, uniforme e sempre superior a 35%, frequentemente, excedendo os 50% e atingindo valores de 70-75%. O teor de MO não excede 5,5% à superfície, diminuindo com a profundidade para 1,0 a 3%. A matéria orgânica apresenta normalmente uma razão C/N de 8 a 14, indicando um grau favorável de humificação. O pH é ligeiramente ácido ou básico, entre 5,7 - 8,7. Com grau de saturação em bases de troca igual ou superior a 50%, estes solos têm níveis elevados de Ca e Mg assimiláveis, alto a médio de K assimilável mas, pode ser baixo e nível muito variável de P assimilável, desde valores muito baixos a elevados (Ricardo et al., 1992).

Os fluviossolos êutricos (FLe) estão presentes apenas na foz da Ribeira do Porto Novo e terão tido alguma ocupação agrícola, até o início ou meados do século XX. Estes solos têm pouca profundidade, entre 20 a 50 cm, textura geralmente granulosa, com fragmentos rochosos, teores de MO baixos inferiores a 2% e grau de saturação por bases de 50% (Ricardo et al., 1992).

Os terrenos acidentados êutricos (TAd) e dístricos (TAe) estão presentes em escapas inacessíveis, nos vales das ribeiras e no litoral do Garajau, distribuídos pelos patamares, entre os 67 e 816 m de altitude. Estes solos sofrem frequentemente movimentos de massa (deslizamentos) e eram utilizados para culturas marginais ou economicamente menos importantes. Estes constituem um “tipo especial” de solos heterogéneos, evidenciando por vezes caraterísticas de leptossolos (LP), solos delgados sobre a rocha mãe (Ricardo et al., 1992).

O conhecimento empírico associado à atividade agrícola incluía a diversidade de solos. Os agricultores atribuíam designações próprias aos diferentes tipos de solo, nomeadamente massapez (franco, argiloso e escuro), salão (franco, terra avermelhada), pedra-mole (tufo amarelado, franco argiloarenosa, presente nas zonas altas e médias), terra grossa (argilosa), meia-terra (argiloarenosa ou areno-limosa), terra solta (franco-arenosa) ou areão (arenosa) (Pereira, 1939). A compreensão da influência da variação das condições edáficas na produtividade destes tipos de solos determinava a sua utilização seletiva na disposição dos cultivos. O massapez era utilizado para realizar as culturas da vinha, cana sacarina e bananeira. O solo de salão era considerado adequado para o cultivo da batata, batata-doce e outras hortícolas. O solo pedra-mole era utilizado para instalar vinha.

Desta forma os agricultores madeirenses compreendiam a existência de diferentes condições agroecológicas, que determinava a agrodiversidade biofísica. Esta diversidade de condições agroecológicas determinou a evolução das espécies agrícolas, provocando o aparecimento de variedades locais, através da adaptação dos seus recursos genéticos. No caso das culturas não permanentes, o processo de diversificação, com o aparecimento de novas variedades pode requerer apenas 50 ciclos culturais (ou 50 anos sucessivos de produção duma cultura anual) em condições ecológicas diferenciadoras até ao aparecimento de novas variedades (Bradshaw e McNeilly, 1981; Pinheiro de Carvalho et al., 2003, 2004; Ganança et al., 2007). No caso das culturas permanentes e espécies plurianuais, a evolução de novas características terá sido um processo mais lento e gradual, que terá sido acelerado pelo recurso à propagação seminal ou estacaria, muito utilizados na agricultura madeirense (Natividade, 1947), e posteriormente pela utilização de porta enxertos.

Agrodiversidade temporal e espacial

O povoamento de Santa Cruz deu início à criação dos agrossistemas típicos, com os primeiros campos agrícolas estabelecidos nas margens e leitos das ribeiras e só depois o estabelecimento dos poios nas encostas, mais ou menos, íngremes (Ribeiro et al., 1995). A análise das alterações temporais e geográficas da agrodiversidade exige a cronologia detalhada da introdução e distribuição das culturas agrícolas no território, mas a informação histórica disponível é pouco precisa nestes detalhes. A identificação das culturas e recursos genéticos utilizados em diferentes condições agroecológicas também é insuficiente, podendo apenas ser estimada, a partir dos nomes vernáculos das cultivares e da distribuição geográfica registada das culturas. O trabalho realizado permitiu recolher a informação dispersa por fontes documentais, de diferente natureza. Os dados obtidos permitiram elaborar um primeiro inventário da agrodiversidade e a cronologia hipotética da distribuição das culturas no concelho, avaliando a sua importância relativa na economia rural. As alterações da agrodiversidade abrangeram todas as componentes (biofísica, especifica e intraespecífica) e podem ser analisadas no tempo e na distribuição espacial. O cruzamento da informação histórica, com a prospeção dos recursos genéticos no terreno permite-nos retirar algumas ilações sobre as alterações ocorridas na agrodiversidade. As alterações temporais da agrodiversidade resultam da variação no número de agrossistemas, espécies e variedades no território, durante um determinado período histórico. As alterações geográficas (espaciais) da agrodiversidade resultam da variação na distribuição dos recursos genéticos no território e afetam sobretudo a agrodiversidade intraespecífica. A dimensão destas alterações da agrodiversidade pode ser multiplicada, pelo número de patamares climáticos, áreas agrícolas, subzonas e unidades agroecológicas ocupadas pela agricultura. A distribuição das culturas por um maior número de condições agroecológicas determina o aumento ou diminuição das componentes da agrodiversidade (Pinheiro de Carvalho et al., 2016). Os capítulos subsequentes procuram ilustrar como estes processos afetaram a agrodiversidade no concelho de Santa Cruz.

Enquadramento da agrodiversidade biofísica em Santa Cruz

O Plano Diretor Municipal de Santa Cruz (PDM, 2004) ilustra a tendência para redução da agrodiversidade, que se tem intensificado no Arquipélago, nos últimos 75 anos. Esta tendência reflete-se na rápida redução da área agrícola cultivada, com a perda do número de agrossistemas e a degradação do solo agrícola (Figura 2b). A agrodiversidade biofísica e o potencial produtivo dos agrossistemas são fundamentais para garantir a manutenção das agrodiversidades específica e intraespecífica do concelho.

A diminuição da agrodiversidade biofísica é um processo complexo, difícil de contabilizar, que resulta do abandono e degradação das explorações agrícolas, da erosão do solo, de calamidades e acontecimentos extremos (aluviões e deslizamentos), que periodicamente afetam o território, e da urbanização acelerada do território. No concelho, este processo afeta todos os patamares climáticos, mas sobretudo os patamares mais baixos, que sofrem enorme pressão urbanística, com a construção de infraestruturas diversas. Nas zonas mais altas do concelho, este processo resulta da diminuição da população e abandono do meio rural.

No início do século XX a área cultivada na Região contabilizava entre 20 e 30 mil hectares (Comissão, 1922). Em 1940 Pereira (1939), a área agrícola no concelho seria superior a 2.280 hectares (ha), considerando que a dimensão média das explorações na Região é de 1 ha (DREM, 2013), esta representaria perto de 2.280 explorações distribuídas pelo território do concelho. Esta área decresceu progressivamente, para os atuais 420,6 ha (DREM, 2013). Estes dados representam uma redução em 81,6% da área agrícola total no concelho. Nos vales do Caniço, de Porto Novo e da Ribeira de Santa Cruz, a montante da sede do concelho, são visíveis sinais evidentes de degradação da paisagem rural, com poios abandonados e solos agrícolas marcadamente erodidos ou invadidos por vegetação espontânea sobretudo de carácter invasor. Nas zonas mais altas do concelho, este processo acentuaram-se e ocorreram a destruição da estrutura em socalcos e das paredes de pedra dos poios, com a sua ocupação por espécies invasoras. A monitorização destes processos no concelho, incidindo sobre a freguesia de Gaula, através do levantamento das áreas agrícolas históricas e atuais (Figura 2c), permitiu estimar, que nos últimos 50 anos, dos 694,2 ha iniciais (estimativa) 38,5 ha foram urbanizados e 153,7 ha abandonados (baldios). Cenários similares são observados nas restantes freguesias do concelho.

Na contabilização da agrodiversidade biofísica e avaliação do seu impacto na evolução das restantes componentes torna-se necessário aplicar o conceito de unidades agroecológicas (UAE). Estas são unidades geográficas existentes num território, e caracterizam-se pela uniformidade das suas condições climáticas, pedológicas e biológicas (Quijano et al., 2014; Marinoni et al., 2015). As explorações agrícolas, que se localizam na mesma UAE partilham as condições edafoclimáticas e bióticas similares, enquanto aquelas se distribuem por diferentes unidades apresentam pelo menos uma caraterística ou condição distinta. A evolução da agrodiversidade intraespecífica depende da interação entre as características genéticas (genoma) e o ambiente (condições agroecológicas). Numa UAE, as populações cultivadas em diferentes explorações agrícolas encontram-se sob a ação das mesmas condições ambientais, desenvolvendo carateres (traits) ou resistências idênticas. Neste cenário, as diferenças observadas entre as populações têm origem genética. Por outro lado, populações com a mesma proveniência, quando cultivadas em diferentes UAE têm a tendência para adquirir características fenotípicas distintas, sob ação de diferentes condições ambientais. A relação causa-efeito entre a variação das condições agroecológicas e a diversidade de recursos genéticos foi analisada por Greene e Hart (1999), demonstrando que a primeira determina a segunda. Assim, o aparecimento e evolução das variedades locais depende da variação das condições agroecológicas e é diretamente proporcional ao tempo de cultivo e número de UAE presentes no território. A caraterização e “zonamento” agroecológico do território permitem determinar as dimensões e delimitar as UAE (Batjes et al., 1995; FAO et al., 2012). A identificação das UAE e a georreferenciação da distribuição de determinada cultura permite estimar a sua diversidade potencial, planificar a sua inventariação e definir uma estratégia de amostragem dos recursos genéticos (Marinoni et al., 2015). O conceito de UAE é utilizado para estimar a diversidade geográfica, a partir da análise comparativa do gradiente das condições agroecológicas.

