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Análise Psicológica

versão impressa ISSN 0870-8231

Aná. Psicológica v.26 n.4 Lisboa out. 2008

 

Género e violência conjugal – Uma relação cultural

 

Ana Rita Conde Dias (*)

Carla Machado (*)

 

RESUMO

O presente artigo destaca a necessidade de atender às questões de género na análise do fenómeno da violência contra a mulher, considerando que a construção social do género é constitutiva da vivência cultural deste fenómeno. Partindo de uma breve revisão de como a diferença entre homens e mulheres tem sido abordada, da análise da forma como a noção de “género” tem sido conceptualizada e, com base na abordagem construcionista social, defende-se a sua natureza não só social mas também cultural. Seguidamente, procede-se a uma análise do modo como a relação violência conjugal e género tem sido equacionada na comunidade científica e nas diferentes abordagens teóricas. Face às controvérsias existentes, às limitações das várias abordagens e, partindo da conceptualização do género enquanto construção sócio-cultural, propomos uma abordagem cultural da relação violência/género. Sob esta abordagem, consideramos que a violência conjugal e o género não devem ser analisados isoladamente, mas que estão interligados, sendo o género uma parte integrante e constitutiva do enquadramento cultural do fenómeno da violência.

Palavras-chave: Construcionismo social, Cultura, Género, Violência conjugal.

 

ABSTRACT

This work emphasizes the need to pay attention to gender in the analysis of violence against women. It is considered that gender is a social construction closely implicated in the way marital violence is culturally experienced. Through a brief revision about how differences between men and women have been construed, and the analysis of “gender” conceptualization, a social constructionist perspective on the social and cultural nature of gender is defended. It is further analysed the way how the scientific community and the different theoretical approaches to violence look at the relation between marital violence and gender. In face of the existent controversies and lack of consensus, a cultural approach to the gender/ violence relation is proposed. It is stressed that marital violence and gender can’t be analysed separately: they are interconnected, gender being a part of the cultural context of violence.

Key words: Culture, Gender, Marital violence, Social constructionism.

 

DO BIOLOGISMO EXPLICATIVO DO “SEXO” À EMERGÊNCIA DO CONCEITO DE “GÉNERO”

Desde a Antiguidade que se faz sentir a desigualdade entre os sexos – no pensamento Grego, a ordem e a razão são associadas ao homem e a desordem e a irracionalidade à mulher (Nogueira, 2001). Esta desigualdade, baseada nas diferenças biológicas, que atribui características negativas à mulher e sustenta a sua inferioridade, manteve-se ao longo do tempo até ao Iluminismo. Mesmo com a emergência deste – com um discurso dirigido a todos os “homens” e de cariz universal – a desigualdade persiste. Segundo Farge e Davis (1991), a mulher surge como a metade dos “homens” mas é definida em função do masculino e não como seu par. Além disto, a mulher permanece associada aos sentidos, à procriação e à sexualidade, sendo a sua inferioridade legitimada pelo discurso acerca das suas diferenças sexuais e intelectuais (Héritier, 1996). O próprio discurso científico da época, com base no determinismo natural, reduzia a mulher aos papéis de mãe e esposa e traduzia um pensamento dualista acerca do masculino e do feminino – racionalidade versus instintos, paixão versus intelecto e cultura versus natureza, respectivamente (Amâncio, 1998; Héritier, 1996).

Esta desigualdade marca também as ciências humanas e sociais que emergem no século XIX, entre as quais a psicologia (Amâncio, 1998; Nogueira, 2001; Héritier, 1996). Bem (1993) identifica três crenças associadas ao homem e à mulher que persistiram na ciência: (i) que possuem naturezas sexuais e psicológicas diferentes, (ii) que a superioridade e a dominância são características inerentes ao homem e (iii) que a superioridade masculina e inferioridade feminina são naturais. Subjacentes a estas crenças estão o que Bem (1993) designa de “lentes de género”, noções implícitas enrai-zadas nos discursos culturais que reproduzem o poder masculino ao longo do tempo. Assim, Bem refere três lentes de género: o androcentrismo (crença na superioridade masculina e noção de que o masculino é a norma e o feminino o desvio), a polarização de género (a percepção que homens e mulheres são diferentes e o uso desta noção como base para a organi-zação da vida social e cultural) e o essencialismo biológico (que sustenta as anteriores, conceptualizando-as como resultado das naturezas biológicas do homem e da mulher).

Assim, até recentemente, o conhecimento científico postulava a existência de diferenças biológicas que justificavam a inferioridade psicológica e social da mulher, legitimando a ordem e estrutura social que, deste modo, surgiam como algo natural e não constituíam por si só objecto de análise (Amâncio, 1998). Por exemplo, o volume do cérebro, a hipótese da variabilidade do sexo masculino (que, a partir de comparações entre os dois sexos, postulava que as mulheres não se encontravam entre os génios nem se destacavam na sociedade e apontava para a variabilidade do sexo masculino e limitação do sexo feminino) e a psicometria fundamentavam a inferioridade intelectual da mulher; as diferenças hormonais justificavam a instabilidade emocional feminina e a agressividade masculina; a programação biológica e comportamental da maternidade, sustentada na crença dos instintos (principalmente o instinto maternal), explicava a afectividade e passividade associadas à mulher; os papéis tradicionais do homem e da mulher na sociedade eram sustentados pelos exemplos de diferenças comportamentais dos machos e das fêmeas de outras espécies (idem).

Amâncio (1998) refere que, mesmo no século XX, a comunidade científica contribuiu para a “criação de uma mística que visava empurrar as mulheres para casa” (p. 22), salientando a teoria de Parsons (1956a,b) no campo da sociologia, a psicanálise na psicologia clínica (ambas sustentam o desempenho do papel tradicional da mulher, pela manutenção da estrutura familiar equilibrada e da própria sociedade no caso da primeira e pela saúde mental no caso da segunda) e Spock (1946) no campo da medicina (que destaca a necessidade dos cuidados maternos, sem qualquer referência ao pai). Assim, a ideia de que o papel da mulher se restringia à esfera doméstica e materna, ou pelo menos que era esse o seu desempenho fundamental, acabava por ser “fundamentada” por várias áreas científicas.

