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Análise Social

Print version ISSN 0003-2573

Anál. Social  no.250 Lisboa Mar. 2024  Epub Mar 31, 2024

https://doi.org/10.31447/202145 

Artigo

Mineração e o povo Xikrin do Cateté: o espaço banal do mundo vazio ao mundo cheio.

Mining and the Xikrin people of Cateté: the banal space from the empty world to the full world.

1 Faculdade de Administração, Universidade Federal do Sul e Sudeste do Pará » Rua Rio Grande do Sul, 459 - CEP 68638-000, Rondon do Pará, PA, Brasil. tiago.barcelos@unifesspa.edu.br

2 Departamento de Geografia, Universidade de São Paulo » Avenida Professor Lineu Prestes, 338, Cidade Universitária - CEP 05508-000, São Paulo, SP, Brasil. wribeiro@usp.br

3 Faculdade de Geografia, Universidade Federal do Oeste do Pará » Rua Vera Paz, s/n (Unidade Tapajós), Bairro Salé - CEP 68040-255, Santarém, PA, Brasil. leandrocazula@gmail.com

4 Faculdade de Comunicação, Universidade Federal do Sul e Sudeste do Pará » Rua Rio Grande do Sul, 459 - CEP 68638-000, Rondon do Pará, PA, Brasil. jax@unifesspa.edu.br


Resumo

O presente trabalho possui como escopo uma análise sobre a realidade do povo indígena Xikrin do Cateté, com especial ênfase nos conflitos com a indústria de extração mineira no território (Complexo Carajás). A base epistemológica consiste numa análise interdisciplinar, associando a economia ecológica e a geografia humana. Em termos metodológicos, utilizamos a pesquisa qualitativa, visando compreender a dualidade entre o “espaço banal” (conceito de Milton Santos) e a realidade do “mundo cheio” (Herman Daly). Observamos que, diferentemente de outros períodos históricos, o povo indígena encontra-se cercado por projetos de extração mineira, sendo que as suas vozes são desconsideradas. Ao se pensar na perspetiva do mundo cheio, esta configuração territorial aparece como um cerco, que faz com que essa população deixe de ter a capacidade de deslocamento, ficando numa região que apresenta os mais diversos conflitos.

Palavras-chave: economia ecológica; povos tradicionais; mineração; conflitos; geografia humana

Abstract

The goal of this work is setting out an analysis of the reality of the Xikrin do Cateté indigenous people, focusing on the conflicts with the mining industry in their territory (Carajás Complex). The epistemological approach is grounded on an interdisciplinary analysis, theoretically centered on associating ecological economics and human geography. Methods-wise, we use qualitative research, aiming to understand the conceptual dichotomy between the “banal space” (Milton Santos) and the reality of the “full world” (Herman Daly). We observe that, differently from other historical periods, indigenous people are living surrounded by mining projects, their voices remaining overlooked. Once captured through the perspective of the full world, this territorial configuration is one whereby the indigenous population has no longer any capacity to move, remaining blocked in a region characterised by the most diverse conflicts.

Keywords: ecological economy; traditional peoples; mining; conflicts; human geography

Introdução

As consequências deletérias do processo de globalização da economia monetária e financeira têm provocado a expropriação dos recursos naturais em vários territórios no mundo. São mais intensas em países que permanecem subjugados ao colonialismo moderno, revestido da lógica liberal que desapossa comunidades tradicionais, subtraindo direitos e promovendo injustiças ambientais de toda a ordem. A sua matriz orientadora é a produção e o consumo, cada vez mais desigual e excludente.

Na Amazónia, o modelo de desenvolvimento implementado nos últimos 40 anos do século passado trouxe consigo os pressupostos do paradigma do capitalismo global, fortalecido pelo ideário neodesenvolvimentista da ordem ditatorial vigente. As dinâmicas territoriais extrativistas promotoras de tal desenvolvimento foram pensadas e elaboradas fora da Amazónia, pela tecnoburocracia do estado nacional totalitário, sob a orientação de governos e de empresas do capitalismo central. Esse processo, ainda em curso, viola a dignidade e os direitos humanos, produzindo destruição, escravidão e pobreza; ceifando vidas e suprimindo culturas; dizimando povos tradicionais e aniquilando migrantes nordestinos que aqui se acomodavam (Becker, 2005; Monteiro, 2006; Costa, 2012; Castro, 2017; Loureiro e Pinto, 2005; Zhouri, Bolados e Castro, 2016).

Para que se possa mudar este padrão de desenvolvimento, é necessário entender os diferentes projetos geopolíticos e os seus atores, que estão na base dos conflitos, para tentar compatibilizar a atividade económica com a preservação dos recursos naturais, com a inclusão social e com o respeito pelas práticas e modos de vida locais, visando um desenvolvimento com a floresta (Becker, 2005). Diante do atual cenário de caos, de retrocessos, de negações e de aproximações a posições antidemocráticas, a questão ambiental agrava-se na sociedade brasileira, e está combinada com discursos de ódio e de criminalização de povos que, historicamente, protegeram a floresta e os recursos naturais.

O impacto do modelo hegemónico de produção resulta em poluição, em degradação ambiental, em perda de biodiversidade, entre outras externalidades negativas que se refletem na redução do bem-estar das populações mais vulneráveis, que são os primeiros impactados. O custo marginal privado e o custo marginal social são elementos essenciais para políticas públicas que visem igualar o benefício marginal com a menor externalidade negativa possível, dentro da uma perspetiva sustentável.

A partir de entrevistas dialogadas e colaborativas junto dos representantes, lideranças e advogados do povo Xikrin do Cateté, associadas à metodologia qualitativa, foi possível discutir e problematizar de maneira integrada a relação entre a população, o ambiente natural e as empresas mineradoras. Com isto, foi possível apontar elementos que corroboram a compreensão do espaço banal, no sentido de Santos (2017), bem como a sua fragmentação. O espaço banal, conforme Santos (2017), refere-se a um olhar diferenciado sobre a questão espacial, tendo como foco o espaço de todos os seres humanos e de tudo que interage com eles, deixando o espaço económico no fundo das relações quotidianas. Por outras palavras, o espaço banal é o ponto central do ser humano e da sua relação com os demais elementos espaciais, principalmente com aqueles que derivam em várias propostas de sociedade, como a do ecodesenvolvimento, orientando as pessoas comuns.

Perante este cenário, o presente trabalho também avaliou essa relação desigual, bem como os conflitos e as tensões nesse fragmento do espaço banal (Santos, 2017), contra o poder do espaço económico. Este conceito oferece parte da ferramenta analítica empregada, interagindo como dois conceitos da economia ecológica, o mundo vazio e o mundo cheio (Daly e Farley, 2016).

O texto divide-se em cinto partes, além da introdução, sendo: enquadramento teórico; metodologia; o povo Xikrin do Cateté; conflitos e tensões com a mineração; e conclusões.

Enquadramento teórico

Os conceitos são importantes ferramentas analíticas. Desse modo, serão utilizadas as noções de mundo vazio e de mundo cheio (Daly, 1996; 2007; Daly e Farley, 2016), que permitem relacionar os elementos espaciais, pelo prisma do espaço banal, com a economia ecológica. Nesse sentido, deve compreender-se que o povo Xikrin do Cateté é considerado guardião das florestas, dentro de uma relação de pesos e contrapesos, na dialética entre os grupos sociais e económicos e o ambiente natural. Este povo ocupa um território e representa o espaço banal, que é indissociável do ambiente natural, sendo, muitas vezes, posto de parte nos debates, os quais se costumam focar no espaço da produção1 e no espaço da circulação.2 Entretanto, o espaço da distribuição3 e o espaço do consumo4 devem ser pensados de forma diferenciada, pelo que se torna necessário considerar “[…] sua repartição no tempo, no espaço e segundo os segmentos sociais” (Santos, 2012, p. 83).

