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Revista Portuguesa de Saúde Pública

Print version ISSN 0870-9025

Rev. Port. Sau. Pub. vol.34 no.1 Lisboa Mar. 2016

https://doi.org/10.1016/j.rpsp.2015.10.001 

ARTIGO ORIGINAL

 

Consumo alimentar de crianças com um ano de vida num serviço de atenção primária em saúde

Children's food consumption in the first year of life in a primary health care service

 

Laura Garcia de Freitas a, *, Renata de Souza Escobar b, Margarita Alexandra Peña Cortés c, Daniel Demétrio Faustino-Silva b, d

a Programa de Residência Integrada em Saúde do Grupo Hospitalar Conceição, Porto Alegre/RS, Brasil

b Serviço de Saúde Comunitária do Grupo Hospitalar Conceição, Porto Alegre/RS, Brasil

c Programa de Pós-Graduação em Biologia Celular e Molecular da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Porto Alegre/RS, Brasil

d Programa de Pós-Graduação em Odontologia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre/RS, Brasil

 

RESUMO

Objetivo

Descrever o consumo alimentar de crianças com um ano de idade atendidas no Serviço de Saúde Comunitária do Grupo Hospitalar Conceição, localizado no município de Porto Alegre – RS.

Métodos

Foram analisados dados de 83 crianças atendidas no território de abrangência do Serviço de Saúde Comunitária do Grupo Hospitalar Conceição, nascidas no período entre 2012-2013. As mães que permitiram a participação das crianças no estudo responderam a questionário de consumo alimentar, cujas variáveis foram os hábitos alimentares (tempo de aleitamento materno exclusivo (AME), tempo de aleitamento materno total, introdução de açúcar, carne, vegetais e suplementação de sulfato ferroso).

Resultados

As crianças eram predominantemente do sexo feminino (54,2%), com a média de idade de 13,3 ± 1,2 meses, permanecendo 41% em aleitamento exclusivo até aos 6 meses e 48% tinham recebido leite de peito no dia anterior a entrevista. Foi significativa a percentagem de crianças (66%) que não recebeu mel/melado/açúcar ou rapadura antes dos 6 meses; no entanto, foi evidenciado consumo elevado de suco em pó (63,9%) e refrigerante (55,4%). A média de idade entre as mães foi de 30,4 ± 9,9 anos. A insatisfação com a renda familiar atingiu um percentual de 68,7% no último mês.

Conclusão

Os achados do estudo demonstraram dados positivos na qualidade da alimentação na faixa etária avaliada. Educação nutricional e promoção da alimentação saudável devem ser estimuladas nos serviços de saúde em todos os ciclos da vida.

Palavras-chave: Consumo de alimentos. Nutrição da criança. Primeiro ano de vida. Hábitos alimentares.

 

ABSTRACT

Objective

The aim of this study was to describe the dietary intake of one year old children treated by the Community Health Service of Grupo Hospitalar Conceição placed in Porto Alegre.

Methods

Data of 83 children treated in the territory covered by the Community Health Service of Grupo Hospitalar Conceição born during the period between 2012 and 2013 was analyzed. Mothers that allowed the participation of their children in the study have answered a consumption of food questionnaire whose variables were habits food (duration of breastfeeding exclusive-BE, the total duration of breastfeeding, introduction of sugar, meat, vegetables and ferrous sulfate supplementation).

Results

Children were predominantly female (54.2%), with mean age of 13.3 ± 1.2 months, remaining 41% exclusive breastfeeding up to 06 months and 48% had received breast milk on the interview day. It was found significant percentage of children (66%) who did not receive honey/molasses/sugar or brown sugar before 6 months however evidenced high consumption of juice powder (63.9%) and soft drinks (55.4%). The mothers’ mean age was 30.4 ± 9.9 years old. Dissatisfaction with family income last month reached a percentage of 68.7%.

Conclusion

The findings of the study showed positive data on food quality in the studied age group. Nutrition education and healthy eating promotion should be encouraged in the health services in all cycles of life.

Keywords: Food consumption. Child nutrition. First year of life. Food habits.

