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Finisterra - Revista Portuguesa de Geografia

versão impressa ISSN 0430-5027

Finisterra  no.93 Lisboa jun. 2012

 

ARTIGO ORIGINAL


 

Poder político, território e crise ambiental na Colômbia

 

Political power, territory and environmental crisis in Colombia

 

Pouvoir politique, territoire et crise environnementale en Colombie

 

 

Oscar Buitrago Bermúdez1; Antonio Cezar Leal2

1Professor do Departamento de Geografia, Universidade do Vale, Colômbia. E-mail: oscar.buitrago@correounivalle.edu.co

2Professor do Departamento de Geografia, Faculdade de Ciências e Tecnologia, Universidade Estadual Paulista, Brasil. E-mail: cezar@fct.unesp.br

 

 

RESUMO

Expõem-se algumas formas de operação do poder político do Estado colombiano e seus impactos sobre a gestão ambiental e o território. A análise realizada aproveita parte dos resultados de pesquisa doutoral que visou entender os fundamentos normativos e institucionais e as práticas do gerenciamento dos recursos hídricos em duas áreas de influência metropolitana da América do Sul. O marco teórico, sustentado no pensamento crítico, começa por fazer uma aproximação ao conceito de poder para, posteriormente, vinculá-lo aos conceitos de território e governança. Na seqüência, apresentam-se elementos empíricos, obtidos das entrevistas realizadas a atores públicos e privados da gestão ambiental do Departamento do Vale do Cauca, que manifestam a forma como opera o poder político dos últimos governos colombianos na estrutura institucional ambiental. Conclui-se que a interferência autoritária do poder executivo tem gerado crise na estrutura institucional e facilitado os avanços do modelo capitalista neoliberal.

Palavras-chave: Colômbia, governo autoritário, crise institucional ambiental.

 

ABSTRACT

We describe some forms of operation of the political power of the Colombian State and their impacts on the territory. The analysis uses some results of a doctoral research that sought to understand the institutional and regulatory foundations and the water management practices in two metropolitan areas of South America, Cali in Colombia, and Campinas in Brazil. The theoretical framework, primarily based on critical thought, starts by making an approach to the concept of power and then links it with the concepts of territory and governance. We present empirical evidence on how the political power of the Colombian State operates on the environmental institutional structure. We concluded that the authoritarian interference of the executive power has generated crisis on the institutional framework and facilitated the advancement of the neo-liberal capitalist model.

Keywords: Colombia, authoritarian governance, environmental institutional crisis.

 

RÉSUMÉ

On expose plusieurs formes d’opération du pouvoir politique de l’État Colombien ainsi que ses impacts sur la gestion environnementale et le territoire. L’analyse réalisée exploite une partie des résultats d’une recherche doctorale dont l’objectif était de comprendre les fondements normatifs et institutionnels ainsi que les pratiques de gestion des ressources hydriques dans deux zones d’influence métropolitaine d’Amérique du Sud. Dans ce sens, la base théorique, étayée par une pensée critique, commence par aborder le concept de pouvoir, pour, ultérieurement, l’associer aux concepts de territoire et de gouvernance. On présente des éléments empiriques de la façon dont le pouvoir politique des gouvernements colombiens procède au sein de la structure institutionnelle environnementale. On conclut que l’interférence autoritaire du pouvoir exécutif a provoqué une crise au sein de la structure institutionnelle et facilité les avancées du modèle capitaliste néolibéral.

Mots-clés: Colombie, gouvernement autoritaire, crise institutionnelle environnementale.

 

 

I. BREVE CONTEXTO DA NAÇÃO COLOMBIANA

A Colômbia é um país estrategicamente localizado no centro do continente americano, com litorais no oceano Pacífico e no mar Caribe, possuindo um território de 1.141.748 km2e uma população projetadai para 2010 de 45.508.205 habitantes (DANE, 2010)ii. Em termos da organização político-administrativa, constitui uma República Unitária com 32 departamentos, um Distrito Capital e 1.103 municípios. Em função da localização geográfica, o país conta com uma enorme riqueza de recursos naturais.

Para entender a atual situação política e social da Colômbia, é preciso remontar às origens da ocupação do território. As sociedades pré-colombinas, no que hoje se conhece como território nacional colombiano, caracterizavam-se por uma significativa diversidade cultural e regional e, apesar do traço comum da organização do trabalho comunitário e do respeito às tradições, distinguiam-se estas sociedades tanto pelos intercâmbios de mercadoria, como pelos conflitos. Com a implantação do projeto colonial espanhol, os grupos sociais procedentes da Península Ibérica instauraram relações escravistas, caracterizadas pela dominação e subjugação dos poucos indígenas que sobreviveram e, sobretudo, pela importação de mão-de-obra escrava da África. O caráter discriminatório desta sociedade baseava-se politicamente nas relações verticais senhor – escravo, nas quais este último era considerado apenas como um agente capaz de proporcionar benefícios sem direito algum (Hernández, 2001).

No cenário colonial espanhol apareceu um novo grupo social, o filho de espanhol nascido na Colômbia, chamado Criollo, que acabou acumulando descontentamento com o modelo de administração espanhol. Esse grupo sofreu a influência das novas ideias políticas da Europa e passou a defender a independência nacional e o republicanismo, contando com o apoio incondicional das potências da época. Na realidade, os Criollos queriam negociar os produtos coloniais diretamente com a Inglaterra e a Holanda; sua intenção não foi consolidar uma República, senão aproveitar a independência para o benefício econômico da nova elite (Romero, 2001).