O espaço geográfico pode ser resumido dentro dos elementos espaciais de Santos (2014, p. 16) como: “[…] os homens, as firmas, as instituições, o chamado meio ecológico e as infraestruturas”. Barcelos (2020) reinterpretou os elementos espaciais em: a sociedade, as empresas e as suas instituições, o Estado e as suas instituições, o ambiente natural e as infraestruturas - este último será apresentado mais à frente pelo modelo analítico interdisciplinar da totalidade espacial no mundo cheio.

Um elemento importante para o debate relaciona-se com o crescimento económico que, conforme Daly (2004), é um grande embuste dos economistas e dos restantes atores políticos que compõem a sociedade, tendo em conta o teorema da impossibilidade de Arrow.5 O crescimento sustentável é uma proposição impossível, um erro crasso, uma utopia que desconsidera o primado da física e da biologia. Este facto é desconsiderado pelos economistas convencionais por excluir dos modelos económicos as questões termodinâmicas e ecológicas. Existe um fluxo entrópico6 (throughput) no sistema produtivo que impossibilita o aumento quantitativo de matéria e de energia de forma perpétua devido à lei da entropia.7 Dessa forma, são necessários mecanismos que procurem o desenvolvimento qualitativo, e não apenas quantitativo, com o objetivo de melhorar a vida das pessoas com o mínimo de impacto no ambiente natural. Por outras palavras, para o autor “é impossível sair da pobreza e da degradação ambiental através do crescimento econômico mundial” (Daly, 2004, p. 197).

Esse ponto vai ao encontro da proposta de Becker e Egler (1997), relativamente à questão da Amazónia, que indicam serem necessárias metodologias de divisão em zonas económico-ecológicas, dado o esgotamento dos modelos desenvolvimentistas aplicados nesses territórios. Estes modelos são caracterizados por uma forte atuação governamental que reconhecidamente excluiu os amazónidas dos processos decisórios, dada a forma de ocupação que gerou décadas de impactos sociais e ambientais negativos e violentos.

É perante a dicotomia crescimento-preservação que se analisa o mundo vazio e o mundo cheio, proposta a ser incorporada nos resultados da pesquisa. A Figura 1 demonstra a relação entre o capital natural (ecossistema) e o capital criado pelos seres humanos (economia), em que o primeiro possuía um prazo para a sua resiliência, devido à não sobreposição do serviço económico ao serviço ecossistémico. Deve atentar-se que esta proposta deixa a economia em primeiro plano, desconsiderando as relações não económicas que ocorrem no espaço banal e que são o capital cultural.8

Percebe-se na proposta a contribuição de Georgescu-Roegen (1971) e o seu fluxo de materiais e energia. Esta é revisitada com o Sol como a principal fonte de energia para o capital natural,9 o capital cultivado10 e o capital manufaturado.11 Contudo, o mundo vazio de Daly (1996; 2007; Daly e Farley, 2016) considera aquele momento histórico como de baixa densidade populacional e de baixo padrão de consumo. Por este motivo, o mundo estava vazio, ou seja, o impacto das ações sociais era compatível com o ambiente natural, isto é, havia tempo para a resiliência do ambiente natural (Tiezzi, 1988).

Figura 1 O mundo vazio conforme a economia ecológica. Fonte: Daly e Farley (2016, p. 53). 

Nessa perspetiva, pode fazer-se um paralelo com os povos originais, como o povo Xikrin do Cateté. Antes da colonização e da espoliação portuguesa dos seus territórios, havia uma baixa densidade populacional e uma enormidade de recursos disponíveis no ambiente natural. Por mais que se tentem reproduzir as condições dos seus antepassados, o mundo deixou de ser vazio, com os mais diversos elementos espaciais que se incorporam no dia a dia ao seu redor.

A Terra Indígena Xikrin do Cateté possui 439.150 hectares, e encontra-se atualmente inserida na área dos municípios de Parauapebas e Água Azul do Norte, para além de uma pequena fração que adentra o município de Marabá (Mapa 1). Os estudos para a definição dos limites da Terra Indígena começaram em 1974, a qual foi delimitada em 1978, demarcada em 1981 e, por fim, homologada a 24 de dezembro de 1991 (Funai, 2018).

A vida cosmológica do povo Xikrin é constituída por espaços naturais distintos, tais como o domínio do céu aberto; o lugar de origem; o domínio da terra, dividido em floresta e clareira; o mundo aquático e o mundo subterrâneo. Deve destacar-se que, assim como diversas comunidades indígenas da Amazónia brasileira, desde a época da colonização os Xikrins lutam para não serem extintos. O momento crítico foi entre 1950 e 1960, os primeiros anos de contacto com o homem branco, que, em consequência das doenças transmitidas por tal contacto, registou elevada mortalidade (Ação Civil Pública, 2018).

Nesse sentido, é importante destacar que, conforme assinalaram Rocha, Porto e Pacheco (2017), os povos indígenas que sobreviveram aos massacres, às epidemias, à escravidão, a esforços de catequização e de integração forçada na sociedade nacional, bem como aos impactos da expansão económica sobre os seus territórios, estiveram subordinados a uma cidadania tutelada durante um período importante da história do Brasil. Com o crescimento do espírito de luta e de resistência entre estes povos, aumentou também a mobilização pela autonomia política e pelo reconhecimento dos seus direitos culturais, territoriais e a exigência de políticas públicas que dialoguem com as suas especificidades étnicas.

Mapa 1 Terra Indígena Xikrin do Cateté - 2000. Fonte: elaborado pelos autores. 

Grande parte dos territórios dos povos indígenas, no Brasil atual, encontra-se cercada por empreendimentos que mobilizam capital para explorar e expropriar as riquezas que ainda existem das práticas culturais e do modo de vida desses povos. As cercas simbólicas e materiais que se impuseram aumentaram a sua vulnerabilidade. Porém, povos tradicionais, como os Xikrins do Cateté, continuam a sua luta pela reprodução social, em desvantagem territorial, mesmo que sejam originários das terras que ocupam e de outras que lhes foram usurpadas.

Apesar dos desafios enfrentados no passado, como pestes, guerras e fome, os sistemas naturais impactados possuíam relativa capacidade de resiliência, por estarem no mundo vazio e o sistema económico pouco afetar os ecossistemas. Logo, a economia não interferia drasticamente nos serviços ambientais e ecossistémicos, resultando no bem-estar dos povos originários. Portanto, “[…] em um mundo vazio é tolerável agir economicamente ‘como se’ os recursos fossem infinitos e o custo dos insumos naturais nulo, pois o custo de oportunidade no uso dos recursos naturais e ambientais é baixo” (Silva e Lima, 2013, p. 23).

Entretanto, a partir da revolução industrial, por via de uma perspetiva liberal e de consolidação do sistema capitalista de produção, a economia tornou-se numa forma absoluta de sistema, desconsiderando o restante. O mundo cheio (Figura 2) compreende o momento em que o modo capitalista de produção começou a afetar significativamente os sistemas naturais, tornando-os cada vez mais escassos e aumentando, sobretudo, as externalidades negativas das mais diversas populações. Por isso, o bem-estar das pessoas tende a diminuir, pois a aquisição de serviços ecossistémicos básicos, como água e ar limpos é cada vez mais complexa.

O mundo cheio é representado pelo Antropoceno,12 que se encontra dentro de uma espiral consumista e, por isso, para alguns deveria chamar-se Capitaloceno13 (Haraway, 2015; Moore, 2016), pressionando o ambiente natural. Com o avanço desse modelo, registam-se os mais diversos desequilíbrios socioambientais, causados por um modelo produtivo com elevado desperdício de natureza, criando diversos riscos e vulnerabilidades nos territórios. Além disso, a educação dominante “[…] considera o ser humano como superior a todos os demais seres, por ser racional e livre, inteligente e criativo” (Lacerda, 2020, p. 9).

