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Revista Diacrítica

versão impressa ISSN 0807-8967

Diacrítica vol.26 no.1 Braga  2012

 

Português Brasileiro: uma língua de sujeito nulo ou de sujeito obrigatório?

Christiane Miranda Buthers*; Fábio Bonfim Duarte**

*UFMG – Universidade Federal de Minas Gerais. Programa de Pós-Graduação em Estudos Linguísticos (Poslin) – Belo Horizonte (MG) – Brasil.
**UFMG – Universidade Federal de Minas Gerais. Programa de Pós-Graduação em Estudos Linguísticos (Poslin) – Belo Horizonte (MG) – Brasil.

 

RESUMO

Este artigo discute a emergência da ordem [XP V (DP)] em conjunção com o fenômeno do sujeito nulo no PB contemporâneo. O objetivo é investigar como o EPP é valorado nessa língua. Para tanto, decompomos o EPP em dois traços ininterpretáveis: os traços [uP] e [uD]. Nossa proposta é que, como resultado da fraqueza do paradigma de concordância, o traço [uD] fica debilitado, enquanto o traço [uP] se torna forte em PB contemporâneo. Como efeito colateral dessa mudança paramétrica, o PB pode ser considerado como uma língua de sujeito nulo parcial, permitindo sujeitos nulos e sujeitos obrigatórios.

Palavras-chave: concordância, EPP, sujeito expletivo.

 

ABSTRACT

This paper examines the emergence of the [XP V (DP)] order and its possible connection with the null subject parameter in contemporary Brazilian Portuguese. The objective is to investigate how the EPP is valued in this language. To explain this issue, we decompose the EPP into two uninterpretable features: the [uP] and [uD] feature. Our proposal is that, as a result of the weakness of the agreement paradigm, the feature [uD] is weakened, whereas the feature [uP] is strong in contemporary Brazilian Portuguese. As a side effect of this parametric change, PB may be considered as a partial null subject language, allowing both null subjects and obligatory subjects.

Keywords: agreement, EPP, expletive subject.

 

0. Introdução

O português brasileiro atual (doravante PB), diferentemente do português europeu (doravante PE) e do PB não-contemporâneo, tem apresentado um gradativo aumento do preenchimento da posição à esquerda do verbo em orações finitas, conforme é possível verificar pelos dados apresentados de 1 a 4:

(1) vai a seleção brasileira para mais um jogo contra a Bolívia. (Fala espontânea)

(2) Aqui constrói um país. (Fala espontânea)

(3) faz muitos shows grandes. (Fala espontânea)

(4) Você encontra de tudo em BH. (Fala espontânea)

Em contextos como os apresentados de 1 a 4, se houver apagamento do sintagma XP que figura em posição inicial, o resultado é uma sentença pouco aceitável, conforme deixam entrever os exemplos a seguir:

(5) ?? __vai a seleção brasileira para mais um jogo contra a Bolívia (Fala espontânea)

(6) ??__ constrói um país. (Fala espontânea)

(7) ??__ faz muitos shows grandes. (Fala espontânea)

(8) ??__encontra de tudo em BH. (Fala espontânea)

Com base em exemplos como esses, a hipótese que iremos testar no decorrer da análise é a de que a pouca aceitabilidade dos dados de 5 a 8 está diretamente conectada com o fato de o PB contemporâneo apresentar um significativo aumento no percentual de ocorrência da ordem sintática [XP V DP]. Nessa linha de raciocínio, a emergência dessa ordem, particularmente em construções existenciais, inacusativas e transitivas impessoais, contribui para corroborar a previsão de Lamoglia Duarte (2004: 4), segundo a qual:

(...) uma vez implementada uma das propriedades das línguas de sujeito não nulo – o preenchimento dos sujeitos referenciais – o sistema começa a caminhar no sentido do preenchimento dos sujeitos não-referenciais. (...) Assim, o aparecimento de elementos à esquerda do verbo não é acidental (...). Antes, trata-se de um efeito colateral da mudança, que começa a se insinuar dentro do nosso sistema passando a concorrer com as sentenças não marcadas, que ainda mantêm o sujeito expletivo nulo.

Tendo em conta a observação de Lamoglia Duarte (2004) acima e os dados de 1 a 8, um dos objetivos deste artigo é averiguar o estatuto gramatical dos sintagmas XPs que figuram em primeira posição nas construções sintáticas cuja ordem é [XP V (DP)]. Outro objetivo é averiguar se a emergência desta ordem está correlacionada, ou não, com o enfraquecimento do sistema de concordância e com a maneira como o PB satisfaz ao traço EPP em sentenças finitas. A hipótese preliminar que proporemos, no decorrer da análise, é a de que o surgimento da ordem [XP V (DP)] está diretamente conectado com uma mudança paramétrica em andamento, no PB, quanto à maneira como o parâmetro do sujeito nulo é acionado. Por essa razão, assumiremos no decorrer da análise que os XPs que figuram nessas construções ocupam uma posição interna ao predicado, mais precisamente a posição que corresponde a Spec-TP, de tal sorte que o princípio de projeção estendida, doravante EPP, seja satisfeito. Desta maneira, acompanhando a intuição de Duarte (2008: 50), adotaremos o postulado de que EPP é uma propriedade que pervaga tanto as línguas de sujeito nulo quanto as línguas de sujeito obrigatório, o que pode produzir efeitos na interface PF.

Este texto está organizado da seguinte maneira: na seção 1, apresentamos breve consideração sobre a natureza do parâmetro de sujeito nulo. Na seção 2, apresentamos os dados empíricos no intuito de mostrar a natureza semântica dos sintagmas XPs e dos verbos que figuram nas construções que exibem a ordem [XP V DP]. Na seção 3, desenvolvemos a proposta teórica para dar conta de como parâmetro do sujeito nulo é acionado no PB. Na seção 4, aplicando a proposta teórica desenvolvida na seção 3, buscamos trazer evidências que nos permitam classificar o PB contemporâneo como uma língua de sujeito nulo parcial. E, por fim, na seção 5, apresentamos as considerações finais.