As dimensões e o número de UAE dependem de características do território e da amplitude da variação dos parâmetros climáticos, edáficos e geofísicos. Num território de pequena dimensão, mas muito heterogéneo, como a Madeira, onde a orografia dita a existência de gradientes acentuados das condições agroecológicas e do solo, as UAE têm pequena dimensão (Figuras 1 e 2). O número de UAE é significativamente maior, quando comparado com regiões como Alentejo, onde o território é maior, mas uniforme. Por este motivo, uma quadrícula de 1,5 x 1,5 km foi definida delimitar e proceder à estimativa do número de UAE na Madeira, tendo consideração que numa quadrícula superior a altitude dita uma variação “considerável” das condições agroecológicas. Estes quadrantes foram analisados, confrontando-os com o uso do solo, com fins agrícolas e sobrepondo as curvas de nível, pluviométricas e térmicas, e a distribuição dos tipos de solo, com pode ser observado na Figura 3. Na inventariação da agrodiversidade no território do concelho as UAE foram utilizadas para estimar a sua evolução espacial. O número provável de UAE no território do concelho ascende a 137 UAE, tendo potencial ou tido uso agrícola pelo menos 100 destas. Na atualidade, o uso agrícola destas UAE é muito heterogénea e, nalguns casos, até bastante reduzido.

Aliado ao isolamento imposto às populações do território quase até ao final do século passado, o elevado número de UAE terá sido um, dos principais fatores, que ditou a evolução da agrodiversidade biofísica, específica e interespecífica no concelho, mas o seu impacto carece de avaliação in situ. Porém, em cerca de 50 anos, o número de explorações agrícolas (agrossistemas) no concelho terá decrescido em pelo menos 1.800 explorações e terá sido um dos principais fatores que ditou a “extinção” (desaparecimento total aparente do território) de espécies e de formas cultivadas (populações) das variedades locais, e a erosão genética e o esquecimento do conhecimento tradicional associado.

Agrodiversidade específica e intraespecífica EM SANTA CRUZ

A informação recolhida das fontes documentais permitiu elaborar um inventário das culturas praticadas no concelho. Historicamente, Gaspar Fructuoso (1522–1591) faz referência a 18 espécies agrícolas de “origem europeia”, cultivadas na Madeira. Também refere a presença de culturas “não europeias”, nomeadamente o inhame, a cana sacarina, o cidrão e a tamareira. Catorze destas espécies têm o seu cultivo documentado para o território de Santa Cruz (Frutuoso, 1873, 1966). No século XVII inicia-se a introdução de culturas de origem “não europeia”, conforme ilustra a documentação histórica posterior. Lowe (1868) documenta um aumento significativo da agrodiversidade, com a referência a 103 espécies de uso agrícola na Madeira, o que indicia uma alteração radical da base alimentar dos madeirenses. Estas espécies não aparecem relacionadas com Santa Cruz, mas o seu cultivo no território é bastante provável. As fontes documentais permitiram identificar pelo menos 43 culturas das 78 espécies “agrícolas” que terão sido introduzidas e cultivadas no concelho (Quadros 1 e 2). A importância histórica e socioeconómica das culturas agrícolas pode ser inferida pela data de introdução, determinada pelo primeiro registo histórico documentado, que é do conhecimento dos autores, e pelo número de referências contabilizadas, a partir de diferentes fontes de informação. Outras culturas como a cidrão, a ginjeira ou a amêndoa terão, com grande probabilidade sido exploradas. Outras espécies cultivadas para autoconsumo ou de forma esporádica, pelos agricultores de Santa Cruz, como por exemplo o alho, acelgas, salsa ou segurelha, não aparecem documentadas. Apesar da evidente presença no terreno, o seu pouco valor económico, fez com que não aparecessem referidas nos registos históricos, nem estatísticos, os poderiam comprovar a data da sua introdução ou locais de cultivo. Estas espécies não são abordadas neste trabalho, apesar do seu contributo para a dimensão da agrodiversidade no concelho.

Pelo menos 11 espécies agrícolas, entre elas o linho, Linum usitatissimum L, o sumagre, Rhus coriaria L., o milho painço ou milheto, Sorghum bicolor L., a espalta, Stipa tenacissima L., o trigo diploide, Triticum polonicum L., e o feijão-frade, Vigna unguiculata L. terão sido abandonadas, antes de 1950 (Quadros 1 e 2). Estas introduções e “extinções” ilustram as alterações temporais da agrodiversidade específica. Estas alterações que também terão atingido a diversidade intraespecífica. Culturas agrícolas, com uma história de cultivo superior a 70 anos, distribuídas pelo território do concelho, ocupando vários patamares climáticos e UAE terão desenvolvido variedades locais, cujo reconhecimento depende do valor e uso. No entanto, a documentação anterior ao início do século XX, em geral não apresenta descrições detalhadas das variedades botânicas ou variedades locais, dificultando a avaliação do impacto destes processos na alteração da agrodiversidade. Para efeitos da avaliação da agrodiversidade intraspecífica os autores socorreram-se dos nomes vernáculos atribuídos pelos agricultores, considerando-as como hipotéticas variedades locais. Estes nomes são atribuídos pelos agricultores e habitualmente identificam um carácter ou o uso do recurso genético. No entanto, as designações vernáculas devem ser usadas, com ponderação, pois estas poderão identificar formas cultivadas, que não estão relacionadas entre si (antonímias) e podem não corresponder a uma única variedade local.

A prospeção, inventariação e caraterização realizadas da agrodiversidade das culturas tradicionais, permitiram de modo sistemático recolher os recursos genéticos endógenos e proceder a uma “tipificação” das variedades locais. No território de Santa Cruz, foram inventariadas as três componentes da agrodiversidade. Populações (n=397) representativas da agrodiversidade cultivadas e não cultivada foram estudadas, dando origem a um número idêntico de entradas no sistema de documentação e informação (SDI) do banco ISOPlexis. Destas, 327 correspondem a culturas agrícolas ou frutícolas, que foram amostradas em 177 agrossistemas. As restantes 50 entradas são espécies negligenciadas (plantas que já tiveram uso agrícola) ou parentes silvestres das culturas agrícolas (cwr) das culturas agrícolas. Um total de 198 amostras destas populações foram incluídas na coleção de germoplasma, tendo-lhes sido atribuído um número de acesso (ISOP) e elaborado o respetivo passaporte (documentação). As restantes 199 populações ou indivíduos foram georreferenciados e a sua conservação é realizada in situ ou on farm, dependendo da manutenção no campo pelos próprios agricultores. A informação sobre estes acessos encontra-se disponível no SDI, cuja interface pública é a plataforma GRIN-Global desenvolvida pelo USDA e que pode ser consultada na página do ISOPlexis (2017). A distribuição das populações inventariadas no território de Santa Cruz é apresentada na Figura 4(a, b). Estas populações são formas cultivadas, cujo material de propagação esteve ou está na posse da comunidade local há mais de 80 anos, sendo mantido pelos agricultores. Por este motivo, estes acessos têm grande probabilidade de representarem variedades locais ou apresentarem adaptações específicas às condições agroecológicas.

A análise da informação demonstra que esta é insuficiente para fazer uma análise exaustiva das alterações temporais ou espaciais da agrodiversidade. Apesar disso, o exercício possível foi realizado para analisar a agrodiversidade e as suas alterações em onze culturas representativas do concelho (Figura 4 c, d), cujos resultados são apresentados de seguida para algumas espécies de gramíneas, videira e outras frutícolas e hortícolas.

Culturas de gramíneas (Poaceae)

Seis culturas cerealíferas foram praticadas em Santa Cruz. A estas deve ser acrescentada a cana sacarina, a qual não sendo uma cultura produtora de grão pertence à mesma família botânica dos cereais (Quadros 1 e 2). O trigo, cevada e centeio terão sido introduzidos antes de 1492 (Frutuoso, 1873; Pereira, 1939) desempenharam um papel importante no povoamento e economia de Santa Cruz, e na alimentação das populações. O cultivo da aveia não aparece documentado nas referências históricas, mas existe grande probabilidade de ter sido praticado, desde o início do povoamento, em conjunto com outros cereais. O trigo terá sido introduzido na Madeira por volta ou antes 1445. Em 1492, o rei D. Manuel I faz já referência ao povoamento das serranas do concelho de Santa Cruz, utilizando como culturas pioneiras o trigo, a cevada e o “milho”, como indispensáveis para o sustento dos povoadores (Ribeiro et al., 1995). O milho verdadeiro (Zea mays L.) tem origem no continente americano, pelo que esta referência ao “milho” documenta o cultivo do milho painço, Sorghum bicolor (L.) Moench, que terá sido posteriormente abandonado. O abandono e extinção do painço terá ocorrido, provavelmente após a descoberta da América, mas antes da introdução do milho, Zea mays L., que remonta apenas a 1760, segundo Silva e Meneses (1908).