Os homens que lideraram as guerras de independência apropriaram-se de enormes quantidades de terra e a economia do país continuou sustentada na fazenda. A partir deste momento, começa uma luta permanente entre as elites locais pelo controle do poder nacional e regional: guerras civis e mudanças nas regras do jogo, mesmo que consagradas nas constituições nacionais, fizeram um país instável e impediram a conformação de uma sociedade com caráter comunitário (Hernández, 2001). Neste cenário aparece a luta pela terra entre fazendeiros e camponeses, a qual junto à fraca democracia política e eleitoral, evidenciada nas violentas pugnas entre os dois partidos políticos hegemônicos na época (Liberal e Conservador), levou à formação de movimentos armados, os quais, a partir da segunda metade do século XX, fortaleceram-se com receitas provenientes de seu relacionamento com o narcotráfico, a extorsão e o sequestro (Kalmanovitz, 2001; Velez, H. Citado por Machado, 2002: 269; Reyes, 2008).

A expansão do mercado internacional de entorpecentes introduz na Colômbia um novo eixo de produção que garantiu grandes volumes de entrada de divisas, transformando profundamente as relações sociais, corrompendo as instituições políticas e alterando o próprio sentido da moralidade nas instituições colombianas. O narcotráfico foi aproveitado também pela guerrilha de esquerda para financiar a escalada armamentista em sua luta contra o Estado. Adicionalmente, aparecem forças de segurança privadas, chamadas paramilitares, mais beligerantes e violentas, cujo objetivo é fornecer segurança aos grandes proprietários de terras continuamente atacados pela guerrilha. No seio deste conflito, fica a sociedade civil colombiana envolvida num ambiente de morte e dor (Reyes, 1998, 1999, 2009).

Os elementos dos conflitos na Colômbia são estruturais, alguns de caráter local ou nacional e outros, internacionais. Em relação aos primeiros, está a pobreza dos municípios, os quais são periferia política e econômica do centro do país e, portanto, aproveitados pela agricultura de cultivos ilícitos, no envolvimento forçado de pes- soal para as guerrilhas e, em geral, constituem ambientes propícios para confrontos entre exército, guerrilha e paramilitares, cada um com seus próprios interesses. Estes atores executam instrumentos para consolidar a sua territorialidade, o que resulta num campo de poder tenso e violento, enfraquecendo a população e o país. Ainda à escala nacional, deve referir-se a presença de uma guerrilha de velha data que disputa o poder ao Estado aristocrata colombiano e que transforma os meios tradicionais de luta numa guerra de elevada tecnologia, sustentada no dinheiro do narcotráfico e atuando em regiões ricas em recursos naturais estratégicos, como o petróleo e a água (Cuellar, 2000; Cartagena, 2001).

À escala internacional, o mercado ilegal de substâncias psicoativas, altamente rentável, vincula o país numa cadeia de produção e distribuição global que está orientada, principalmente, para o maior consumidor, os Estados Unidos, e representa uma componente essencial para a compreensão da complexidade do conflito armado em terras colombianas. Também o intervencionismo contínuo dos EUA é um elemento que se agrega à grave situação de ingovernabilidade da Colômbia. O Plano Colômbiaiii constitui uma ferramenta dos Estados Unidos para impor sua força no continente Latinoamericano.

Em 1991, a Colômbia fez um novo pacto social tentando envolver as distintas forças atuantes no território. Para tal, modernizou a Constituição Política e optou pelo modelo de República Unitária Descentralizada para organizar o poder político. Este novo cenário incorporou na vida institucional colombiana dois elementos contraditórios que acentuaram os conflitos sociais no país: o primeiro elemento, adoção dos princípios do desenvolvimento sustentável e, o segundo, crença no modelo neoliberal como uma forma de resolver os problemas econômicos do país. Na implementação do novo Estado, as autonomias regionais e locais têm ganho eventuais e notáveis progressos, embora a elite política dominante, mediante decisões autoritárias enquadradas em alianças bem elaboradas e sucedidas, obriga o retrocesso dos poderes locais e regionais, como se observa no caso da gestão ambiental da água.

Talvez a Colômbia seja um dos países mais atribulados do continente americano. Sua história demonstra continuamente os grandes equívocos na gestão das problemáticas sociais, econômicas e ambientais, os quais têm produzido uma espécie de amnésia e passividade social que, tal como uma couraça, isola cada sujeito e comunidade em sua cotidianidade e os afasta, na maioria dos casos, das suas responsabilidades políticas e sociais (Buitrago, 2010).

A história mostra que no atual panorama de conflito social na Colômbia, as distintas forças históricas e sociais, apresentam-se como uma intrincada rede de poder na qual é evidente a superposição de territorialidades originadas em distintas escalas espaço-temporais. Isto é bem ilustrado em palavras de Reyes (2008: 22-23):

“Como el país tiene aún abierta su frontera agrícola, hay procesos activos de colonización, que expulsan a los pueblos indígenas de sus territorios; hay regiones administrativas como colonias interiores desde las ciudades que operan como metrópolis, que concentran los excedentes y drenan recursos a las regiones colonizadas, como el litoral pacífico; hay procesos locales de insurgencia contra el centralismo que concentra los medios de administración; se expulsa población campesina que busca refugio en la periferia de las ciudades, donde la lucha por los espacios y recursos urbanos consume la vidad de los inmigrantes.”