A partir dos anos 60, assistiu-se na psicologia social americana à proliferação da investigação sobre as diferenças entre os sexos. Maccoby e Jacklin (1974) procederam a uma análise de um vasto número de estudos acerca das diferenças intelectuais, “temperamentais” e de desempenho entre homens e mulheres, verificando a inconsistência dos resultados, a ambiguidade na definição de alguns conceitos avaliados (e.g., agressividade) e os enviesamentos metodológicos, concluindo que as explicações biológicas não se encontram fundamentadas.

Face à ambiguidade dos resultados desta psicologia diferencial dos sexos (Amâncio, 1998), e com as críticas tecidas ao determinismo biológico subjacente às ciências sociais e as críticas feministas da segunda vaga (Nogueira, 2001), a associação entre o sexo biológico e o sexo psicológico foi posta em causa, emergindo nos anos 70 o conceito de género. Na Psicologia, o conceito de sexo foi substituído por este novo conceito, o que implica uma transformação importante na conceptualização da diferença – ao deixar de ser determinada biologicamente, deixa de ser vista como algo estático, natural e imutável (Hollway, 1994).

 

A NECESSIDADE DE RECONCEPTUALIZAR A NOÇÃO DE GÉNERO

Da perspectiva essencialista ao construcionismo social

Ao contrário do termo “sexo”, o “género” faz referência às noções de construção e de significado, ou seja, refere-se a uma classificação construída pelas sociedades que postulam diferentes significados sociais e culturais associados à categoria homem e à categoria mulher (Denzin, 1995). O sexo refere-se à identidade biológica, ao facto de se caracterizar biologicamente uma pessoa como sendo macho ou fêmea (Andersen, 1997), enquanto o género se refere às expectativas e comportamentos socialmente aprendidos que se associam a cada um dos sexos, remetendo para a dimensão cultural e não biológica (idem).

O conceito de género vem assim proceder à subjectivação do sexo biológico, expressando uma mudança conceptual da explicação biológica para a psicossocial. Segundo Deaux (1984), a noção de género faz referência às características psicológicas, sociais e culturais que estão associadas àquelas categorias. No entanto, esta mudança não reflecte, segundo alguns críticos (e.g., Crawford, 1995; Skevington & Baker, 1989; Stockard & Johnson, 1992), uma verdadeira transformação, dado que as diferenças continuam a ser consideradas como um dado adquirido e objectivo e as explicações muitas vezes continuam a ser procuradas ao nível do indivíduo – a explicação biológica das diferenças acabou por ser substituída pela explicação psicológica, associando-se a personalidade ao sexo (Nogueira, 2001). Segundo Amâncio (1998), o conceito de sexo foi substituído pelo do género mas, na verdade, não se verificou uma verdadeira mudança no modelo de análise – continuou a prevalecer o paradigma dualista e o psicologismo das explicações.

O modelo de Deaux (1984) acerca das expectativas de género constitui um exemplo desta análise dualista e psicologista. Apesar de estabelecer a distinção entre o sexo e o sistema de crenças associado ao género (associando ao género os estereótipos e representações sobre os papéis e as características dos homens e das mulheres), postula a existência da identidade de género – que decorre da internalização das normas e expectativas sociais face a casa um dos géneros – como base para a diferença entre os sexos. Amâncio (1998) assume uma visão crítica face à noção de identidade de género, indicando que esta é tratada como algo objectivo, negligenciando-se o sistema social que produz os conteúdos simbólicos associados ao sexo. Como afirma Amâncio (1998), estes conteúdos “não se limitam a ser diferentes, mas também são valorativamente desiguais” (p. 27). A diferenciação entre os sexos não é neutra, tem consequências diferentes para os homens e para as mulheres e sustenta a desigualdade social.

Nogueira (2001) chama também a atenção para o essencialismo subjacente à noção de género, visível na abordagem das diferenças sexuais. O género, sob esta perspectiva, é conceptualizado como um conjunto de atributos fundamentais ou qualidades inerentes, como algo que mulheres e homens possuem (Crawford, 1995).

Segundo Crawford (1995), a distinção entre os conceitos “sexo” e “género” foi uma tentativa significativa de distinguir o biológico do social, no sentido de permitir uma análise crítica das diferenças entre o homem e a mulher. No entanto, a perspectiva essencialista permaneceu, acabando por reforçar esta diferenciação de género: o género é visto em termos de atributos internos (competências cognitivas, emoções) que surgem separados da interacção com os vários contextos. Assistiu-se à emergência de novas diferenças sexuais sob a etiqueta de diferenças de género mas que, na verdade, são idênticas às anteriores, continuando a situar-se dentro do indivíduo, descontextualizadas socialmente, e biologizadas (idem).

Esta concepção essencialista do género nas ciências sociais reflecte também a resistência da abordagem positivista, com a sua procura de verdades universais e absolutas. Segundo Morawski (1990), a ciência tem sustentado as relações sociais existentes, fazendo uso do conceito de género sob uma leitura individualista, categorial e dualista. No contexto do pós-modernismo e das críticas à ciência, emergem, contudo, visões alternativas à abordagem tradicional do género, nomeadamente através das propostas do construcionismo social. Nesta leitura, o género passa a ser conceptualizado como uma construção social, como um sistema de significados que se constrói e organiza através das interacções e que tem repercussões nas práticas sociais (Burr, 1995), como o acesso ao poder e aos recursos (Crawford, 1995).

Desta forma, as diferenças de género são entendidas como descrições modeladas pelos padrões culturais, pelo que não devem ser aceites como naturais e devem ser alvo de uma análise crítica. Como Nogueira refere (2001), muitas categorias reflectem ideias acerca da experiência em função do masculino, ou seja, favorecem determinados modos de ser e de conduta associadas ao homem ou valorizam aspectos da vida da mulher que beneficiam o homem. Por exemplo, enquanto ao homem se associam competências ligadas ao mundo do trabalho, à autoridade e ao controlo dos outros e das situações, à mulher associam-se competências relacionais, como a emotividade, a sensibilidade ou o cuidado dos outros. Tais atribuições conferem ao masculino uma posição dominante, remetendo-o para contextos onde adquire um estatuto mais elevado, recursos e poder. Por seu turno, à mulher é atribuída responsabilidade social, enquanto mãe e esposa, remetendo para a esfera doméstica a sua realização e estatuto (Amâncio, 1998).