Figura 2 O mundo cheio conforme a economia ecológica. Fonte: Daly e Farley (2016, p. 53). 

Cavalcanti (2010, p. 57) exemplifica o mundo cheio com um barco que deve ter a sua capacidade de carga compreendida. O mundo cheio procura a distribuição ótima da carga no seu interior, por isso, “[…] deve respeitar a linha de calado”, pois, no momento em que se chega a esta linha, denota que o barco está cheio, “[…] alcançado a sua capacidade segura de carga (escala ótima)”.

O mundo cheio ajuda-nos a compreender que o crescimento infinito dentro de um planeta finito é utópico, visto que o sistema produtivo necessita do capital natural. Há quem defenda que o ser humano, por meio dos avanços tecnológicos, conseguirá substituir o capital natural pelo capital manufaturado, resolvendo os problemas socioambientais, mas os que apregoam essa possibilidade vão provavelmente ao encontro do conto do cavalo de Samarra.14 Todavia, é salutar reforçar que, mesmo a economia ecológica, pelas noções do mundo vazio e do mundo cheio, sustenta a perceção de que o sistema económico é central na sociedade. Essa relação pode verificar-se nas figuras anteriores: afinal, a sociedade e toda a sua singularidade é desconsiderada, sendo incorporada na economia.

Entretanto, regressando ao pensamento económico ecológico, fica claro que crescer não consiste em evoluir. Crescimento refere-se apenas ao aumento quantitativo. A evolução consiste em ficar melhor, em avançar, mesmo perante os mais diversos percalços. O desenvolvimento sustentável, por mais que possa ser um conceito ainda vago, e até ideológico, procura essa evolução, respeitando a capacidade de suporte dos ecossistemas (Sachs, 2002; Romeiro, 2012; Veiga, 2005).

A proposta de Herman Daly, de mundo vazio e de mundo cheio, ajuda a ampliar a perceção relativamente ao impacto do modelo hegemónico no planeta, mas desconsiderando as singularidades da sociedade, o que é compreensível, dado serem modelos macroeconómicos. A natureza é o elemento central para os sistemas produtivos, sendo a ganância humana um elemento que se deve repelir. Para a economia clássica e neoclássica, a ganância é um ponto positivo, algo que se deve incentivar, conforme a fábula da Abelha15 de Mandeville, tão presente na mentalidade liberal, desde Adam Smith aos austríacos.

Essa é a base ideológica que foi construída no passado e que tem orientado diversas equipas que comandam a economia de muitos países, inclusive no Brasil, omitindo, por exemplo, a tragédia dos comuns16 (Hardin, 1968). Não há como negar a ação antrópica da humanidade e as suas alterações significativas no planeta. Diferente de outros momentos, existe o risco das presentes gerações deixarem como herança uma situação muito pior às futuras gerações, com alta escassez de funções e de serviços ecossistémicos, distorcendo a famosa curva de Kuznets Ambiental 17 (Kuznets, 1966).

Trata-se dos sistemas de ações18 e dos sistemas de objetos19 que constituem uma fina teia que se projeta para o futuro, no qual as ações humanas, calcadas nos ordenamentos técnicos, jurídicos e simbólicos, têm a capacidade de optar por uma visão ética de longo prazo e em constante evolução.20 Por maior que seja o cenário de caos, este é o espaço da “[…] cegueira e da descoberta, da complacência e da revolta” (Santos, 2017, p. 286).

Não por acaso, para Santos (2017, p. 82), “a força de transformação e mudança, a surpresa e a recusa ao passado, vêm do agir simbólico”. Neste agir simbólico, continua o autor, da força da afetividade, surgem os modelos de significação e de representação, sendo uma forma do agir inseparável, “[…] ainda que, em cada circunstância, sua importância relativa não seja a mesma” (Santos, 2017, p. 82). Isto acontece devido à ação do próprio ser humano, pois apenas essa espécie possui ação, “[…] porque, só ela, tem objetivo, finalidade” (Santos, 2017, p. 82).

Ao pensar nesta finalidade, pelos sistemas de objetos, as infraestruturas apresentam-se como um espaço herdado para o futuro, uma rugosidade espacial.21 Ribeiro (2017) compreende este elemento como resultado de anos de trabalho transformando a natureza, embatendo nas barreiras da visão hegemónica. Posto isto, as estruturas dos complexos minerários em redor do povo indígena Xikrin do Cateté apresentam-se como rugosidades espaciais, carecendo de políticas de desengenharia22 (Sánchez, 2001).

Não por acaso, a desengenharia foi adicionada ao modelo investigativo da proposta de Santos (2014), referente à estrutura, ao processo, à função e à forma. Auxilia a compreensão da relação histórica entre o espaço geográfico e a sociedade. A estrutura implica a relação de todas as partes, de forma organizada, visando uma construção. O processo representa o conceito de tempo (continuidade), tendo em conta determinados objetivos e metas, no qual a mudança é uma constante. A função tem características relacionadas com as tarefas e com as atividades desempenhadas pelos seres humanos, e a forma com o aspeto visível das coisas (Santos, 2012).

Por fim, fechando o enquadramento teórico, procuraram-se proposições que auxiliem a melhor qualidade de vida das populações no espaço banal, bem como o equilíbrio ambiental, os pilares da economia ecológica (distribuição justa, escala sustentável e alocação eficiente). A justiça socioambiental é indissociável dos pilares da economia ecológica, oferecendo ferramentas metodológicas que possuem no seu centro toda a interdisciplinaridade necessária para debates com essa envergadura, em que a “sociedade de risco” (Beck, 1992; 1995; 2015) é uma realidade.

Metodologia

Utilizou-se a pesquisa qualitativa como método. Esta fez-se a partir de uma estratégia que estabelece um processo contínuo e sistemático de recolha e de análise de dados, diretamente relacionadas com os pressupostos subjetivos. Mello e Cunha (2010, p. 247) salientam que “[…] não é uma teoria formal, no sentido positivista de teoria, mas uma teoria substantiva”. Logo, a teoria subjetiva emerge das informações e dos dados, complementando teorias já existentes, visto que muitas vezes as teorias não explicam adequadamente o fenómeno, permitindo ao investigador “[…] coletar quantas informações forem necessárias sobre o problema com a intenção de analisar, interpretar ou teorizar sobre o fenômeno” (Mello e Cunha, 2010, p. 248).

A pesquisa qualitativa realizou-se por meio de um trabalho artesanal e cuidadoso, atento às formas de conhecimento manifestadas no decorrer do levantamento dos dados em campo. Sem prescindir da criatividade, a pesquisa realizou-se considerando pressupostos assentes em conceitos, proposições, hipóteses e técnicas, em constante diálogo com os atores sociais (Santos, 2017).

Este trabalho tem aspetos filosóficos voltados para o pragmatismo, tanto sob o ponto de vista ontológico, ou seja, sob a visão do investigador acerca da natureza da realidade investigada, quanto epistemológico, isto é, o que o investigador considera conhecimento útil e aceitável (Eco, 2008). Portanto, a metodologia de pesquisa baseou-se no levantamento bibliográfico e em entrevistas, admitindo-se a subjetividade do investigador (Flick, 2004).