 

Introdução

O estudo sobre consumo alimentar no primeiro ano de vida é de grande relevância para nortear as ações e o entendimento da relação saúde versus doença nos serviços de saúde pública. Nessa idade os hábitos alimentares começam a se formar, constituindo assim o período ideal para intervenções educativas em nutrição que visem a promoção e prevenção em saúde1. Hábitos alimentares inadequados no início da infância relacionam-se com excesso de peso e surgimento na vida adulta de doenças crônicas não transmissíveis (DCNT), hoje uma das principais causas de mortalidade no Brasil2.

Diante desse problema, o governo federal brasileiro, através da Rede de Atenção à Saúde, coordena e identifica as necessidades dos utilizadores para garantir uma adequada organização dos cuidados nutricionais da população brasileira3. A atenção básica é a porta de entrada dos utilizadores do Sistema Único de Saúde (SUS), tornando-se o espaço adequado para ações de promoção de saúde relacionadas a alimentação e ao excesso de peso4.

A alimentação saudável é uma forma de prevenção que acarretará efeitos positivos na saúde ao longo da vida. São diversas as publicações sobre o assunto, destacando-se o documento do Ministério da Saúde (MS) brasileiro intitulado «10 passos para uma alimentação saudável para crianças brasileiras menores de 2 anos», no qual estão resumidas orientações alimentares para essa faixa etária em 10 itens1.

O Sistema de Vigilância Alimentar e Nutricional (SISVAN) é uma das ferramentas utilizadas pelo MS visando realizar o diagnóstico descritivo e analítico da situação alimentar e nutricional da população brasileira, contribuindo para formulação e revisão de políticas públicas, identificando áreas geográficas, segmentos sociais e grupos populacionais de maior risco aos distúrbios nutricionais5. Diante disso, o objetivo desse estudo foi descrever o consumo alimentar de crianças com um ano de idade, atendidas por um serviço de cuidados de saúde primários de Porto Alegre – RS/Brasil, e contribuir para o conhecimento do estado nutricional desse grupo populacional.

 

Métodos

Trata-se de um estudo transversal descritivo6, inserido numa pesquisa de coorte de acompanhamento de saúde infantil. O estudo foi realizado nas 12 unidades de saúde pertencentes ao Serviço de Saúde Comunitária do Grupo Hospitalar Conceição (SSC-GHC), localizadas na zona norte de Porto Alegre – RS/Brasil.

Participaram do estudo 83 crianças pertencentes ao território de abrangência do SSC-GHC, nascidas no período entre 2012-2013. A coleta de dados foi realizada através da aplicação de um questionário de consumo alimentar às mães que permitiram a participação das crianças, através da assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido antes de sua inclusão na amostra.

Entrevistadores previamente treinados aplicaram o questionário que continha questões do instrumento de marcadores do consumo alimentar para crianças do SISVAN do MS5, cujas variáveis foram os hábitos alimentares (tempo de aleitamento materno exclusivo (AME), tempo de aleitamento materno total, introdução de açúcar, carne, vegetais e suplementação com sulfato ferroso).

O SISVAN recomenda a aplicação desse questionário, pois permite qualificar de forma geral o padrão alimentar da criança sem a preocupação de quantificar a dieta em termos de nutrientes e valor energético. Sua divisão por faixa etária possibilita a identificação da prevalência e o tipo de aleitamento materno, além de caracterizar melhor o período de introdução de alimentos, tão importante para a saúde de menores de 5 anos7.

A pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética e Pesquisa do GHC (CAAE n.° 26100013.0.0000.5530 e Parecer n.° 610.81).

 

Resultados

Foram avaliadas 83 crianças com predominância do sexo feminino (54,2%). A média de idade foi de 13,3 ± 1,2 meses. Analisando as variáveis maternas, observou-se com relação a escolaridade maior percentagem de mães com ensino médio concluído. A média de idade das mães foi de 30,4 ± 9,9 anos. Predominou a insatisfação com a renda familiar (68,7%). As características sociodemográficas da amostra estudada estão representadas na tabela 1.

 

 

Na população estudada, 41% permaneceu em aleitamento exclusivo até os 6 meses de idade e 48% das crianças tinham recebido leite de peito no dia anterior a entrevista. A qualificação da dieta oferecida (introdução de açúcar, carne, vegetais, frutas e suplementação com sulfato ferroso) pode ser analisada na tabela 2.

 

 

É importante ressaltar que uma elevada percentagem de crianças (79,5%) não recebeu mel/melado/açúcar ou rapadura antes dos 6 meses, no entanto, foi evidenciado consumo significativo de sumo em pó (63,9%) e refrigerante (55,4%) no último mês.

