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Revista de Ciências Agrárias

versão impressa ISSN 0871-018X

Rev. de Ciências Agrárias vol.34 no.2 Lisboa jul. 2011

 

Utilização de Lolium Perenne L. na fitoestabilização controlada de solos degradados por actividades mineiras

 

Paula Alvarenga1, Rosa Maria Fernandes1, Amarilis de Varennes2, Giovanni Vallini3, Elizabeth Duarte2, Ana Cristina Cunha-Queda2

 

1 Escola Superior Agrária – Instituto Politécnico de Beja, Rua Pedro Soares, 7800-295 Beja, Portugal (paula.alvarenga@ipbeja.pt; rosamariafernandes@ipbeja.pt);

2Instituto Superior de Agronomia, Universidade Técnica de Lisboa, Tapada da Ajuda,1349-017 Lisboa, Portugal (adevarennes@isa.utl.pt; eduarte@isa.utl.pt; crisqueda@isa.utl.pt);

3Department of Science and Technology, Laboratories of Microbial Biotechnology and Environmental Microbiology, University of Verona, Cà Vignal 1, Strada Le Grazie 15, 37134 Verona Italy (giovanni.vallini@univr.it).

 

RESUMO

Foi estudada a utilização de Lolium perenne L. e de diferentes resíduos orgânicos (RO) na fitoestabilização controlada de solos degradados por atividades mineiras (Mina de Aljustrel, Faixa Piritosa Ibérica). Apesar da aplicação dos RO ter permitido a imobilização de Cu, Pb e Zn no solo, baixando a fracção efetivamente disponível, os teores foliares destes elementos não diminuíram significativamente. Os factores de acumulação (FA) obtidos, FA(Cu) e FA(Pb) <<1 e FA(Zn) <1, permitem considerar esta espécie adequada para a fitoestabilização deste tipo de solos. Os teores foliares de Pb e Cu atingiram níveis considerados tóxicos, indicando risco de entrada destes metais na cadeia alimentar humana. Métodos estatísticos multivariados evidenciaram a lama residual urbana como o RO com maior capacidade para corrigir a acidez do solo e para melhorar as características deste, seguida do composto de resíduos sólidos urbanos. Porém,observou-se um crescimento reduzido por aplicação do nível mais elevado (100 Mg ha-1) destes RO. Todos os níveis do composto de resíduos verdes foram insuficientes para corrigir as principais restrições do solo ao crescimento vegetal.

Palavras-chave: Fatores de acumulação, fitoestabilização controlada, Lolium perenne L., resíduos orgânicos, solos de minas.

 

Assisted phytostabilization of soils affected by mining activities using Lolium Perenne L.

ABSTRACT

We studied the application of Lolium perenne L. and of different organic residues in the assisted phytostabilization of mine-contaminated soils (Aljustrel Mine Area, Iberian Pyrite Belt). Although the application of the organic residues led to immobilization of Cu, Pb, and Zn in the soil, decreasing their effective available fraction, their concentrations in the above-ground plant material did not change. The accumulation factors (AF) obtained were AF(Cu) and AF(Pb) <<1, and AF(Zn) <1, allowing its election as a possible candidate for phytostabilization purposes. However, Pb and Cu concentrations in ryegrass shoots were considered toxic, which suggests that there is a risk of contamination of the human food chain. Multivariate statistical analysis emphasized sewage sludge as the organic residue with the greatest capacity to correct soil acidity, and to improve soil characteristics, followed by the compost obtained from municipal solid waste residues. However, an impaired growth was obtained when using the highest application rate (100 Mg ha-1) of both residues. All garden waste compost rates were unable to correct general soil constraints to plant growth.

Key-words: Accumulation factor, assisted phytostabilization, Lolium perenne L., mine soils, organic residues.

 

INTRODUÇÃO

Existem diferentes estratégias para a reabilitação de solos afetados por actividades mineiras como, por exemplo, a escavação, remoção do solo contaminado e substituição por solo não contaminado, ou o tratamento in situ ou ex situ do solo, utilizando processos químicos ou físicos. Nos últimos anos, tem sido explorada a possibilidade da redução do risco ambiental nas áreas contaminadas, controlando a exposição aos contaminantes, pela utilização de técnicas de estabilização in situ. A fitoestabilização controlada, que consiste na conjugação da imobilização in situ dos metais, por incorporação de corretivos orgânicos e/ou inorgânicos e subsequente revegetação desses solos, enquadra-se neste último grupo de técnicas, sendo considerada uma estratégia realista, "amiga" do ambiente e economicamente viável, especialmente para vastas áreas industriais, como áreas mineiras abandonadas (Vassilev et al., 2004; Schwitzguébel et al., 2009).