Trigo e outros cereais

A cultura do trigo (género Triticum) foi assegurada por três espécies e quatro subespécies (Quadros 1 e 2). Esta cultura nobre foi a força motriz do primeiro ciclo económico da Madeira. As outras cerealíferas, centeio, cevada, painço, aveia e posteriormente o milho, eram culturas secundárias, praticadas em conjunto ou em paralelo, com o trigo, garantiam a alimentação humana ou animal. A produção de trigo, em conjunto, com a cana sacarina e a vinha, servia para pagar serviços, tributos civis, impostos, atos e proventos religiosos, forais e outras obrigações de carácter comunitário ou geral. O trigo, mas também a cevada e o centeio tiveram grande importância na economia de Santa Cruz. Este facto que é documentado pelo número de registos históricos (Quadro 1), documentos sobre a regulação das ceifas e registos de produção do século XVIII, número de moinhos de água edificados que funcionaram neste território (perto de 50 moinhos no século XIX), e pela dezena de toponímias relacionadas com estas culturas (Ferreira Pio, 1967; Ribeiro et al., 1995).

A produção de trigo, no início do século XVI, era de 360 moios, ou seja 324 toneladas (t). O concelho foi um dos principais produtores deste cereal na Madeira, tendo atingido 500 t, em 1955. A referência régia de D. Manuel I (1492) comprova a presença desta cultura em todos os patamares bioclimáticos e freguesias do concelho. Apesar da importância atingida pela cultura do trigo, a produção atual é residual, não aparecendo contabilizada pela estatística agrícola oficial da região (DREM, 2017). Tendência que se estende também ao centeio e à cevada. A manutenção da cultura é garantida por alguns agricultores, que mantêm a produção para consumo próprio, através da confeção de pão caseiro ou sopa de trigo. As tradições culinárias e etnográficas indicam que as variedades locais de trigo eram utilizadas especificamente na confeção de vários pratos tradicionais. Pereira (1939) enumera vários destes pratos, nomeadamente os “bolos” festivos (bolo de noivo, bolo podre, bolo mascavado, bolo rico, bolo-de-mel e bolo ázimo) e o pão de casa (trigo mole) ou de “trabalho” (mistura de farinha de trigo mole, com trigo duro, cevada ou centeio), o bolo-do-caco da Madeira ou do Porto Santo (este último confecionado com farinha de cevada), cuscuz e massas caseiras (trigo duro), malassadas, frangolho, gofé (trigo ou cevada), sopa de trigo ou rosquilhas. O gofé terá inclusive constituído a base da alimentação e a principal fonte de calorias das populações no início do povoamento (Pereira, 1939; Marques da Silva, 2018).

O declínio da cultura origina a redução da diversidade intraespecífica temporal (histórica) e espaciais (geográfica), cuja dimensão pode apenas ser estimadas. A distribuição geográfica do trigo por várias UAE implica que potencialmente terá evoluído pelo menos uma dezena de variedades locais. O cultivo desta cerealífera era praticado nos terrenos disponíveis, marginais, incultos ou em rotação, servindo para restaurar a produtividade do solo e eliminar potenciais pragas. As chamuscas utilizadas até ao início do século passado documenta o cultivo do trigo em agrossistemas temporários (Ribeiro et al., 1995). A distribuição, as múltiplas introduções de material genético (dos Santos et al., 2009 e 2012) e a sua utilização como cultura “pioneira” terão sidos os principais fatores de evolução da diversidade. O trigo cultivado pertencia quase exclusivamente aos trigos moles (Triticum aestivum L.) ou duros (Triticum turgidum L.), tendo sido identificadas quatro subespécies (Quadro 2), as quais não podemos confirmar se foram todas utilizadas pelos agricultores de Santa Cruz. A proporção de cultivo entre trigos moles e trigos duros na Madeira era de 4:1. A referência ao cultivo do Triticum polonicum L., na freguesia do Caniço documenta uma “extinção” por abandono da cultura (Pereira, 1939), aparentemente por insucesso na aclimatação, indica que terão ocorrido tentativas de cultivo de trigos diploides na Madeira. Por sua vez, as culturas da cevada, centeio e aveia terão sido asseguradas pelas espécies Hordeum vulgare L., Secale cereale L., e Avena sativa L. respetivamente (Quadros 1 e 2). No início do século XX, Silva e Meneses (1908) e Pereira (1939) descreveram 30 variedades tradicionais de trigos moles, duros ou túrgidos cultivados para a Madeira. Estas eram identificadas pelos nomes vernáculos, não sendo descritas as características botânicas ou agronómicas, sendo previsível a existência de antonímias e sinonímias (diferentes nomes para a mesma “variedade”). Entre estas “variedades” encontravam-se o trigo Barbela [do Mato ou da Serra], Rieti, Canoco Burbudo [Barbudo], trigo de Palha roxa [Mouro], Canoco [Pelado, Rapado, Anafil, Canoquinho], Mangalhão, Mocho [ou Rapadinho, Pelado, Rapado ou Sem vergonha], Anafil [Português], Canhoto [Canoco pelado], Americano, Alexandre, Branco com pragana [ou Ganil], Branco, Vermelho [Russo], Amarelo [Russo, do Campanário, Anafil, Tangarol], Branco duro, Cabeça preta, Mentana, Quadrena, Galhoto, Raposinho, Rapadinho, da Maia, Porto Santo, Argentino [ou Canavial]. As “variedades” características do Porto Santo eram Roma, Antonomia, Tevere, Quadrena, Pirana, Rabicho, Tremês de espiga rapada. No final dos anos 90 foi realizada uma prospeção dos recursos genéticos de trigo, envolvendo a caracterização de 52 populações representativas, o que permitiu detetar 12 variedades botânicas e 44 variedades locais (dos Santos et al., 2006 e 2009). Em comparação com Pereira (1939), este estudo revela maior agrodiversidade intraespecífica, com a deteção de variedades anteriormente não referenciadas e de 35,6% de antonímias. Estas variedades distribuem-se pelos trigos Brancos e Rapados (4 variedades cada), Vermelhos (3), Doiradinhos, Pretos, Leacock e Raposos (2 variedades cada). Um número elevado de sinonímias foi detetado, dado que 61,5% dos nomes vernáculos são utilizados para designar mais de uma variedade botânica, que podem ser ou não da mesma variedade local. O padrão de diversidade intraespecífica no trigo é complexo. E, os nomes vernáculos apenas podem ser utilizados como referenciais na análise da agrodiversidade e identificação das variedades locais.

O número de variedades locais que se terão cultivado no território do concelho é desconhecido. Por exemplo, a variedade Anafil considerada a 1ª variedade de trigo, introduzida pelos povoadores, a partir do continente e cultivada em Santa Cruz, não foi detetada, durante a nossa prospeção. A partir da 2ª metade do século XX assistiu-se a uma dramática redução da área de cultivo do trigo, com o abandono de inúmeras variedades locais pelos agricultores. Este processo foi mais rápido neste concelho e refletiu-se numa imensurável diminuição da diversidade histórica e geográfica da cultura, a qual apenas parcialmente foi travada pela conservação ex situ dos recursos genéticos no ISOPlexis. Onze populações de trigo foram amostradas e conservadas, apresentando uma distribuição abrangente e ocupando diferentes UAE no território do concelho. Estas populações representam quatro variedades botânicas e oito variedades locais, incluindo o Trigo Branco da Camacha, o Trigo Branco de Santa Cruz, o Rapadinho, o Leacock, o Leacock sem vergonha, o Rapado, o Trigo novo e Galhoto. Em 2015, três destas variedades permaneciam em cultivo, por alguns agricultores, mas a diversidade intraespecífica que resultou da distribuição geográfica da cultura requere uma avaliação mais detalhada (Figura 4 b, c). Na cevada foram recolhidos 2 acessos, centeio (1) e aveia (1) da “variedade da Terra”, os agricultores diferenciavam os recursos genéticos destas culturas, através da atribuição de outras designações vernáculas. A diversidade intraespecífica destas culturas carece de uma avaliação profunda, através da caracterização fenotípica dos acessos provenientes de diferentes localidades da Região.

O milho, Zea mays L., foi introduzido provavelmente em, 1760 (Silva e Meneses, 1908). O cultivo sistemático terá tido início no concelho de Santana, em 1847 (Ribeiro, 2001; Pinheiro de Carvalho et al., 2008). Lowe (1868) faz referência à difusão do seu cultivo, em 1855. A primeira referência ao cultivo em Santa Cruz data de 1886 (Pereira, 1939), não existindo referências às variedades introduzidas a partir dos Açores. A cultura do milho é característica dos patamares bioclimáticos mais elevados, mas encontra-se bem disseminada por todo o território do concelho, inclusive nos patamares mais baixos. A cultura permanece em uso, sendo tradicionalmente cultivada para consumo em vários pratos tradicionais, nomeadamente o milho ripado, o milho escaldado, a escarpiada, a massaroca cozida e assada, as papas de milho, o milho frito (Pereira, 1939). No entanto, a introdução recente do milho doce e de um híbrido está a colocar em risco as variedades locais, provocando a sua poluição e erosão genética, o que poderá acarretar o desaparecimento destas a curto ou médio prazo.