 

Discussão

As ações de promoção da saúde e prevenção das DCNT iniciam-se na gravidez, promovendo os cuidados pré-natais e a nutrição adequada, passando pelo incentivo ao aleitamento materno e estendendo-se durante todo o ciclo vital, estimulando fatores protetores como a alimentação saudável, entre outros2.

Conforme dados da Pesquisa de Prevalência de Aleitamento Materno em Municípios Brasileiros, a prevalência de aleitamento materno exclusivo nos primeiros 6 meses de vida, no Brasil, é de 41%8. Dado idêntico foi encontrado neste estudo (tabela 2). O leite materno é o alimento ideal para a criança recém-nascida. Seus benefícios incluem redução da mortalidade infantil e da incidência de diversas doenças como diarreia, infecções respiratórias, alergias, hipertensão, colesterol alto, diabetes e obesidade. Soma-se a isso o efeito positivo que acarreta no desenvolvimento neurológico e cognitivo, e melhor desenvolvimento da cavidade oral da criança9–11. Incluem-se outros benefícios no que se refere a praticidade, pois dispensa o trabalho de esterilizar os biberões e ferver, misturar, coar, dissolver, esfriar o leite12. Além disso, evita custos financeiros com fórmulas infantis industrializadas ou outros leites. A amamentação também beneficia a mãe ao protegê-la contra a anemia, o cancro de mama e de ovário. Outro aspecto importante é que ele reforça o vínculo afetivo entre mãe e filho9,12. Através de uma parceria entre OMS, UNICEF e MS, foi criado um documento que propõe diretrizes para os «10 passos para o sucesso do aleitamento materno», cuja utilização e cumprimento pelos hospitais os intitula como Amigo da Criança. As orientações focam na capacitação das equipes para orientações às gestantes na prática adequada do aleitamento13,14.

Mesmo que apenas menos da metade das crianças avaliadas (41%) tenham permanecido em AME até os 6 meses, um percentual significativo de mães (79,5%) referiu que não ofereceram doces nem comida de panela às crianças antes desse período. Domene et al.1 analisaram práticas de amamentação de grupos vulneráveis, residentes no distrito noroeste da cidade de Campinas, e viram que, entre o grupo estudado, a mediana de aleitamento materno exclusivo foi de 4 meses e mais de 20% das crianças já recebiam outros alimentos no primeiro mês de vida. Em uma pesquisa realizada na cidade de Araçatuba – SP, cujo objetivo foi avaliar frequências e variáveis associadas ao aleitamento materno em crianças até 12 meses, os pesquisadores concluíram que crianças que usavam biberão e chupeta estavam mais propensas à interrupção da amamentação e à introdução de outros alimentos16. Outras causas para a interrupção foram encontradas no estudo de Filamingo et al.17, realizado na cidade de Dois Córregos (SP). Verificou-se que a influência cultural das mães e/ou avós e dificuldades como rachaduras e inflamações mamárias, também contribuíram para o insucesso de mães adolescentes na amamentação, mesmo que 87,2% das entrevistadas tenham referido que receberam orientação sobre o assunto durante o período pré-natal. Muitas mães relatam em consultas a insegurança sobre o leite materno não ser suficiente para nutrir seus bebês e mitos como esse sobre aleitamento materno e composição do leite devem ser discutidos em espaços educativos coletivos e em consultas individuais. Frigo et al.18, em relato de experiência sobre grupo de gestante em uma equipe de cuidados de saúde primários de Santa Maria (RS – Brasil), concluíram que conhecer previamente as expetativas e sentimentos das gestantes, considerando seus conhecimentos anteriores e abordando possíveis dificuldades, pode deixá-las mais seguras para superar as adversidades da gestação e da amamentação.

Resultados deste estudo apontaram que 58,1% das crianças forma amamentadas ao peito mais de 120 dias, o que deve continuar sendo estimulado, visto que o direito legal a licença maternidade é garantido por 4 meses e isso muitas vezes influencia no abandono do aleitamento materno, apesar das mulheres terem direito a 2 descansos de meia hora para amamentar quando retornam ao trabalho19. Visto que o MS brasileiro recomenda aleitamento materno complementado até os 2 anos ou mais, é importante continuar estimulando a prática após o término da licença de maternidade. A mãe deve receber orientações de recolha e armazenamento do leite materno quando não estiver próxima ao bebê e de técnicas e manejo dos principais problemas relacionados a amamentação9. Além disso, o apoio da família é muito importante nesse momento da amamentação, especialmente para as mães que trabalham informalmente e, por isso, não são amparadas pelos benefícios trabalhistas legais. São necessárias medidas, tanto do governo como dos serviços de saúde pública, que visem investigar os desafios acerca do tema e elaborar ações com base nas dificuldades maternas encontradas.