Um grande grupo de corretivos, cuja aplicação na fitoestabilização de solos contaminados por metais tem sido estudada, é o dos resíduos orgânicos (e.g. lamas residuais urbanas, composto, estrume) (Brown et al., 2005; Pérez-de-Mora et al., 2006; van Herwijnen et al., 2007; Bernal et al., 2009). A correção dos solos, recorrendo ao uso destes materiais, facilitará a sua revegetação através de: (i) aumento do teor de matéria orgânica, (ii) aumento do teor de nutrientes essenciais para as plantas, (iii) aumento do pH, (iv) aumento da capacidade de retenção de água, e (v) conversão dos metais em formas menos solúveis/biodisponíveis (Pérez-de-Mora et al., 2006; Bernal et al., 2009).

Na fitoestabilização, as plantas protegem o solo contaminado da erosão eólica e hídrica; imobilizam os contaminantes no solo, por formação de compostos de baixa solubilidade na zona da raiz, adsorção à raiz, ou absorção e acumulação na raiz, reduzindo a mobilidade daqueles e prevenindo a migração para águas subterrâneas (lixiviação), ou a entrada na cadeia alimentar (Archer e Caldwell, 2004; Vassilev et al., 2004; Pilon-Smits, 2005). O controlo hídrico é também possível, nalguns casos, devido ao elevado volume de água que é transpirado através da planta, o que previne a migração do lixiviado para as águas subterrâneas (Schnoor, 1997).

Uma planta adequada a um processo de fitoestabilização é aquela que, para além de tolerar concentrações elevadas de metais tóxicos no solo (metalófitas), é capaz de excluir esses metais da parte aérea, restringindo-os aos tecidos radiculares, promovendo a sua precipitação e/ou redução na zona da raiz (Vassilev et al., 2004; Pilon-Smits, 2005; Mendez e Maier, 2008). Embora muitas metalófitas tenham desenvolvido mecanismos para impedir a translocação de metais para os tecidos foliares, poderão ainda observar-se concentrações excessivas de elementos tóxicos no material vegetal que pode ser consumido pelos animais, constituindo um risco de contaminação da cadeia alimentar humana (Mendez e Maier, 2008). Existem diferentes formas de medir e expressar a acumulação de metais nas plantas. Estas incluem o cálculo de fatores de acumulação (FA), que consistem na razão entre a concentração total de um elemento no tecido foliar e a sua concentração total no solo. Idealmente, os fatores de acumulação deverão ser <<1, não devendo exceder o valor 1, o que indicaria que essa planta seria útil para um processo de fitoextração e não para um processo de fitoestabilização de solos (Mendez e Maier, 2008).

Alguns autores referem a possibilidade de utilização do azevém perene (Lolium perenne L.) na revegetação de solos degradados por atividades metalúrgicas, contaminados com Cu, Pb e Zn, uma vez que esta planta possui um elevado rendimento em biomassa, é tolerante a concentrações de metais no solo que não sejam demasiado elevadas e acumula concentrações moderadas de metais nos tecidos (Pichtel e Salt, 1998; Arienzo et al., 2004). Santibáñez et al. (2008) utilizaram azevém perene na fitoestabilização de escombreiras de minas, com correcção orgânica com biosólidos, e obtiveram resultados que lhes permitiram concluir que os elementos Cu, Zn, Mo e Cd se acumulavam, principalmente, na raiz e que apenas uma pequena quantidade desses metais eram translocados para a parte aérea da planta, tornando o azevém perene um candidato interessante para ser utilizado em estratégias de fitoestabilização de solos contaminados por metais.

O objetivo deste estudo consistiu, por isso, na avaliação da possibilidade de utilização do azevém perene na fitoestabilização controlada de solos degradados por atividades mineiras, corrigindo os solos com diferentes tipos de resíduos orgânicos e avaliando os seus efeitos nas propriedades químicas do solo, acumulação de biomassa e teores foliares de Cu, Pb e Zn.