A diversidade intraespecífica do milho não aparece documentada em nenhuma fonte bibliográfica. No entanto, o milho é uma espécie de polinização cruzada, o que faz com que a diversidade intraespecífica seja elevada. A prospeção dos recursos genéticos da cultura permitiu inventariar 31 nomes vernáculos na Região, tendo 16 populações de milho Branco, Amarelo, de Mistura, da Terra, Sequeiro e Miúdo, sido amostradas nas cinco freguesias do concelho. Deste ponto de vista, a diversidade geográfica estará razoavelmente preservada (Figura 4 b, c). A fenotipagem de 42 populações representativas da diversidade da cultura permitiu agrupá-las em seis grupos de variedades locais, que pertencem à Zea mays L. subsp. mays var. indurata. Um desses grupos é característico do concelho de Santa Cruz (Freitas et al., 2004; Pinheiro de Carvalho et al., 2008).

Cana-sacarina

A cana-sacarina, Saccharum officinarum L., é uma cultura introduzida o mais tardar em 1455 (in Marques da Silva, 2018), típica dos patamares bioclimáticos quentes, atualmente cultivada abaixo dos 300 m, mas que anteriormente atingia os 400 m de altitude (Vieira, 1993), distribuindo-se por cerca de 40 UAE. A cana-sacarina foi introduzida com o início do povoamento, aparecendo documentada pela primeira vez em 1466 (Quadros 1 e 2). A cana-sacarina foi importante na economia da Madeira, entre os séculos XIV e XVI, sendo o motor do ciclo económico do açúcar, utilizado nas trocas económicas, com a Europa, o Mediterrâneo e as possessões portuguesas. A abertura de rotas associadas ao comércio do açúcar potenciou a transferência de recursos genéticos para agricultura e indústria. Este ciclo permitiu o desenvolvimento da indústria, dos engenhos de açúcar e da produção de cidra (fruta cristalizada). Três engenhos de açúcar processavam a produção de cana-de-açúcar nas atuais freguesias de Gaula e Santa Cruz, em 1500 (Ferreira Pio, 1967). A produção de açúcar atingiu 20 t (estimativa, 150 t de cana-sacarina) em 1590 (Frutuoso, 1966). O ciclo do açúcar terminou no século XVIII (1748), mas a utilização de cana-sacarina na sua produção ou na produção de mel de cana e rum (aguardente de cana) manteve-se até aos nossos dias. Dois engenhos de açúcar mantinham-se a funcionar, em 1858, um dos quais continuou em atividade até 1960 (Silva e Meneses, 1908; Ferreira Pio, 1967). A produção de cana-sacarina atingiu um máximo de 35.394 t/ano, 1.290 ha, em 1977, decaindo para 5.525 t/ano, 155 ha, em 1987, com uma produção média de 30 t/ha (Silva e Meneses, 1908; Pereira, 1939; DREM, 2013). Atualmente a produção de cana-sacarina é de 8.824 t/ano, em 172 ha (DREM, 2017). As variedades locais de cana-sacarina foram utilizadas na gastronomia local como açúcar, mel de cana, massapão e alfenim, doçaria tradicional e rum.

A cana-sacarina é a cultura melhor documentada, apresentando registadas várias “extinções” históricas na sua diversidade interespecífica. O impacto desta erosão da diversidade na atividade agrícola do concelho não é abordado, mas considerando que este possuía uma das principais áreas de produção de cana-sacarina, terá visto a sua economia severamente afetada. Na Madeira foram introduzidas pelo menos 20 “variedades” de cana-sacarina. A primeira variedade de cana-sacarina tinha a designação de Cana da terra [Crioula], de cor esverdeada e porte baixo, com origem na Sicília, terá dado origem à variedade Crioula típica de Cabo Verde (Pereira, 1939; Silva e Meneses, 1908). A industrialização da cultura da cana-de-açúcar promoveu a introdução de “novas variedades” como a Bourbon, com colmo alto e avermelhado, originária de Caiena e Cabo Verde (século XIX); e a Cana das Antilhas, provavelmente, com colmos violáceos, que não se adaptou às condições agroecológicas locais. A diversidade intraespecífica da cultura, em 1890, estava representada pelas variedades: Otaheite [Cana branca]; Cristalina do Haiti; Elefante e Bambu, todas de colmos verdes, amarelados ou esverdeados, a última evidenciava-se por produzir em altitude, sendo originárias das Maurícias; a Violeta, com morfotipos escuros ou claros; a Vermelha, com colmos vermelhos e folhas verdes; a Porto Mackay, com colmos arruivados e folhas listadas; Rajada; e a Cristalina rajada, com colmos grossos e listados. Algumas destas variedades ter-se-ão extinguido em resultado do abandono ou devido à deficiente adaptação às condições locais, pragas, doenças ou erosão genética. A praga, Microdiplodia melaspora (Berk.) Griffon e Maubl. (1909) [Coniothyrium melanosporum Sacc.] afetou sobretudo a variedade Bourbon, que dizimou a cultura, entre 1882 e 1886 (Pereira, 1939). Após esta data, os serviços rurais introduziram novas variedades e clones, nomeadamente a Yuba, proveniente da África do Sul (1897) resistente à seca e bastante produtiva, mas que não resistiu ao Microdiplodia melaspora. Em 1935, a variedade Cheribon, a White tauna, proveniente da Austrália, as “linhas” POJ2725, POJ2727, POJ2878 e POJ3016, provenientes de Java, na Indonésia, e o clone CP807, proveniente de Luisiana, EUA foram introduzidos para substituir a variedade Yuba. Apenas a linha PO3016 ter-se-á aclimatado, dando produção em toda a ilha. As “variedades” Rajada, Rajada cristalina, Violeta e Cana branca estiveram provavelmente presentes no território de Santa Cruz, durante o século XIX. Atualmente permanecem em cultivo as “variedades” Violeta, Roxa regional da Achada do Gramacho, Canica e Roxa regional do Posto que são utilizadas em ensaios agronómicos de distinção, uniformidade e estabilidade (DSPSV, 2011). Para o concelho de Santa Cruz estão referenciadas a Cana fininha, a Roxa, e a Amarela ou Branca, cuja permanência poderá remontar pelo menos ao início do século XIX. A prospeção realizada demonstrou que, apesar da extinção de grande parte da diversidade histórica, a cana-sacarina continua a ser cultivada, com variedades rústicas, apresentando uma boa distribuição geográfica (Figura 4 b, c). Para esta situação contribui o sistema de multiplicação do material vegetativo, a partir de socas mãe, utilizado pelos agricultores. Variedades locais, cuja caracterização preliminar, demonstra serem fenotipicamente próximas da Violeta, Bourbon e Rajada foram inventariadas. No entanto, um estudo mais aprofundado dos recursos genéticos, com a tipagem das variedades locais é fundamental para avaliar a diversidade da cultura.

Viticultura

A vinha, Vitis vinifera L., é uma cultura histórica e economicamente importante na Madeira (Quadros 1 e 2). A vinha é cultivada em explorações agrícolas, até aos 700 m de altitude, distribuindo-se sobretudo pelos 2 patamares bioclimáticos intermédios e cerca de seis dezenas de UAE. A presença na Madeira, em 1455 é referida por Cadamosto, e no território de Santa Cruz, em atos relativos a 1466 (Frutuoso, 1873; Ribeiro et al., 1995). O vinho servia para pagar serviços, tributos e proventos religiosos, e a sua importância económica cresceu após o século XVII, quando se iniciou o ciclo económico do vinho. A produção de uva atingiu as 4.819 t/ano, em 2015, tendo-se produzido 33.852 hectolitros de vinho Madeira e 2.255 hectolitros de vinho de mesa (DREM, 2017).

Frutuoso (1966) faz numerosas referências ao cultivo da casta Malvasia, em Santa Cruz, Porto Novo (Gaula) e Caniço. A Malvasia cândida originária de Candia ou de Minoa, Grécia foi a primeira casta introduzida no território de Santa Cruz. Esta casta apresenta folhas lobuladas glabras e bagos esverdeado-amarelados. Outras castas terão sido também utilizadas, nomeadamente: o Boal, originária de Borgonha, França, folhas medianas, subglabras, lóbulos apicais bem formados e bagos esverdeado-amarelados; o Sercial [Esgana, Esgana-cão, Esganinho] do Reno, Alemanha, serôdia, com folhas medianas subglabras e bagos esverdeado-amarelados; o Terrantez; o Verdelho [Gouveio], com folhas medianas, arredondadas, lóbulos pouco profundos e bagos esverdeado-amarelados; a Tinta, com folhas glabras avermelhadas, quando adultas e bagos tintos, e provavelmente a Ferral (Silva e Meneses, 1908). A ocorrência destas castas no território da Santa Cruz é bastante provável, estando comprovada para a Malvasia, o Boal, o Verdelho e a Tinta, em 2003 (DREM, 2013 e 2017). A presença das restantes não é possível confirmar com base na bibliografia disponível.

Em 1851, a filoxera, Daktulosphaira vitifoliae Fitch, 1871 e o oídio Erysiphe necator Schwein. 1832 [Oidium tuckeri Berk.] dizimaram a diversidade da cultura, ao devastar os vinhedos seculares. No entanto, registos documentais sobre o impacto destas nos recursos genéticos e na economia do concelho não foram encontrados. A introdução de híbridos de produtores diretos de Jacquez, Herbemont e Cunningham [Canica] permitiu limitar esses impactos e recuperar os vinhedos. Os porta-enxertos de vinha americana Isabella, Vitis labrusca L. e de vinha do silvado, Vitis vulpina L. [Vitis riparia Michx] desempenharam também um papel importante na transmissão de resistência à cultura.