Deste modo, as diferenças entre o homem e a mulher não existem em si mesmas, tratam-se de produtos culturais e relacionais (Hare-Mustin & Marecek, 1994). O género não está na pessoa, no homem e na mulher, mas na interacção, nas relações sociais (Burr, 1995). Por outro lado ainda, o masculino e o feminino são conceitos que ganham o seu significado não apenas nos padrões conversacionais e discursivos, mas também no seu contexto mais amplo (histórico, social e cultural). Atendendo a que a linguagem, na concepção construcionista, não é um espelho da vida, mas antes a construção da própria vida (Gergen, 2001), tendo um carácter de performance, a linguagem utilizada nos discursos que operam a construção social do género deve ser foco de análise, procurando-se analisar o modo como este discurso do género foi sendo cons-truído e como contribui para a manutenção de uma determinada ordem social (Nogueira, 2001).

O objecto de análise deve deslocar-se das diferenças entre os homens e as mulheres para a análise do pensamento social sobre a diferenciação entre o masculino e o feminino. A conceptualização do sexo enquanto categoria social não significa, pois, simplesmente passar de uma explicação em termos de diferença biológica para um explicação em termos de diferença psicológica (Amâncio, 1998) – o próprio conceito de género e as noções associadas ao feminino e ao masculino devem ser alvo de uma análise crítica.

Da construção social do género ao enquadramento cultural

Na sequência das críticas expostas, entendemos que há a necessidade de adoptar uma perspectiva verdadeiramente cultural na análise do género. Giddens (1997), na caracterização da abordagem sócio-cultural ao género, enfatiza as suas raízes institucionais e estruturais, referindo que o género é criado na estrutura e práticas das principais instituições sociais (educativas, económicas, políticas, religiosas), além de nas relações familiares e interpessoais. Na mesma linha, Mota-Ribeiro (2005) engloba na abordagem sócio-cultural as teorias que procuraram explicar a “formação do género e a construção social da identidade sexual” (p.19). No âmbito da psicologia, destaca a teoria da identificação e a teoria da aprendizagem social, e na sociologia destaca as perspectivas que se centram na socialização e na construção social das identidades (como Durkheim e Parsons), dando especial relevo às perspectivas interaccionistas, que abordam a socialização como construção social da realidade baseada na interacção e na troca de significados simbólicos.

Do nosso ponto de vista, estas abordagens sócio-culturais, embora façam referência à questão cultural, acabam por se centrar mais na dimensão social e psicológica, nomeadamente na análise dos processos sociais que constrangem as identidades e comportamentos dos indivíduos (homens e mulheres).

Além disto, verificamos a tendência para estabelecer uma relação causal, mesmo dentro das abordagens que seguem a linha construcionista social. Por um lado, as abordagens “sócio-culturais” acima referidas enfatizam a influência dos processos e estruturas sociais na construção do género e, por outro, a abordagem construcionista social do género (Nogueira, 2001) acaba por estabelecer de algum modo a relação inversa – por exemplo, Crawford (1995) refere que os processos relacionados com o género influenciam o comportamento, os pensamentos e os sentimentos dos sujeitos, afectam as interacções sociais e determinam a estrutura das instituições sociais. O que pretendemos salientar é a necessidade de enfatizar não a influência dos processos sociais no género ou vice-versa, mas a sua co-construção numa relação interactiva. Trata-se de um processo de influência mútua: o género é construído nas interacções sociais (Burr, 1995) que não ocorrem num vazio contextual (encontram-se estruturadas e organizadas numa determinada ordem ou sentido social) (Nogueira, 2001) e, por outro, os discursos acerca do género implicam determinados padrões de acção e contribuem para a sustentação da estrutura e organização sociais.

Há que salientar que, quando falamos da necessidade de compreender o género dentro de uma perspectiva cultural, incluímos aqui não só as normas e valores culturais associados a cada um dos sexos no contexto cultural alargado, mas também a sua intersecção com a classe social, a etnia e mesmo a idade. Alguns autores referem que a feminilidade é heterogénea, que é vivida de maneiras diferentes nos diferentes grupos de mulheres (Mota-Ribeiro, 2005; Nogueira, 2001) e que se deveria antes falar de “feminilidades” (Betterton, 1987). Na nossa perspectiva, não se trata apenas de uma heterogeneidade, parcialmente determinada pela classe ou pela etnia (o que remeteria para uma análise grupal e não cultural), mas também da multiplicidade e diversidade de discursos culturais que coexistem na actualidade, muitas vezes ambíguos e contraditórios relativamente à mulher. À noção de heterogeneidade subjaz, no nosso entender, uma concepção limitada e reificada da cultura – sustentada por construtos como grupos sociais, classe social, etnias – e a confusão entre especificidade cultural e diferenças grupais. Não pretendemos, com este argumento, negar a importância das questões estruturais ou estabelecer uma cisão entre a estrutura social e a cultura. Na nossa perspectiva, estão inerentemente interrelacionadas, não podendo separar-se a dimensão cultural da estrutura social e vice-versa. No entanto, não sendo universos separados, a perspectiva cultural do género não se limita e não deve ser confundida com a mera análise da estrutura social subjacente.

O género, o ser homem ou mulher, é um processo de construção não só social mas predo-minantemente cultural. As normas e valores culturais variam de cultura para cultura, dependem do seu contexto sócio-cultural e histórico e, mesmo dentro da mesma cultura e sociedade, encontramos diversidade entre diferentes grupos (Levesque, 2001). Assim, partindo da noção de que o género é uma construção sócio-cultural, os significados associados ao feminino e ao masculino, ao que é ser homem e mulher, também diferem consoante o contexto cultural, conforme vários estudos interculturais e antropológicos confirmam (e.g., Dawla, 2000; Horne, 1999; Kozu, 1999).

Não obstante tais variações, é importante destacar que o género é uma categoria central que organiza as relações em todas as culturas e sociedade, apesar das diferenças ou variações culturais específicas (Andersen, 1997). O género surge como a categoria que mais fortemente determina e influencia o comportamento e o modo de vida dos indivíduos e as interacções que estabelecem, sendo os padrões comportamentais e papéis atribuídos ao homem e à mulher vistos quase como naturais, sendo apreendidos e interiorizados no processo de socialização (Andersen, 1997; Mota-Ribeiro, 2005) e reforçados no decurso das interacções e discursos sociais (Nogueira, 2001).