 

MATERIAL E MÉTODOS

Caracterização do solo e dos resíduos orgânicos

Colheu-se uma amostra da camada superficial (<20 cm) do solo, na Mina de Aljustrel, situada na Faixa Piritosa Ibérica. Uma sub-amostra foi seca ao ar, crivada através de crivo com malha de 2 mm e caracterizada relativamente a: análise granulométrica, pelo método da pipeta (Gee e Bauder, 1986); pH(H2O), numa suspensão solo/água de 1:2,5 (m/v); condutividade elétrica (CE), numa suspensão solo/água de 1:5 (m/v); azoto total, pelo método de Kjeldahl (NKjeldahl); matéria orgânica (MO), pelo método de Walkley e Black (1934); capacidade de troca catiónica (CTC), pelo método do acetato de amónio (pH 7) (Sumner e Miller, 1996); e fósforo e potássio extraíveis pelo método de Egnér-Riehm (Riehm, 1958) (P-Riehm, K-Riehm). Os teores pseudo-totais dos metais Cd, Cr, Cu, Ni, Pb e Zn foram determinados por espetrofotometria de absorção atómica, com atomização por chama ou eletrotérmica, conforme o caso, após digestão das amostras com água-régia (ISO 11466, 1995). Foram analisadas três réplicas independentes de cada amostra. Relativamente às principais características deste solo, salientam-se a textura franco-arenosa, a elevada acidez, a reduzida salinidade e CTC e teores baixos, ou muito baixos, de MO e de macronutrientes principais (Quadro 1). Os teores de Cu e de Pb excedem os valores de intervenção das Normas Holandesas para avaliação de solos contaminados (VROM, 2000).

 

Quadro 1 - Características do solo e dos resíduos orgânicos (média±DP, n = 3).

 

Os resíduos orgânicos utilizados no estudo foram um composto obtido pelo tratamento mecânico e biológico de resíduos sólidos urbanos com recolha indiferenciada (composto de RSU) (AMARSUL, Setúbal), um composto obtido a partir de resíduos verdes (composto RV) (Algar, Tavira) e lamas de depuração com origem numa estação de tratamento de águas residuais urbanas (LRU) (ETAR de Portalegre). Analisaram-se três réplicas por amostra, de acordo com os métodos previamente descritos em Alvarenga et al. (2007). Os teores de metais das LRU encontram-se abaixo dos valores limite exigidos por lei para a sua aplicação em solo agrícola (Directiva 1986/278/EE; Decreto-Lei nº 276/2009) (Quadro 1). No caso dos compostos, considerando o documento "Especificações Técnicas sobre Qualidade e Utilizações do Composto" (Anónimo, 2008), o composto de RSU só pode ser classificado como um composto de Classe III, enquanto a natureza e os teores de metais do composto de RV permitem classificá-lo como um composto de Classe II.

Desenho experimental do ensaio

Foi efectuado um ensaio em estufa, de blocos casualizados, utilizando terra não crivada (3000±100 g por vaso), com 34% de fracção grosseira (>2mm). O ensaio teve duas séries de vasos, uma com plantas e a outra sem plantas, cada uma com três repetições. Utilizaram-se os três tipos de resíduos orgânicos já referidos (LRU, composto RSU e composto RV), cada um dos quais com três níveis de aplicação (13, 26 e 51 g de matéria seca de resíduo por vaso, equivalentes a 25, 50 e 100 Mg ha-1, respectivamente). Foi utilizada uma testemunha sem tratamento, em triplicado, por cada tipo de resíduo orgânico testado, em ambas as séries de vasos. A seguir à aplicação dos resíduos, os solos foram mantidos a 70% da capacidade de retenção para a água, por rega com água destilada, durante 28 dias, após o que se efetuou a sementeira (5 g semente/vaso) com azevém perene (Lolium perenne L. var. Sibth), em metade dos vasos sujeitos a cada um dos tratamentos. O corte foi efetuado 60 dias após a sementeira.

Análise à planta e ao solo após o ensaio

O material foliar foi pesado em fresco, lavado abundantemente com água da torneira, de forma a remover partículas de solo, lavado por três vezes com água destilada, seco a 70 ºC durante 48 h e novamente pesado, para determinação da massa seca. A amostra foi moída e uma sub-amostra de, aproximadamente, 1 g foi digerida a quente com ácido nítrico e analisada relativamente ao teor de Cu, Pb e Zn, conforme descrito por Alvarenga et al. (2009a).