A pesquisa foi realizada no dia 13 de janeiro de 2020, no escritório Oliveira Lima Advogados Associados, localizado na Folha 26, Quadra 01, Lote 16B, Sala A, Nova Marabá, em Marabá. Nessa reunião encontravam-se três advogados do povo Xikrin do Cateté, um representante da Associação Indígena Porekrô de Defesa do Povo Xikrin do Cateté, e três caciques Xikrin do Cateté. Todo o diálogo aconteceu através de um roteiro de pesquisa semiestruturado, previamente apresentado aos entrevistados, tendo sido elaborado dentro dos pontos-chave do modelo analítico interdisciplinar da totalidade espacial no mundo cheio. Esse roteiro visou assimilar a adesão e a interação entre a geografia humana e a economia ecológica com a realidade do povo Xikrin do Cateté e as perguntas elaboradas procuraram compreender as suas relações no espaço geográfico de forma interdisciplinar.

É importante destacar que esta pesquisa partiu de uma revisão crítica do fluxo circular da renda, de uma economia aberta e com o governo, um modelo clássico da economia que reforça a utopia do crescimento infinito num planeta finito. Devido à sua incoerência com o mundo real, desconsiderando elementos ecológicos, entrópicos e geográficos, a sua reinterpretação e remodelação foram necessárias, com bases metodológicas e concetuais que serão apresentadas ao longo do texto, analisadas à luz do mundo cheio. Nesse sentido, elucidam-se os pontos que dentro dos elementos espaciais têm maior familiaridade com o objeto da pesquisa.

Assim, o objetivo deste artigo é apontar elementos que corroborem as reflexões sobre os limites da ação antrópica no território, orientada por uma matriz económica capitalista predatória, que dá prioridade à produção e ao consumo em detrimento dos recursos naturais, que são cada vez mais intensamente explorados. A proposta constrói-se a partir de um olhar dialógico do território indígena Xikrin do Cateté, localizado no sudeste paraense, no município de Parauapebas, núcleo irradiador do Programa Grande Carajás que alterou o metabolismo social na região por meio da implementação da lógica do processo de acumulação capitalista, baseado na exploração de commodities.

É importante destacar que, para se chegar a este objetivo, os presentes assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecimento (TCLE), ficando uma cópia com os advogados e outra com o investigador. Além disso, gravou-se a conversa com autorização dos presentes na reunião, garantindo por parte do investigador absoluto sigilo dos nomes, além de apresentar potenciais riscos e benefícios decorrentes da pesquisa aos envolvidos.

Durante as interlocuções, percebeu-se a motivação e o desejo de contribuir com um ponto de vista de quem vive e experimenta as contradições do capital no lugar, no território usado (Santos, 1999), no espaço banal. As entrevistas tiveram como marco significativo as palavras carregadas de sonho e de utopias da terra liberta (mundo vazio), do tempo em que o povo Xikrin experimentava uma vida menos ameaçada pelo mundo global (mundo cheio). Esta relação entre sujeito e objeto da pesquisa, sem abdicar da crítica, da singularidade e da subjetividade, é fundamental para estabelecer uma pesquisa qualitativa de construção.

Por outras palavras, falou-se sobre apontamentos do território usado na perspetiva de compreender o espaço banal como lugar construído socialmente, o qual se expressa nas relações espaciais diretas, na vida quotidiana e nas interações que se articulam dialeticamente entre a cooperação/solidariedade e o conflito/violência, orientados pelo lugar.

Com isso, o lugar apresenta-se tanto como expressão de resistência como de adaptação à ordem global (Ribeiro, 2015). Desta feita, estabelece como campo teórico-metodológico a configuração da pesquisa a partir da compreensão do espaço geográfico, e o seu processo de produção e reprodução, assim como as suas desigualdades (Ribeiro, 2017). Assim, procurou-se olhar para o espaço geográfico a partir da sua totalidade, do seu movimento e da sua contradição, usado por todos como espaço de vida e de cultura.

Todos os entrevistados apresentaram opiniões baseadas nas suas experiências. De modo a preservar o anonimato e o sigilo, não foram identificados nomes, funções, formações e condições socioeconómicas dos participantes. Além disso, o texto não flexibilizou géneros, por isso, o uso do substantivo “entrevistados”, associado a um sistema de codificação, abrangendo todos os presentes e garantindo o sigilo absoluto, conforme firmado no TCLE.

O povo Xikrin do Cateté e a ocupação do território

Os povos indígenas passaram em diversos momentos pela iminente ameaça de extinção da sua cultura, o que resultou numa história de luta, sangue, suor e lágrimas. Contudo, noutros momentos históricos, as populações indígenas conseguiam escapar aos seus algozes, fugindo para dentro das matas e das florestas na procura de um novo território.

Hoje não existe essa possibilidade. As populações indígenas estão cercadas. Não há para onde fugir. Esta situação amplia a histórica situação de vulnerabilidade desses povos. Apesar disso, os povos indígenas continuam a sua luta pela sobrevivência.

Como foi referido, analisados neste texto a fragmentação do espaço banal do povo Xikrin do Cateté, cujo território está localizado no sudeste do Estado do Pará (Mapas 1 e 2).

Os estudos para definição dos limites da Terra Indígena (TI) Xikrin do Cateté começaram em 1974, que foi delimitada em 1978, demarcada em 1981 e, por fim, homologada a 24 de dezembro de 1991 (Funai, 2018). A TI Xikrin do Cateté tem 439.150 hectares, e sobrepõe-se a parte dos municípios de Parauapebas, Água Azul do Norte, e Marabá, este último em menor proporção (Mapa 1).

Mapa 2 Bacia do rio Itacaiúnas - 1984. Fonte: elaborado pelos autores. 

O mapa 2 apresenta a TI Xikrin do Cateté na década de 1980, quando se iniciaram os estudos para a criação da TI em consonância com a implementação do Projeto Carajás (1982) para exploração mineral de jazidas de Ferro e outros minérios na área contígua aos Xikrin, ainda na área do município de Marabá, compreendendo a área de nascentes das principais bacias hidrográficas da região, inseridas no alto curso fluvial da bacia do rio Itacaiúnas. Evidencia-se, a partir da imagem do sensor orbital Landsat 5 ETM+ com resolução de 30 metros de 1984, a crescente ação de supressão da vegetação natural neste período, associada aos eixos rodoviários estaduais de ligação às principais localidades.

O Mapa 1 situa hodiernamente a TI Xikrin do Cateté, com a composição política administrativa dos municípios desmembrados e criados nas décadas de 1980 e 1990, que resultaram na criação de Parauapebas (1988), Curionópolis (1988), Eldorado dos Carajás (1991), Canaã dos Carajás (1994), Água Azul do Norte (1991), Ourilândia do Norte (1988) e Tucumã (1988), todos desmembrados do município de Marabá. Ainda se apresentam os limites das Unidades de Conservação (UC), as FLONAS (Florestas Nacionais) de Carajás (1998), do Itacaiúnas (1998) e do Tapirapé-Aquiri (1989), e a REBIO (Reserva Biológica) do Tapirapé (1989). Constam, também, as delimitações das TI Xikrin do Cateté (1991), Sororó (1989), Xambioá (1998) e partes das TI Kayapó (1989), Apyterewa (2008), Trincheira Bacajá (1998), Parakana (1989), Mãe Maria (1989). O sensor Landsat 5, agora no ano de 2000, apresenta a área sob intensa supressão da sua vegetação natural, tendo as Unidades de Conservação e TI como barreiras para o avanço da devastação, restando outras pequenas porções de áreas preservadas, dispersas pela imagem analisada. Ressalta-se que a TI dos Xikrin do Cateté insere-se a oeste da bacia hidrográfica do Rio Itacaiúnas, e a sua delimitação na porção a noroeste da TI não acompanha limites naturais do relevo e/ou da hidrografia, perfazendo uma linha reta na orientação noroeste-sudeste, desprezando áreas de nascentes dos principais rios de cortam a TI.

Neste território verificam-se muitos conflitos por terra, com o registo de diversos massacres. O povo Xikrin está rodeado por grileiros, posseiros, madeireiros, fazendeiros, trabalhadores sem-terra, camponeses numa área marcada por muitas mortes de assassinato por encomenda. Além deste problema, existe um ainda maior: a indústria extrativa de minério, que cerca completamente a TI dos Xikrin do Cateté e torna o seu mundo vazio completamente cheio (Mapa 3).