Em segundo lugar, apesar de todos os estudos indicarem que as normas de conduta e as expectativas são diferentes para o homem e para a mulher, há uma diversidade de normas e práticas associadas a cada um dos géneros, que diferem de cultura para cultura. Por exemplo, nas sociedades árabes e africanas a virgindade é um valor sagrado, significando a integridade da mulher e a honra para o homem. Nestas sociedades, o ter vários relacionamentos é sinal de masculinidade para o homem, enquanto tal hipótese nem se coloca à mulher. Nas sociedades ocidentais, ainda que a virgindade feminina possa ser valorizada, a sua significação não toma tais proporções. Sabe-se também que em algumas culturas é esperada a obediência total da mulher e a sua restrição ao espaço doméstico (e.g., África do Sul), enquanto noutras começam a operar-se mudanças devido às dificuldades económicas, sendo esperado que a mulher também contribua para o sustento da casa (e.g., Rússia, Ghana). Mesmo dentro de uma mesma cultura, é possível identificar diferentes construções de género. Um estudo desenvolvido por Williams (1996 cit. in Williams, 2002) em duas comunidades (Greenville e Rolling Rock), nos Estados Unidos, com raparigas adolescentes identificou claramente diferenças no processo de construção do género feminino relacionadas com as características sócio-culturais específicas daquelas comunidades.

No entanto, apesar da diversidade de normas e práticas associadas a cada um dos géneros, verifica-se uma assimetria de género sistemática no sentido da superioridade e dominância do masculino face ao feminino (De Welde, 2003; Stockard & Johnson, 1992). Esta assimetria de género está presente na própria diferenciação do corpo feminino, sendo percepcionado como violável e fraco (Cahill, 2000, cit. in De Welde, 2003), socialmente e sexualmente vulnerável. Segundo De Welde (2003), a ideologia de género dominante aprisiona a mulher em ciclos de vitimação e na auto-percepção de fraqueza, havendo uma perspectiva essencialista que reifica a mulher como subordinada e mais fraca. As instruções de feminilidade perpetuam o dualismo homem/masculino e mulher/feminino, em que o masculino é visto como sendo mais físico e mais forte comparativamente ao feminino (idem).

 

GÉNERO E VIOLÊNCIA CONJUGAL – QUE RELAÇÃO?

A controvérsia acerca da simetria versus assimetria de género na violência conjugal

A revisão de vários estudos interculturais e antropológicos aponta que a violência conjugal é indissociável da questão do género (Machado & Dias, no prelo). A ligação entre o género e a violência conjugal tem gerado, contudo, bastante discussão e controvérsia (Currie, 1998; Miller & White, 2003) havendo autores que defendem a neutralidade/simetria de género (e.g., Moffitt, Krueger, Caspi, & Fagan, 2000; Moffitt, Robins, & Caspi, 2001; Stets & Straus, 1990; Straus, Gelles, & Steinmetz, 1980) e outros que afirmam que o género e o poder constituem o processo chave da violência conjugal, não sendo apenas um mero componente desta (Dobash & Dobash, 1998; Johnson, 1995; Kurz, 1993; Straus, 1993; Yllo, 1993).

Os que defendem a simetria de género baseiam-se essencialmente em duas linhas de investigação: (i) os estudos que encontram taxas similares de perpetração da violência entre os sexos (Stets & Straus, 1990; Straus, Gelles, & Steinmetz, 1980) e, mais recentemente, os que descrevem que os homens e as mulheres que fazem uso de violência têm um perfil psicológico idêntico (Moffitt et al., 2000, 2001).

Esta abordagem iniciou-se em 1977/78 com o estudo “The battered husband sindrome” (Steinmetz, 1977/78, cit. in Anderson, 2005), cujos resultados revelavam a existência de uma simetria de género na violência. Posteriormente, seguiram-se estudos que corroboram esta simetria, ou seja, que indicam que não há dife-renças entre o homem e a mulher no recurso à violência (Stets & Straus, 1990; Straus, Gelles, & Steinmetz, 1980). Straus, Gelles, e Steinmetz (1980) referem alguns inquéritos que confirmam a violência da mulher contra o homem e Stets e Straus (1990) indicam também que não há diferenças de género na iniciativa da violência. Estes autores defendem que os estudos que apontam para diferenças de género no uso da violência têm sérios problemas em termos de amostragem, sendo maioritariamente conduzidos com amostras clínicas e não representativas (Stets & Straus, 1990). Assim, assumindo a simetria de género na violência, sugerem quatro razões pelas quais a mulher pode ser tão violenta como o homem: (i) As mulheres batidas podem incorporar a violência no seu repertório comportamental; (ii) Pode existir violência recíproca no casal; (iii) O uso da violência numa determinada esfera, como a educação dos filhos, pode generalizar-se ao parceiro; (iv) Existem normas implícitas de que a mulher pode usar de violência menor, como dar uma bofetada, em determinadas ocasiões (Stets & Straus, 1990).

Estes resultados foram usados para desafiar as teorias feministas, que defendem que a violência conjugal é um problema de género e de poder (Anderson, 2005). No entanto, estes estudos também têm sido alvo de críticas, nomeadamente ao nível metodológico, dado que a grande maioria se baseia no Conflict Tactics Scale como instrumento de recolha de dados (Currie, 1998). A discussão tem-se centrado na validade desta escala, tendo-lhe sido apontadas várias limita-ções, nomeadamente que, ao basear-se num ranking ordenado de tipos de abuso, negligencia o contexto, a interpretação e o impacto dos actos abusivos. Assim, a principal crítica reside no facto de o CTS se basear numa abordagem empiricista que se limita a contabilizar a frequência do abuso, mas que nada nos refere acerca da etiologia ou natureza da violência conjugal (Currie, 1998; Anderson, 2005; Miller & White, 2003).

Mais recentemente, têm sido desenvolvidos estudos acerca dos perfis das mulheres e dos homens agressores que procuram sustentar a simetria de género (Moffitt et al., 2000, 2001). No entanto, também estes têm sido alvo de críticas, nomeadamente pelo facto de focarem características psicológicas individuais e avaliarem o género como um atributo natural, não considerando a sua construção social e os significados que lhe estão associados (Miller & White, 2003).

Por outro lado, vários autores (Anderson, 2005; Currie, 1998; Miller & White, 2003) enfatizam a necessidade de considerar o género para se compreender o fenómeno da violência conjugal. Miller e White (2003) referem que é no modo pelo qual o género estrutura as relações – colocando maioritariamente a mulher numa situação de desvantagem face ao homem – que encontramos a natureza genderizada da violência conjugal.

Segundo os mesmos autores, ainda que alguns estudos possam indicar taxas similares de violência ou encontrem perfis psicológicos idênticos entre os sexos, não se pode concluir pela neutralidade de género na violência conjugal.