No período de 78 anos, de Lowe (1868) e a Silva e Meneses (1908) ou Pereira (1939) realizou-se um inventário de 32 castas, nomeadamente: Brancas – a Malvasia cândida, a Rosada [Malvasia roxa], a Babosa [Malvasião], a Propea; o Boal do Porto Santo e da Madeira; o Cachudo; Sercial branco; o Verdelho; o Bastardo branco; o Carão de moça; o Terrantez branco; o Listrão da Madeira e do Porto Santo; o Moscatel branco e o Moscatel do Porto Santo; o Alicante branco [Málaga]; e Tintas - Sercial tinto [Preto], o Bastardo preto, o Listrão tinto do Porto Santo; a Negra mole [Negro, Maroto]; a Tinta; a Negrinha ou tinta de vago; o Castelão; a Ferral; o Terrantez tinto; o Barrete do padre; e o Moscatel roxo. Adicionalmente, Lowe (1868) faz referência às castas Sabra; Cara de moça; Malvasia de cheiro e Malvasia da Ribeira, que não aparecem referidas por Silva e Meneses (1908) ou Pereira (1939). Deste exercício resulta uma ideia da diversidade histórica da vinha, específica constituída por três espécies e a intraespecífica, que terá atingido 32 castas tradicionais. A diversidade da vinha não terá sido totalmente dizimada pelo oídio e pela filoxera. No entanto, a criação da Região Demarcada da Madeira (DLR nº1.A/2015/M, de 9 de janeiro) e a certificação das castas, Sercial, Verdelho, Boal, Malvasia-Cândida, Malvasia-Cândida-Roxa, Malvasia ou Terrantez para produção do vinho Madeira (Protaria nº39/2015, de 13 de fevereiro), originou uma uniformização dos vinhedos, reduzindo grandemente a diversidade e o número de “produtores diretos” que poderão representar castas tradicionais. A prospeção e inventariação de Vitis vinifera L. no concelho de Santa Cruz permitiu detetar 16 vinhedos de interesse, onde ocorrem estes “produtores diretos” (Figura 4 b, c). Estes recursos genéticos carecem de uma caracterização fenotípica e genotípica, a fim de identificar e conservar as castas tradicionais, que poderão representar uma fonte de material genético para o melhoramento e adaptação da cultura às alterações climáticas.

Culturas Frutícolas

Bananicultura

A bananeira atingiu um lugar de destaque económico, a partir do século XIX (Quadros 1 e 2). No entanto, esta terá sido introduzida pela primeira vez na Região no século XV, com referências ao cultivo da banana no território de Santa Cruz que datam de 1500 (Ribeiro et al., 1995). A cultura é típica dos patamares bioclimáticos mais baixos, até aos 300 m de altitude. Em 1952, a bananeira era cultivada em 20 ha, em Santa Cruz. Em 2016, a produção de banana atingiu 21.305 t/ano, ocupando uma área de 749 hectares, na Região. A história da cultura faz com que a banana esteja associada aos hábitos alimentares e às tradições gastronómicas dos madeirenses. Os frutos são consumidos em fresco, secos ou cozinhados, nomeadamente fritos ou em doçaria (Silva e Meneses, 1908).

A bananeira está atualmente representada sobretudo pelos híbridos entre a Musa acuminata Colla (genoma A) e a Musa balbusiana Colla (genoma B), e eventualmente pela Musa x paradisiaca L. e Musa nana Lour. A espécie Musa sapientum L. [Musa × paradisiaca L.], variedade Bananeira da terra terá sido introduzida no arquipélago em 1452, a partir de Chipre (Frutuoso, 1966), sendo a sua presença em 1552 ou 1567 confirmada por Nichols, (Silva e Meneses, 1908; Marques da Silva, 2018). Atualmente, esta bananeira é muito rara ou está mesmo extinta. De acordo, com Lowe (1868) e Natividade (1947) esta era a banana maçã, com origem no sudoeste asiático. Outra introdução histórica foi a bananeira plantina, Musa paradisiaca L., oriunda de África atualmente raríssima, cujos frutos eram consumidos fritos ou cozidos (Silva e Meneses, 1908). O cultivo em larga escala da bananeira ocorreu com a introdução, em 1842, da Musa nana Lour, variedade de Banana anã, a partir de Demerara (Silva e Meneses, 1908; Pereira, 1939), praticamente extinta na atualidade. A Musa acuminata Colla ou Musa AAA subgrupo Cavendish (Robinson e Galán Saúco, 2010) deu origem a cultivares e clones, que asseguram a produção atual de banana para comercialização na Madeira. Várias variedades deste subgrupo foram cultivadas ou permanecem em cultivo, nomeadamente a Pequena anã, Robusta, Grande anã, Gal, Ricasa. Duas variedades tradicionais ou rústicas deste subgrupo, a Ana Roberta e a Africana estão referenciadas para a Madeira, sendo multiplicadas a partir das socas nos bananais tradicionais. A M. balbusiana Colla ou Musa AAB subgrupo Balbusiana (Robinson e Galán Saúco, 2010), inclui as variedades de banana prata do tipo plátano introduzidas na primeira metade do século XIX, mantendo-se marginalmente em cultivo. As variedades deste subgrupo são a Banana prata, Maçã, Roxa, Topocho verde e Banana pão.

Após os anos 80 do século passado, a cultura da bananeira foi alvo de forte desenvolvimento tecnológico, com a criação do Centro de Bananicultura. A produção in vitro de plantas, a partir de clones pré-selecionados é realizada pelo Microlab, Centro de Floricultura, desde 1991, tendo ocorrido a introdução de novas cultivares a partir de Canárias e Israel. Estes desenvolvimentos uniformizaram a cultura, permitindo ganhos de produtividade, mas provocou a diminuição da sua diversidade intraespecífica, tendo alterado a imagem tradicional do produto banana da Madeira junto dos consumidores. A uniformização genética da bananeira tornou-a mais suscetível à erosão genética, stresses e ação de pragas e doenças provocados pelas alterações globais (Ravi et al., 2013), o que poderá resultar na extinção da cultura (Heslop-Harrison e Schwarzacher, 2007). Os impactos destes processos na cultura da bananeira na Madeira carecem de avaliação. O aumento da diversidade na bananeira pode ser assegurado, através da utilização de socas mães de “cultivares” rústicas adaptadas às condições agroecológicas para produzir material de propagação. A prospeção da cultura, no território do concelho permitiu georreferenciar 19 bananais tradicionais (Figura 4 b, c), onde as socas são utilizadas para renovar o bananal. No entanto, os recursos genéticos destes bananais carecem de uma caraterização, a fim de determinar a sua importância na conservação ou melhoramento da cultura.

Macieira

A macieira, Malus domestica Borkh. [Pyrus malus L.], é uma cultura com grande valor histórico, etnográfico e cultural, que está presente na Madeira, desde 1550 (Frutuoso, 1873). Esta é caraterística dos 2 patamares de maior altitude, distribuindo-se por cerca de seis dezenas de UAE, nas freguesias e zonas altas do concelho (Quadros 1 e 2). A maçã aparece associada a tradições religiosas e laicas dos madeirenses, sendo consumida em fresco ou utilizada na produção tradicional de sidra, vinagre e doçaria. A composição bioquímica e qualidade nutricional e organolética das maçãs de algumas variedades tradicionais permite a sua valorização, através da produção de conservas e semitransformados. A “exportação” de maçã pelo concelho de Santa Cruz atingia 7,6 t/ ano, em 1946 (Natividade, 1947). A produção de maçã para consumo em fresco ou para sidra atingiu, em toda a região, 2.280 t, em 2016 (DREM, 2017).