A partir dos 6 meses deve-se introduzir a alimentação complementar de forma gradual sem rigidez de horário. Esta orientação é alterada somente nos casos em que a criança esteja recebendo leite de vaca ou fórmula infantil quando, então, a alimentação deve ser introduzida aos 4 meses. Devem ser oferecidos todos os grupos alimentares (cereais/tubérculos, leguminosas, carne/ovo e legumes/verduras e frutas) desde o início evitando a liquidificação dos alimentos, estimulando desta forma a mastigação e o adequado desenvolvimento facial do bebê. Nessa fase, a alimentação espessa auxilia nas funções da língua, da musculatura facial e na capacidade de mastigação. Além disso, a criança tem capacidade gástrica reduzida e deve receber maior densidade energética em menor volume. Aos 12 meses a criança já pode se alimentar da mesma maneira que a sua família1,9.

O guia alimentar para crianças menores de 2 anos orienta para estimular o consumo diário de frutas, verduras e legumes (FVL), devido à quantidade de vitaminas, ferro e fibras desses alimentos1. Dados desta pesquisa apontaram que, no dia anterior à entrevista, esses grupos alimentares estavam presentes visto que, do total de crianças (n = 83), 81,9% tinham consumido verduras/legumes e 91,6% frutas. Este resultado pode estar relacionado a diversos fatores. Podemos citar entre eles o maior acesso aos alimentos, estímulo dos média e campanhas de políticas públicas em relação à alimentação saudável, juntamente com o trabalho das equipas de saúde multiprofissionais que visa ao cuidado integral. Há um programa específico para saúde da criança, em que a assistência é realizada de forma integrada e que orientações sobre alimentação saudável estão presentes nas consultas de puericultura e demais ações realizadas. Porém, deve-se dar atenção ao consumo desses alimentos ao longo da infância até a vida adulta. Muniz et al.20, em pesquisa com 600 alunos de 15-20 anos na cidade de Caruaru, em Pernambuco, constataram que 10% dos entrevistados informaram nunca consumir frutas e 30,7% nunca consumir verduras/legumes. O consumo de FVL contribui para saúde em diversos aspectos. Uma revisão sistemática de ensaios clínicos randomizados, abrangendo a faixa etária de 5-18 anos, publicada no ano de 2011, concluiu que intervenções de educação nutricional, como envolvimento dos pais e fornecimento de frutas e verduras pelos serviços escolares, aumentam o consumo desses alimentos e auxiliam na redução do sobrepeso e da obesidade21. Gomes22, em uma revisão crítica sobre consumo de FVL, conclui que os profissionais de saúde costumam promover a alimentação saudável apenas através do estímulo ao consumo de nutrientes e proteção às doenças de maneira técnica e científica; porém, deve ser considerado o saber popular na construção de estratégias para práticas alimentares saudáveis adequadas à realidade dos indivíduos e famílias.

O consumo insuficiente de alimentos fonte de ferro e/ou com baixa disponibilidade do micronutriente é uma das principais causas de anemia em crianças, gerando retardo do crescimento, comprometimento cognitivo e motor, atraso de linguagem, problemas imunológicos, entre outros. As principais fontes alimentares de ferro são as carnes vermelhas, aves, peixes, vísceras e leguminosas23,24. Tratando-se dos alimentos fonte deste nutriente foram encontrados dados positivos neste trabalho, no qual 88% das crianças consumiram carne no dia anterior à aplicação do questionário e 86,7% tinham consumido feijão. No entanto, em relação a suplementação de sulfato ferroso, cujo MS preconiza para crianças de 6-23 meses de idade25, apenas 26,5% das crianças avaliadas tinham recebido o suplemento. Numa revisão sistemática recente sobre a efetividade da suplementação de sulfato ferroso na prevenção da anemia em crianças, os autores referiram não haver evidência científica que a suplementação com sulfato ferroso esteja associada na prevalência de anemia em crianças menores de 5 anos26. Portanto, além do estímulo à suplementação, é importante que as equipas de saúde monitorizem exames e estejam atentas para o consumo alimentar das famílias em um conjunto de ações estratégicas de prevenção da doença, a fim de diminuir complicações causadas por ela, relacionadas ao desenvolvimento da criança.

