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Análise Social

versão impressa ISSN 0003-2573

Anál. Social  no.236 Lisboa set. 2020

https://doi.org/10.31447/AS00032573.2020236.03 

ARTIGOS

Hortas urbanas de cabo-verdianos: sociabilidades e resistência quotidiana nas margens de Lisboa

Cape Verdean urban vegetable gardens: sociabilities and resistance in Lisbon

Pedro Varela1
https://orcid.org/0000-0002-7332-8635

1 Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra (CES-UC) » Colégio de S. Jerónimo, Largo D. Dinis, Apartado 3087 - 3000-995 Coimbra, Portugal. pedrovarela@ces.uc.pt


 

RESUMO

As hortas urbanas de cabo-verdianos são uma realidade incontornável da Área Metropolitana de Lisboa. Surgem nas imediações de bairros, nos declives das estradas ou junto a linhas de água. Erguendo-se através de processos de resistência, nestas margens da cidade acontecem relevantes sociabilidades. Para além de lugares de subsistência, estes são espaços que ligam as pessoas entre si e aos seus bairros. Baseado numa pesquisa etnográfica com agricultores da Cova da Moura e “Reboleira” - e com um foco numa horta na fronteira da Amadora com Lisboa - este artigo explora as hortas urbanas como espaços de sociabilidades e resistência quotidiana.

Palavras-chave: hortas urbanas; cabo-verdianos; Área Metropolitana de Lisboa; resistência.


 

ABSTRACT

Cape Verdean urban vegetable gardens are an unavoidable reality of the Lisbon metropolitan area. They are fond next to neighborhoods, on the slopes of the roads, and alongside waterlines. Arising from the fact of food needs, these garden plots also give rise to notable social activities and structures, connecting people to each other and to their neighborhoods. Based on ethnographic research with farmers from Cova da Moura and “Reboleira” - and with a focus on an urban garden at the border between Amadora and Lisbon - this article explores urban vegetable gardens as places of sociabilities and everyday resistance.

Keywords: Urban vegetable gardens; Cape Verdeans; Lisbon metropolitan area; everyday resistance.


 

Introdução

Não havia para ele melhor perfume que este; o cheiro a suor da terra, que penetrava o corpo e o espírito do homem, alimentava-lhe os músculos dos braços e a vontade de viver, e abria-lhe uma certeza e um caminho.

Manuel Lopes, Os Flagelados do Vento Leste

O “Direito à Cidade” é a possibilidade de transformarmos e construirmos a cidade num processo coletivo e democrático (Lefebvre, 2011 [1968]; Harvey, 2008). Quando as cidades são muitas vezes excludentes dos seus habitantes, a agricultura urbana tem permitido formas de resistência nas margens, possibilitando processos mais democráticos de acesso à cidade.[1]

Na Área Metropolitana de Lisboa (AML), as hortas de cabo-verdianos surgem nos taludes das autoestradas; nas imediações de bairros autoconstruídos e sociais; ou junto a linhas de água, que sobreviveram ao encanamento. Estes lugares de agricultura urbana “não regulada” são geralmente ocupações de terras públicas ou privadas (Cabbanes e Raposo, 2013, p. 237) e podem ser geridos de forma coletiva. Ali reproduzem-se, por vezes, práticas transformadas do passado rural cabo-verdiano, criando novas formas de sociabilidade urbana.

As hortas urbanas têm uma importante função de produção alimentar, que permite resistir aos baixos rendimentos. No entanto, nem sempre a subsistência é a sua única, ou principal característica e muitas hortas revelam outras funções sociais que importa revelar. Por exemplo, na horta onde se focou o trabalho de campo, esta representava muito mais do que um lugar de produção. Tendo por foco as sociabilidades - que são uma importante forma de interpretar a sociedade na cidade - neste artigo, analisarei as hortas como “pedaços” (Magnani, 2002) e espaços de “resistência quotidiana” (Scott, 1989, 1990).