Yllo (1993) refere também que a violência conjugal não pode ser entendida sem se considerar o género e o poder e, face à controvérsia entre a ênfase na violência como masculina ou a neutralidade de género, afirma que a maioria das abordagens tem obscurecido a importância do género. Embora exista hoje a tendência para abandonar a leitura da violência como algo individual ou psicopatológico (teorias intra-individuais), afirma que também as outras abordagens teóricas da violência mais conhecidas, como a teoria dos sistemas, a teoria dos recursos, a teoria da troca e a teoria da sub-cultura da violência, ignoram o género (idem). Por exemplo, apesar de a teoria dos recursos chamar a atenção para o facto de o poder se basear nos recursos e de a violência poder ser vista como um recurso para assegurar determinado estatuto, esta teoria ignora os limites estruturais de acesso da mulher a alguns recursos-chave e a ideologia cultural de dominância do marido (Currie, 1998).

De facto, embora Gelles e Straus (1988) reconheçam que o poder e o controlo são negociados na interacção ente o homem e a mulher até se poder chegar ao uso da violência, estes elementos acabam por desaparecer na interpretação dos resultados do CTS. Yllo (1993), pelo contrário, refere que é a coerção e não o conflito de interesses, que está na base da violência. Esta autora conclui que um modelo de controlo coercivo acerca da violência conjugal é uma melhor alternativa ao modelo do conflito de interesses. Identifica a violência como uma estratégia de controlo e de poder que é genderizada, em vez de ser algo individual ou inerente às relações íntimas. Assim, a autora desafia os investigadores a aplicarem esta abordagem para compreenderem o uso da violência por parte da mulher.

Face a esta controvérsia, Anderson (2005) refere que o debate se tem centrado exclusivamente na definição e avaliação da violência conjugal, negligenciando um aspecto central – a conceptualização e avaliação do género. Refere ainda que a questão central no debate acerca da simetria de género na violência é teórica e não metodológica. Dada a controvérsia na definição e avaliação da violência, os investigadores têm esquecido que a mesma controvérsia se pode aplicar na conceptualização e avaliação do género. Assim, veremos seguidamente como a relação entre o género e a violência conjugal tem sido abordada do ponto de vista teórico.

Abordagens teóricas do género no âmbito da violência conjugal

Segundo Risman (1998), no estudo do género e da violência podem identificar-se três abordagens teóricas diferentes – a individualista, a estruturalista e a interaccionista.

Abordagem individualista

A abordagem individualista defende que os indivíduos são seres “gendered” (Risman, 1998), ou seja, que a masculinidade e a feminilidade são traços que os homens e as mulheres incorporam na sua identidade, quer através de uma determinada predisposição biológica para esses traços quer através dos processos de socialização. Os teóricos individualistas referem que a propensão para a agressão e a violência é uma característica masculina (seja inata ou aprendida) (Anderson, 2005).

Se o género for definido como uma propriedade dos indivíduos, a maioria das evidências empíricas sugerem, como vimos atrás, que não há relação entre o género e a violência conjugal – relembramos que os estudos que conceptualizam o género como autorelato de masculinidade ou de feminilidade falham muitas vezes em encontrar relação entre o género e a perpetração e a vitimação (Archer, 2000). Por outro lado, se o género for definido como a identidade masculina, feminina ou andrógina – como se verifica nas escalas de género – a relação entre o género e a perpetração de maus-tratos contradiz a hipótese individualista de que as pessoas masculinas são mais violentas (Anderson, 2005). Alguns estudos (e.g., Bernard, Bernard, & Bernard, 1985; Burke, Stets, & Pirog-Good, 1988; Sugerman & Frankel, 1996) indicam não encontrar qualquer relação entre a masculinidade do homem e a violência e não verificam que as mulheres e os homens mais femininos apresentem maiores índices de vitimação.

Assim, a investigação no âmbito da violência conjugal que se tem desenvolvido sob uma abordagem individualista do género indica que este não constitui um preditor importante da violência conjugal (Anderson, 2005), sendo os seus resultados utilizados por alguns autores (e.g., Dutton, 1994; Felson, 2002; Straus, 1999) para sugerir que a violência conjugal não é um fenómeno de género. No entanto, têm sido apontadas sérias limitações à abordagem individualista (Anderson, 2005; Archer, 2000; Risman, 1998), entre as quais destacamos:

– Esta abordagem reduz o género ao comportamento individual do homem e da mulher; assume que se o homem e a mulher são igualmente violentos dentro da relação conjugal, a violência não é um fenómeno de género (Anderson, 2005), quando é fácil compreender que actos análogos podem comportar motivos, intenções e significações e consequências distintas;

– Quando os estudos encontram diferenças estatisticamente significativas, não explicam porque é que as diferenças entre os sexos existem. Por exemplo, o facto de os homens revelarem níveis mais elevados de violência do que a mulher tem sido interpretado de formas contraditórias (Archer, 2000);

– Esta abordagem não consegue explicar as diferenças dentro do grupo das mulheres e dos homens, ou seja, não explica porque é que só alguns homens e algumas mulheres são agressores conjugais, visto estes homens e estas mulheres serem biologicamente similares e sujeitos aos mesmos processos de socialização do que os outros elementos do seu género (Archer, 2000);

– Os investigadores que conceptualizam o género sob a perspectiva individualista e usam estudos com casais homossexuais (que apontam para taxas de violência similares às dos casais heterossexuais) para sustentar a ideia de que o género não está relacionado com a violência conjugal (Felson, 2002), ignoram a questão de como o género interage com o sexismo dentro da sociedade e pode influenciar as dinâmicas de violência quer nas relações homossexuais quer nas heterossexuais (Anderson, 2005). Segundo Anderson (2005), os casais homossexuais têm de negociar com um mundo em que a sua masculinidade ou feminilidade é colocada em questão, pelo que estas abordagens ignoram a interligação do género com as restantes interacções sociais.

Perspectiva estruturalista

A abordagem estruturalista enfatiza que o género é uma estrutura social que organiza as instituições sociais, assim como as identidades, atitudes e interacções. Os estruturalistas defen-dem que o género é um sistema de estratificação que coloca a mulher e o homem em categorias, papéis e ocupações desiguais (Risman, 1998). Segundo esta perspectiva, o género existe como uma força social que opera independentemente dos desejos dos indivíduos – o homem e a mulher são constrangidos pelos significados associados ao seu género, mesmo quando não desejam seguir orientações de vida baseadas no género (idem).