A cultura terá sido introduzida muito provavelmente antes de 1590, sendo referida nesta data para Santa Cruz, apesar das referências históricas a variedades locais sejam obscuras (Frutuoso, 1873; Frutuoso 1966; Ribeiro et al., 1995). Lowe (1868) faz referência à existência de “pomares” de macieira, Pyrus malus L., inventariando oito variedades de maçã: “Barraes”; Reineta; Cara de dama; Pino d’ouro; Pero vime; Pero dos Canhas; Pero d’estopa; Batoques e Peros doces, sem, no entanto, as relacionar diretamente com o território de Santa Cruz. Silva e Meneses (1908) referenciam sete variedades locais para a Madeira: Pero-vime; Pero-estopa; Pero-doce; Maçã-barral; Maçã-reineta; Maçã-cara-de-dama e Maçã-pino-de-ouro. Vieira de Natividade (Natividade, 1947) refere a presença de macieiras, cultivadas nas margens dos terrenos, sem formarem pomares, na freguesias das Camacha e Santo da Serra, e dos sítios de João Ferino, Valparaíso. O autor faz o inventário mais completo da agrodiversidade da cultura, incluindo 33 “variedades” locais de pereiros e macieiras e 11 variedades exóticas de macieira. A distinção entre macieiras e pereiros é realizada pelos agricultores, com base na forma e características do fruto. A secularidade da cultura na Madeira, em conjunto com a utilização da multiplicação seminal ou da propagação por estacaria direta de produtores locais, estará na origem desta grande diversidade de pereiros e macieiras. Para o território de Santa Cruz estão referenciadas as variedades locais: Pêro-rajado; Cara-de-dama; Amargoso; Riscado (Santo da Serra); Barral; Reineta (Camacha, Santo da Serra); Calhau (João Ferino, Santo da Serra); Pêro-agrodoce (Valparaíso); Doce (João Ferino). A necessidade de caracterização e tipificação destas variedades é referida por Natividade (1947), por considerar que algumas são formas cultivadas das variedades “exóticas”, que se expressam de forma distinta, de acordo com as condições agroecológicas. Apesar disso, a análise destes inventários evidencia a existência de uma agrodiversidade intraespecífica que sofreu alterações temporais e geográficas. A prospeção de 56 “pomares”, localizados entre os 422 e os 983 m de altitude, sobretudo na Camacha (BG ISOPlexis, 2017), demonstra que as inventariações anteriores da cultura estariam incompletas. Apesar do evidente abandono e destruição de alguns “pomares”, em resultado da urbanização ou dos fogos, a cultura e a sua diversidade permanecem bem disseminadas pelo território. Nas duas últimas décadas ter-se-ão perdido mais de 1.500 árvores de fruto, e 4,1 ha de área de produção (estimativa). Estes valores foram obtidos, através da avaliação da situação in situ, da inquirição dos agricultores locais e da análise de documentação diversa. Trinta pomares foram inventariados, distribuídos por 22 UAE, 600 árvores de fruto foram georreferenciadas e 150 acessos gerados e incluídos no SDI do banco. Os doze nomes vernáculos identificados corresponderão a um número indeterminado de formas cultivadas e variedades locais de macieira (Figura 4 b, c). Entre estes sobressaem o Pêro de vime, a Barral, a Cara-de-dama, a Maçã da Camacha, o Pêro d´oiro, o Pêro vermelho e a Reineta. Estas variedades localizam-se em “pomares”, com 50 ou mais anos de idade, mas estão representadas por um diminuto número de espécimes, que não garantem a conservação on farm da diversidade genética. Por isso, a cultura necessita de um plano sistemático de conservação dos recursos genéticos, dado que existe o risco elevado de erosão genética. A cultura também necessita de avaliação da produtividade e rendimento das variedades locais, e da sua resistência às alterações climáticas. Neste sentido, foi realizado o registo de 10 variedades regionais de macieira no catálogo nacional de fruteiras, quatro das quais estão presentes no território do concelho há mais de 150 anos (DGAV, 2016).

Culturas hortícolas

Quatro das quinze culturas hortícolas principais que foram ou são praticadas no território de Santa Cruz vão ser de seguida abordadas dada a sua tradição e importância económica (Figura 4).

Cebola

A cebola, Allium cepa L. é uma cultura originária da Ásia Central, tendo sido introduzida na Península Ibérica pelos Romanos, devendo estar presente na Madeira, desde o início do povoamento, apesar de aparecer referida apenas em 1748 (Marques da Silva, 2018). A cultura é lavrada em todos os patamares bioclimáticos, desde o nível do mar até os 800 metros. A área agrícola dedicada ao cultivo de cebola na Região era de 86 ha, em 2012, tendo sido produzidas 3.013 t/ano (DREM, 2013). Na Madeira, as variedades locais de cebola estão associadas a diversas tradições etnográficas e culinárias, sendo consumida crua, cozida ou assada, em diferentes pratos tradicionais e em conservas (cebolas de escabeche). A cebola é condimento, no molho de vilão, no atum, gaiado ou polvo de escabeche. A medicina tradicional madeirense utiliza a cebola para diferentes fins (Silva e Meneses, 1908).

O concelho de Santa Cruz possui grande tradição no cultivo da cebola, sendo emblemática na freguesia do Caniço. No entanto, a primeira referência à cultura da cebola em Santa Cruz, data de 1821 (Quadros 1 e 2), estando associada ao aumento da sua importância económica. Uma referência detalhada à diversidade histórica da cebola foi realizada por Pereira (1939), que contabiliza oito “variedades”, nomeadamente: a Cebola do cedo, cultivada em todo concelho; a Cebola do tarde (Camacha); a Vermelha (Santa Cruz); a Roxa, típica de Santana; a Branca (Caniço); a Pião, a Garrafal e a Valenciana, introduzida em 1940. Esta inventariação coincide com os nomes vernáculos atribuídos habitualmente pelos agricultores, mas não com a fenotipagem das variedades regionais. As variedades de cebola Vermelha e Roxa são consideradas as mais antigas. Durante a prospeção da diversidade da cultura procedeu-se à amostragem de 18 populações de cebola (Figura 4 b,c), distribuídas pelo Caniço, Camacha e Santa Cruz, que correspondem a populações de seis variedades locais de Bujanico, Pião, Cebola do Caniço, Cebola da Camacha, Cebola de inverno [Cebola do tarde], Vermelha do Caniço. Esta prospeção demonstra que a espécie permanece em cultivo no Caniço, e na Camacha e com menor representatividade, noutras freguesias do concelho, sendo as variedades locais mais cultivadas, a Bujanico (4), Pião (3) e a Cebola da Camacha (3), Vermelha (2). A diminuição das áreas de cultivo e a introdução de semente de variedades comerciais, em conjunto, com a polinização cruzada está a promover a poluição e erosão genética destas variedades. Um plano de conservação das variedades locais de cebola, com o aprofundamento da sua tipagem é essencial para proteger os recursos endógenos desta cultura.

Couve

A couve, Brassica oleracea L., é uma cultura de origem europeia, com grande importância nos hábitos alimentares e subsistência dos Portugueses, que terá sido utilizada desde o início do povoamento, datando a primeira referência de 1580 (Frutuoso, 1873). Para além das couves, os povoadores utilizavam na alimentação de todos os dias um conjunto de espécies atualmente assilvestradas ou negligenciadas, nomeadamente o agrião, Nasturtium officinale R.Br., saramago, Raphanus raphanistrum L., rabão, Raphanus sativus L., rinchão, Raspitrum rugosum (L.) Berg.. Estas espécies estão presentes no território e tem um uso alimentar diminuto.

A Região produz uma grande variedade de couves do grupo brássica. Os dados estatísticos mais recentes da produção de todos os tipos de couve na Região remontam a 2007, indicando que foram produzidas 440 t de couves acéfalas, em 10 ha, 2.250 t de repolho (75 ha), 700 t de brócolos (35 ha) e 875 t de couve-flor (35 ha) (DREM, 2013, 2017). Estas são utilizadas na tradição gastronómica madeirense, no cozido madeirense, na sopa de couve, nas papas de milho ou na cobertura do pão caseiro, durante a assadura. As couves e as outras brássicas eram frequentemente utilizadas como hortaliça cozida ou salteada, em sopas ou saladas.

A agrodiversidade específica desta cultura é complexa, sendo constituída por oito espécies, incluindo a Brassica napus L., a Brassica rapa L. e a Brassica oleraceae L.. A diversidade intraespecífica é constituída por sete variedades botânicas e um número indeterminado de variedades locais. Frutuoso (1966) refere o cultivo da couve, fazendo referência à variedade botânica capitata, couve Murciana, de elevada qualidade organolética (Quadros 1 e 2). Lowe (1868) faz referência ao cultivo das variedades botânicas de: acephala DC. - variedades de Couve rinchão, Couve batatinha e Couve de todos-os-dias; capitata (L.) Metzg. - variedades de Murciana, Repolho e Roxa; botyris L., couve-flor; e italica L., brócolos. Este trabalho não permitiu concluir sobre a presença destas variedades no território de Santa Cruz, mas a proximidade geográfica do Funchal e a importância desta espécie nos hábitos alimentares da população, leva-nos a considerar muito provável. Silva e Meneses (1908) inventariaram três variedades botânicas e nove variedades agronómicas de couve: acephala - Couve rinchão ou Vaqueira, e tronchuda; capitata - Couve murciana, Repolho, Imperial, Alcanchão, Pão-de-açúcar; botyris, couve-flor. As primeiras referências documentais, conhecidas dos autores, sobre o cultivo da couve no concelho datam de 1936 (Ferreira Pio, 1967). A prospeção dos recursos genéticos de Brassica oleracea L. pelo ISOPlexis permitiu detetar sete variedades botânicas e 14 nomes vernáculos, que hipoteticamente poderão estar associados a variedades locais (Figura 4 b, c). No concelho de Santa Cruz as 10 populações de couve podem ser associadas às variedades locais, Preta, João Ferino, Couve-de-todos-os-dias e Couve-verde-de-folha-larga. Estes dados demonstram que também que a diversidade da cultura sofreu alterações temporais, que resultaram no seu enriquecimento, com a introdução de novas espécies, e alterações geográficas, com diminuição distribuição da cultura e desaparecimento de um número desconhecido de variedades locais. A variedade Murciana é o exemplo caraterístico de diminuição da diversidade intraespecífica, que terá sido cultivada no território, durante mais de 386 anos, estando atualmente extinta.

Batata-doce

A batata-doce, Ipomoea batatas (L.) Noir, tem origem no continente Americano e grande tradição na Madeira. Esta cultura, em conjunto com o inhame e o feijão, terá constituído a base da dieta alimentar das populações, a partir do século XVII, garantindo alimento em períodos de escassez (Quadros 1 e 2). A batata-doce contribuiu para o aumento de hidratos de carbono, fibras e minerais ingeridos, representando um acréscimo médio de 331,24 ± 22,89 kcalorias por 100g. Este alimento proporcionou também um aumento de vitaminas, em especial a vitamina A e compostos biofuncionais, com ação imunológica, permitindo melhorar a nutrição e bem-estar das populações locais. As variedades locais de batata-doce são amplamente utilizadas nas tradições culinárias dos madeirenses, nomeadamente na confeção de batata murcha em sal ou assada, pão de batata, bolo do caco, malassadas, bolo frito e na batatada.