 

II. PODER, ESTADO E TERRITÓRIO

Tentar dar uma definição de poder é uma tarefa que requer um estudo profundo das relações sociais nos diversos momentos históricos da humanidade e no quadro das diversas formações socioespaciais. Mas, para efeitos de estabelecer um ponto de vista, aceita-se o poder como uma relação de força na qual os envolvidos mantêm constante tensão, adquirindo materialidade através da espacialidade da sociedade (Castro, 2005).

O fato de manter uma relação de força envolve interesses, que fundamentam a existência das relações de poder. Assim, o interesse deve ser qualificado e, deste modo, é pertinente perguntar-se quais são os interesses que derivam em relações de poder? Galbraith (1983: 8) aproxima-se a uma resposta ao afirmar que:

“Os indivíduos e grupos [...] buscam o poder para promover seus próprios interesses, inclusive, e talvez principalmente, seus próprios interesses pecuniários. E para estender a outros os seus valores pessoais, religiosos ou sociais. E também a fim de obter apoio para a sua visão econômica ou alguma outra visão social do bem público.”

Entretanto, as pessoas, indistintamente do papel que desempenham na relação e em suas atividades, têm materialidade, possuem uma espacialidade, isto é, “[e]l poder solo adquiere materialidad, consistencia, presencia y movimiento en un espacio delimitado, no entendido éste como una intuición a priori no empírica, a la manera kantiana, o bien como uma mera forma física” (Canal, 2006: 17). Deste modo, é possível afirmar que o espaço onde se materializa o poder é o espaço social.

Foucault, citado por Canal (2006: 71) indica que:

“[...] podría escribirse toda una historia de los espacios – que sería a la vez una historia de los poderes –, desde las grandes estrategias de la geopolítica hasta las pequeñas tácticas del hábitat, de la arquitectura institucional, del salón de clase o de la organización hospitalaria, pasando por las implantaciones económico-políticas.”

Isto é, o espaço também é um atributo do poder. Assim, o poder como relação entre pessoas, instituições e organizações, possui espacialidade. Segundo a mesma autora, o poder:

“[...] es uma trama de relaciones, un juego de ejercicios y resistencias, una tensión constante, un Estado de guerra. El poder es fuerza y relación: una relación de fuerza [...] El poder se arraiga, adquiere peso, volumen, consistencia; se inscribe en los cuerpos, diseña muros y fronteras, se implanta en el suelo, marca su territorio: tiene la materialidad de una fuerza, aquiere visibilidad.” (Canal, 2006: 71).

Dominar a vontade do outro é o desejo de quem exerce o poder. E são distintos os meios ou mecanismos pelos quais uma pessoa ou organização estabelece relações de poder com outra.

Segundo Castro (2005), diversos autores têm concebido distintas tipologias de poder, que ela sintetiza em três classes: poder despótico, poder fundado na autoridade e poder político. Para a mesma autora, o poder político é o que interessa mais diretamente à Geografia. Entendido como o poder exercido para o beneficio comum, o poder político legítimo aparece no seio do Estado e utiliza diversos meios para, pretensamente, lograr o bem de todos. Todavia, também é preciso indicar que no Estado moderno capitalista o poder político concentra-se nas classes dominantes, denominado, por Poulantzas (1985), Estado de classes ou da burguesia ou da dominação política, que o usam para lograr seus próprios interesses, esquecendo sua dimensão social. Consequentemente, poder político e Estado vão de “mãos dadas”.

Segundo Bobbio (2010: 110), o poder político “es el poder que está en la posibilidad de recurrir en última instancia a la fuerza (y es capaz de hacerlo porque de-tenta su monopolio).” Para o mesmo autor, o poder político define implicitamente o meio pelo qual quem o possui consegue os efeitos desejados pelo mesmo, chamado poder supremo, isto é, o poder que distingue na sociedade o grupo dominante.

Para Kensel, citado por Bobbio (2010), uma sociedade humana cria uma organização, chamada Estado, para regular o uso da força. Não obstante, “[o] Estado [...] é um aparelho especial: possui uma ossatura material própria que não é redutível às relações (tal e qual) de dominação política” (Poulantzas, 1985: 15). O mesmo autor indica que o Estado é um arranjo institucional produzido pela sociedade, organizada histórica e economicamente em classes sociais, por meio do qual se exerce a dominação política, mas também é uma estrutura utilizada pelas classes dominantes para manter as relações de produção do modo capitalista. Porém, existem diversas funções do Estado além do domínio político e a reprodução das relações sociais de produção, como a segurança social.

O Estado para exercer seu poder político divide e uniformiza, divide quando trata juridicamente a cada individuo na sua relação de poder, mas homogeneíza quando cria as leis para normalizar o comportamento dos indivíduos e tratar os assuntos em face dele. Para Bobbio, citado por Castro (2005), o Estado e a soberania são as variáveis fundamentais do poder político. O poder político constitui-se numa rede de relações que produz o Estado para dominar, mas poder-se-ia entender o poder político e o Estado como um par que se co-produz. O poder político usa a força de forma exclusiva e excludente, portanto, é capaz de estabelecer a fronteira entre o permitido e o proibido, para o qual cria normas, leis, instituições, procedimentos e estratégias (Castro, 2005).