Mapa 3 TI Xikrin do Cateté, empreendimentos minerários, infraestruturas rodoviárias e ferroviárias - 2020. Fonte: elaborado pelos autores.  

O Mapa 3 demonstra o complexo de projetos minerários em redor da TI, que visam a exploração de uma diversidade de minerais, parte dos quais já estão implantados e outros estão em fase de implantação. Apresentam-se, ainda, as principais estradas empreendidas pelo Estado na região, parte da Estrada de Ferro Carajás e o seu ramal a sudeste para o projeto Serra Azul. Observa-se, no mapa, a linha reta de 32km no limite ocidental da TI e a exclusão das cabeceiras dos rios Bekware e Bep-Kamerekti, assim como a área onde veio a instalar-se a mineração Onça Puma, nos limites da Terra Indígena Xikrin doCateté.

A produção cartográfica permite visualizar o espaço banal e as relações entre os elementos espaciais que são oriundos dos sistemas de ações e dos sistemas de objetos. Por outras palavras, é no espaço banal que emerge a ordem do simbólico, mediante a transformação, a mudança, a surpresa e a recusa, tornando o espaço económico (empresas) num subsistema do espaço total, por meio da supressão, da acumulação e da superposição (Santos, 2017). Tudo está ligado ao espaço banal, direta ou indiretamente, por serem os demandantes e ofertantes de tudo o que se tem no mundo cheio. As várias derivações da sociedade, como elemento espacial, são constituídas por inúmeras fragmentações do espaço banal. Entretanto, as visões, as perceções e as opiniões constituídas nesse espaço estão a perder fôlego devido à perpetuação do modelo hegemónico, não natural, do espaço económico que se sobrepõe aos demais espaços. As vozes originárias do espaço banal estão cada vez mais baixas, silenciadas por um modelo económico poderoso, maior que muitos países, e que procuram incessantemente tornar-se maiores do que a sociedade, subjugando tudo e todos.

A mineração é um retrato desse fenómeno, da junção do Estado, submisso ao poder económico em todas as esferas, criando efeitos colaterais latentes, distorcendo o espaço banal, guiando as ações humanas em direção à sociedade de risco de Beck (1992; 1995; 2011). Todos os entrevistados, sem exceção, consideram a mineração uma dádiva, porém a sua maldição está nos arranjos permissivos do Estado na sua distribuição e abundância. Pensando pelo viés do ambiente natural, no qual os bens minerais estão alocados, observamos que a riqueza mineral é concedida a crédito das gerações futuras.

Durante séculos, o Brasil foi explorado e saqueado, tolerando a escravidão como meio para exploração mineral, desqualificando o espaço banal. Na modernidade reflexiva (Giddens, 1991; 2004; Beck, Giddens e Lasch, 1995), aquelas riquezas de outros tempos não são percebidas e, também, foram incorporadas no dia a dia da sociedade, que herda os passivos (crédito) das gerações passadas. Nesse momento, com uma exploração industrial de larga escala, a riqueza mineral também vem a crédito das futuras gerações, mas com taxas muito maiores.

Nesse sentido, não se pode tolerar que esse empréstimo intergeracional não melhore as condições do espaço banal presente, tendo em conta que também não melhorou no passado. Deve adicionar-se ao capital natural uma espécie de juros compostos, dentro de um processo de acumulação oriundo do desperdício de natureza e de exploração, para beneficiar as populações presentes e futuras. Para que essa melhoria ocorra, a orientação deve fluir pelas vozes daqueles que, melhor do que ninguém, compreendem o seu território, por lá estarem inseridos. Estas vozes foram silenciadas por um modelo explorador e saqueador das nossas riquezas minerais.

Originário dos Kayapó do subgrupo Mebengôkre, da família linguística Jê e do tronco linguístico Macro-jê, o povo Xikrin do Cateté tem uma população de 9 mil indígenas, dispersos por uma área que vai desde a Amazónia oriental (sul e sudeste do Pará), até à região central do Brasil, especialmente no Estado do Mato Grosso. Portanto, estão a viver numa área significativa da floresta Amazónica, cercada por empreendimentos minerais, fazendas, monocultivos e pastagens, atividades vinculadas à lógica capitalista de produção de commodities (Giannini, 2001; Gordon, 2006; Sailder, 2017).

Conforme as associações indígenas, o povo Xikrin do Cateté tem aproximadamente 1468 indivíduos divididos em três aldeias. A primeira aldeia conta com 749 pessoas, denominada Pukatingró/Cateté, centrada à margem esquerda do rio Cateté. A segunda aldeia tem o nome de Djudjekô, com 526 indivíduos, localizada a 13km do povo Cateté. A terceira aldeia conta com 193 indivíduos, formando a nova aldeia O-odjã (Ação Civil Pública, 2018).

Posto isto, devem reconhecer-se essas populações indígenas como sujeitos de direitos, garantindo a proteção da dignidade humana e dos direitos objetivos e subjetivos da sua cultura e do seu território, em especial da natureza. Os direitos da natureza estão muito bem expostos no trabalho coordenado por Lacerda (2020, p. 9), onde se assumem “[…] duas prioridades: a defesa da vida da Amazônia com seus povos e o reconhecimento dos Direitos da Natureza, a Mãe Terra”, que não é uma obra acabada, mas uma construção coletiva. Em vista disso, Bentes et al.(2021) apresentam uma análise histórica dos direitos dos povos indígenas, em especial o povo Xikrin do Cateté, demonstram os instrumentos nacionais e internacionais protetores e os impactos da mineração no seu território.

O território para o povo Xikrin do Cateté relaciona-se com aspetos económicos, geográficos, históricos, simbólicos e arqueológicos, o que não condiz com a atual demarcação física, por negar a cosmologia indígena, que reduziu as dimensões utilizadas pelos seus ancestrais. A mobilidade para essa comunidade é de vital importância. O povo Xikrin é seminómada e, por esse motivo, há os mais diversos conflitos com as mineradoras que o cercam. Os projetos da mineração estão a criar externalidades negativas e violência, refletindo-se no contexto sociocultural e na escassez dos recursos naturais para a reprodução da população. Apesar das riquezas naturais, que poderiam ser uma dádiva tanto para o povo indígena quanto para a sociedade brasileira, elas também representam uma problemática de difícil resolução, visto que os interesses indígenas são desconsiderados, criando uma sensação de constrangimento e de desrespeito porque vários projetos mineiros não consideraram sequer o instituto de Consulta Prévia, livre e informada e o Estudo de Componente Indígena - ECI (Ação Civil Pública, 2018; Bentes et al., 2021).

O povo indígena Xikrin do Cateté está à procura cada vez mais de uma organização para a defesa dos seus direitos e territórios. Com o enfrentamento ao Projeto Grande Carajás, perceberam que a mineração, intensificada nos últimos anos, causou diversas violações de direitos humanos, da natureza e os mais diversos conflitos. Para fazer um contraponto a esse modelo, o espaço banal (povos indígenas e movimentos sociais) discutem o ritmo da mineração (escala sustentável), onde se pode ou não minerar (alocação eficiente), lutando pela soberania popular na mineração (distribuição justa), com menos injustiça ambiental, ou seja, os pilares da economia ecológica. Há uma necessidade de projetar ideias de mudanças estruturais na sociedade, que só será possível com a construção de um sujeito político coletivo, atuando para frear o livre arbítrio do capital sobre os minérios, que, conjuntamente, podem mobilizar uma série de mudanças sociais que estão ligadas a esse processo de saque e de espoliação.

Conflitos e tensões do povo Xikrin do Cateté com a vale S. A.