Artigo de revisão sobre deficiência de ferro na criança conclui que há prevalência da doença em crianças, principalmente lactentes, e que a prevenção deve ser priorizada através de ações como suplementação e fortificação de alimentos para o grupo de risco, incentivo ao aleitamento materno exclusivo até os 6 meses de idade e promoção de saúde27.

Deve oferecer-se à criança uma alimentação variada e colorida, abrangendo o maior número de nutrientes possível, evitando oferecer açúcar, café, enlatados, frituras, refrigerantes, rebuçados, salgadinhos e outras guloseimas, bem como adicionar sal em excesso, na alimentação da criança. O consumo desses alimentos causa desinteresse por outros, irritam a mucosa gástrica, induzem à alergia e podem levar ao excesso de peso1. Um estudo com 270 crianças de creches públicas de São Paulo, no ano de 2007, apontou que 2/3 das crianças estudadas consumiram, antes dos 12 meses, alimentos indutores de obesidade28. As propagandas de alimentos e bebidas açucaradas e doces geram um reflexo de recompensa através do ver, lembrar e, por consequência, querer que é especialmente suscetível na faixa etária das crianças29. Além disso, em se tratando do consumo excessivo e frequente de açúcar, o Caderno de Atenção Básica de Saúde Bucal do MS aponta que o hábito é um dos maiores fatores de risco para a cárie na infância30. As percentagens significativas de consumo no último mês de refrigerante (55,4%) e suco em pó (63,9%) encontrado nos questionários analisados sinaliza a necessidade de estratégias de redução dos mesmos. A alta densidade energética de bebidas adoçadas é desconhecida pelos pais e familiares, principalmente em relação aos sucos de sabores artificiais de fruta. No serviço de cuidados de saúde primários onde a presente pesquisa foi desenvolvida costuma-se utilizar a exposição de maquetes com as quantidades reais de açúcar presentes nas bebidas e em outros alimentos, impactando os usuários do serviço pois, ao conseguirem visualizar a quantidade de açúcar existente em cada produto, passam a assimilar as orientações antes recebidas.

Achados neste estudo mostram que poucas crianças (28,9%) tomaram mais de 2 copos de leite no dia anterior da aplicação do questionário, evidenciando que o consumo deste alimento não prejudicou o restante da alimentação. Recomenda-se evitar o leite de vaca no primeiro ano de vida, uma vez que seu consumo está relacionado às alergias alimentares, predisposição às anemias, distúrbios hidroeletrolíticos e futuro excesso de peso. A partir de um ano de idade o consumo é permitido, desde que não substitua outros alimentos e refeições31. Oliveira e Osório32, em revisão sobre consumo de leite de vaca e anemia, concluíram que o consumo de leite de vaca em substituição a alimentos ricos em ferro biodisponível constitui risco para anemia. O que vai ao encontro da revisão sistemática, realizada em 2006, sobre fatores associados ao risco de anemia em crianças menores de 6 anos, que associou o consumo energético da alimentação das crianças provenientes do leite de vaca com a doença, em conjunto com outras variáveis. Os autores deste estudo destacam como ponto positivo o fato de que a maioria dos entrevistados não engrossou o leite com farinhas, alimento que, por apresentar excesso de açúcar, pode induzir sobrepeso e obesidade33.

Tanto a oferta excessiva de leite, como a de farinhas enriquecidas com açúcar, fazem parte de um contexto cultural de que esses alimentos são nutritivos e necessários para criança durante toda a infância. É responsabilidade das equipas de saúde desconstruir essa ideia, através de atividades didáticas e materiais educativos que mostrem a verdadeira recomendação alimentar para cada faixa etária.