1. O parâmetro de sujeito nulo

No âmbito da teoria de Princípios e Parâmetros, concebe-se que o PE é uma língua tipicamente de sujeito nulo, pois apresenta propriedades sintáticas de línguas pro-drop, conforme indicam os exemplos a seguir:

(a) Apresenta sujeitos pessoais foneticamente nulos:

(9) pro Pensamos muito a este respeito.

(b) Apresenta sujeitos expletivos foneticamente nulos:

(10) pro Nevou muito esta noite.

(c) Aceita inversão livre do sujeito:

(11) pro Jogaram a bola [os meninos].

(d) Mantém posição pós-verbal do objeto direto em orações passivas:

(12) Foi convidado [um estudante] para a festa.

(e) Atribui Caso Nominativo à direita:

(13) Sou [eu] que estou aqui.

(f) Possui flexão de infinitivo pessoal:

(14) Vai ser difícil [tu saíres mais cedo].

(g) Ausência do efeito <<that-t>>:

(15) Quem (é que) tu pensas [que [t viu esse filme]]?

Acompanhando a proposta de Rizzi (1986) para as condições de licenciamento e identificação do sujeito nulo[1], é possível também afirmar que o PE apresenta um paradigma de concordância morfologicamente rico, conforme é possível visualizar no quadro a seguir:

 

Quadro 1. Paradigma flexional do português europeu

Cantar

Escrever

Partir

S

Canto

Escrevo

Parto

S

Cantas

Escreves

Partes

S

Canta

Escreve

Parte

P

Cantamos

Escrevemos

Partimos

P

Cantais

Escreveis

Partis

P

Cantam

Escrevem

Partem

 

O quadro acima mostra uma desinência verbal de número e pessoa para cada pessoa do discurso, nas três conjugações verbais, o que claramente caracteriza o PE como uma língua nitidamente de concordância forte. Portanto, é exatamente essa sua característica que nos permite conferir ao PE o estatuto de língua de sujeito nulo, já que “o conteúdo do sujeito é recuperável a partir do conteúdo morfológico das terminações verbais” (Raposo,1992: 478). Todavia, diferentemente do PE, pesquisas recentes da sociolinguística paramétrica vêm mostrando que, a partir da segunda metade do século XIX, a concordância número-pessoal no PB começa a enfraquecer-se, como é possível visualizar no quadro abaixo, adaptado de Lamoglia Duarte (1993: 109):

 

Quadro 2. Evolução nos paradigmas flexionais do português brasileiro

Pessoa

Paradigma 1

Paradigma 2

Paradigma 3

Paradigma 4

Sing

Cant-o

Cant-o

Cant-o

Cant-o

2ª direta

Sing

Canta-s

---------

---------

---------

2ª indireta

Sing

Canta-Ø

Canta- Ø

Canta- Ø

Canta- Ø

Plural

Canta- Ø

Canta- Ø

Canta- Ø

Canta- Ø

Plural

Canta-mos

Canta-mos

Canta- Ø

Canta- Ø

2ª direta

Plural

Canta-is

---------

---------

---------

2ª indireta

Plural

Canta-m

Canta-m

Canta-m

Canta- Ø

Plural

Canta-m

Canta-m

Canta-m

Canta- Ø

 

Pelo quadro acima, nota-se que o paradigma 1 exibe um conjunto de seis desinências número-pessoais distintas para as pessoas do discurso, com dois sincretismos[2], sendo um referente à 2ª pessoa do singular indireta (você) e à 3ª pessoa do singular (ele/ela). O segundo sincretismo refere-se à 2ª pessoa do plural indireta (vocês) e à 3ª pessoa do plural (eles/elas). Num segundo momento, que se inicia por volta dos anos 30 (cf. Lamoglia Duarte, 1993), o paradigma 2 exibe a perda da 2ª pessoa direta do singular (tu) e da 2ª pessoa direta do plural (vós), ocasionando a diminuição no número de desinências distintivas para quatro, com dois sincretismos. Já o terceiro paradigma, que, segundo Lamoglia Duarte (1993), coexiste com o segundo, há a implementação na gramática da expressão “a gente” (com marca desinencial de 3ª pessoa do singular), forma sinônima ao pronominal “nós”, cuja consequência foi mais uma diminuição das desinências, restando apenas três formas distintivas. Num último momento, é possível visualizar um paradigma com apenas duas formas distintas, a 1ª do singular (eu) em oposição às demais, que acrescentamos na tabela a título de ilustração do tipo de concordância de número e pessoa que tem se apresentado no PB falado atualmente. Para Galves (2001), a redução no paradigma flexional é responsável pela perda do traço semântico, que se refere às três pessoas do discurso, na categoria gramatical de pessoa, restando a esse paradigma apenas o traço sintático, com um valor positivo e um negativo. O visível enfraquecimento do paradigma verbal do PB tem sido visto como uma possível causa para a gradual emergência da ordem [XP V DP] e para o distanciamento dessa variante do português em relação à variante europeia quanto à maneira como ambas as línguas marcam o parâmetro de sujeito nulo.

A próxima seção tem por objetivo apresentar os dados relevantes que servirão de base para a análise teórica a ser desenvolvida na seção 3.