As vivências nestas hortas revelam a existência também de lugares e redes nas margens da cidade. As margens são aqui entendidas na sua vertente espacial ou social, como lugares onde podem surgir processos de criatividade (Das e Poole, 2004). Assim, estas margens podem localizar-se geograficamente no centro espacial urbano, mas continuam a ser socialmente marginais e produto da exclusão do Estado. Referem Pina Cabral e Meneses (2010) que andar por Lisboa e viver na cidade, é lidar com margens que são formas de poder inscritas nas vivências socioculturais (2010, p. 861). Nas hortas urbanas estudadas, que estão nas margens sociais e quase sempre nas margens espaciais, podemos encontrar formas de resistência que contrariam processos de segregação, racismo ou desigualdade económica.

Na primeira parte deste artigo, descrevo a metodologia adotada e faço um estado da arte sobre o estudo das hortas urbanas em Portugal. Em seguida, realizo uma discussão teórica sobre sociabilidade e resistência quotidiana. Depois, elaboro uma caracterização da diáspora cabo-verdiana e dos bairros abordados no trabalho de campo. Posteriormente, baseado na pesquisa etnográfica e análise de mapas, interpreto o continuum social que existe entre hortas e bairros, fazendo também uma caracterização das hortas urbanas na Amadora. No final, foco-me sobre uma horta específica onde aprofundei o trabalho de campo, descrevendo duas histórias de vida. A partir desta realidade, interpreto as hortas como “pedaços” e lugares de resistência quotidiana, analisando processos de entreajuda, reciprocidade e sociabilidades associadas.

Metodologia

Este artigo baseia-se numa pesquisa etnográfica realizada entre cabo-verdianos com hortas na Cova da Moura e “Reboleira”.[2] Durante três meses, realizei um trabalho de campo intenso (outubro/novembro de 2014 e agosto de 2015), intercalado com uma pesquisa etnográfica sobre artistas africanos nos mesmos bairros (dezembro a junho de 2015), que permitiu manter contacto com os agricultores e aprofundar o conhecimento da sua realidade social (Varela, Raposo e Ferro, 2018). Em 2015, defendi uma tese de mestrado sobre hortas urbanas. De 2016 até à atualidade continuei a fazer incursões ao terreno, espaçadas no tempo, mas frequentes, realizando diversas filmagens e entrevistas.

A pesquisa etnográfica baseou-se num “olhar de perto e de dentro” (Magnani, 2002), onde se recorreu à observação participante, diário de campo, entrevistas exploratórias e aprofundadas, e recolha fotográfica e audiovisual. Foram analisadas 10 entrevistas, seis horas de áudio e cinco horas e meia de filmagens. Ao longo das idas ao terreno, conheci aproximadamente 20 agricultores. Com seis deles mantive uma relação frequente: cinco da Cova da Moura e um da “Reboleira”. Concentrei o meu trabalho de campo numa horta de habitantes da Cova da Moura no cruzamento das autoestradas IC19 e CRIL.

Em 2011, 2015 e 2018, percorri também várias ilhas cabo-verdianas. Aí fotografei e filmei paisagens, vivências e práticas agrícolas; melhorei o meu “crioulo” cabo-verdiano, e isso permitiu-me entender melhor a realidade que estudava. Para compreender as hortas urbanas também analisei fotografias aéreas e imagens de satélite do concelho da Amadora, elaborando a partir daí mapas que permitem compreender a evolução e localização das hortas.

A horta onde concentrei a minha pesquisa é trabalhada exclusivamente por homens. No entanto, as mulheres cabo-verdianas têm grande importância nesta realidade urbana, como demonstram vários trabalhos (Luiz, Jorge, 2012; Luiz, Verone, 2012; Carmo, 2017).