Após o ensaio, o solo foi homogeneizado e uma sub-amostra foi refrigerada (4 ºC) para determinação das atividades enzimáticas no solo. Determinou-se a actividade da desidrogenase, considerada como um indicador geral da atividade microbiana, bem como a atividade de algumas enzimas hidrolíticas (b-glucosi-dase, celulases, urease, proteases e fosfatases ácidas), de acordo com técnicas descritas em Alvarenga et al. (2009b). Os resultados obtidos foram apresentados e discutidos pelos mesmos autores.

Amostras de solo provenientes de ambas as séries de vasos, com e sem plantas, foram secas ao ar, crivadas por crivo de malha de 2 mm e submetidas a caracterização química (pH em água, CE, MO, NKjeldahl, P-Riehm, K-Riehm, Cu, Pb e Zn pseudo-totais), utilizando os métodos anteriormente indicados.

Foram também determinadas as fracções móveis/efectivamente disponíveis (extraídas com solução de CaCl2 0,01 M, pH 5,7, não tamponizada) e mobilizáveis/ potencialmente disponíveis(extraídas com uma solução obtida pela mistura de NH4CH3COO 0,5 M, CH3COOH 0,5 M e EDTA 0,02 M, pH 4,7) de Cu, Pb e Zn, utilizando os procedimentos descritos em Alvarenga et al. (2008).

Métodos estatísticos

Os valores obtidos experimentalmente foram sujeitos a análise de variância a uma via (ANOVA), tendo-se adotado o teste post-hoc Tuckey HSD na separação das médias. Foi utilizada a análise de variância fatorial ANOVA, para descriminar a influência dos fatores de variação experimental sobre as características, bem como a possível existência de interações entre eles. Foram calculados coeficientes de Pearson entre as propriedades químicas do solo, o crescimento relativo de azevém perene, o teor foliar de Cu, Pb e Zn e as atividades enzimáticas no solo e, utilizando os parâmetros correlacionados significativamente (P<0,05), foram utilizadas duas técnicas exploratórias multivariadas: a análise em componentes principais e a classificação aglomerativa hierárquica. O tratamento estatístico dos resultados foi executado com o programa Statistica 6.0 (StatSoft Inc., Tulsa, OK, USA).

 

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Efeito dos resíduos orgânicos e do coberto vegetal nas propriedades químicas do solo

O efeito da aplicação de resíduos orgânicos nas propriedades químicas do solo foi apresentado e discutido em Alvarenga et al. (2009a), sendo de realçar o facto da aplicação destes materiais ter permitido a correção da acidez do solo, em especial no caso da aplicação do composto de RSU e da LRU, sendo atingidos valores de pH(H2O) entre 6,9 e 6,5, respectivamente, com o nível de aplicação mais elevado desses  corretivos. O composto de RV foi o menos eficiente na correção da acidez do solo, pois só atingiu valores de pH (H2O) de 5,4 com a aplicação de 100 Mg ha-1 desse material. Embora todos os resíduos orgânicos tenham contribuído para um aumento do teor de matéria orgânica do solo para valores superiores a 10 g kg-1, por aplicação de 100 Mg ha-1 de qualquer um dosresíduos testados, a aplicação da LRU promoveu um aumento mais acentuado nos teores, permitindo, também, atingir teores mais elevados de azoto no solo (3,4 g kg-1), mais do dobro do obtido pela aplicação de composto de RSU, devido ao facto de apresentar uma razão C:N inferior à de ambos os compostos (Quadro 1). No caso dos teores de P-Riehm e de K-Riehm, foi o composto de RSU que permitiu atingir valores mais elevados para estas características, respectivamente 459±60 mg P2O5 kg-1 e 510±17 mg K2O kg-1, por aplicação de 100 Mg ha-1 de composto de RSU. O composto de RV foi pouco eficaz na correção do teor em azoto do solo, devendo ser utilizado em combinação com fertilização azotada. Porém, a reduzida salinidade que apresenta tornam-no um resíduo interessante para a correção orgânica do solo.