2. Apresentação dos dados

No PB contemporâneo, nota-se o surgimento de um curioso paradigma de pronomes fracos, o qual é acompanhado pelo enfraquecimento do traço pessoa no paradigma flexional dos verbos. O que se observa é que os pronomes fracos se diferem dos pronomes fortes porque são referencialmente dependentes e apresentam, em geral, erosão morfofonológica. Já os pronomes fortes são de natureza dêitica e mais estáveis fonologicamente. Tal situação pode ser notada pelas formas pronominais fortes e fracas a seguir:

(16) eu > ô

você > ocê > cê

ele > el

ela > ea

a gente > gen’

vocês > ocês > cês

eles > ês

elas > es

O fato curioso e não trivial é que, quando os pronomes fracos figuram na posição à esquerda do verbo, o verbo pode não apresentar relação de concordância com o sujeito. Os resultados quantitativos de Ramos (2006: 77) mostram que a ocorrência do pronome fraco tende a compensar a desinência verbal, já que esses pronomes desempenhariam a função gramatical da desinência verbal[3]. Tal contexto fica particularmente instanciado pelos exemplos a seguir em que figuram os pronomes fracos , êa, ês:

(17) Não... tem que aprender é desse jeito... (corpus de fala de matipó)

(18) Que ela venha e que êa teje na igreja e tudo... (corpus de fala de matipó)

(19) Ês tá morando tudo em Santa Gertrude... (corpus de fala de matipó)

Além dos contextos acima, há ainda outros em que os pronomes você e eles apresentam esvaziamento semântico, particularmente quando figuram na posição sintática de sujeito em construções com verbos existenciais, conforme mostram os dados abaixo:

(20) teve gente a tirá nove litros. (corpus de fala de matipó)

(21) Diz que tinha um trem lá. (corpus de fala de matipó)

(22) Isso havia muito nas discotecas dos anos 70. (fala espontânea)

(23) Você encontra de tudo nas Lojas Americanas. (fala espontânea)

(24) Em Kioto você tem aquela confusão nas ruas. (Vitral & Ramos, 2006:87).

(25) O Epai, hoje em dia elesi têm a preferência de mesclar. (Souza, 2007:111).

Notem que, nos exemplos 23 e 24, o pronome você está empregado de maneira genérica, enquanto, no exemplo em 25, o pronome eles é usado como recurso de indeterminação de sujeito. O que há de comum, nos dados acima, é que ambos os pronomes sofrem perda de informação semântica, já que o conteúdo de seu referente não é tão óbvio no discurso. Em suma, em tais contextos, tanto o pronome você como o pronome eles recebem uma leitura genérica. É ainda oportuno lembrar que uma das estratégias de indeterminação do sujeito no PB não-contemporâneo é deixar a posição à esquerda do verbo nula. Nesses contextos, o verbo carrega as desinências número-pessoais de 3ª pessoa do plural. Todavia, no PB contemporâneo, embora o verbo apresente desinências de pessoa, ainda assim há necessidade de preenchimento da posição de sujeito por meio dos pronomes com conteúdo genérico, como é o caso dos pronomes você e eles nos exemplos acima. Por essa razão, assumiremos, acompanhando a proposta de Vitral e Ramos (2006) e Souza (2007), que o acionamento desses pronomes, em contexto de indeterminação do sujeito, é mais um recurso para evitar que a posição de sujeito se apresente foneticamente nula. Vitral e Ramos (2006) cogitam mesmo a hipótese de o item você funcionar como verdadeiro expletivo[4].

Outro contexto em que se observa a emergência da ordem [XP V DP] é, por exemplo, aquele em que a partícula senão está mais presente na sentença. Nesse contexto, o sintagma XP inicial apresenta perda de informação semântica e, em geral, equivale a advérbios leves, como os itens lá, aqui, aí, ali, agora. O que se nota é que, embora esses adverbiais possam vir à direita do verbo, há certa preferência para que figurem à esquerda dos verbos, conforme mostram os exemplos a seguir:

(26) faz muitos shows grandes. (corpus de fala de itaúna)

(27) vai a seleção brasileira para o jogo contra a Bolívia. (fala espontânea)

(28) Aqui constrói um país. (fala espontânea)

(29) Aqui costuma ter shows. (corpus de fala de itaúna)

(30) vem ele. (fala espontânea)

(31) Ali pegava de cedo e virava até tarde da noite. (corpus de fala de matipó)

(32) Agora tem tudo que você precisa. (fala espontânea)

Tais advérbios podem até mesmo apresentar características de verdadeiros expletivos, como é a situação do advérbio nos dados arrolados a seguir:

(33) vou pro lado de Abre Campo

(34) Tava tudo muito bem, sabia que vinha bomba.

(35) vem o Lula com mais impostos.

Greco e Vitral (2003), analisando a gramaticalização do adverbial “lá”, chegam mesmo a classificá-lo como expletivo. Uma hipótese plausível é a de que os advérbios acima, originalmente locativos, começam a ser reinterpretados como (quase)-expletivos. Tal fato pode ser visto com o efeito colateral de uma mudança paramétrica mais geral na qual o PB contemporâneo, ao deixar de licenciar sujeitos nulos e ao não ter na sua gramática itens expletivos disponíveis, como ocorre no inglês e no francês, passa a acionar determinados advérbios que funcionam, então, como expletivos. Fato curioso é que esses advérbios tendem a ocorrer justamente nas construções que contêm verbos inacusativos, existenciais e certos transitivos com valor impessoal, os quais não selecionam um argumento externo. Assim sendo, nossa hipótese é a de que a expletivização de tais advérbios resultaria de um amplo processo de “gramaticalização”, a exemplo do que ocorreu com o advérbio locativo “there” da língua inglesa. Segundo Vitral e Ramos (2006: 84), a expletivização pode ser considerada como uma etapa ulterior dos ciclos de gramaticalização de determinados itens que passam de lexicais a funcionais. Esses ciclos são descritos pelos autores da seguinte maneira:

Item lexical > item funcional > expletivo

Uma evidência que nos autoriza a postular que, de fato, está se processando um ciclo de expletivização de determinados itens locativos no PB, advém da possibilidade de termos na gramática do PB dados com o item locativo redobrado, conforme nos mostram os exemplos a seguir:

(36) Ah... vão lá... pa vê que que dá...