O estudo das hortas urbanas

A agricultura urbana é um importante fenómeno mundial, sendo central no entendimento da vida nas cidades. Estima-se que aproximadamente 14% da população do planeta consuma alimentos provenientes do cultivo nas cidades (Nonini, 2014, p. 406). Refere o mesmo autor que o aprovisionamento alimentar urbano e a agricultura urbana são centrais no estudo das cidades, das pessoas que lá vivem e das suas identidades. As hortas urbanas permitem também analisar trajetos de mobilidade urbana, socialmente complexos e culturalmente ricos (Flynn, 2005). Um recente estudo na cidade de Baltimore demonstrou que as hortas permitem a revitalização de bairros em decadência, bem como melhorar aspetos físicos e psicológicos, enquanto desenvolverem laços entre vizinhos e criam espaços comunitários (Poulsen et al., 2014). Numa outra pesquisa desenvolvida em Havana, conclui-se que as hortas têm permitido a subsistência de setores marginalizados (Primat, 2009).

Em Portugal, há várias décadas que Ribeiro Telles e Raposo Magalhães se têm destacado na defesa das hortas urbanas, através da sua integração em projetos de ordenamento do território (Telles, 1997; Magalhães, 2001). Nas ciências sociais, a primeira abordagem abrangente a esta realidade foi realizada por Castel’Branco e Saraiva (1985). Neste estudo, realizou-se um largo levantamento da agricultura urbana em Lisboa, produzindo mapas e demonstrando a relação desta com os bairros autoconstruídos que surgiam. Curiosamente, o conjunto de hortas onde foquei a minha pesquisa já surge nos mapas destas autoras.

Nos últimos anos, destacam-se diversas pesquisas que revelam a importância social e económica das hortas urbanas de cabo-verdianos na periferia de Lisboa, demonstrando a importância das sociabilidades (Luiz e Jorge 2011; Luiz e Veronez, 2012), ou constatando a invisibilidade e o desprezo que as hortas informais sofrem (Carmo, 2017 e 2018). Num outro estudo, Cabannes e Raposo (2013) compararam a agricultura urbana de Lisboa com Londres, defendendo que, em Portugal, sobressai a forma “não regulada” como esta prática é mantida; a sua importância para a coesão da comunidade cabo-verdiana; a relevância no desenvolvimento de valores coletivos; e a manutenção de práticas trazidas do país de origem.

A minha pesquisa corrobora algumas das conclusões destes trabalhos, nomeadamente a importância das sociabilidades ou a reprodução de práticas rurais cabo-verdianas. Neste artigo, pretende-se aprofundar algumas destas conclusões e discutir o papel da resistência quotidiana nestes lugares.

Sociabilidades e resistência quotidiana

As hortas urbanas de cabo-verdianos da Amadora são um espaço fértil de sociabilidades que surgem através da entreajuda, do trabalho coletivo, das “almoçaradas” ou das caminhadas conjuntas entre o bairro e a horta. Essas formas de sociabilidade promovem laços fortes entre os seus atores e na sua relação com a comunidade.

Entende-se aqui sociabilidade como o estabelecimento de relações sociais pelas relações sociais em si mesmas (Costa, 2003, p.121), destacando-se a centralidade de ações recíprocas entre indivíduos (Frúgoli Jr., 2006). Por exemplo, reciprocidades ou processos de entreajuda que se estabelecem nas hortas urbanas produzem sociabilidades densas.

O antropólogo José Magnani (2002; 2003 [1984]) sugere categorias de classificação do uso do espaço urbano através da análise das sociabilidades que aí surgem. Partindo da perspetiva de que a “casa” é familiaridade e a “rua” o inóspito, Magnani propõe categorias intermédias de análise da cidade como: “pedaço”, “mancha”, “trajeto”, “pórtico” e “circuito”. Segundo o autor, no “pedaço”, que designa um tipo particular de apropriação do espaço urbano, existem formas de sociabilidade fortes. Aí, todos se conhecem; persistem laços de parentesco ou vizinhança; surgem formas de pertença; constroem-se vínculos definitivos; a presença dos seus membros é regular; e há, entre eles, códigos próprios de reconhecimento e comunicação (Magnani, 2002). Assim, “[…] o pedaço é o lugar dos colegas, dos chegados […] todos sabem quem são, de onde vêm, do que gostam e do que se pode ou não fazer” (Magnani, 2003 [1984], p. 12). No contexto brasileiro, o autor dá como exemplos de “pedaços”, lugares como: bares, lanchonetes, salões de baile, salões paroquiais, terreiros religiosos, campos de futebol de várzea ou circos (Magnani, 2002).