Além disso, o Estado desenvolve uma estrutura administrativa em forma de rede, única e unitária, através da qual administra o poder sobre a sociedade e o território (Castro, 2005). Essa estrutura administrativa do Estado, composta de instituições, garante o cumprimento das leis e normas, assim como a arrecadação de impostos, para o pretendido benefício comum. No entanto, o Estado moderno é passível de fortes críticas em razão de sua incapacidade de construir países viáveis segundo as prescrições européias posteriores ao século XVII, mais por assemelhar-se a um aparato coercitivo especializado ou um tipo de empreendimento especializado privado (Nandy, 1992). Ele foi usurpado pelos interesses do mercado, mas também é capaz de mostrar-se forte e implacável para o controle da sociedade (Quermes, 2006).

O Estado moderno capitalista usa as leis e normas para exercer o poder sobre os indivíduos e conseguir um ordenamento social dirigido ao mercado, as quais aparecem como uma forma legítima de praticar o poder e obter ou submeter a vontade dos indivíduos. As leis delimitam o livre arbítrio das pessoas, indicam o caminho e dirimem conflitos, mas também uniformizam comportamentos da população de um país e marginalizam povos que não participaram na sua criação. Em suma, o Estado moderno é um sistema de poder, do qual o sistema capitalista se serve para sobreviver e continuar prosperando (Bobbio, 2010).

Considera-se que a gestão e o planejamento ambiental são dois dos tantos meios de poder que o Estado capitalista possui para se territorializar, através dos quais continua reproduzindo sua hegemonia na tomada de decisões em favor das classes dominantes.

A territorialidade do Estado e a governança

As relações sociais configuram campos de poder que Raffestin (1993) denomina territorialidades, as quais são imbricadas em redes de forças e de nós organizados em hierarquias, que geram exclusões, compressões, tensões e rupturas. Quando este conjunto de forças está delimitado surge o território. Portanto, reconhece-se ao limite um atributo do território, ou seja, o perímetro, o que também significa conteúdo, mas também estar dentro e estar fora. Nem todas as territorialidades configuram o limite do território, mas somente aquelas capazes de negociar com os vizinhos, violenta ou pacificamente, o reconhecimento do conteúdo, do que está dentro, como propriedade da sociedade. Este é o caso dos Estados modernos que, ao negociar com os vizinhos, delimitam o território. No entanto, as territorialidades culturais, que Gottmann (apud Saquet, 2006; 2007) associa às iconografias, não diferenciam entre conteúdo e limite; assim, o limite não existe como um fato concreto. Este é uma borda, significando que faz parte do conteúdo, não como uma imposição negociada, mas como uma construção sociohistórica que se dissolve no espaço a partir de um ponto de origem. A borda mantém os atributos fundamentais do coração da cultura. Muitas vezes o limite do território do Estado não coincide com as bordas dos territórios culturais, isto é, a imposição de limites sobre bordas gera rupturas nas territorialidades locais.

Os conteúdos de um território são materiais e abstratos. Materiais quando têm volume e peso, atributos que são mensuráveis e respondem às forças da natureza. São abstratos aqueles referidos aos símbolos, normas, regras e instituições, que se mantêm ou modificam com as forças sociais e culturais. Tais conteúdos estão organizados como resposta aos interesses e intenções de uma sociedade num momento histórico. Deste modo, o território tem várias organizações de seus conteúdos, umas mais eficazes que outras. Assim, a organização dos conteúdos de um território pode ser objeto de ordenamento sempre que estes não oferecerem respostas apropriadas aos projetos sociais, econômicos, culturais e políticos da sociedade. Ou seja, iniciar o processo de ordenar o território, isto é, organizar de outra maneira os conteúdos, é resultado de uma evidente necessidade da sociedade. Pode-se falar de dois tipos de ordenamento: um que envolve a organização dos conteúdos materiais e outro que abrange a organização dos conteúdos abstratos. Evidentemente, a organização dos conteúdos responde aos interesses e desejos da totalidade da sociedade ou de alguma de suas classes, principalmente aquelas que possuem o poder, seja econômico e/ou político.

Uma determinada organização dos conteúdos de um território corresponde a campos de poder em um Estado de equilíbrio dinâmico, mas mudar esse ponto de equilíbrio dinâmico implica ordenar as relações sociais de poder, isto é, ordenar o território; ou seja, transformar as hierarquias para minimizar as exclusões, diminuir as pressões e tensões e recompor as rupturas. Por sua vez, mudar as hierarquias é gerar, em algumas regiões da rede, maiores tensões e até rupturas nas forças de poder, tendo em vista que alguns sujeitos resistem a perder o seu poder e, portanto, a sua posição na trama da rede.

Manter ou mudar esse ponto de equilíbrio dinâmico implica que a sociedade crie dispositivos de persuasão, os quais podem ir desde um discurso convincente e elaborado para tal propósito até ao uso de instrumentos de repressão física e psicológica. Segundo Poulantzas (1985: 113), “[d]esde as cidades e a urbanização até as fronteiras, aos limites e o território, passando pelas comunicações, o transporte, o aparelho e a estratégia militar, todos têm sua função enquanto dispositivos de organização do espaço social”. Deste modo, o espaço social é uma arena de confrontação dos interesses dos indivíduos ou grupos sociais na luta pelo poder, ou seja, um arranjo de forças dominado pelos mais poderosos. O poder político nas mãos do Estado aparece como uma das maiores forças que orienta as demais forças territoriais, através dos aparelhos de disciplinamento e controle. Mas uma força de maior poder é a do capitalismo, que aproveita o Estado e respetivos instrumentos para disciplinar a população e orientá-la para o mundo do consumo. O território dos Estados modernos, portanto, não é outra coisa que a sua representação espacial.