Os advogados, os representantes e os caciques do povo indígena Xikrin do Cateté são contrários ao atual modelo mineral, e são uma das principais resistências aos empreendimentos no Complexo do Carajás. Essa resistência acontece dado que a firma e as suas infraestruturas afetam o ambiente natural e o espaço banal (sociedade), tendo algumas instituições do Estado do lado dos empreendimentos minerários, ao se pensar nos elementos espaciais. Logo, os sistemas de ações desses empreendimentos afetam, direta e indiretamente, os sistemas de objetos, naturais e fabricados, com elevado desperdício de natureza, desconsiderando a capacidade de suporte ecossistémica e tensionando os limites dos direitos humanos dos povos tradicionais.

Em 2018, o povo Xikrin do Cateté recorreu à justiça em defesa dos seus direitos por meio de uma Ação Civil Pública relacionada com o Projeto Salobo (Vale S. A.), sob o protocolo: 1000305-06.2018.4.01.3901,23 que teve como responsável a empresa Oliveira Lima Advogados Associados. Esta atuou como representante da comunidade Xikrin afetada.

Além do projeto mencionado, outros empreendimentos no território também possuem os mais diversos problemas, como o S11D, da empresa Vale S. A. Bentes, Pereira e Assunção (2021) reforçam que nesse projeto também não houve a consulta livre, prévia e informada dos povos indígenas e a elaboração de um estudo específico de componente indígena (ECI), conforme relatos contidos na ação judicial n.º 85/2012.40.139.05 e no agravo do instrumento n.º 004210684.2015.4.0.0000, ambas ajuizadas no TRF1.

Nesse sentido, os entrevistados confirmaram que os empreendimentos foram realizados sem consulta às comunidades indígenas. Ratificaram também que a mineradora Vale S. A. não fez o estudo prévio relacionado com os impactos junto dos povos indígenas, tendo estabelecido várias condicionantes ambientais desde 1995. Essas condições não foram cumpridas. Também foi registada a transformação em sucata da FUNAI e, adicionalmente, alertou-se para os riscos decorrentes de algumas barragens da Vale S. A. para a Agência Nacional de Águas, algo inerente ao fluxo entrópico das atividades produtivas.

Os entrevistados lembram que a estrutura do Projeto Salobo não é muito diferente da mina do Córrego do Feijão (Brumadinho/MG), que rebentou em 2019, ceifando a vida de centenas de pessoas. Tem a área administrativa após a barragem, e diferencia-se apenas pelo método construtivo (jusante). Apesar de não compreender a terra indígena demarcada, o povo Xikrin faz recolha de castanha nas proximidades, tendo um conceito de território diferente do demarcado, que é chamado de Caldeirão, no qual existem cemitérios e ocorrem diversas atividades culturais.

Os Xikrin, de acordo com os entrevistados, historicamente foram empurrados do centro-oeste, devido a diversas pressões, tendo sido obrigados a instalar-se inicialmente próximos à Redenção. Criaram-se subgrupos, e um deles, o Xikrin do Cateté, estabeleceu-se na região de Carajás. Essa área possui muita riqueza mineral e biológica e tem um grande mosaico ecológico.

Devido a essa riqueza no território, ainda de acordo com os entrevistados, registaram-se conflitos entre os Xikrin e os interesses da exploração mineral. Os maiores ocorreram com a Ferro-Carajás da Vale S. A., o primeiro grande atrito entre os Xikrin e a Vale S. A. Posteriormente, os conflitos foram com a mineradora Onça Puma. De acordo com estudos da Universidade Federal do Pará (UFPA), como os entrevistados informaram, houve lançamento de resíduos no leito do rio Cateté, o principal curso de água usado pelo povo Xikrin, o que resultou no nascimento de crianças deformadas. Além disso, piora substancialmente a saúde da população indígena. O maior projeto mineiro do planeta, a mina S11d, vê-se desde dentro da aldeia, sendo possível observar os refletores da operação (clarões) e ouvir as explosões da operação, o que resulta em dificuldades para a prática da caça e da pesca.

Para parte dos entrevistados, os empreendimentos têm o mesmo modus operandi: saltam etapas do licenciamento e, com isso, postergam as suas obrigações. A única alternativa é procurar a reparação por meio de ações judiciais, o que deixa as populações e as comunidades em situações de vulnerabilidade e de riscos, uma vez que os processos costumam ser longos, com inúmeros recursos por parte das empresas.

Os principais projetos da Vale S. A. na Bacia Hidrográfica do Itacaiúnas, onde ficam os Xikrin do Cateté, são: a mina do Alemão, Salobo, Azul, Serra Sul, Sossego, Vermelho, Cristalino, Serra Leste, entre outros (Mapa 3).

Alguns entrevistados lembram que na ordem da forma jurídica a Constituição Federal previa a participação de lavra24 para os atingidos, inclusive para as comunidades indígenas, apesar de não ter sido regulamentada. A compensação financeira visa suprir necessidades vitais e culturais da população afetada pelos impactos da mineração. Há uma pretensão dos entrevistados em entrar com uma ação de participação de resultado de lavra. Por estar na Constituição Federal, tem eficácia plena, não é necessária lei, pois não há uma distribuição justa das riquezas nacionais.

A compensação financeira, lembram os entrevistados, quando ocorre, é mensal. O destino dos recursos é definido pela comunidade. De acordo com os entrevistados, no projeto Onça Puma, o Ministério Público Federal exigiu uma compensação de R$1.000.000,00 por aldeia, até ao cumprimento das obrigações ambientais, cessando após as ações mitigadoras por parte do empreendedor. Todavia, essa decisão foi revogada, criando um critério proporcional de um salário mínimo por integrante, até que fossem cumpridas as obrigações socioambientais.

Esse valor não é distribuído a cada indivíduo da comunidade. Os recursos são destinados às associações, que definem o seu uso. Nos projetos S11D e Salobo foi solicitado o mesmo critério, mas os pedidos foram indeferidos pela Justiça Federal em Marabá (PA), prevalecendo a ordem técnica sobre a ordem do simbólico.

Os entrevistados informaram que foi determinado pelo juiz a execução dos estudos dos componentes indígenas, todavia deu o prazo de 60 dias sem estabelecer multas no caso do incumprimento. Os prazos não foram cumpridos, não houve consequências para os empreendedores e o ónus recaiu sobre as comunidades indígenas.

De acordo com os entrevistados, para o povo Xikrin do Cateté a mineração não pode ser compreendida como uma maldição, pois é o que garante a subsistência, já que o Estado não chega até as aldeias. Como o território do povo Xikrin do Cateté foi seriamente comprometido, afetado por esses empreendimentos, as compensações garantem a perpetuação das suas tradições, visto que, sem isso, poderiam extinguir-se, e permitem a manutenção da sua cultura. Há uma limitação espacial, pelo que os povos estão condicionados a uma forma de vida que não tem horizontes para o deslocamento. A rigidez locacional dos recursos minerais hoje aplica-se aos povos indígenas, e esta é a principal face do mundo cheio. Os entrevistados indígenas, quando questionados a respeito do seu modo de vida, preferem a harmonia com a natureza à dependência dos recursos da Vale S. A. No entanto, sabem que não há mais essa possibilidade, visto que a recuperação da floresta e dos rios pode não ser realizada a contento, mesmo após o encerramento das minas. Se fosse possível manter uma condição semelhante ao passado, não necessitariam de nenhum recurso por parte da empresa. Contudo, hoje é difícil a prática da caça e da pesca, o que reduz os recursos naturais antes explorados, e agrava significativamente a saúde, tanto devido à poluição dos rios quanto ao consumo de alimentos industrializados.