A presença da batata-doce no arquipélago da Madeira não aparece referida por Gaspar Fructuoso (1522–1591), mas Lowe (1868) indica que a sua introdução terá ocorrido antes do inicio do século XIX. Outras fontes de documentação permitem pressupor que a espécie terá sido introduzida antes de 1650, quando se iniciou o cultivo no concelho de Santa Cruz (Pereira, 1939; Ferreira Pio, 1967). Hakluyt (1886) data de 1550 a presença da batata-doce na Madeira (Marques da Silva, 2018). A digitata terá sido a primeira variedade botânica a ser introduzida, provavelmente a partir do Brasil. A segunda vaga de introdução da cultura está relacionada com a cordifolia, e terá ocorrido a partir de Demerara, em 1845 (Pereira, 1939). Lowe (1868) refere a Batata edulis Thunb. var. digitata Lowe, com sendo a Batata da terra, cujas “variedades” batata velha, rama amarela, e branca estariam a ser “substituídas” pelas “variedades” cordifolia mais recentes, nomeadamente a batata de “Demeraiva”, Corriola, Amarela, Cor d’Anil. A introdução da batata-doce na Madeira, a partir da América do Sul deu início à evolução de uma das três reservas (pool) genéticas relacionada com a linha evolutiva batatas (Montenegro et al., 2008; Pinheiro de Carvalho, 2012). Posteriormente, Silva e Meneses (1908) e Teixeira de Sousa (1952) inventariaram oito e cinco variedades de digitata, e três e duas variedades de cordifolia. As variedades de digitata comuns a ambos os autores eram Machiqueira [de Sandwich] e Graveto. Silva e Meneses (1908) inventariou ainda as variedades Braço de rei, Brazileira, Magdalena, Cayenna, Frizada e Feiticeira. E, Teixeira de Sousa (1952) as variedades Preta; Branca; Amarelinha. A variedade de cordifolia comuns a ambos os trabalhos era a Inglesa. Silva e Meneses (1908) e Teixeira de Sousa (1952) inventariaram ainda as variedades de cordifolia, Japonesa e Santinha, e Inglesa e S. Martinho, respetivamente. Apesar de nenhuma destas “variedades” é acompanhada de uma caraterização morfoagronómica, as variedades Brazileira [Brasileira] e Inglesa são variedades locais amplamente consensuais. O nosso trabalho realizou a inventariação de 53 nomes vernáculos, existindo seis antonímias prováveis e 34 sinonímias hipotéticas (Pinheiro de Carvalho, 2012; BG ISOPlexis, 2017). Estes agrupam-se em 28 morfotipos (formas cultivadas), que pertencem a 19 “variedades” locais, das quais sete são digitata (Brasileira; Preta; Rebenta Paredes; Cenoura; Cinco bicos; Escura; Venezuela) e 12 cordifolia (Inglesa; Cabreira; de Peso; Vidrada; Olhar para o céu; Rebenta paredes; Rama louca; Preta; Cabeira Dentada; Cabeira dos canhas; Japona; Amarelinha). Estes dados parecem demonstrar, que apesar do aumento do número de variedades locais inventariadas, ocorreu uma significativa redução do peso das variedades digitata e aumento cordifolia, confirmando Lowe (1868). Apesar de algumas incongruências as variedades locais mais antigas de batata-doce são a Brasileira, Inglesa, Amarelinha e Cinco Bicos provavelmente, com mais de 110 anos e a Preta, com mais de 66 anos de existência.

A prospeção diversidade da batata-doce com amostragem de sete populações do concelho permitiu detetar cinco morfotipos de três variedades locais. No entanto, a diversidade geográfica da batata-doce estará insuficientemente representada (Figura 4 b, c). A cultura utilizava, até os anos 50 do século passado, um sistema tradicional de multiplicação do material de propagação (rama) nos patamares bioclimáticos, durante o inverno, e produção de batata-doce nos patamares mais elevados, de verão. O desaparecimento deste sistema e o abandono agrícola tem provocado a erosão e redução da diversidade da cultura.

No entanto, a cooperação de vários agentes em torno da valorização da cultura tem permitido a proteção dos recursos genéticos, a criação e desenvolvimento de produtos de valor acrescentado e denominações de origem protegida (DOP). O projeto Batatinpan, do consórcio entre a Insular de Moinhos e a Universidade da Madeira desenvolveu o processamento industrial da batata-doce, para produção de farinhas aditivadas, que são utilizadas na confeção de pão de batata e do bolo do caco. Simultaneamente, a criação da denominação origem protegida do pão de batata, promovida pela Direção Regional de Agricultura, permitiu a certificação de cinco variedades regionais de batata-doce. Estes esforços permitem que a cultura da batata-doce constitua um fator de diferenciação da agricultura regional no contexto nacional e europeu. E, a recuperação da produção de batata-doce que vinha a decair desde meados da década de 80, atingindo 13.194 t (546 ha), em 2015 (DREM, 2017).

Feijoeiro

O feijoeiro é a cultura tradicional da Madeira, com origem no continente Americano, que atingiu maior diversidade específica e intraespecífica. Apesar da ausência de evidências documentais concretas, terá sido introduzido na Madeira, entre os séculos XVI e XVII (Quadros 1 e 2). As primeiras referências à presença da cultura no concelho datam de 1886 (Ribeiro et al., 1995). O feijão terá constituído uma das bases da dieta alimentar das populações rurais, contribuindo para o aumento da quantidade de proteína e aminoácidos essenciais ingeridos, em 22,8%. A produção de feijão na Madeira atingiu 2.694 t, das quais 477 t de feijão-verde, numa área de 224 ha, em 1990, tendo decaído para 2.498 t (100 ha), em 2016 (DREM, 2017). As variedades locais de feijão são amplamente utilizadas nas tradições culinárias dos madeirenses, nomeadamente na confeção de feijão maduro em vagem com batata rajada e conduto de peixe ou carne, feijoadas, dobradas, ou sopas.

A cultura encontra-se representada por três espécies, o feijão vulgar (Phaseolus vulgaris L.), a feijoca (Phaseolus coccineus L.) e o feijão lima (Phaseolus lunatus L.) presentes na Madeira. A designação de feijão também é atribuída a outras leguminosas, nomeadamente à Vigna e ao Lablab, ambos identificados na Madeira por Lowe (1868). Este documenta a presença de Phaseolus vulgaris L., Phaseolus coccineus L., do feijão-frade, Vigna unguiculata subsp. unguiculata (L.) Walp. [=Phaseolus sphaerospermus L.], do feijão cutelinho preto, castanho ou branco, Lablab purpureus (L.) Sweet [=Lablab vulgaris Savi purpurea e Lablab vulgaris Savi albiflora], e do feijão pedra Dipogon lignosus (L.) Verdc. [=Dolichos lignosus L. falcata]. O feijão-frade têm origem europeia ou africana, enquanto os feijões cutelinho e pedra são africanos ou indianos. Considera-se que estas espécies não foram cultivadas na Madeira, mas o feijão-frade pode ter sido introduzido pelos primeiros povoadores, a partir de Portugal Continental, onde era cultivado. Os feijões cutelinho e pedra podem ter sido introduzidos pelos escravos aficanos ou a partir da India, com as trocas comerciais. O feijão-frade está extinto na Madeira, enquanto os feijões cutelinho e pedra estão presentes como espécies ornamentais ou negligenciadas. Lowe (1868) divide a diversidade do feijão vulgar, quanto ao seu hábito: determinado, Phaseolus nanus L.; ou indeterminado, Phaseolus vulgaris L. procera. Outras “espécies” e subvariedades de Phaseolus (cerca de 10) são descritas, com estatuto taxonómico indefinido, corresponderam muito provavelmente às atuais raças agronómicas (Singh, 2001). Vinte e nove nomes vernáculos de feijão vulgar, sete de feijoca e cinco de prováveis feijão-frades foram também inventariados, acompanhados da descrição morfológica da respetiva semente (Lowe, 1868). As variedades de Phaseolus vulgaris descritas por Lowe (1868) são: unicolor - Roxo; Preto; de Pobre; Castanho; Coelho; Púrpura; Amarelo; Branco; fasciata - Rajado; Rajado púrpura; Rajado preto; Cor de pele; do Seixal; Oliva; Letra; variegata - Corno de carneiro; Corno de carneiro creme; de Galo; Fluveo; Brasileiro; Malhado; Pintassilgo; Branco; Amarelo; Sangue escuro; de Bala; Dourado; Lisboa; Carrapato; Olho de peixe; gonosperma - Vermelho; Amarelo; Castanho; Menino; Oliva; Parreira; procera - Rajado; Menino; Cor de carne; Lisboa; Olho de peixe ou Bala; nana - Rasteiro; Feijão vassoura. Lowe (1868) faz referência a Phaseolus vulgaris L. sphaerosperma [Phaseolus sphaerospermus L.], cuja pertença ao feijão vulgar deve ser questionada, considera-a um sinónimo de Vigna unguiculata subsp. unguiculata (L.) Walp.. Apesar da pigmentação da semente das variedades de sphaerosperma Pálida, Baga de azevinho, Laranja, Olho de menino, Fluveo e Rajado vermelho possam assemelhar-se ao Phaseolus vulgaris L. o feijão-frade também se carateriza pela variabilidade da coloração do tegumento, diferindo pelo tamanho da semente que não é referido. Esta diversidade consistente com a difusão e adaptação da cultura, que terá ocorrido muito antes da inventariação de Lowe (1868), suportando uma cronologia da introdução que provavelmente remontará ao século XVI. A diversidade pode também resultar de repetidas introduções de feijão com as trocas comerciais entre Portugal e a América do Sul, envolvendo a Madeira. A diversificação em resultado da adaptação às condições locais terá sido o fator mais provável, considerando o elevado número de nomes vernáculos e uma origem fitogeográfica comum relacionada com os centros de origem Sul-americanos (da Silva et al., 2010). Silva e Meneses (1908) e Pereira (1939) inventariaram uma diversidade histórica do feijão, bastante mais reduzida. Os primeiros autores apenas referem o cultivo do feijão Vaginha. Enquanto o segundo refere as variedades Carrapato, Manteiga, Bigode [Boneco], Branco, Inglês, Feijão de meia vara, Feijão rasteiro [de Vassoura] e Rajado. Estas inventariações são incompletas não espelhando a real diversidade da cultura, que os autores consideravam menor.