(37) vai pro colégio... eu ia pro boteco.

Veja-se que, em ambos os exemplos acima, há esvaziamento semântico do advérbio locativo . Tal fato fica particularmente evidenciado pela ocorrência do redobro e pelo fato de o primeiro conter estatuto de expletivo. O curioso é que não podemos ter a leitura expletiva quando um sujeito referencial é inserido na sentença, conforme se vê pelos exemplos a seguir:

(38) ??? Ah... [ eles]vão lá... pa vê que que dá...

(39) ??? [ ele] vai pro colégio... eu ia pro boteco.

Nota-se que os dados em 38 e 39 apresentam leituras degradadas. Uma possível razão tem a ver com o fato de os dois itens - o advérbio e o pronome eles/ele - ocuparem a mesma posição sintática na sentença, mais precisamente a posição de sujeito. Em suma, somente nos dados em 36 e 37 é possível fazer uma leitura do primeiro como expletivo.

Tomando por base os dados acima, proporemos que o redobro de itens locativos, um deles figurando na posição de sujeito e o outro ocupando a posição à direita, serve de evidência adicional a favor da hipótese teórica de que (i) há, sim, expletivização de advérbios no PB; (ii) essa expletivização decorre da perda de licenciamento de sujeito nulo no PB contemporâneo; e (iii) a inserção de itens locativos expletivizados ou com perda de informação semântica reflete ciclos de gramaticalização de XPs pronominais e adverbiais, os quais podem estar passando de XPs lexicais a XPs expletivos.

Em síntese, uma maneira de interpretarmos teoricamente (i) a emergência de pronomes fracos, (ii) a ocorrência de pronomes e advérbios leves com perda de informação semântica, (iii) a possibilidade de redobro de itens locativos e (iv) a emergência da ordem [Adv V DP] é assumirmos que tais construções refletem, ao final das contas, as estratégias que o PB contemporâneo vem utilizando para compensar a perda de licenciamento de sujeitos nulos. Na próxima seção, apresentamos a proposta teórica para explicar por que o PB vem acionando XPs de natureza expletivizada ou com perda de informação semântica.

3. Proposta Teórica

No âmbito da gramática gerativa, assume-se que, para uma língua figurar com a posição de sujeito nula, é necessário que essa língua exiba um paradigma flexional de pessoa rico no singular e plural. Assim sendo, o traço Agr forte seria o traço definidor para permitir que uma língua acione positivamente o parâmetro do sujeito nulo. Não obstante, é possível encontrar contraevidências a essa predição paramétrica. Estudos recentes no âmbito do programa minimalista vêm mostrando que há, sim, línguas que podem licenciar, ou não, o sujeito nulo, independentemente do fato de o traço Agr ser forte ou não. Línguas como o islandês moderno, por exemplo, que embora apresente concordância forte, não permite a ocorrência de sujeitos nulos, oposto ao que se esperaria. Segundo Sigurðsson (1994, apud Kato, 1999), o islandês antigo, embora tenha morfologia flexional rica para pessoa no singular e plural, não licencia sujeitos nulos correferenciais. O paradigma flexional rico de pessoa do islandês pode ser visualizado pelo quadro abaixo:

 

Quadro 3. Paradigmas dos verbos segja (dizer) e sjá (ver), do islandês antigo e moderno (adaptada de Kato, 1999: 6)

Islandês Antigo

Islandês Moderno

S

Segi

é

Segi

S

Segir

sér

Segir

sér

S

Segir

sér

Segir

sér

P

Segjum

sjáum

segjum

sjáum

P

Segit

sjáit

segið

sjáið

P

Segja

sjá

segjá

sjá

 

Como é possível observar, há apenas um sincretismo no islandês antigo e no islandês moderno. A perda de sujeitos nulos referenciais nessa língua não pode, portanto, estar atrelada ao enfraquecimento da concordância, já que o paradigma flexional dessa língua não apresenta quaisquer mudanças desse tipo. Em suma, podemos intuir que esta língua possui sim traço agr forte.

O PB atual também apresenta um comportamento semelhante ao islandês no que se refere à correlação entre a força de Agr e o preenchimento da posição de sujeito. Lamoglia Duarte (1993), em análise do fenômeno do sujeito nulo no PB, encontra resultados bastante interessantes. Investigando o enfraquecimento do paradigma flexional nessa variante do português, a autora verifica que a 1ª pessoa do singular é a que ainda apresenta desinência número-pessoal distintiva. No entanto, é exatamente nesse contexto que há um número cada vez mais reduzido de sujeitos nulos. Os dados abaixo, retirados do trabalho da autora, ilustram este fato:

(40) a. Eu não posso mais ficar aqui a tarde toda não.

b. Eu tirei quatro notas vermelhas.

c. Eu preciso dar um jeito na minha vida.

(41) Eu não sei se eu vou conseguir numa sessão só.

Com a presença de morfologia flexional de número e pessoa, instanciada nos exemplos acima pelo morfema verbal {-o}, esperar-se-ia que a posição de sujeito aparecesse nula. No entanto, não é o que acontece.