Normas, leis e instituições são instrumentos de domínio, controle e disciplina criados e usados pelo Estado moderno capitalista para exercer a sua territorialidade. Assim, através da territorialidade estatal e desses instrumentos as pessoas são compelidas ao poder do Estado, mas também entregues à esfera do poder econômico capitalista. Deste modo, políticas, estratégias, planos e processos de gestão são pensados e postos em funcionamento pelo Estado moderno para espalhar e sustentar a sua territorialidade e dominar os campos de poder territorial em favor do sistema mundo capitalista.

As normas e organizações que caracterizam o sistema político e administrativo dos Estados modernos têm sua origem “no processo histórico de conflito entre os interesses de grupos em territórios específicos” (Castro, 2005: 130). Por meio da resolução dos conflitos, mediante acordos, alianças ou guerras, o Estado moderno logra consolidar sua centralidade política e configurar um território que lhe é próprio, materializando-se espacialmente e incorporando pessoas e bens para exercer o seu domínio. O Estado estabelece redes administrativas que lhe permitem executar tal função e o nível de delegação do poder central do Estado aos poderes locais é um critério para estabelecer tipologias de Estado. Há dois modelos clássicos de organização dos Estados: o unitário ou centralizado e o federativo. No Estado unitário existe um alto grau de homogeneidade interna e coesão e a administração se exerce a partir da cidade capital. Todas as decisões sobre taxas, impostos e políticas públicas procedem do poder central. Por sua vez, o Estado federal baseia-se na diversidade e tem sua origem em alianças de coexistência entre regiões e povos para fundar o Estado.

Os Estados, pela sua forma de distribuir o poder, podem ser considerados simples ou compostos. Nos Estados simples só o nível nacional legisla, portanto, existe monopólio do parlamento nacional e podem ter três tipos de variações: centralista, desconcentrado e descentralizado. Os Estados compostos possuem vários níveis territoriais legislando, mas seu poder é confluente. Neste tipo, existe a divisão de competências entre poderes, a qual não precisa de ser, imperiosamente, a mesma para cada um dos níveis, assim como tampouco seu grau de implicação. Nos Estados compostos essa divisão se faz entre três poderes territoriais: no primeiro nível, denominado União ou Federação; no segundo nível, comunidades autônomas, Estados ou entidades federativas; e, por último, municípios.

Nesse caminho, aparecem propostas como a democracia, a qual torna-se um discurso e prática convincente da distribuição equitativa do poder. Mas também aparece o discurso do governo, sem importar-se como este se origina. O governo, em forma simples, é um acordo explícito no qual se cria uma hierarquia suprema de poder para dirigir o conjunto da sociedade e cada um de seus indivíduos. Talvez este seja um dos dispositivos de poder mais coercitivo, já que o sujeito outorga o poder sobre sua pessoa ao governo, por via democrática ou lhe é arrebatado pela violência. Nesta ampla gama de possibilidades de relações de poder aparece o governante e o governado. Nesta relação existe um ponto de equilíbrio quando o governado permite que o governante dirija, tanto sobre ele e suas relações quanto sobre o território e seus recursos. Mas o governado estará satisfeito sempre que o governante satisfaça suas necessidades e permita materializar seus desejos. Governante e governado são um binômio que conforma a ação de governo o qual sempre está em procura do equilíbrio.

Compartilhar o poder é um dos propósitos das formas modernas de governo. O Estado tradicionalmente possuiu o monopólio do poder, mas movimentos sociais e econômicos dos finais do século XX o forçaram a compartilhar o controle da sociedade e do território. Deste modo, aparecem atores sociais reclamando a participação nas estruturas de poder do Estado e surgem atores econômicos forçando-o a renunciar a parte de suas responsabilidades com a sociedade. Desta forma, o Estado compartilha seu poder com a sociedade civil e com agentes do mercado; as forças civis e as econômicas contrapõem o poder da hierarquia do Estado. Este tipo de processo é nomeado como governança, um sistema de manejo e controle da sociedade no qual aparecem e se reconhecem múltiplas forças que buscam equilibrar-se através da negociação contínua dos consensos.

Essa negociação demanda mecanismos mediadores, ou seja, regras de jogo: indicações do que fazer e não fazer, de como ser e não ser, e de como estar e não estar. Os sujeitos nas relações sociais de poder estão continuamente negociando as regras e buscando alterar os campos de poder, mas um sistema de forças busca a estabilidade dos campos de poder e, por natureza, o sistema tende, através de sua inércia, a rejeitar as mudanças radicais. Este mecanismo de negociação é a gestão, a qual constitui o processo de criação, validação e utilização dos instrumentos mediadores das relações de poder. Assim, a gestão é um processo contínuo de transações entre sujeitos possuidores de forças e capacidade para usar os mecanismos mediadores e tomar decisões. Tais agentes buscam manter a estabilidade da sua parcela de poder dentro de um campo de maior abrangência. Sem importar o tipo de configuração e o resultado histórico dos campos de poder, estes terão a gestão como um dispositivo para se regularem e se manterem estáveis.