Segundo Messerschmidt (1996, cit. in Brown, 1998) os rapazes e as raparigas tendem a espelhar e recriar, no seio do grupo, as relações de trabalho e poder existentes na sociedade. Um estudo etnográfico de Campbell (1984, cit. in Brown, 1998) com grupos de jovens nova-iorquinos, pertencentes a minorias étnicas e com menos recursos económicos, revelou que as divisões de poder e de trabalho que existem na sociedade são reproduzidas no seio destes grupos: o grupo é um contexto de dominância masculina, reflectindo as estruturas e práticas existentes na sociedade, em que os rapazes assumem as posições centrais, enquanto que as raparigas são tidas como fonte de apoio, suporte e cuidado daqueles.

De acordo com Anderson (2005), a perspectiva estruturalista sobre a violência defende as seguintes assunções:

– Os homens recebem mais instruções para o uso da violência do que a mulher. O acesso à violência é distribuído de maneira desigual, sendo dadas maiores oportunidades ao homem para aprender a violência do que a mulher (De Welde, 2003; Fagot, Hagan, Leinbach, & Kronsberg, 1985). As raparigas são desencorajadas de usar a violência ao longo do seu processo de socialização, enquanto os homens são mais incentivados à mesma, por exemplo através dos desportos e actividades que requerem o uso da força física (Fagot et al., 1985; Messner, 1998). Existe uma organização de género no treino e uso da violência, o que tem implicações não só no uso da violência mas também no seu sucesso (Anderson, 2005; De Welde, 2003). – As consequências da violência conjugal diferem para o homem e para a mulher, devido ao sistema alargado da desigualdade de género que coloca a mulher em situações de desvantagem e maior vulnerabilidade (ao nível dos danos físicos, psicológicos, económicos e sociais) (Anderson, 2005). – As taxas de violência diferem consoante o contexto estrutural, o que é visível nas diferenças entre as taxas de violência no namoro e no casamento – no namoro a mulher tem menos probabilidade de ser dependente do homem, tem um sistema de suporte mais autónomo e pode abandonar a relação mais facilmente do que no contexto do casamento (Archer, 2000; Anderson, 2005).

Em suma, a perspectiva estruturalista propõe que os homens e as mulheres experimentam a violência de maneira diferente porque estão situados dentro de uma sociedade organizada pela desigualdade de género. Defende que, mesmo que as taxas de perpetração e vitimação da violência possam não variar consoante o género, as consequências de vitimação são diferentes para o homem e para a mulher porque estes grupos enfrentam oportunidades e constrangimentos estruturais diferentes (Anderson, 2005).

Abordagem interaccionista

A abordagem interaccionista surge nos anos 80, em parte como crítica às abordagens individualistas (Anderson, 2005). Nesta perspectiva, o género é visto como uma característica da interacção social e não com uma característica de pessoas individuais. Nesta perspectiva, os indivíduos “fazem o género” nas suas interacções diárias com os outros e têm performances de “masculinidade” ou de “feminilidade” face às expectativas sociais (Anderson, 2005; Brown, 1998; West & Zimmerman, 1987). Assim, o género é considerado como uma consequência das práticas sociais e não como uma característica individual que prediz o comportamento. A abordagem interaccionista deixa a questão de como a masculinidade causa a violência para se perguntar como é que a violência “produz” a masculinidade.

Destacamos duas ideias chave nesta abordagem:

– A violência não é um comportamento “gender-neutral” e o género pode ser construído através da prática da violência. A prática da violência é percepcionada como um comportamento masculino, dado que a agressão é uma componente da imagem cultural de masculinidade e, assim, a violência pode ser usada para mostrar aos outros que se é “um verdadeiro homem” (Brown, 1998). A investigação tem mostrado que os homens fazem uso da violência contra as parceiras quando sentem que a sua posição ou autoridade é desafiada (Babcock, Waltz, Jacobson, & Gottman, 1993; Dobash & Dobash, 1998; Totten, 2003), pelo que a violência pode ser um meio pelo qual os homens demonstram e alcançam a sua masculinidade (Anderson & Umberson, 2001; Babcock et al., 1993). Brown (1998) refere que o controlo e exploração da sexualidade feminina por parte dos rapazes é uma forma de construção da heterossexualidade normativa no seio dos grupos juvenis, tendo subjacente uma representação da masculinidade caracterizada por um apetite sexual ilimitado, o que ajuda a reproduzir a subordinação das raparigas e constitui um recurso para o exercício do poder masculino.

– A violência do homem é avaliada e interpretada de maneira diferente da violência da mulher (Anderson, 2005; Anderson & Umberson, 2001). O género é um compromisso ou acordo social que se baseia nas definições e interpretações dos outros (West & Zimmerman, 1987). Os teóricos interac-cionistas defendem que as audiências esperam diferentes performances dos homens e das mulheres e que o mesmo comportamento será diferentemente avaliado dependendo do género de quem o pratique e do contexto interactivo (idem). Porque a violência na cultura popular é definida como “masculina”, as audiências esperam, legitimam e reforçam a violência como sendo um comportamento normal do homem (Messerschmidt, 1997).

No sentido destes postulados teóricos, vários autores (e.g., Fine, Weis, Addelston, & Marusza, 1997; Tomsen, 1997; Totten, 2003) destacam a relação entre a masculinidade e a violência. Por exemplo, Fine e colaboradores (1997) procuraram analisar porque é que as taxas de violência são mais elevadas entre as pessoas que vivem uma situação de pobreza e verificaram que, nos Estados Unidos, o sucesso financeiro é uma das características idealizadas da masculinidade mas que nem todos os homens o conseguem, pelo que os que estão no desemprego ou ganham menos podem sentir que a sua masculinidade está ameaçada porque não são o “sustento” da família. Assim, não tendo sucesso financeiro que lhes permita exercer controlo sobre o cônjuge através dos recursos económicos, pode surgir a necessidade de fazê-lo através da violência. Totten (2003) indica também que, nos jovens rapazes marginalizados e com menos recursos económicos, uma forma de exercerem e afirmarem a sua masculinidade é através da violência ou abuso contra as namoradas. Analogamente, Jefferson (1997) refere que a violência surge como um “recurso simbólico para a construção de género” entre os sujeitos que não têm acesso a outras formas de construção da masculinidade, isto é, que possuem menos recursos económicos ou educacionais ou que se encontram numa posição subordinada na hierarquia social.