Nesta perspetiva, as hortas em estudo podem ser interpretadas como “pedaços”, no que toca às sociabilidades e apropriação do espaço urbano. Nestas hortas, as sociabilidades são mais amplas que as relações familiares e mais fortes que as relações formais, tendo em conta que os seus integrantes têm profundas ligações e se relacionam com base na confiança, são “colegas” e por vezes até familiares: ajudam-se, oferecem e trocam produtos, almoçam e bebem juntos, sabem os seus percursos de vida, conhecem as suas casas e famílias. Adotar o conceito de “pedaço” permite-nos, assim, percecionar as hortas como um lugar de fortes ligações sociais, para onde se estendem redes de sociabilidade dos bairros, criando um espaço socialmente contínuo entre os dois.

Muitas hortas de cabo-verdianos na AML são lugares onde acontecem formas de sociabilidade únicas, que surgem, por vezes, através de reproduções transformadas de antigas práticas rurais. Estas reproduções são alteradas e reinventadas no novo contexto das hortas, formando práticas novas. Seria, por isso, um erro interpretar estas práticas na cidade como rurais ou camponesas; todavia, é importante entender as suas origens para melhor as interpretar.

A maioria dos cabo-verdianos com quem contactámos nas hortas saiu do arquipélago numa época em que este era essencialmente rural e de base camponesa.[3] O campesinato tem princípios de justiça social que englobam: reciprocidade, direito à subsistência; ou autonomia (Wolf, 1970; Scott, 1976). Assim, a “moral económica do campesinato” fomenta dádivas, trocas, propriedades comuns e trabalho coletivo ou direito à ocupação de terras não cultivadas (Scott, 1976). Esta moral é evidente, de uma forma já transformada, entre as práticas nas hortas em estudo através do trabalho coletivo; da solidariedade entre agricultores; das trocas de produtos; ou na defesa do direito à ocupação de terra para cultivo. No entanto, é preciso reafirmar que apesar de terem ligações ao passado camponês, elas são o reflexo, já transformado, destas antigas práticas.

No que se refere à resistência quotidiana, os estudos de James C. Scott que partiram da observação da resistência camponesa têm sido utilizados pelo próprio, e por outros autores, na interpretação da resistência de diversos grupos subordinados. O autor demonstra (Scott, 1985, 1989, 1990) como a resistência quotidiana, disfarçada, discreta, subtil ou oculta pode ser fundamental na mudança social. A resistência quotidiana - afirma - é uma forma central de insubordinação que importa estudar, sendo parceira silenciosa de resistências públicas mais amplas (Scott, 1990). A arte da resistência de grupos subordinados é, assim, não só realizada através de enfrentamentos diretos, mas utilizando formas de insubordinação subtis e diárias contra a dominação social no espaço da infrapolítica. O autor descreve as interações declaradas entre opressores e subordinados como “public transcripts” e as relações indiretas como “hidden transcripts”; das últimas surgem processos de resistência que são relevantes, mas que passam muitas vezes despercebidos (Scott, 1990, xii). Refere, então, que nestas formas de resistência quotidiana podemos encontrar processos de ocupação gradual; apropriação sobre disfarce; criação de espaços sociais autónomos de afirmação da dignidade; ou construção de redes informais entre a comunidade (Scott, 1990, pp. 198-201).

Este enquadramento de Scott parece-nos fundamental para lançar um novo olhar sobre as hortas urbanas de cabo-verdianos como lugares de resistência quotidiana, onde acontecem: ocupações e reocupações graduais de parcelas; apropriação disfarçada e coletiva de margens urbanas; criação de espaços sociais autónomos dignificantes; e construção de redes entre os agricultores e a comunidade.