Num sistema altamente hierarquizado a criação e uso dos mediadores estão concentrados naqueles níveis que centralizam o poder e as possibilidades de negociação dos níveis inferiores é pouca ou nula. Um modelo de sociedade justa apresenta, ao menos, dois atributos fundamentais: primeiro, o mínimo de hierarquia do sistema de poder; e, segundo, baixa concentração de poder nos níveis superiores. Evidentemente este modelo é uma utopia. Mas para se ter uma aproximação a esse modelo deve-se começar a construir o caminho.

Neste sentido, é fundamental o papel das comunidades e de cada um dos indivíduos. Para isso, precisa-se de pessoas e comunidades com elevada autoestima e autonomia, que valorizem seu lugar na organização do Estado e incorporem nas suas vidas cotidianas as atividades políticas. Este processo de empoderamento social aproxima mais a realidade ao modelo de sociedades utópicas, conhecedoras de seus recursos e necessidades e livres para tomar decisões responsavelmente. Este Estado demanda um processo de “desaprendizagem” das atitudes e conhecimentos alienadores próprios do modelo atual e uma recomposição da livre consciência do individuo e da coletividade. Os atributos dessa nova condição social devem definir-se em consenso e serem avaliados continuamente.

Na materialização das utopias sociais, desempenha um papel fundamental a educação, aquela que forma o sujeito para refletir, sem temor sobre si mesmo e a sociedade, participar ativamente da organização do Estado e entender que as relações de poder devem ser colocadas a serviço da conformação de uma sociedade livre e justa.

 

III. ESTRATÉGIAS DO GOVERNO NEOLIBERAL E PODER CAPITALISTA PARA O CONTROLE DO SETOR AMBIENTAL COLOMBIANO

Na análise apresentada a seguir, realizada no contexto social colombiano e no quadro teórico precedentes, utiliza-se parte da análise de conteúdo realizada às entrevistas e palestras obtidas no trabalho de campo de uma pesquisa que teve por objetivo entender o funcionamento institucional, normativo e as práticas do sistema de gestão dos recursos hídricos em duas áreas de influência metropolitana da América do Sul (Buitrago, 2012). Para tal, foram usadas técnicas qualitativas de pesquisa como a entrevista aberta e a análise dos discursos dos atores da gestão ambiental do Vale do Cauca, Colômbia. A escolha dos atores da gestão ambiental fundamentou-se na identificação de seu contexto de ações, o qual corresponde à estrutura institucional ambiental organizada pelo Sistema Nacional Ambiental (SINA), criado a partir da Lei n.° 99 de 1993 e constituído pelo conjunto de orientações, normas, atividades, recursos, programas e instituições que permitem a execução dos princípios gerais ambientais contidos na Constituição Nacional de 1991.

Com tal estrutura foi criado um Ministério encarregado de formular e dirigir as políticas ambientais e dos recursos naturais a partir de informações científicas, cinco institutos de pesquisa científica, 34 corporações autônomas regionais e de desenvolvimento sustentável (CAR) e quatro unidades ambientais nos maiores centros urbanos. As CAR têm como responsabilidade a conservação, preservação e proteção dos recursos naturais e do ambiente em suas respectivas jurisdições. Além destas, integram o SINA os departamentos, distritos, municípios e territórios de grupos étnicos, os quais têm funções de execução das políticas ambientais nacionais. O SINA incorpora as instituições estatais de controle, como a Contraloria General de la República (CGR), o máximo órgão de controle fiscal do Estado, o qual tem a obrigação de viabilizar o bom uso dos recursos e bens públicos, dentre eles os recursos naturais (MINAM-BIENTE, CVC, 2002). A figura 1 mostra a estrutura organizacional do SINA.

 

 

Apesar das disposições constitucionais sobre desenvolvimento ambiental sustentável, é possível afirmar que o modelo de administração que o Estado colombiano tem implementado no território está voltado principalmente para o desenvolvimento econômico e competitivo. Pelas entrevistas realizadas com os distintos atoresiv e estudiosos da gestão ambiental no âmbito nacional e regionalv, entende-se que a estratégia fundamental do poder político estatal é o enfraquecimento da institucionalidade pública. Elementos importantes como a politicagemvi, a corrupção e a presença da guerrilha aparecem recorrentemente e são reconhecidos pelos atores como práticas sociais e forças territoriais que complicam a ação pública de planejamento e gestão ambiental. Como resultado desta situação, o Estado colombiano tem perdido parcialmente a legitimidade e credibilidade face à sociedade.

O enfraquecimento do Estado é manifEstado por uma pesquisadora da Universidade do Vale ao ressaltar que:

“Todo lo volvieron económico y competitividad y producción y usted no puede tener nada de eso en un país en desarrollo si no acaba con el ambiente y si no acaba con la gente. Entonces, acabaron con los estándares laborales, acabaron con los estándares ambientales para poder poner todo en función de la esfera económica [...] la lucha de poderes entre los actores es el punto más crítico a resolver en toda esto de la gestión ambiental, no solamente del agua.” (Entrevista com uma pesquisadora da Universidade do Vale).

A pesquisadora indica que o Estado tem que ser o mediador entre o poder econômico e a sociedade. Ele tem que procurar o equilíbrio entre essas duas forças. Mas, na Colômbia o poder econômico é maior e impõe seus interesses e o Estado neoliberal o apoia e estimula. Deste modo, a crise ambiental é gerada pela luta entre o setor econômico e o setor socioambiental, na qual a administração pública desempenha um papel em favor dos primeiros e, muitas vezes, a sua decisão é favorável ao poder econômico ou a instituição gestora é compelida a orientar a tomada de decisões em favor desses, contrariamente à proteção ambiental e da sociedade.