Na vertente oposta, há o caso do chinês, que, apesar de não conter marca morfológica número-pessoal nos verbos, permite que a posição de sujeito se apresente foneticamente nula. Conforme salienta Huang (1984), o chinês é uma língua que apresenta uma flexão pobre, pois o paradigma verbal nessa língua não possui marcas de modo, tempo, número e pessoa. Contudo, essa língua licencia categorias vazias não só na posição do sujeito, mas também na posição de objeto. Huang (1984)conclui que essas categorias vazias que aparecem na posição de sujeito comportam-se como variáveis ligadas a um tópico nulo. O dado abaixo, do chinês, ilustra bem este contexto, visto que o sujeito da oração encaixada é correferente com o sujeito da oração matriz:

(42) Zhangsami shuo ei. bu renshi Lisi. (Modesto, 2004: 124)

Zhangsam disse [ele] não conhece Lisi.

‘Zhangsam disse que ele não conhece Lisi’.

Em suma, o que línguas como o chinês, o islandês e o PB contemporâneo (em contextos com 1ª pessoa) sinalizam é que o licenciamento de sujeitos nulos ou de sujeitos obrigatórios parece não ter qualquer conexão com o fato de o paradigma verbal conter morfemas de concordância número-pessoal, para o singular e plural. Evidências empíricas como essas levam-nos ao seguinte questionamento:

· O traço Agr realmente desempenha papel essencial no acionamento do parâmetro do sujeito nulo?

Tendo em conta os dados do islandês, do chinês e do PB atual acima, proporemos que Agr não desempenha papel tão crucial no licenciamento de sujeitos nulos. Assim sendo, acompanharemos a proposta de Holmberg (2000)[5] para o islandês e assumiremos, doravante, que Agr está apenas relacionado com o mecanismo de valoração do traço [uD] e que o traço que engatilha o preenchimento de Spec-TP é o traço [uP]. Se essa análise estiver mesmo correta, a capacidade de acionar o parâmetro do sujeito nulo em uma determinada língua estará diretamente conectada com a natureza dos traços [uD] e [uP] do núcleo To.

O traço [D], conforme formulado em Chomsky (1995), equivale ao traço EPP[6]. Entretanto, o EPP, pelas versões mais atualizadas da teoria gerativa, que se consolidaram a partir de Chomsky (1998), deve ser entendido como um traço de margem que requer que a posição de Spec-TP seja preenchida por alguma categoria. Desse modo, o preenchimento da posição de Spec-TP e a satisfação a EPP pode dar-se de maneiras variadas, a saber: (i) pelo movimento de um DP temático; (ii) pela inserção de um XP expletivo; (iii) por pronomes clíticos; (iv) ou, ainda, por meio de afixos de concordância que se adjungem ao núcleo To. Para detalhes dessa última possibilidade, remeto o leitor ao texto mais recente de Duarte (2008) sobre a distribuição de pronomes fracos, clíticos e afixos no crioulo de Guiné Bissau, no avá-canoeiro e no tenetehára. Contudo, sob essa perspectiva de análise, teríamos de assumir que toda língua que apresenta o traço [D] forte obrigatoriamente apresentaria a posição de sujeito preenchida por algum item XP. Os dados empíricos de línguas de sujeito nulo desmentem essa correlação, uma vez que, nessas línguas, a posição de sujeito pode aparecer preenchida por um elemento pronominal expletivo foneticamente vazio (pro). Por essa razão, para dar conta de fatos como esses, proporemos alternativamente que EPP deva ser visto como sendo reflexo de dois traços distintos, a saber: o traço [uD] e o traço [uP]. Nessa linha de investigação, o que diferirá as línguas quanto à satisfação ao EPP e quanto ao licenciamento de sujeito nulo ou não será a maneira como elas parametrizam tais traços. Em suma, será necessário fatorar o EPP nesses dois traços. Adicionalmente, lançaremos mão da proposta de Chomsky (1995, 1999) segundo a qual os traços formais podem ser fortes ou fracos [7] e ininterpretáveis e interpretáveis. Segundo essa teoria, os traços ininterpretáveis são aqueles que motivam o movimento visível dos itens lexicais, em geral, com o seu movimento para posições no domínio funcional da sentença. Com base nessa abordagem, propomos decompor o EPP em dois traços distintos, conforme apresentamos no quadro a seguir:

 

Quadro 4. Fatoração de EPP

Traço

Força

EPP

uP

+/-

uD

+/-

 

Por meio dessa formulação no quadro em 4, é possível dar conta da intuição de que EPP é uma propriedade sintática que pervaga todas as línguas. O que é novo nessa proposta é que os traços que constituem o EPP serão parametrizáveis de língua para língua, de sorte que podem entrar na derivação como fracos ou fortes. Tomando por base a fatoração do EPP, assumiremos que as variações interlinguísticas relacionadas ao parâmetro do sujeito nulo ficam assim reduzidas às propriedades dos subtraços que constituem o EPP. Em suma, esta abordagem permite-nos propor, pelo menos, quatro subtipos de línguas no que concerne ao acionamento de sujeito nulo e do sujeito obrigatório:

 

Quadro 5. Natureza dos traços [D] e [P] nas línguas de sujeito nulo e de sujeito obrigatório

Tipo de Língua

Concordância[8]

Posição do sujeito

Natureza da força dos traços [D] e [P]

1

+Agr

Vazia

uD [forte]

uP [fraco]

2

+Agr

Preenchida

uD [forte]

uP [forte]

3

-Agr

Vazia

uD [fraco]

uP [fraco]

4

-Agr

Preenchida

uD [fraco]

uP [forte]

 

Assim sendo, as interações entre traço fraco e traço forte podem ser entendidas da seguinte maneira nos quatro tipos de línguas:

(a) línguas do tipo 1 exibem concordância forte. O traço [uD], então, é também forte e pode ser valorado por meio dos traços-phi do verbo. Como o traço [uP] é fraco, a posição de sujeito aparece vazia, e este traço é valorado apenas em Forma Lógica (LF). Este seria o caso, por exemplo, das línguas verdadeiramente pro-drop, como o PE, o italiano, o espanhol, etc. A configuração sintática de línguas como essas tem a seguinte estrutura[9]:

(43)

(b) línguas do tipo 2 apresentam concordância forte, mas a posição de sujeito deve ser obrigatoriamente preenchida. O islandês exemplifica as línguas desse tipo. Agr, em línguas como essas, é redundante, já que o XP na posição de sujeito pode valorar os traços [uD] e [uP], concomitantemente. O preenchimento da posição de Spec-TP pode dar-se, então, por meio de Merge interno de um XP ou de Merge externo de um expletivo. Observem a configuração abaixo:

(44)

(c) línguas do tipo 3 têm morfologia flexional fraca, por isso [uD] é fraco. O traço [uP] também é fraco. Este tipo de língua pode ser exemplificado pelo chinês. Os traços [uD] e [uP] são valorados em LF. A posição de Spec-TP não é projetada, como se vê a seguir:

(45)

(d) línguas do tipo 4 contêm um paradigma flexional pobre. Portanto, o traço [uD] é fraco. O traço [uP], no entanto, é forte. Então, os dois traços ininterpretáveis serão valorados por meio de Merge interno ou por meio de Merge externo de um XP na posição de Spec-TP. Esse é o caso do inglês, conforme mostra a configuração sintática a seguir:

(46)

No entanto, o quadro em 5 não esgota todas as possibilidades em relação à satisfação a EPP e ao licenciamento do sujeito nulo. Conforme salienta Holmberg (2008), há ainda línguas que ocupam uma posição intermediária em relação à maneira como operam com os traços [uD] e [uP] do núcleo T. Essas línguas são classificadas, pelo autor, como “línguas de sujeito nulo parcial”, uma vez que apresentam sujeitos nulos apenas em determinados contextos. Para Holmberg (2008), são exemplos de línguas de sujeito nulo parcial o PB, o Marathi e o Finlandês. Para dar conta de línguas como essas, devemos postular que os traços ininterpretáveis [uD] e [uP] do núcleo To variam entre fraco e forte, dependendo do contexto. Pode ser que essa variação quanto à força dos traços [uD] e [uP] esteja conectada com algum processo de mudança paramétrica em curso na língua com relação ao parâmetro de sujeito nulo. Curiosamente, essa parece ser justamente a situação do PB que, conforme vêm demonstrando os resultados da sociolinguística quantitativa, é uma língua que apresenta, de fato, uma mudança paramétrica em progresso quanto ao parâmetro do sujeito nulo, no momento sincrônico. A prova maior disso pode ser encontrada pelo fato de que, no PB atual, detecta-se uma significativa emergência da ordem [XP V (DP)] em contextos em que a língua não-contemporânea acionaria sujeitos nulos. Em vista disso, o PB e as outras línguas de sujeito nulo parcial possivelmente instanciam outra possibilidade, conforme formulamos no quadro abaixo:

 

Quadro 6. Natureza dos traços [D] e [P] nas línguas de sujeito nulo parcial

Tipo de Língua

Posição do sujeito

Natureza da força dos

traços [D] e [P]

5

Vazia

uD [forte]

uP [fraco]

Preenchida

uD [fraco]

uP [forte]

 

Línguas do tipo 5 permitiriam o sujeito figurar foneticamente nulo em determinados contextos; opcionalmente nulo em outros contextos; e, finalmente, sempre preenchido em outros contextos. Vejam que o PB contemporâneo parece justamente ilustrar o tipo 5 de língua acima. Por essa razão, o objetivo da subseção seguinte será investigar como se dá a valoração dos traços [uD] e [uP] do núcleo To, no PB contemporâneo.

4. PB contemporâneo: uma língua de sujeito nulo parcial?

Os dados do PB contemporâneo, exibindo a ordem [XP V DP], apontam que essa variante do português se distancia de outras línguas românicas, já que apresenta a posição de Spec-TP preenchida. Não obstante, difere-se, também, de línguas que obrigatoriamente exigem o preenchimento obrigatório da posição de Spec-TP, por permitir contextos nos quais a posição de sujeito pode vir vazia. Notem que a natureza da força dos traços [uD] e [uP] do núcleo To é o que nos permite classificar o PB como sendo uma língua de sujeito nulo parcial. A razão é simples: o PB contemporâneo, diferentemente do PB não-contemporâneo, permite que o sujeito possa figurar opcionalmente nulo em certos contextos e sempre preenchido em outros contextos, conforme mostram os dados a seguir:

Opcionalmente nulo:

(47) a. __ Estou com fome.

(47) b. Eu estou com fome.

(48) a. __ Tá chovendo pra caramba.

(48) b. O tempo tá chovendo pra caramba.

Obrigatoriamente preenchido:

(49) a. Facilitando o troco com dinheiro trocado, você não fica parado.

(49) b. * Facilitando o troco com dinheiro trocado, __ não fica parado.

(49) c. ?? Quando __ facilita o troco com dinheiro trocado, __ não fica parado. (leitura ambígua)

(50) a. Gnt, você vê a diferença.

(50) b. *Gnt, ___ vê a diferença.

(51) a. Você vê muito concreto na tua frente.

(51) b. */???? ___ vê muito concreto na tua frente.

(52) a. vai o Brasil para mais um jogo contra a Argentina[10].

(52) b. ????___vai o Brasil para mais um jogo contra a Argentina .

(52) c. ????___vai o Brasil para mais um jogo contra a Argentina.

(53) a. Mário não comeu nada hoje.

(53) b. *____ não comeu nada hoje.

(54) a. No exterior você usa orações subordinadas ou desordenadas.

(54) b. *No exterior ____ usa orações subordinadas ou desordenadas.