Da análise de variância dos valores de pH, CE e outros indicadores de fertilidade do solo (teores de MO, NKjeldahl, P-Riehm e K-Riehm) (Quadro 2), podemos concluir que existem efeitos significativos da interação entre o tipo de corretivo e a dose de aplicação de corretivo nessas propriedades (P≤0,001, ou P≤0,01, para o teor de MO). A existência, ou não, de um coberto vegetal do solo exerceu um efeito menos acentuado sobre estas propriedades, fazendo com que a interação tripla corretivo orgânico × dose de corretivo × coberto vegetal apenas tenha apresentado um elevado nível de significância (P≤0,001), no caso da CE e do teor de K-Riehm no solo.

 

Quadro 2 - Síntese da análise de variância (valores de F) dos valores de pH, CE e outros indicadores de fertilidade do solo.

 

 

Efeito dos resíduos orgânicos e do coberto vegetal nos teores de metais no solo

Os teores pseudo-totais de Cu, Pb e Zn não variaram significativamente, como consequência da aplicação dos corretivos orgânicos, quando comparados com as testemunhas sem tratamento e sem plantas (resultados não mostrados).

Todos os resíduos orgânicos estudados promoveram a imobilização in situ de Cu, Pb e Zn, reduzindo a fracção móvel ou efetivamente disponível, nalguns casos até valores não quantificáveis pela técnica analítica utilizada (Quadro 3).

 

Quadro 3 - Teores de metais no solo (média±DP, n = 3). Os valores na mesma coluna, seguidos da mesma letra, não são significativamente diferentes (p>0,05).

 

A análise de variância indicou que a interação tipo de corretivo × dose, exerceu um efeito muito significativo nas frações de Cu e Zn mobilizáveis (P≤0,01) e nenhum efeito significativo sobre o teor de Pb mobilizável (P>0,05). As frações de Cu e Zn mobilizáveis, ou potencialmente disponíveis, aumentaram, como consequência da aplicação de composto de RSU e de LRU, devido à natureza e ao teor mais elevado de metais destes resíduos. O teor em Pb mobilizável não se alterou significativamente pela aplicação dos corretivos.

A análise de variância evidenciou que a existência de um coberto vegetal não exerceu efeito significativo (P>0,05) sobre o teor de Cu, Pb e Zn, em nenhuma das frações analisadas (total, móvel e mobilizável).

 

Efeito dos resíduos orgânicos no crescimento relativo de L. perenne e nos teores foliares de metais

O azevém cresceu sem sintomas de deficiência nutricional, ou de toxicidade provocada pelos metais, em todos os tratamentos, exceto quando se aplicaram 100 Mg ha-1 de LRU ou de composto de RSU. O crescimento relativo mais elevado de azevém perene (3× superior ao da testemunha) foi obtido por aplicação de 50 Mg ha-1 de composto de RSU, seguido pelo obtido com a aplicação de um nível idêntico de LRU (Figura 1). Pelo contrário, a aplicação de composto de RV não promoveu um aumento significativo no crescimento relativo do azevém perene (P>0,05),relativamente à testemunha, devido à sua menor capacidade para corrigir a acidez do solo e para fornecer macronutrientes principais. Outros autores mencionaram já o facto deste tipo de composto, produzido a partir de resíduos de jardinagem, ter um teor de N baixo, necessitando de aplicação simultânea de adubos azotados (Keeling et al., 2003).

 

Figura 1 - Crescimento relativo de azevém perene, calculado em relação à testemunha sem tratamento de cada série de vasos (média±DP, n = 3). Barras referenciadas com a mesma letra não apresentam diferenças significativas (P>0,05).

 

O azevém perene evidenciou sintomas de fitotoxicidade por aplicação dos níveis mais elevados de LRU ou de composto de RSU (100 Mg ha-1) o que, no caso da aplicação de LRU, foi muito notório, evidenciando um crescimento relativo muito reduzido, sem diferenças significativas relativamente ao observado na testemunha (P>0,05). Este facto pode ter origem nos valores mais elevados de salinidade atingidos, ou em fenómenos de fitotoxicidade com origem em compostos orgânicos não identificados neste estudo.

Os teores foliares de Cu, Pb e Zn não diminuíram significativamente (P>0,05), como consequência da aplicação dos corretivos orgânicos ao solo (Quadro 5), o que indica que esta planta não é uma boa "indicadora" da disponibilidade destes metais no solo. De facto, se esse fosse o caso, uma diminuição do teor em metal efetivamente disponível deveria ser acompanhada de uma diminuição do teor foliar nesse elemento (Baker, 1981), o que não aconteceu.