A finitude dos recursos naturais é percebida pelos entrevistados como uma questão central. Para eles, a empresa só explora e só pensa no lucro, desconsiderando os efeitos colaterais latentes da sociedade de risco. Afirmam que a empresa nunca sequer comentou essa questão, apresentando apenas os benefícios da mineração a curto prazo, demonstrando uma visão ética de curto prazo que desconsidera o devir.

Para os entrevistados, há uma falta de interesse por parte da empresa em criar alternativas para os municípios pós-mineração, procurando, de todas as formas, informar o mínimo possível a sociedade. Nesse sentido, identificaram uma solução para esse problema, sobretudo para a comunidade Xikrin. Os entrevistados afirmam que é necessário adicionar uma condicionante para cessarem os repasses da compensação financeira no momento em que houver garantia da subsistência física e cultural dos povos tradicionais. No entanto, há um receio, principalmente devido à falta de perspetivas, das populações indígenas se transformarem em pequenos agricultores ou em pecuaristas. Para se evitar este problema, percebem que a solução é o investimento num fundo económico, como títulos públicos, garantindo a subsistência da população, mantendo as suas raízes no território e nas características culturais em devir. Logo, fica evidente que a empresa não tem nada para oferecer no futuro ao povo Xikrin do Cateté, sendo que estes estão à procura de soluções para garantir o modo de vida das comunidades.

Os entrevistados afirmam que não há responsabilidade social da empresa e reforçaram a importância da Universidade em oferecer auxílio técnico aos povos indígenas, constituindo parcerias importantes, amplificando as vozes do povo, ou seja, do espaço banal e do ordenamento simbólico.

Em relação ao pior cenário, como o rebentamento de uma barragem, os entrevistados afirmam que em nenhum momento a empresa apresentou estudos sobre essa questão, nem fez algum tipo de treino de fuga e de emergência com as populações indígenas, tendo evidenciado uma preocupação com as rugosidades espaciais desses empreendimentos.

Os entrevistados consideram que a única política forte do empreendedor é o marketing, pois este cria uma falsa sensação de que está tudo bem. Todos estão desamparados pela empresa, a qual se apresenta pouco acessível para o debate. Por outras palavras, desconhece-se a estrutura, o processo, a função e a forma desses empreendimentos porque, afinal, não há diálogo.

Os entrevistados compreendem que o Estado ajuda sempre a Vale S. A., por serem parceiros, enquanto desconsidera os interesses sociais das populações direta e indiretamente atingidas pelos seus modos operacionais. É do interesse dos políticos a exploração mineral, por toda a contribuição financeira que dela advém. Quando há uma decisão de paralisação de algum projeto, o próprio Estado cria alternativas para a sua suspensão, não tendo em conta pontos importantes como a distribuição justa, a escala sustentável e a alocação eficiente.

O plano de encerramento da mina (desengenharia) também é uma incerteza para os entrevistados, desconhecendo se há ou não estudos nesse sentido. Pelos documentos analisados não se recordam de nenhum planeamento em relação ao fim do ciclo de vida do projeto. Reforçam o descaso da empresa em cumprir as condicionantes e os passivos ambientais serão alocados para a sociedade no presente e em devir. No caso de os empreendedores abandonarem a mina, o Estado será obrigado a arcar com os custos, com o ónus a recair mais uma vez na sociedade.

Os entrevistados reforçam que a Vale S. A. não realizou o estudo dos componentes indígenas e que não criou mecanismos de diálogo. A depender da Vale S. A., e se não houvesse alternativas jurídicas para garantir o modo de vida das comunidades indígenas, compreendem que se extinguiriam.

A desengenharia, que seria um componente importante para essas populações, nunca foi debatida. Não é do conhecimento dos entrevistados o que será feito após a exploração mineral.

Por fim, os entrevistados acrescentam que os projetos no Complexo Carajás não apresentaram benefícios reais aos municípios afetados, fora os recursos transferidos pelo CFEM. A criminalidade dos municípios é altíssima, com uma geração supérflua de empregos para a população, uma espécie de mito do “emprego marrom”. Quando se fala dos povos indígenas, registaram novas doenças e ameaças ao seu modo de vida.

Conclusões

Não resta dúvida de que a mineração é uma atividade relevante para a economia do país e do Pará. Contudo, a sua prática tem sido predatória e não tem considerado os custos efetivos para as populações originárias afetadas pelos empreendimentos.

O caso destacado neste texto é mais um exemplo das tensões entre distintas formas de ver a natureza. Expressa um choque entre o mundo vazio e o mundo cheio, que se reflecte no espaço banal do povo Xikrin do Cateté. Resta-lhes a organização coletiva e construção de redes de solidariedade e de apoio global, junto da procura dos seus direitos de reparação e de compensação ambiental na justiça. Porém, como estes processos são morosos, a sua condição de ser no mundo está ameaçada. O devir dos povos indígenas mostra-se incerto perante projetos externos ao seu modo de vida.

Os projetos minerais na região dos Carajás, como já se disse, desconsideraram por completo o componente indígena nos seus estudos, motivo pelo qual há diversas Ações Civis Públicas impetradas pelos representantes do povo Xikrin do Cateté, cujo objetivo consiste na suspensão do licenciamento ambiental do projeto. Não se pode esperar que os povos indígenas, como os Xikrins, consigam novamente viver como os seus antepassados, visto que os seus territórios foram cortados pelos mais diversos empreendimentos e não há outros espaços para explorarem (mundo cheio); a caça, a pesca e a colheita foram substancialmente prejudicadas devido aos impactos oriundos das atividades económicas nas proximidades dos territórios indígenas.

Esperamos que, após todo o conteúdo apresentado ao longo desse trabalho, no desafio de abarcar na noção da totalidade espacial, mas cientes da sua impossibilidade, tenhamos alcançado o nosso objetivo central, servindo ao menos para aflorar o amplo debate sobre o modelo mineral e os povos indígenas no mundo cheio. Assim, o modelo teórico proposto buscou condensar um amplo conhecimento já existente, o que permitiu aos investigadores criarem uma pequena releitura com base no objeto escolhido. Este foi o método utilizado no desafio de unir aqueles elementos soltos dos modelos convencionais, mas que sempre foram indissociáveis, pois derivam da interdisciplinaridade, valendo-se das categorias, noções e conceitos da economia, biologia, física, geografia, engenharia, sociologia, direito, entre outras.

Agradecimentos

O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - Brasil (CAPES) - Código de Financiamento 001 e pelo Núcleo de Estudos em Sustentabilidade e Gestão Ambiental (NESGA/UNIFESSPA).

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Notas

1O espaço da produção “[…] supõem a ideia de lugar”, pois “[…] sem produção não há espaço e vice-versa (Santos, 2014, p. 81). Essa proposta consiste em compreender esse espaço na produção de bens materiais ou imateriais, dentro de condições tecnológicas, relacionando com o capital e o tempo. Logo, “o território tem que ser adequado ao uso procurado e a produtividade do processo produtivo dependente, em grande parte, dessa adequação” (Santos, 2014, p. 82).

2De acordo com Santos (2014), o espaço da circulação reconhece que não basta apenas produzir, por meio de estradas, de condutos, de vias, de meios de comunicação, entre outros; é necessário permitir que a produção gire. Logo, continua o autor, “[…] prestam-se de maneira diferente à utilização pelas firmas diversas dentro de uma cidade, região ou país” (Santos, 2014, p. 82).

3“[…] a questão da distribuição se coloca de forma diferenciada em função de diversos fatores”, como: a natureza do produto, as condições regionais e locais, a demanda efetiva, entre outras (Santos, 2012, p. 83).

4O espaço do consumo é indissociável dos restantes espaços, dentro de uma forma, uma função e uma estrutura, auxiliando na compreensão da totalidade espacial. Nesse espaço é possível verificar a divisão social do trabalho, a urbanização e sistemas de fluxos, influenciando o espaço organizado (Santos, 2012).