Neste contexto, de abertura econômica e implementação do modelo neoliberal desenvolve-se a gestão ambiental regional dos recursos naturais no país, a qual tem-se enfraquecido e diminuído, adequando-se assim à consolidação de processos de acumulação por espoliaçãovii. A redução do setor ambiental do Estado sob os princípios do neoliberalismo afetou o Sistema Nacional Ambiental (SINA). O Ministério do Meio Ambiente teve seu foco de atuação ampliado e lhe foram adicionadas responsabilidades que o tiraram de sua função central, gerando conflitos interinstitucionais, como destacado por um entrevistado:

“Entonces uno ve que primero el sistema nacional está cojo, eso ya es un problema grave, el ministerio tiene unas funciones que no le corresponden como ministerio del medio ambiente, meterse con vivienda, con desarrollo territorial, hasta con desarrollo territorial uno puede entender, pero vivienda? Ahora le metieron saneamiento básico.” (Entrevista com um professor da Universidade do Vale).

A intervenção autoritária do governo em favor dos interesses privados tem enfraquecido o desempenho do Ministério do Meio Ambiente e, em geral, a importância do tema ambiental diminuiu enormemente, visando desestabilizar o Sistema Nacional Ambiental (SINA) e facilitar o ingresso de capitais estrangeiros e transnacionais na exploração dos recursos naturais como o manifesta a pesquisadora da Universidade do Vale: “Es una desinstitucionalización de todo lo que se había hecho en materia ambiental en Colombia ... Es que mire todo lo que dicen los ambientalistas, que durante los últimos gobiernos, retrocedimos ambientalmente lo que usted quiera.

E continua destacando que as principais estratégias de desenvolvimento econômico do governo atual, como a mineração e os agronegócios, estão se expandindo em áreas protegidas, gerando conflito com o planejamento ambiental outrora realizado.

Muitos dos impostos e taxas não são cobrados ou modificam-se leis por ordem do poder executivo do país para favorecer a exploração dos recursos naturais. Os governos na sua forma autoritária de agir enfraquecem a institucionalidade pública, como apontado pela pesquisadora da Universidade do Vale, seja porque taxas por uso e retributivas não funcionam, seja pela falta de apoio institucional e político aos funcionários, diante da pressão do poder econômico, que se impõem às decisões técnicas; e quando algum ator da gestão não aceita a manipulação simplesmente é retirado do suposto espaço de participação.

A fraqueza institucional da Corporação Autônoma Regional do Vale do Cauca (CVC) se mostra na tomada de decisões e no incumprimento de suas responsabilidades, enquanto autoridade ambiental regional encarregada de proteger o ambiente e os recursos naturais. Esta fraqueza institucional cresce na medida em que os cargos estratégicos são ocupados por pessoas aliadas ao governo neoliberal: “El tipo va metiendo sus personas claves allá en las diferentes instituciones y cada uno le sirve a él, es una red obviamente más vertical, tal vez con dos escalonesviii ”. Portanto, o poder político tem conseguido com que os órgãos de gestão ambiental percam a confiabilidade frente a outros atores da gestão pública e privada e a comunidade em geral. Apesar dessas condições atuais, existe a esperança que os técnicos mais qualificados ocupem postos administrativos para que as instituições se recuperem e cumpram sua finalidade.

Simultaneamente ao cenário precedente estão os problemas de segurança pública na região, os quais são chaves na administração do meio ambiente, dos recursos naturais e do território. A CVC não pode agir plenamente como autoridade ambiental controlando e monitorando nas bacias o uso dos recursos naturais porque enfrenta atores do conflito armado do país. Neste sentido, um ator da gestão ambiental entrevistado manifestou que:

“[...] tenemos un problema de orden público en la cuenca alta que también llega a ser ambiental. La CVC en algunas áreas de su jurisdicción no puede entrar a hacer gestión ambiental, están vetados para cualquier autoridad, se necesitaría de la fuerza pública para hacer el trabajo [...] el conflicto armado y todo el problema del narcotráfico y los narcocultivos hacen parte del conflicto ambiental, entonces, si no se soluciona eso, digamos no habrá posibilidad de estabilizar la cuenca y darle sostenibilidad a la utilización de ese recurso.” (Entrevista com um funcionário da CVC).

As forças guerrilheiras também consideram que algumas organizações de usuários dos recursos naturais, especialmente a água, constituem-se em meio para entregá-los aos privados. Uma funcionária da Asociación de Usuarios del río Bolo (ASOBOLO)ix afirma que:

“Ellos ven a la Asociación como un medio de privatización del agua. Ellos no ven a Asobolo como el grupo de usuarios, ellos lo ven como un ingeniox, uno en particular, un ingenio manejando todo.” (Entrevista com uma funcionária de ASOBOLO)

A gestão dos recursos naturais e o ambiente no Departamento do Vale do Cauca tem muitos conflitos e problemas, não obstante frente a este panorama, a autoridade ambiental estar debilitada, enquanto a situação ambiental continua se degradando – como manifestado por um funcionário do governo do Vale do Cauca, considerando o tema da água:

“La gestión del agua en el departamento del Valle es muy deficiente. El rio Cauca con la contaminación avanzando, con mil planes, instrumentos de planificación, instrumentos económicos y mil cosas y mire cómo está el río y cada año está peor. Entonces es ahí donde se refleja la gestión. Si la autoridad ambiental lograra recuperarse otra vez, podría hacer mucho más porque tiene más ámbito. Si la Gobernación bajara un poquito el interés económico y pusiera un poquito en el interés social y ambiental, podría hacer cosas.” (Entrevista com um funcionário do Departamento do Vale).