 

Quadro 5 - Teores foliares de Cu, Pb e Zn na parte aérea do azevém perene obtidos nos diferentes tratamentos (média±DP, n = 3) e factores de acumulação (FA) para cada um desses metais (média±DP, n = 36). Os valores na mesma coluna seguidos de igual letra não apresentam diferenças significativas (p>0,05).

 

Considerando os fatores de acumulação calculados, eles são <<1, no caso do Cu e Pb e <1, no caso do Zn, permitindo considerar o azevém perene como uma planta boa candidata para processos de fitoestabilização controlada de solos. Porém, os teores foliares de Pb na parte aérea do azevém perene são consideravelmente superiores aos obtidos por Arienzo et al. (2004) para a mesma planta a crescer num solo com um nível inferior de contaminação por Pb, apresentando valores que podem ser considerados excessivos ou tóxicos, de acordo com diferentes autores (Ross, 1994; Kabata-Pendias e Pendias, 2001). Também Pitchel e Salt (1998) encontraram concentrações de Pb elevadas em azevém perene e noutras gramíneas, a crescer em materiais de escombreira de minas abandonadas.

As normas existentes, relativas a níveis máximos de tolerância para vários elementos em alimentos para animais, podem ser utilizadas na avaliação da utilização de uma determinada planta em processos de fitoestabilização, uma vez que os animais, domésticos ou selvagens, podem consumir essas plantas, contribuindo para a entrada daqueles elementos na cadeia alimentar humana. Neste estudo, o teor em Pb nas folhas de azevém perene (Quadro 5) foi, em muitos vasos, superior ao nível máximo de tolerância para Pb na dieta alimentar de gado bovino das normas dos Estados Unidos da América (National Research Council, 2005).

Os teores foliares de Cu são semelhantes, ou ligeiramente superiores, aos obtidos por Arienzo et al. (2004) e, também neste caso, apresentam valores que podem ser considerados excessivos ou tóxicos, típicos de plantas contaminadas (Ross, 1994; Kabata-Pendias e Pendias, 2001). Em alguns dos casos, os teores foliares de Cu ultrapassaram o nível máximo de tolerância para Cu das normas referidas anteriormente (National Research Council, 2005), comprometendo a possibilidade de utilização desta planta em estratégias de fitoestabilização.

No caso do Zn, eventualmente devido ao facto do solo ter um baixo grau de contaminação com este elemento (Quadro 1), os teores foliares encontrados foram inferiores aos considerados tóxicos para as plantas (Ross, 1994; Kabata-Pendias e Pendias, 2001) e semelhantes aos encontrados por Arienzo et al. (2004).

Avaliação dos tratamentos utilizando análise multivariada

Foi efetuada uma análise em componentes principais (ACP) a 21 dos parâmetros analisados no solo e na planta, para avaliar a influência dos tratamentos nesses parâmetros (pH, CE, MO, NKjeldahl, P-Riehm, K-Riehm, Cu, Pb e Zn efetivamente disponíveis, Cu e Zn potencialmente disponíveis, crescimento relativo de azevém perene, teores foliares de Cu, Pb e Zn e atividades enzimáticas de desidrogenase, β-glucosidase, fosfatases ácidas, celulases, proteases e urease). O teor de Pb potencialmente disponível não foi utilizado nesta análise, por não se correlacionar significativamente com nenhum outro parâmetro analisado (correlações de Pearson, P<0,05, n = 36).

A primeira componente principal (CP1) explica 50,4% da variância das variáveis originais e a segunda componente principal (CP2) explica 21,5% dessa variância. As 21 variáveis originais podem, assim, ser reduzidas a duas componentes principais, uma vez que elas conseguem explicar 71,9% da variância total.

Os resultados da análise mostraram que a CP1 é explicada, com maior peso, pelo pH, CE, MO, NKjeldahl, Zn potencialmente disponível, pelas atividades enzimáticas da desidrogenase, b-glucosidase, protease e urease (com valores de correlação negativos) e pelo Pb e Zn efetivamente disponíveis (com valores de correlação positivos) (coeficientes de correlação> 0,70). A CP2 é explicada, com maior peso, pelo K-Riehm e pelo teor foliar de Pb (com coeficientes de correlação negativos). As restantes variáveis não apresentam correlações significativas com nenhuma das componentes principais.