As gentes das “Ilhas”, Cova da Moura e “Reboleira”

A sociedade rural de Cabo Verde é fruto das condições que moldaram o seu campesinato: a escravatura, o colonialismo, as revoltas, a emigração, as secas e as fomes (Carreira, 1984 [1977]; Langworthy e Finan, 1997; Pereira, 2015). Dos valores e moral dos camponeses cabo-verdianos surgiram modos de ver o mundo que moldaram as suas visões e práticas; e daí, formas de solidariedade, cooperação, reciprocidade ou defesa do direito ao acesso à terra para subsistência que se contrapunham à opressão e às condições naturais adversas (Langworthy e Finan, 1997, p. 68).

No final do século XX, dois terços dos cabo-verdianos viviam fora do arquipélago. A diáspora distribui-se por vários países, entre eles os EUA, São Tomé e Príncipe, Senegal, Holanda, França, Reino Unido ou Portugal, onde vive a sua maior população na Europa (Sieber, 2005, p. 123). Os cabo-verdianos são, assim, uma comunidade marcada profundamente pela sua transnacionalidade (Sieber, 2005; Góis, 2008).

Atualmente, em Portugal, das recentes migrações africanas, a cabo-verdiana é a maior e das mais influentes, estando a sua população concentrada principalmente na Área Metropolitana de Lisboa (AML). Segundo dados do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, em 2017 viviam oficialmente em Portugal 34986 cabo-verdianos (Oliveira e Gomes, 2018, p. 73). No entanto, se contarmos com aqueles que nasceram em Cabo Verde e já têm nacionalidade portuguesa, ou que, nascidos em Portugal, se identificam como cabo-verdianos, os números serão mais elevados.

Nas décadas de 1960, 1970 e 1980 cresceram muitos bairros autoconstruídos nos subúrbios de Lisboa, erigidos pela população pobre urbana, imigrantes rurais do país, “retornados”[4], negros ou ciganos. Muitos dos bairros foram ocupados e construídos coletivamente e são uma demonstração de dinâmicas de resistência urbana. Hoje, muitos destes lugares são habitados por uma população maioritariamente negra.

A pobreza, o racismo, a segregação, as rendas elevadas, ou a necessidade de manter redes entre os seus conterrâneos, assim como a oportunidade de poder construir uma casa sua e, quem sabe, ter uma horta (Batalha, 2008a, p. 32), levou muita gente das “ilhas” a deslocar-se para bairros de génese informal. A população cabo-verdiana destacou-se na construção de diversos bairros autoconstruídos do concelho da Amadora. Alguns destes já foram, ou estão a ser demolidos, no âmbito de um Programa Especial de Realojamento (PER) por vezes segregador, ou injusto (Alves, 2013; Cachado, 2013; Borges, 2014).

Um dos maiores e mais conhecidos bairros autoconstruídos da Amadora é o bairro da Cova da Moura, edificada na cintura do concelho de Lisboa, onde despontaram muitos destes lugares (Salgueiro, 1977). A construção de moradias no bairro iniciou-se na década de 1960, mas o seu grande crescimento aconteceu depois da revolução de 1974-1975. O bairro é também conhecido pela sua grande dimensão e forte associativismo. Atualmente, destacam-se diversos estudos académicos sobre a Cova da Moura que focam a juventude (Raposo, 2005), o associativismo (Horta, 2008), o rap crioulo (Pardue, 2014), as práticas artísticas (Varela, Raposo e Ferro, 2018), a habitação (Jorge e Carolino, 2019), a violência policial (Raposo, Alves, Autor, Roldão, 2019) e a identidade coletiva (Cuberos-Gallardo, 2019).

O outro bairro onde realizei parte do trabalho etnográfico, o bairro da “Reboleira”, situa-se perto da Cova da Moura e foi erguido ao longo de uma estrada militar, onde se construíram muitos outros bairros autoconstruídos da AML. É um bairro tão denso como o da Cova da Moura, mas de menores dimensões e com menos infraestruturas ou serviços. Em 2007 (Reis, 2007), iniciou-se um processo de demolição, mas que tem avançado lentamente, mantendo-se até hoje a maioria das casas, embora muitas das hortas em seu redor já tenham sido destruídas.