5O teorema da impossibilidade de Arrow demonstra que “[…] não há uma forma ideal de agregar as preferências individuais em preferências sociais”, pois, para tal, implementar-se-ia uma ditadura (Varian, 2014, p. 668).

6Para Georgescu-Roegen (1980; 2014), o fluxo entrópico é a matéria e a energia, que entram nos processos económicos no estado de baixa entropia. Todavia, ao longo do metabolismo industrial, são convertidos ao estado de alta entropia. Trata-se, portanto, de um fluxo unidirecional “[…] que começa com recursos e termina como lixo” (Cavalcanti, 2017, p. 63).

7“A lei da entropia diz que a energia e a matéria no universo se movem inexoravelmente para um estado menos ordenado (menos útil). Um fluxo entrópico é, simplesmente, um fluxo no qual a matéria e a energia se tornam menos úteis” (Daly e Farley, 2016, p. 65).

8São recursos que suprem a sociedade humana com meios e adaptações no ambiente natural, modificando-os ativamente. Tenha-se em consideração a visão de mundo, de valores e de necessidades, as preferências sociais, a ética e a filosofia ambiental (Denardin e Sulzbach, 2005).

9Conceito híbrido que advém da economia e da ecologia, ressaltando-se a importância da qualidade ambiental, da resiliência e da integralidade como pré-condições básicas para o bem-estar da sociedade humana e sua sustentabilidade (económica), a longo prazo (Denadrin e Sulzbach, 2005).

10É aquele produzido pela atividade económica e pelas mudanças tecnológicas, através da interação entre o capital natural e o capital cultural (Denardin e Sulzbach, 2005).

11Possui uma ideia híbrida, variando entre capital natural e capital manufaturado. Assim, o capital natural torna-se escasso, forçando outras formas de produção e de proteção (Denadrin e Sulzbach, 2005).

12O Antropoceno é considerado uma nova era geológica, posterior ao Holoceno, em que o impacto da humanidade está a modificar o planeta, dado o efeito dos seres humanos nos sistemas terrestres. Por outras palavras, com o domínio do homo sapiens perante o ambiente natural, sobretudo, após a revolução industrial, inicia-se o Antropoceno.

13O Capitaloceno possui a mesma abordagem do que o Antropoceno, todavia, parte de pressupostos antagónicos: considera que o poder destrutivo da humanidade não está relacionado com a humanidade como um todo, e sim pela opção que os seres humanos fizeram pelo sistema capitalista. Logo, o sistema capitalista é o principal responsável pela mudança geológica relacionada com a ação dos seres humanos nos sistemas planetários.

14Este mito ocorre na antiga Mesopotâmia, em que um soldado apavorado procura o rei solicitando um cavalo para ir até Samarra porque encontrou a morte. O rei compreende o medo do soldado e oferece-lhe o cavalo mais rápido, o seu melhor corcel. Entretanto, o rei, mais tarde, encontra a morte, que, após a indagação do rei sobre o soldado, a morte afirma surpresa, pois aguardava o soldado em Samarra naquela noite (Tiezzi, 1988).

15A fábula da Abelha considera que os vícios dos seres humanos possuem um ingrediente fundamental para a prosperidade da nação, devido à ganância, à inveja, à vaidade e ao orgulho das pessoas. Conforme o autor, o autointeresse é que molda a sociedade na procura do “progresso”, em que o individualismo é mais importante do que o coletivo.

16Para ilustrar a tragédia dos comuns, Odum e Barrett (2015, p. 466) utilizam o exemplo de um jogo de póquer com fichas em stock, onde cada jogador pode retirar de uma a três fichas em cada rodada. O stock de fichas é renovado após cada rodada, na proporção do número de fichas restantes. Se os jogadores pensarem apenas em relação aos seus ganhos imediatos, a curto prazo, e retirarem o máximo de três fichas, o recurso renovável do stock comum de fichas vai tornar-se menor e, em última instância, o stock de recursos acaba. Retirar apenas uma ficha por rodada permite que os recursos renováveis se mantenham sustentáveis.

17Essa curva tem dois eixos: a vertical relaciona-se com a degradação ambiental e a horizontal representa a renda per capita. Essa curva tem a sua concavidade para baixo (U invertido), demonstrando que sem renda per capita não há degradação ambiental. Contudo, conforme as sociedades avançam, haverá um aumento da degradação ambiental, que atingirá o seu pico e, depois, mitigará os seus impactos. Por outras palavras, esta tese reforça que o crescimento económico é a solução para os problemas ambientais.

18Os sistemas de ações representam o agir humano, ou seja, a ação humana perante o planeta. Santos (2017, p. 78), resgata o pensamento de outros geógrafos, considera que “os homens são seres de ação: eles agem sobre si mesmo, sobre os outros, sobre as coisas da Terra”. Quando se adiciona o trabalho, prossegue o autor, “o homem exerce ação sobre a natureza”, transformando-a em objetos imbuídos de técnicas e de informações.

19Santos (2017, p. 64) distingue os objetos e as coisas, “estas sendo o produto de uma elaboração natural”, divergindo da ideia de objeto em si, que é um “produto de uma elaboração social”. Portanto, “as coisas seriam um dom da natureza e os objetos um resultado do trabalho”. Santos (2013, p. 86) afirma que “os sistemas de objetos não funcionam e não têm realidade filosófica, isto é, não nos permitem conhecimentos, se os vemos separados dos sistemas de ações”.

20O devir é o mesmo que mudança, sendo uma forma particular de mudança absoluta ou substancial que vai do nada ao ser, ou do ser ao nada.

21As rugosidades espaciais, conforme Santos (2012, p. 173), consistem no “[…] espaço construído, o tempo histórico que se transformou em paisagem, incorporado no espaço”. Representam aquelas distorções temporais, entre o novo e o velho, que, conforme o autor, é manifestado “[…] localmente por combinações particulares do capital, das técnicas e do trabalho utilizado” (Santos, 2012, p. 173).

22A desengenharia consiste na compreensão de que as indústrias, mais cedo ou mais tarde, tendem a fechar, por diversas razões (económicas, sociais, comerciais, ambientais, etc.), criando rugosidades espaciais que precisam de ser trabalhadas. Nesse sentido, é necessário considerar que dentro do ciclo de vida de todos os empreendimentos haverá a necessidade de desativação. Logo, processos de desengenharia tornam-se necessários para oferecer uma nova utilidade ao uso do solo, reduzindo os passivos ambientais para evitar abandonos das mais diversas estruturas.

23Além da responsabilidade civil pelos danos ambientais do empreendimento, o objetivo também foi a suspensão do licenciamento ambiental da mineradora. As reivindicações estavam baseadas nos seguintes aspetos: i) nos termos da convenção 169 da OIT, a consulta livre, prévia e informada dos povos indígenas e das demais populações tradicionais localizadas na área de influência; ii) elaboração de estudo específico de componente indígena (ECI), em relação ao Projeto Salobo; iii) implementação de medidas mitigatórias e compensatórias para as comunidades indígenas; iv) o cumprimento das condicionantes ambientais exigidas pelo IBAMA, no âmbito da Licença Prévia n.º 33/1994, da Licença de Instalação n.º 416/2006 e n.º 889/2012, e da Licença de Operação n.º 1096/2012 ; e v) responsabilidade ambiental pelos danos socioambientais e danos socioeconómicos ao povo Xikrin do Cateté.

24A participação de lavra estava no dispositivo regulamentar do código de mineração, no capítulo xiii, sendo revogado na íntegra pelo Decreto n.º 9.406, de 12 de junho de 2018. Link para consulta: http://www.dnpm-pe.gov.br/Legisla/rcm_13.htm

Recebido: 08 de Abril de 2021; Aceito: 13 de Abril de 2022

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