A Figura 2 mostra a projeção das amostras no plano formado pelas componentes principais 1 e 2. Os parâmetros mais importantes para a definição das duas componentes são mostrados junto ao extremo de cada eixo, indicando a direção em que esses parâmetros aumentam.

 

 

Figura 2 - Projeção das amostras no plano formado pelas componentes principais CP1 versus CP2. As amostras foram agrupadas através do método da classificação aglomerativa hierárquica, com uma distância de ligação entre amostras de 0,6. L: LRU; C: composto RSU; e V: composto de RV; seguidos de 0, 25, 50 e 100, que indica o nível de aplicação de cada um dos resíduos, em Mg ha-1. Cada tratamento foi replicado três vezes, gerando três pontos no plano principal.

 

Para o agrupamento das amostras, foi usado o método de classificação aglomerativa hierárquica, com uma distância de ligação entre amostras de 0,6. As amostras de solo não tratado com resíduo localizam-se no hemisfério direito do mapa, na parte mais positiva da CP1, evidenciando que estas são as amostras com os menores valores de pH, CE, MO, NKjeldahl, Zn potencialmente disponível e das atividades enzimáticas da desidrogenase, b-glucosidase, protease e urease e com os maiores valores de Pb e Zn efetivamente disponíveis. A incorporação de resíduos orgânicos e revegetação destes solos transferiu as amostras de solo corrigido para o hemisfério esquerdo do mapa, justamente no sentido em que a disponibilidade efetiva de Pb e Zn diminuíam, com um concomitante aumento das outras propriedades já referidas. O tratamento referente ao nível de aplicação de 100 Mg ha-1 de LRU, seguido do composto RSU para o mesmo nível de aplicação, corresponde às amostras localizadas na parte mais negativa da CP1, mostrando que foram estes os tratamentos que permitiram alcançar os níveis mais elevados de pH, CE, MO, NKjeldahl, Zn potencialmente disponível e das atividades enzimáticas da desidrogenase, b-glucosidase, protease e urease e os menores teores de Pb e Zn efetivamente disponíveis.

As amostras de solo às quais foram aplicados 25, 50 e 100 Mg ha-1 de composto RV e o nível mais baixo de LRU ou de composto de RSU (25 Mg ha-1) encontram-se agrupadas no centro do mapa, evidenciando que estes tratamentos foram insuficientes na correção das propriedades do solo contaminado, sendo impossível descriminá-las em relação às propriedades referidas.

 

CONCLUSÕES

A lama residual urbana, quando utilizada na dose de 100 Mg ha-1, evidenciou-se como o corretivo orgânico com maior capacidade para corrigir a acidez do solo e melhorar as características nutricionais deste, conseguindo imobilizar os metais pesados (Cu, Pb e Zn) do solo colhido na área mineira de Aljustrel. Porém, observou-se um crescimento reduzido de azevém perene, para esse nível de aplicação do resíduo. A aplicação de composto RV, de baixa salinidade e com teor reduzido de metais pesados, não promoveu um aumento significativo no crescimento relativo de azevém perene, devido à menor capacidade para corrigir a acidez do solo e para fornecer macronutrientes principais, facto confirmado através da análise multivariada efetuada aos dados obtidos. O composto RSU, aplicado na dose de 50 Mg ha-1, evidenciou-se como o resíduo orgânico mais eficaz na melhoria global das características deste solo, permitindo as maiores acumulações de biomassa.

Os fatores de acumulação (FA) obtidos no azevém perene foram: FA(Cu) e FA(Pb) <<1 e FA(Zn) <1, permitindo considerar esta espécie uma boa candidata para a fitoestabilização deste tipo de solos. Porém, os teores foliares de Pb e Cu podem ser considerados tóxicos, evidenciando o risco de entrada destes metais na cadeia alimentar humana quando a fitoestabilização for feita com azevém perene.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS        [ Links ]

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AGRADECIMENTOS

Os autores agradecem às empresas ou instituições que forneceram amostras para este estudo: Pirites Alentejanas (Aljustrel), Câmara Municipal de Portalegre, Algar (Tavira) e Amarsul (Setúbal). O estudo foi financeiramente suportado pelo projeto PPCDT/AMB/57586/2004, da Fundação para a Ciência e Tecnologia (FCT). P. Alvarenga beneficiou da bolsa de doutoramento SFRH/BD/38485/2007, também concedida pela FCT.

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