A prospeção que realizamos permitiu concluir que esta é uma das culturas tradicionais mais disseminadas e bem-adaptada às diferentes condições agroecológicas. Este inventário contabilizou 501 populações de feijão, identificadas por 172 nomes vernáculos, incluindo 30% de corruptelas e 17 populações de feijoca reconhecidas por cinco nomes vernáculos (Figura 4; BG ISOPlexis, 2017). A fenotipagem de uma amostragem representativa da diversidade de feijão vulgar, selecionada com base nos nomes vernáculos, morfologia e distribuição geográfica, permitiu confirmar a grande diversidade intraespecífica da cultura. Quinze complexos varietais (nove de hábito indeterminado, dois intermédio e quatro determinado), 27 variedades locais e 46 formas cultivadas foram identificadas (da Silva et al., 2010; Freitas et al., 2011; Gouveia et al., 2014), demonstrando a importância da distribuição espacial na formação da diversidade intraespecífica da cultura. A análise comparativa deste trabalho com Lowe (1886) permitiu detetar variedades, com um historial superior a 150 anos, nomeadamente as variedades Corno de carneiro, Vassoura, Preto, Rajado e Touquinho. No entanto, a designação Corno de carneiro é presentemente utilizada pelos agricultores designar diferentes cultivares, o que indica a existência de um número indeterminado de antonímias e sinonímias.

Em vinte locais (20 UAE) de Santa Cruz foram amostradas 60 populações de feijoeiro e três populações de feijoca. Estas pertencem ao feijão vulgar (95% do total de acessos) e à feijoca (5%), tendo sido inventariados 27 nomes vulgares, os quais são associados a seis variedades locais. Apesar de alguma perda de diversidade em resultado do abandono agrícola, a cultura permanece, ainda bem associada aos agrossistemas tradicionais. Até ao presente, a fenotipagem e genotipagem e seleção destes recursos genéticos permitiram o registo das variedades Santaneiro, Boga e Corno de carneiro no catálogo nacional de variedades, em conjunto com a Associação de Agricultores da Madeira (AAM).

CONCLUSÕES

Este trabalho analisou a evolução da agrodiversidade na Madeira, utilizando como modelo representativo o concelho de Santa Cruz. A Madeira, cuja descoberta ocorreu há 600 anos, foi palco de um complexo processo de diversificação da agrodiversidade baseado na introdução e aclimatação de inúmeras espécies agrícolas fundamentais para o sucesso do povoamento, a criação de uma paisagem única, a produção de alimento e o desenvolvimento da economia. A evolução da agrodiversidade iniciou-se com o povoamento da Madeira, e resultou na criação dos poios, na introdução de 73 espécies e adaptação dos seus recursos genéticos às condições agroecológicas do concelho de Santa Cruz. A orografia, o gradiente altitudinal, a exposição solar, a variação dos elementos climáticos e edáficos e os conhecimentos tradicionais associados foram considerados fatores determinantes desta agrodiversidade. A variação de cada um destes fatores per si ou em conjugação determina a existência de quatro andares bioclimáticos, com aptidão agrícola, e de centena de unidades agroecológicas (UAE) (Figura 3), nas quais se observaram a evolução temporal e espacial da agrodiversidade. Aqueles fatores foram preponderantes na evolução de três componentes da agrodiversidade: biofísica (agrossistemas), específica (espécies agrícolas) e intraespecífica (variedades [landraces] e raças locais).

A escassez de registos históricos detalhados dificultou a análise, no entanto, foi estabelecida a cronologia da introdução, distribuição e importância de 43 culturas e 73 taxa de interesse agrícola, de origem europeia, africana, americana e asiática. Esta cronologia pauta-se pela introdução, aclimatação, uso e abandono ou “extinção” (ou aparente desaparecimento total do território de espécies ou variedades locais) de várias culturas, ao longo do período histórico, de acordo com os ciclos do trigo, do açúcar, da vinha, da banana e mais recentemente dos frutos subtropicais. A substituição de culturas nos agrossistemas teve profundas consequências nos hábitos alimentares, dieta e qualidade da alimentação dos madeirenses. Os cereais e os legumes, que foram a base da alimentação dos primeiros povoadores foram substituídos pelo feijão, batata-doce e inhame, e banana (entre numerosos outros frutos). A introdução destes alimentos permitiu aumentar as calorias ingeridas, e obter nutrientes essenciais, como proteínas, aminoácidos essenciais, vitaminas e outros compostos biofuncionais, com impacto na alimentação, nos padrões de vida, e no aumento da população. Este processo deve ser estudado de forma mais aprofundada. A distribuição das espécies agrícolas por um ou mais patamares ou UAE permitiu a evolução da diversidade intraespecífica e o aparecimento de variedades locais, utilizadas pelos madeirenses nas suas tradições gastronómicas. Esta diversidade que é difícil de estimar, pois as fontes documentais não são detalhadas, em conjunto com as técnicas agronómicas tradicionais são capazes de minimizar os efeitos das alterações climáticas, agravadas em zona de montanha e deverão ser estudadas (Gunderson, 2000; Altieri et al., 2015).

Frutuoso (1873), Lowe (1868), Silva e Meneses (1908), Natividade (1947) e Pereira (1939) apresentam inventários com designações vernáculas, com diferente detalhe de caracterização que assumimos condicionalmente como variedades locais, apesar do elevado número de sinonímias e antonímias por nós detetado. Esta informação foi confrontada com os dados do SDI (BG ISOPlexis, 2017) e da fenotipagem dos recursos genéticos, permitindo realizar um primeiro exercício que visou estimar a agrodiversidade especifica e intraespecífica de onze culturas tradicionais, apresentando as alterações históricas e na distribuição. Apesar das lacunas existentes foi possível determinar que a agrodiversidade no concelho de Santa Cruz sofreu enormes alterações, podendo concluir-se que ocorreram: i) processos contraditórios de enriquecimento e diversificação ou de erosão genética, abandono e extinção da diversidade; ii) o enriquecimento e a diversificação resultaram não só da introdução de espécies e recursos genéticos com diferente origem fitogeográfica, mas também de aclimatação às condições agroecológicas; iii) as perdas de agrodiversidade são devidas à redução de área agrícola cultivada, ao abandono do meio rural e da atividade agrícola, à pressão urbanística, à erosão genética e à perda do recurso devido a pragas e doenças ou cataclismos, como as cheias e aluviões, fogos, etc.. Estes fenómenos permitiram, por um lado, a evolução de recursos endógenos, com carateres, resistências e produtividade, e que constituem o fundamento da sua valorização, mas comportam dualidade e têm provocado a destruição e perda de uma agrodiversidade única. As culturas cerealíferas, em particular o trigo, e a macieira, ilustram os dramáticos processos de abandono que determinaram a extinção de inúmeras formas cultivadas e variedades. Por sua vez, o feijão e a batata-doce evienciam a importância dos recursos genéticos para as populações locais e ilustram os processos de diversificação e evolução da agrodiversidade intraespecífica com a evolução de inúmeras variedades locais. Apesar da perda generalizada de agrodiversidade, sobretudo desde meados do século XX, várias variedades locais permanecem em cultivo, com manutenção on farm, incluindo algumas variedades tradicionais, cujo historial de presença no território será superior a 140 anos. Estas variedades locais são um recurso genético endógeno, que constitui um património de grande importância para a diversificação da agricultura e economia rural das comunidades locais responsáveis pela sua manutenção.

 

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AGRADECIMENTOS

Os autores agradecem a seiscentos anos de gerações de Agricultores, bem como das comunidades rurais envolvidas pela sabedoria evidenciada e pelo esforço e abnegação memoráveis, que permitiram moldar o território, criar os agrossistemas, que representam um património único para a humanidade, e desenvolver uma agrodiversidade e recursos genéticos próprios da Região, cuja proteção, conservação e uso é fundamental para as gerações futuras. E, ainda, ao IDR, pelo financiamento imprescindível da atividade do BG ISOPlexis, através do Programa Operacional Madeira 14-20, operação CASBio, ref.ª M1420-01-0145-FEDER-000011.

 

Recebido/received: 2019.01.15

Aceite/accepted: 2019.05.17

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