Conforme se pode notar pelos exemplos acima, parece haver uma gradação de uso do sujeito nulo no PB atual. Em contextos como em 47 a,b e 48 a,b, o PB pode apresentar a posição de sujeito vazia ou preenchida. Quando está vazia, o sujeito nulo pode ser identificado pelo morfema de concordância de 1ª pessoa do singular no verbo. Já em contextos como em 49 a, o PB exige o preenchimento obrigatório da posição de sujeito. Caso não ocorra a ocupação lexical de Spec-TP, como em 49 b e 49 c, a leitura da sentença fica agramatical ou degradada. A necessidade de preenchimento obrigatório fica também evidenciada ela agramaticalidade das sentenças de 50 b a 54 b. Todavia, conforme já citado anteriormente, o preenchimento lexical da posição de sujeito com verbos flexionados na 1ª pessoa causa certo estranhamento. Apesar de ser um dos poucos morfemas distinguíveis no paradigma flexional do PB atual, a 1ª pessoa é a que tem aparecido mais frequentemente preenchida. Lamoglia Duarte (1993) observa que este fato é inusitado. Ao proceder a uma análise de cunho quantitativo, considerando a realização do sujeito pleno (preenchido) no PB, a autora demonstra que o contexto onde há maior aceitação de sujeitos preenchidos é aquele com a 1ª pessoa do singular. Segundo a autora, “a 1ª pessoa (...) é a que se encontra em mais adiantado estágio de mudança em direção a um sistema não pro-drop” (Lamoglia Duarte, 1993: 123). Esse fenômeno pode ser explicado por meio da “escala de referencialidade”, proposta por Cyrino, Lamoglia Duarte e Kato (2000), conforme se vê abaixo:

 

 

A partir da figura 1, acima, é possível visualizar que os itens mais específicos e mais referenciais encontram-se na periferia direita. Então, o preenchimento da posição de sujeito ocorreria, primeiramente, com as 1ª e 2ª pessoas. Já a 3ª pessoa, por conter os traços [+ específico] e [+ referencial], além dos traços [+ humano] e [- humano], apresentaria maior resistência ao preenchimento. Ainda em relação à 3ª pessoa, Silva (2006: 39) comenta que:

embora já predominem os sujeitos plenos com traços [- humano] e [- específico], é aí que os índices de sujeitos pronominais nulos são mais altos. Os sujeitos não-argumentais, no extremo esquerdo do contínuo, são os mais resistentes à pronominalização por um expletivo lexical.

Em suma, o fato de o PB contemporâneo favorecer preenchimento do sujeito, particularmente nos contextos em que há morfemas de primeira pessoa, conforme mostram os resultados quantitativos de Lamoglia Duarte (1993), serve-nos de sustentação adicional a favor da hipótese de que, de fato, Agr não é realmente um fator preponderante no acionamento do sujeito nulo. Para retomar os dados do PB, repetimos aqui o exemplo 48 a como 55:

(55) ___ Tá chovendo pra caramba.

Neste exemplo, com predicado atmosférico, a posição de sujeito pode ficar nula, sem a presença de um XP foneticamente realizado. Verifica-se, então, que este parece ser um contexto de resistência, pois, conforme alega Holmberg (2008: 4), “com predicados que não tenham sujeito theta-marcado, as línguas pro-drop parciais geralmente não têm nenhum sujeito preenchido”. [11]

Apesar de Holmberg (2008)[12] não citar, o PB atual apresenta contextos com elementos que aparecem expletivizados, mesmo em posição de sujeito de verbos atmosféricos. Esses, inclusive, são os que o autor arrola como suscitando a obrigatoriedade de não-preenchimento. Todavia, não é o que vemos nos dados do português a seguir:

(56) A chuva tá chovendo forte. Ela chove sem parar. (corpus de fala de itaúna)

(57) A chuva tá chovendo grossa. (fala espontânea)

(58) Este dia choveu muito. (fala espontânea)

(59) Aqui neva sempre. (fala espontânea)

O que os dados em 56 a 59 com predicados cujos núcleos são verbos atmosféricos permitem-nos concluir é que o PB contemporâneo tem passado a preencher a posição de sujeito, inclusive em contextos considerados como de sujeito nulo obrigatório. Tomando por base dados como esses, nossa hipótese é a de que o PB atual se encontra em um processo de mudança, onde a ordem [XP V (DP)] começa a se insinuar no sistema mesmo em contextos contendo verbos impessoais, inacusativos e transitivos. Em síntese, o português do Brasil começa a apresentar novas estratégias para permitir a valoração do traço EPP. Contudo, o que se observa é que, diferentemente do inglês e do francês, o PB ainda não elegeu itens específicos para figurarem como expletivos em contextos com verbos existenciais e atmosféricos. É por essa razão que, no PB, itens XPs de natureza semântica variada são inseridos na posição de Spec-TP para satisfazer ao traço [uP] do núcleo To. Em suma, essa operação sintática pode ser vista como sendo o reflexo da mudança paramétrica em curso no PB. Esta mudança pode ser descrita da seguinte maneira:

O núcleo To passa a apresentar o traço [uP] forte, o qual precisa ser valorado na sintaxe estrita em construções que não mais apresentam a opcionalidade do sujeito nulo, diferentemente do que ocorre no PB não-contemporâneo.

A derivação proposta em 59 b, abaixo, pressupõe que a checagem do traço ininterpretável [uP] dá-se por meio da inserção de um item expletivizado diretamente na posição de Spec-TP. Já a checagem deste mesmo traço dá-se por meio do movimento de um XP temático de dentro do VP para a posição de Spec-TP, conforme mostra a derivação sintática proposta em 60 b.

(59) a. tinha um trem .

(59) b.

(60) a. Eles acha isso bonito.

(60) b.