Assim, a perspectiva interaccionista do género propõe que a violência pode ser um método compensatório de exercer controlo e de construção da masculinidade entre os homens que sentem que a sua autoridade e masculinidade está posta em causa.

Dependendo do modo como conceptualizamos o género, a resposta às questões de “se”, “quando” e “como” a violência tem base no género mudam substancialmente. Por exemplo, as teorias interaccionistas e estruturalistas entendem o género como sendo muito mais do que os comportamentos dos homens e das mulheres. Defendem que o género se encontra nas expectativas e nas exigências que colocamos nas pessoas e no seu desejo de corroborar ou de subverter estas expectativas (De Welde, 2003; Jefferson, 1997; Messerschmidt, 1997; West & Zimmerman, 1987). O género existe na forma como o sexo é usado como base para a divisão de trabalho, na segregação sexual das actividades e noutras formas de categorização/organização social (Risman, 1998). Assim, se partirmos da concepção interaccionista ou estrutural, concluiremos que a violência conjugal está estreitamente ligada aos processos sociais de género. Pelo contrário, se partirmos da noção individualista, o género pode ser um mero preditor da violência, restringindo-se a sua definição a traços ou características individuais.

Em termos causais, a perspectiva individualista coloca a violência como uma consequência do género, ou seja, questiona como é que a masculinidade pode levar à violência. No outro extremo, a perspectiva interaccionista conceptualiza o género como o resultado das práticas sociais, invertendo a questão individualista ao interrogar como é que a violência leva à masculinidade (Anderson, 2005).

No nosso entender, as várias perspectivas apresentadas possuem, ainda que em graus distintos, o risco de uma visão essencialista da relação entre o género e a violência conjugal. Esta é, obviamente, mais evidente nas perspectivas individualistas, que reduzem o género à categorização sexual, associando-o a determinadas características psicológicas que podem predizer o comportamento violento.

Por seu turno, ainda que concordemos com Anderson (2005) quando afirma que a teoria estruturalista do género é necessária para se entender os modos pelos quais a mulher e o homem encontram diferentes constrangimentos à perpetração da violência e as diferentes barreiras para deixar a relação, parece-nos que a perspectiva estruturalista acaba por reduzir o género às condições sócio-estruturais existentes, negligenciando os significados culturais associados. Assim, a nosso ver, apesar de procurar contextualizar o fenómeno da violência em termos da sua construção sócio-cultural, trata-se de uma contextualização focada na “forma” das condições sociais e culturais, negligenciando o conteúdo, ou seja, os discursos culturais subjacentes.

Para explicitar a nossa crítica, citemos como exemplo um estudo de Hollander (2001), no qual se procurou identificar a relação entre a construção discursiva do género e a violência. Partindo da ideia de que, através dos discursos que ocorrem nas conversações quotidianas, as pessoas constroem e transmitem modos particulares de entender os fenómenos sociais, a autora usou dados de 13 focus group, evidenciando que as construções de género dominantes no discurso dos participantes sobre a violência se referiam à mulher como vulnerável e não perigosa e ao homem como invulnerável, protector mas também potencialmente perigoso. Em alguns casos, a perigosidade é identificada também com outras características sociais (raça negra, classes desfavorecidas, idade) mas, na sua maioria, basta ser homem para ser visto como potencialmente perigoso. Mesmo quando a vitimação do homem é discutida, a vulnerabilidade feminina e invulnerabilidade masculina persistem.

Hollander (2001) verificou também que estas percepções de vulnerabilidade e perigosidade tinham consequências práticas: as mulheres entrevistadas monitorizavam constantemente sinais de alerta no seu ambiente, evitavam sair à noite sozinhas ou mesmo na companhia de outras mulheres, procuravam familiares do sexo masculino para as proteger, modificavam o seu modo de vestir e outros aspectos na sua aparência e restringiam as suas actividades para reduzir o risco de violência, limitando assim o uso do espaço público. Estas estratégias faziam parte da vida quotidiana das mulheres, enquanto os homens raramente mencionavam o seu uso.

A autora interpreta estes dados de acordo com uma concepção que nos parece essencialmente interaccionista, considerando que, para parecer apropriadamente masculino ou feminino, os indivíduos se conformam com as expectativas sociais relativas à vulnerabilidade e à perigosidade, expectativas essas que definem que ser mulher significa fragilidade, falta de autonomia e necessidade da protecção do homem. Deste modo, a mulher encontra-se numa posição de dependência e vulnerabilidade face ao homem, limitando as suas interacções com os outros e a sua liberdade de acção quer no espaço público como privado (o que, consequentemente, a torna mais vulnerável à violência conjugal).

Este estudo, que globalmente podemos enquadrar numa abordagem interaccionista, ilustra bem o tipo de relações que nos parece importante explorar entre os discursos culturais sobre o género e a exposição à violência. Contudo, a perspectiva interaccionista, uma das influências teóricas dominantes do construcionismo social que temos vindo a defender, não é, a nosso ver, em matéria de conceptualização da relação género-violência, também isenta de críticas.

O principal reparo que podemos fazer a esta linha de investigação reside, a nosso ver, no risco de os estudos que exploram a relação entre a violência e a construção da masculinidade poderem contribuir para naturalizar e essencializar a violência masculina, categorizando o homem como inerentemente violento, ainda que não por razões biológicas mas sociais. Na verdade, ainda que tal nunca tenha sido afirmado pelos estudos da masculinidade, o volume de estudos que enfatizam a violência masculina e a adesão “fácil” que estes podem produzir em alguns sectores, pode levar a esquecer que não só existem formas alternativas de construção da masculinidade, como estas estão amplamente disseminadas no quotidiano. Este efeito é facilmente constatável em alguns domínios de investigação, dos quais damos como exemplo o do medo do crime, em que a construção dominante (“homens seguros”, “mulheres inseguras”) tem ocultado que muitos homens revelam sentimentos de fragilidade e insegurança, enquanto muitas mulheres gerem quotidianamente contextos e situações de risco (Machado, 2004).

 

GÉNERO E VIOLÊNCIA CONJUGAL: UMA ABORDAGEM CULTURAL INTEGRADORA

Anderson (2005) refere que a discussão da relação entre género e violência, que tem proliferado nas últimas décadas, se tem centrado na definição e avaliação da violência, negligenciando a definição e avaliação do género. Como resulta do ponto anterior, tanto da abordagem interaccionista como da estruturalista, há necessidade de repensar a temática do género na compreensão da violência, em vez de nos centrarmos apenas na questão de como as taxas de violência diferem em função da variável “sexo” (Anderson, 2005). Tal requer, a nosso ver, não apenas a reconceptualização da noção de género, mas também a alteração do modo como género e a violência têm sido abordados – como se fossem fenómenos isolados e independentes.