Relativamente a questão sobre alimentar-se assistindo televisão no dia anterior a entrevista, poucas mães (24,1%) responderam que sim, o que pode estar relacionado com a dependência da criança para comer junto a um responsável. Contudo, este é um hábito amplamente estudado pela comunidade científica, a qual refere que comer diante da televisão influencia negativamente na alimentação34,35. Rossi et al.34, em revisão sistemática em 2010, verificaram uma associação de 85% entre consumo alimentar e hábito de assistir televisão na rotina de crianças e adolescentes, e associação com obesidade em 60% dos artigos revistos. Concluiu-se que maior tempo dedicado para tal hábito tende a diminuir o consumo de frutas e verduras, e aumentar o consumo de salgadinhos, doces e bebidas com elevado teor de açúcar. Outro estudo com crianças entre 6-10 anos de idade apresentou tempo superior a 3 horas em frente a televisão como um dos fatores de risco para o sobrepeso infantil35.

O estabelecimento de bons hábitos alimentares da criança é, principalmente, de responsabilidade da família. Uma pesquisa na cidade de Vitória (ES) constatou que o grau de instrução da mãe e a participação direta do pai na renda da família parecem influenciar na escolha de alguns alimentos, como frutas e feijão36. Toloni et al.28, em estudo realizado com 270 crianças de 8 creches públicas de São Paulo, constataram que a baixa escolaridade materna e idade inferior a 20 anos são variáveis associadas a introdução precoce de salgadinhos e macarrão instantâneo, e que a renda per capita inferior a um salário mínimo representa riscos 2 vezes maior de introdução precoce de salgadinho e refrigerante. Em pesquisa realizada por Veleda, Soares e Cezar37 foi analisada uma amostra de crianças entre 8-12 meses, identificadas como de risco social ao nascer, sendo detetado que a renda familiar esteve associada ao risco de transtornos no desenvolvimento. A média de idade das mães que responderam aos questionários deste trabalho é alta (30,4 ± 9,9 anos), sendo que metade delas possui ensino médio completo ou mais, o que pode ter influenciado as escolhas alimentares positivas descritas no trabalho. Entretanto, ao serem questionadas sobre a renda familiar, 68, 67% das mães do presente estudo relataram considerar a renda da família insuficiente (tabela 2).

Iniciativas como o projeto «Papa Bem», implantado em Portugal e desenvolvido pelo Programa Harvard Medical School38, cujo objetivo foi a produção e disseminação de informação sobre obesidade infantil através da internet destinada ao público geral, é um exemplo de ferramenta que pode ser utilizada para auxiliar o incentivo da alimentação saudável e desmistificar mitos relacionados ao assunto.

A relevância dos achados através de dados de pesquisa em serviços de cuidados em saúde primários pode ser considerada como um ponto positivo desta pesquisa. No entanto, é necessário fazer algumas considerações com relação à limitação deste estudo. Primeiramente, podemos citar aquelas que são intrínsecas às análises transversais, como impossibilidade de inferir causalidade dos achados. Contudo, mesmo sendo um estudo transversal, o estudo está aninhado a uma coorte maior de saúde infantil. Finalmente, aponta-se o fato dos dados utilizados no trabalho serem de uma região específica da cidade, o que impede de serem extrapolados para todo município de Porto Alegre – RS/Brasil.

 

Conclusão

Os resultados encontrados demonstraram dados positivos na qualidade da alimentação na faixa etária estudada. Educação nutricional e promoção da alimentação saudável devem ser estimulados nos serviços de saúde em todos os ciclos da vida, visto que a literatura mostra piora da alimentação e consequente aumento condições crônicas de saúde (obesidade, hipertenção, diabetes) com o aumento da idade. Em se tratando de aleitamento materno, deve ser continuadamente estimulado pelos serviços de saúde, devido a seus inúmeros benefícios que influenciam tanto na infância, como na vida adulta.

 

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Financiamento

Essa pesquisa é parte do projeto de tese de doutorado intitulado «Impacto de programas preventivos de saúde bucal infantil na Atenção Primária a Saúde», vinculado ao Programa de Pós-graduação em Odontologia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, em parceria com o GHC e financiado pelo Edital 02/2013 PPSUS/FAPERGS.

 

Conflito de interesses

Os autores declaram não haver conflito de interesses.

 

Agradecimentos

Ao Serviço de Saúde Comunitária do Grupo Hospitalar Conceição, pela disponibilidade e apoio para realização deste estudo, à equipa de pesquisa que aplicou os questionários e às mães que aceitaram respondê-los.

 

*Autor para correspondência: Correio eletrónico: laufreinutri@gmail.com

 

Recebido 18 de Abril de 2015 . Aceito 16 de Outubro de 2015