Várias particularidades unem a Cova da Moura e a “Reboleira”: serem habitados por uma população maioritariamente negra, com destaque para a presença dos cabo-verdianos e o crioulo cabo-verdiano ser utilizado como língua franca. A segregação, o preconceito, a pobreza, a violência policial e o racismo afetam profundamente estas populações (Varela, Raposo, Ferro, 2018). Recentemente, um caso mediatizado de violência policial contra jovens da Cova da Moura levou à condenação de oito polícias: sete com pena suspensa e um com pena efetiva (Raposo, Alves, Varela, Roldão, 2019).

Hortas e bairros: um continuum social

Desde as suas origens, existe uma importante ligação entre as hortas e os bairros autoconstruídos da AML (Castel’Branco e Saraiva, 1985). A necessidade económica, o lazer e a reprodução cultural mantiveram-nos como um conjunto. Durante a pesquisa etnográfica, ouvi histórias de filhos de cabo-verdianos sobre os tempos em que iam com os pais para as hortas. Falavam-me desses espaços como pertencentes à realidade dos seus bairros.

Combinei um dia entrevistar Adilson Lamas, um desses “filhos” com memórias das hortas. Marcámos o encontro na “Reboleira”, o seu bairro. Antes do passeio às hortas e da entrevista, levou-me a um novo estúdio de música, que um grupo de “pessoal” estava a montar em frente à sua casa. Na moradia térrea, de porta virada para a Estrada Militar, percorri um corredor. Ao fundo, numa pequena divisão onde estava o estúdio, havia uma porta para a rua. Lá fora, das ruínas de uma casa recentemente demolida surgiam tomateiros, pimenteiros e couves, cultivados pelos filhos de cabo-verdianos. Quando lá cheguei, ainda cheirava a churrasco do almoço e, encostadas à parede demolida, repousavam as enxadas sujas da terra. Era uma horta que desabrochava de um vazio, provocado pela destruição. Era uma metáfora que contava a história dos cabo-verdianos nestes bairros autoconstruídos, demonstrando a contínua ligação dos bairros informais às hortas cultivadas pelos seus habitantes. Aquela horta, nascida dos escombros de uma casa que a Câmara Municipal da Amadora tinha demolido há poucos meses, era a demonstração de resistência e criatividade. Naquele espaço que se abriu com a demolição, aqueles jovens montaram uma lona de plástico como proteção contra o sol e a chuva, colocaram uns sofás e ali cultivaram uma horta, ensombrada por um grande abacateiro e por um loureiro.

Aponta-se os anos 1940 como a época do surgimento de hortas urbanas “não reguladas” em Lisboa, provocadas pela expansão urbana e pela chegada de imigrantes rurais. Nos anos 1970, assiste-se a uma explosão desta tipologia agrícola pela AML, aumentando com o surgimento de bairros autoconstruídos, onde surgiam cultivos no seu interior e imediações através de ocupações (Castel’Branco e Saraiva, 1985). Para muitos cabo-verdianos, erguer uma casa com a possibilidade de cultivar uma horta era também importante (Batalha 2008b, p. 31). Por exemplo, na Cova da Moura, sabe-se que enquanto se erguiam casas também se demarcavam hortas (Malheiros, 1999, p. 105).

Atualmente, as hortas urbanas “não reguladas” da AML estão profundamente associadas e encontram-se frequentemente nas imediações de bairros autoconstruídos ou sociais. No caso específico da Amadora, as hortas são em grande parte cultivadas nas imediações de bairros como a Cova da Moura, “Reboleira”, Zambujal, Santa Filomena, Casal da Boba ou Casal da Mira. Todos eles locais onde habitam muitos cabo-verdianos. As hortas dos recentes bairros sociais, Casal da Boba e do Casal da Mira, são um exemplo impressionante disso: construídos recentemente para albergar pessoas vindas de zonas demolidas, viram na última década crescerem em seu redor enormes áreas de hortas (v. figura 3).