Na verdade, apesar da controvérsia acerca da simetria do género, várias abordagens teóricas e a maioria dos estudos empíricos, sobretudo se considerarmos os conduzidos em contextos não ocidentais (Campbell, 1999; Levinson, 1989), remetem para a i mportância de considerar o género na compreensão da violência conjugal. Também Machado e Dias (no prelo), num artigo recente que faz uma revisão exaustiva dos estudos interculturais realizados sobre a violência conjugal, concluem que a violência c onjugal é indissociável das questões do género e das relações de género. Como refere Straus (1999), a maior parte do comportamento humano, no qual se inclui a violência, é influenciado por normas culturais, em que as pessoas seguem prescrições culturais de actuação sem terem consciência disso. No caso da violência, as pessoas tendem a seguir regras e guiões culturais implícitos que são diferentes para os homens e para as mulheres (Anderson, 2005; Straus, 1999).

De facto, vários trabalhos que oferecem uma revisão dos estudos antropológicos e interculturais sobre a violência contra a mulher concluem que esta é um fenómeno generalizado e que em quase todos os contextos culturais, mesmo os mais favorecidos, existem desigualdades sociais na distribuição do poder e dos recursos, assim como uma concepção hierárquica da família (Campbell, 1999; Levinson, 1989; Machado & Dias, no prelo). Um estudo inter-étnico realizado na Inglaterra (Hanmer, 1996), com mulheres inglesas e mulheres cujas famílias de origem provinham do Paquistão, Bangladesh, Índia e Caraíbas, exemplifica precisamente estas questões. Segundo Hanmer (1996), entre os vários grupos étnicos existem muitas similaridades no modo como as mulheres experimentam e definem a violência, existindo temas comuns seja qual for o seu background, nomeadamente a importância dada à família. Deste estudo, o autor conclui que: (i) Em todos os grupos étnicos a mulher vive numa rede de relações através da qual os membros da família e outros intervêm na sua vida; (ii) A mulher luta contra a dominação, o controlo, a coerção e a violência que lhe são dirigidas através das redes de relações na qual a sua vida se situa; (iii) As fronteiras ou limites que orientam especificamente o comportamento familiar da mulher não são os mesmos que para o homem, sendo este um factor que constitui a plataforma para a legitimação parcial ou total do uso da violência contra as mulheres no contexto familiar.

Assim, as tentativas de a mulher lidar com a violência envolvem lutas pessoais, lutas que envolvem os outros e limites culturais que não são os mesmos para a mulher e para o homem. Hanmer (1996) refere ainda que em todos os grupos étnicos do seu estudo o homem surge como estando do lado de fora dos constrangimentos da comunidade e da família, quando comparado com a mulher. Na análise do relato das mulheres acerca da relação dos maridos com outros membros da família, com ela e com os filhos, com os amigos, com os colegas de trabalho e outras pessoas em geral, o homem pode adoptar uma série de comportamentos, mantendo intocável o seu papel de marido e de pai aos olhos dos outros. Pelo contrário, no caso da mulher, esta frequentemente é alvo de sanções e críticas sociais. Em todos os grupos étnicos e culturais, os maridos têm vantagens culturais e familiares que provêm do facto de serem homens e casados – o facto de ter uma família e ser o “chefe” acarreta poder e estatuto para o homem na sua comunidade (idem).

Da análise dos estudos interculturais conclui-se também que a violência contra a mulher é maior onde há mais desigualdade económica, mais autoridade masculina e menos poder da mulher (Campbell, 1999; Levinson, 1989; Machado & Dias, no prelo), o que vem validar a perspectiva feminista da violência conjugal, focada nas desigualdades de género e de poder. Além disto, a análise inter-cultural do fenómeno tem enfatizado também que a maior igualdade de género, quer no contexto conjugal quer no contexto social mais alargado, é um dos factores que surge associado ao decréscimo das taxas de violência contra a mulher, a par com a maior autonomia financeira, a existência de sanções contra a violência e de estruturas que permitam a saída da mulher da relação abusiva (Campbell, 1999; Machado & Dias, no prelo).

Contudo, vimos já que o género (e a sua relação com a violência) não pode ser simples-mente explicado pelos processos e estruturas sociais (Amâncio, 1998). Sob a abordagem construcionista social, salientámos a necessidade de analisar a construção dos conteúdos simbólicos associados a cada um dos géneros (Amâncio, 1998; Nogueira, 2001), construção esta que se opera através das interacções e que acarreta consequências para a vida das pessoas (Amâncio, 1998; Anderson, 2005; Burr, 1995). Além disto, concluímos ainda que a construção do género não é apenas social mas também cultural (Mota-Ribeiro, 2005), que os significados associados ao feminino e ao masculino diferem consoante o contexto cultural e que, ainda que possam existir padrões comuns identificados pelos estudos inter-culturais, há também uma grande diversidade de normas e práticas relativas a cada um dos géneros.

Efectivamente, as relações de género são fluidas, mutáveis e podem ser específicas a certas circunstâncias ou contextos culturais (Hanson, 1992, cit. in Williams, 2002). Os vários estudos indicam, assim, que a cultura é uma dimensão essencial no estudo e compreensão do fenómeno da violência contra a mulher, envolvendo uma multiplicidade de discursos e práticas culturais relativos, não só à violência em geral e contra a mulher em particular, mas também à mulher e às relações de género.

Assim, adoptar uma perspectiva cultural na análise da violência conjugal implicará uma análise integrada do género e da violência. Não pretendemos com isto defender a noção de que a violência é exclusivamente um fenómeno de género, mas antes salientar que a análise da violência conjugal, sem considerar a natureza das relações em que esta ocorre e os significados culturais que lhe estão associados, não seria uma análise verdadeiramente cultural. Por outro lado, o mesmo se aplica à noção de género e às relações de género: sendo a violência um fenómeno cultural e partindo da concepção de que o género influencia não só o significado de ser mulher e de ser homem mas também o modo como interagem, a violência tem de passar a ser incluída na análise do género e das relações de género.

 

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(*) Departamento de Psicologia, Universidade do Minho.

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