Como é possível observar nas estruturas arbóreas acima, a presença do XP em Spec-TP possibilita a valoração do traço ininterpretável [P] no núcleo To. Este é um traço apenas fonético, o que quer dizer que um XP de qualquer categoria semântica pode proceder à sua valoração. Outra observação é que os XPs figurando em Spec-TP podem ser provenientes do movimento (Merge Interno) de qualquer outra parte da sentença, ou da inserção direta (Merge Externo) nessa posição, no caso de um expletivo.

5. Considerações finais

Em análise da emergência da ordem [XP V (DP)] no PB contemporâneo, propomos a fatoração de EPP em dois traços distintos: [uD] e [uP], cuja valoração está submetida a parametrizações de língua para língua. Esta análise nos permite analisar o fenômeno do sujeito nulo de forma mais consistente, já que dá conta de explicar as variações interlinguísticas referentes ao seu acionamento. De acordo com essa proposta, Agr tem apenas uma função secundária no licenciamento de sujeitos nulos, já que nem sempre a sua presença no sistema leva à ocorrência obrigatória do sujeito nulo. Em suma, a presente análise defende que o PB atual é uma língua de sujeito nulo parcial. É essa propriedade gramatical que permite que a posição de sujeito figure opcionalmente nula em certos contextos e sempre preenchida em outros. Dessa maneira, a emergência da ordem [XP V (DP)] em construções com verbos existenciais, inacusativos e impessoais pode ser descrito como o efeito colateral da maneira como o traço EPP é valorado no PB contemporâneo.

 

Referências

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Notas

[1] Rizzi (1986) afirma que a possibilidade de pro ocorrer numa configuração implica condições de licenciamento e de identificação. Segundo o autor, o licenciamento de pro dá-se por meio de uma condição “formal”, através de regência por Infl (de Inflection – flexão), capaz de atribuir Caso nominativo; e a identificação de pro dá-se através de módulo semântico identificador, que requer uma coindexação com traços fortes de Agr (de Agreement – Concordância de número e pessoa), contidos na categoria Infl, que rege pro.

[2] Sincretismo: duas formas verbais com flexão idêntica.

[3] Sobre a correlação entre pronome fraco e desinência verbal, Ramos (2006) analisa o seguinte dado:

· Es inventa um bocado de coisa. (E42)

Para a autora, “com o pronome foneticamente reduzido, o verbo fica na 3ª pessoa do singular, não havendo concordância de número com o verbo (...). Parece que o pronome não forte ‘compensa’ a desinência verbal. Em outras palavras, ele desempenharia a função da desinência” (Ramos, 2006: 76).

[4] Vitral e Ramos (2006) analisam contextos com o item você funcionando como expletivo, conforme o dado a seguir:

(i) Em Kioto você tem aquela confusão nas ruas.

Em citação a Lamoglia Duarte (1997), os autores argumentam que o uso de você, no dado acima, pode ser interpretado como uso expletivo de uma forma pronominal no português, já que “não pode ser interpretado como possuidor: ele aparece numa posição não temática e sua presença não pode ser explicada como resultante de movimento a partir de outra posição sintática da sentença. Não pode também ser classificada como vocativo, por não ter recebido entoação marcada.” (Vitral & Ramos, 2006: 87).

[5] Segundo Holmberg (2000: 445), nas línguas escandinavas ocorre um fenômeno sintático que o autor nomeia de Stylistic Fronting. O Stylistic Fronting é “uma operação que move uma categoria (...) para o que parece ser a posição de sujeito quando esta posição é vazia (...)” . O que atrai qualquer categoria para essa posição é o traço [uP], contraparte fonológica do traço EPP.

[6] Nas palavras de Chomsky (1995: 232): “The Extended Projection Principle (EPP) plausibly reduces to a strong D-feature de I (...). Then, references to the EPP will be expressed in terms of strong D-features.”

[7] Segundo Chomsky (1995: 222), “feature strength is one element of language variation: a formal feature may or may not be strong, forcing overt movement that violates Procrastinate. A look at cases suggests that the [± strong] dimension is narrowly restricted, perhaps to something like the set of options (1).

(1) If F is strong, then F is a feature of a nonsubstantive category and F is checked by a categorical feature.”

[8] Agr, nesta tabela, relaciona-se à força do traço [uD], e não à relação direta com a possibilidade de acionamento do parâmetro do sujeito nulo.

[9] Assumiremos que línguas que aceitam a posição de sujeito ser invariavelmente nula não projetam a posição de especificador na categoria funcional TP. Para dar conta deste fato, assumiremos que a categoria vazia pro tem de ser dispensada do componente sintático da gramática.

[10] Para Franchi et alii (1998: 108), citado por Lamoglia Duarte (2004: 4), “essas construções ‘têm a particularidade de se ancorarem de um modo generalíssimo em um campo espaço-temporal’ levantando a questão sobre a ‘necessidade de postular essa ancoragem como parte integrante da construção e sobre o que a licencia sintática e lexicalmente”. Eles chamam atenção ainda para o fato de PPs locativos e advérbios ( e ) parecerem fazer parte integrante da construção a que se inserem, de tal modo a funcionarem como um argumento adicional.

[11] Tradução minha. Versão original: “With predicates which do not have a theta-marked subject the partial pro-drop languages generally have no overt subject.” (Holmberg, 2008: 4).

[12] Contudo, em nota, o autor observa que, em princípio, expletivos não seriam excluídos da posição de sujeito. O finlandês, por exemplo, emprega um sujeito expletivo em certas construções como uma alternativa para satisfazer ao traço EPP da sentença (cf. Holmberg & Nirkane, 2002: 71). Observe:

(1) Sita leikkii lapsia kadulla.

expl play children in street.

‘Children play in street’.