 

 

 

 

A ligação entre estes bairros e hortas é enorme, criando entre eles um continuum social, onde as formas de sociabilidade se estendem de um espaço para o outro. No caso onde se focou o trabalho de campo, a horta é um “pedaço” da Cova da Moura, um lugar para onde se prolongam densas sociabilidades e redes do bairro (Varela, 2015).

Hortas urbanas de Cabo-Verdianos da Amadora

Na AML, as hortas urbanas informais fazem parte da paisagem e da vida urbana. Estamos a referir-nos a espaços ocupados, não enquadrados legalmente e geridos muitas vezes de forma partilhada. A maioria das hortas urbanas da AML surgiu de ocupações de terrenos públicos e não são reguladas legalmente ou institucionalmente. Segundo Cabannes e Raposo (2013), um vazio legal permite que estas hortas não possam ser consideradas ilegais e, assim, não é proibido cultivar em terrenos públicos vazios.

A Amadora é o município mais denso do país em população e com maior percentagem de imigrantes cabo-verdianos (INE, 2012). Neste município, as hortas são na maioria cultivadas por cabo-verdianos, surgindo sempre nas proximidades dos bairros onde estes habitam. Este fenómeno aumentou com o desemprego provocado pela crise económica de 2008-2009, tendo já antecedentes na crise na construção civil, setor em que muitos trabalhavam. Entre 2001 e 2011, o desemprego aumentou em Portugal de 6,8% para 13,2%. Para os imigrantes cabo-verdianos, o desemprego cresceu de 8,3% para 27,8%, atingindo no caso dos homens 36,6% (Oliveira, 2014, p. 87). Nos últimos anos, o número de imigrantes inscritos no Instituto de Emprego e Formação Profissional como desempregados tem diminuído (Oliveira e Gomes, 2018, p. 179); no entanto, ainda não é possível ter dados mais exatos do desemprego imigrante para comparar com os números de 2001 e 2011.

Para este artigo foram realizados mapas que permitiram localizar e fazer o cálculo das áreas de hortas do concelho. Em 2000, estas ocupavam 3,8% da área do município (898984 m2) e em 2016 ocupavam 4,9% (1172720 m2); tendo havido um aumento de 77% de área de hortas entre estes anos (v. Figura 3). Estes dados e mapas demonstram a importância da agricultura urbana na Amadora, o seu crescimento, a sua proximidade face aos bairros onde vivem cabo-verdianos e ao longo da autoestrada IC19.

Nas hortas urbanas de cabo-verdianos na Amadora - que são frequentemente de pequena dimensão - cultiva-se batata, batata-doce, favas, ervilhas, milho, diferentes variedades de feijões, inhame e, quase sempre, cana-de-açúcar. Alguns destes produtos, como a cana-de-açúcar, inhame, ou feijão congo foram introduzidos ou reintroduzidos na agricultura portuguesa a partir dos cabo-verdianos. Por vezes, alguns agricultores produzem cana-de-açúcar em quantidade que depois é destilada artesanalmente para fazer grogue.

A esmagadora maioria dos agricultores urbanos que conheci eram reformados ou desempregados com mais de 50 anos. Verifiquei, também, que quase sempre eram de Santiago ou Santo Antão. Isto não é um acaso, já que estas são as duas ilhas mais agrícolas de Cabo Verde (Langworthy e Finan, 1997, p. 67).

Estas hortas são um lugar de resistência perante os baixos salários e reformas ou o desemprego, e espaços de criatividade, de lazer, trocas, amizade e liberdade. Elas são lugares onde se estabelecem redes de sociabilidade urbanas únicas. Nesse sentido, este artigo vai ao encontro de algumas das conclusões da pesquisa realizada por Juliana Luiz e Sílvia Jorge (2012, pp. 155-156) sobre hortas de cabo-verdianos no bairro do Talude, em Loures, na qual afirmam que estas possibilitam a subsistência, a reaproximação às origens, ou ócio e liberdade, face às dificuldades de acesso à cidade (Luiz e Jorge, 2012, pp. 155-156).