A frase de um funcionário da CVC revela melhor a situação de crise do sistema nacional ambiental: “Nosotros realmente necesitamos una política nacional ambiental clara, técnica y sistémica porque el medio ambiente es un derecho fundamental.” Portanto, para que exista um planejamento e gestão integrada dos recursos naturais e do ambiente bem sucedidos, importa resolver problemas estruturais como o conflito armado, a presença de cultivos ilícitos, o narcotráfico, a politicagem e a corrupção.

 

IV. CONSIDERAÇÕES FINAIS

A análise dos materiais coletados em campo permitiu evidenciar que o SINA carece de espaços adequados de deliberação e tomada de decisões coletivas, mas considera-se que esse tipo de falência é causado pela pouca tradição democrática do país.

Foi possível, também, identificar em ação elementos previstos no quadro referencial e no contexto situacional. Dentre eles os três mais importantes são: primeiro, o modelo neoliberal operando regionalmente como uma ferramenta do sistema mundo capitalista, debilitando instituições públicas e territórios e facilitando seu agir; segundo, a politicagem e corrupção como formas tradicionais de relacionamento social, as quais são aproveitadas para consolidar o modelo já citado; e terceiro, o conflito gerado pelo confronto armado no país, o qual envolve o Estado, a guerrilha e o narcotráfico, que disputam o poder e, portanto, o território. Estes atores configuram campos de poder que orientam o ordenamento do território. Junto a estes problemas de caráter estrutural está a desarticulação institucional que impede a gestão integrada dos recursos naturais. Neste cenário de conflito, o ordenamento territorial converte-se numa tarefa que tem a ver com a transformação das bases sociais e a construção de um novo Estado, no qual o poder seja efetivamente compartilhado e as pessoas se sintam parte do Estado, donas de seu destino e com compromisso social e coletivo, isto é, pôr em prática a governança. Assim, ressalta-se que a gestão compartilhada dos recursos naturais, dentre eles a água, pode-se converter em possibilidade e oportunidade de transformação da atual realidade do país.

Os desafios que enfrenta a gestão ambiental na Colômbia são de caráter estrutural e têm a ver com os problemas de legitimidade do Estado colombiano. Enquanto os problemas estruturais do país, como o conflito armado, a corrupção e o autoritarismo persistirem na institucionalidade do Estado, será difícil enfrentar os desafios nas esferas regionais e locais. Não obstante, é um desafio construí-los, mantê-los e legitimá-los e torná-los uma oportunidade para gerar mudanças sociais no país. Corresponde, portanto, às autoridades ambientais regionais e locais recuperar a institucionalidade e credibilidade a partir da tomada de decisões baseadas em critérios sociais e técnicos.

 

AGRADECIMENTOS

Aos revisores científicos e ao editor as sugestões que contribuíram para melhorar o texto final.

 

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Recebido: Novembro 2011. Aceite: Maio 2012

 

 

NOTAS

iProjeções de população para o 2010, segundo o Departamento Administrativo Nacional de Estatística (DANE).

iiO último censo realizado no país foi em 2005 e por mandato constitucional deve ser realizado a cada dez anos.

iiiO nome Plano Colômbia nasceu da tradução do Inglês Plan for peace, prosperity and the strengthening of the State (Plano para a paz, a prosperidade e o fortalecimento do Estado), que é a designação original do projeto de Lei s1758 apresentado pelos senadores Mike DeWine, Grassley e Coverdell em 20 de outubro de 1999, na sessão 106 do Comitê de Relações Exteriores do Congresso dos Estados Unidos. Seu primeiro nome também foi em Inglês: Aliança Ativa, simplesmente conhecida como Plano Colômbia, ainda que as políticas que preconiza e as conseqüências de sua aplicação transcendam as fronteiras territoriais, políticas, sociais e culturais da Colômbia. Fonte: http://www.visionesalternativas.com/militarizacion/geoestrategia/pcolom.htm

ivOs atores entrevistados são funcionários da Corporação Autônoma Regional do Vale do Cauca, Governação do Vale do Cauca, Departamento Administrativo do Meio Ambiente do município de Cali, Empresas de abastecimento de água potável, Associações de usuários e especialistas no tema da gestão dos recursos hídricos na região.

vA área de estudo da tese foi no Departamento do Vale do Cauca, onde atua como autoridade ambiental a Corporação Autônoma Regional do Vale do Cauca (CVC).

viPráticas políticas nas quais os interesses pessoais estão acima dos interesses gerais, conducentes à corrupção e deterioração das instituições democráticas.

viiConceito proposto por Harvey, D em seu livro The New Imperialism publicado em 2003, traduzido para espanhol por Felder, Ruth. Disponível em: http://168.96.200.17/ar/libros/social/social.html. Acceso em julho de 2012.

viiiEntrevista com uma pesquisadora em gestão de recursos hídricos da Universidade do Vale, Cali – Colômbia.

ixAssociação de Usuários do Rio Bolo localizada na área de influência metropolitana de Cali.

xIngenio é o nome que recebem as fazendas produtoras de açúcar e etan.

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