Uma horta que se eleva entre o asfalto e o betão

No cruzamento entre duas das grandes vias da AML, o IC19 e a CRIL, resiste um conjunto de hortas urbanas “não reguladas”. Este lugar, que se avista da autoestrada e parece quase inacessível, eleva-se da terra que o asfalto e o betão não ocuparam. Estamos na zona da Buraca, e o espaço está dividido entre o concelho da Amadora e Lisboa.

Este lugar encontra-se a cerca de 15 minutos a pé do bairro da Cova da Moura - mais ou menos a mil metros - que se percorrem através de prédios, moradias, vias rodoviárias e trilhos. O complexo de hortas está dividido em vários conjuntos. A zona nordeste, onde se focou a minha pesquisa, é onde se encontra o maior número de agricultores. Devido à separação que perfaz o IC19, os agricultores do lado norte são maioritariamente da Cova da Moura e os do lado sul, do bairro do Zambujal.

 

 

No conjunto de hortas onde se focou a minha pesquisa etnográfica, encontrámos um retalho de hortas denso, pertencente a 12 pessoas: 11 delas da Cova da Moura, nascidas na ilha de Santo Antão, e um outro nascido em Santiago. A horta é dividida por dezenas de parcelas com diferentes dimensões e formatos, que perfazem no total aproximadamente 1,1 hectares. As vedações da horta no seu conjunto são os rails, os regos das estradas, e eventualmente pequenos muros de pedra. As parcelas, por vezes, podem ser divididas por paus com fios ou com pequenos aglomerados de pedras que também servem para marcar os caminhos. Cada agricultor pode ter várias parcelas em distintas zonas da horta, porque as ocupou ou “herdou” em diferentes épocas. Entre os diversos cultivos encontramos feijões (congo, bongolom, pedra, sapatinha/manteiga ou fradinha/frade); milho; batata-inglesa; batata-doce; cebola; favas; ervilhas ou couve-galega, não havendo dominância de nenhum dos cultivos. Espalhados, encontramos também alguns tufos de cana-de-açúcar, embora não muito abundantes devido à escassez de água. Não há acesso à eletricidade e a água utilizada na rega provém de bidões ou de um poço construído que recolhe água da chuva. Por isso, o trabalho agrícola neste lugar quase paralisa no verão quando já não há acesso a rega.

Nunca vi utilizarem pesticidas ou herbicidas, mas usa-se frequentemente adubos azuis NPK. No cultivo, destaca-se a utilização da “enxada de Santo Antão”, que na terminologia agrícola portuguesa seria um sacho de ponta aguda, lâmina curva e de cabo curto. O trabalho pode ser realizado de forma individual ou em coletivo, mas não existem parcelas comunitárias. No entanto, parte dos alimentos podem ser trocados ou oferecidos entre os agricultores nos processos de entreajuda. Mais frequentemente, o trabalho é trocado apenas por trabalho. Por vezes, os agricultores trazem amigos ou familiares para os ajudarem; e, esporadicamente, fazem-se pagamentos a dinheiro a “colegas” que ali vão trabalhar.

Neste lugar existem quatro pequenas barracas, construídas com restos de madeira e outros materiais. A principal barraca é uma cozinha - com uma cova no chão onde se faz lume de lenha - no seu exterior existe uma bancada onde se preparam as refeições e onde se guardam talheres, panelas, pratos, azeite ou carnes a salgar. Almoça-se nessa bancada ou sobre uma anilha de betão, onde se colocam tábuas, que estão ali perto.

Conheci estas hortas depois de outras, quando lá fui levado por um agricultor da Cova da Moura. O lugar surpreendeu-me imediatamente pela sua localização isolada entre grandes vias e pelo elevado número de agricultores concentrados. As histórias de resistência e as práticas que o lugar me revelava, dia após dia, tornavam-no ainda mais fascinante. Naquela margem da cidade, na fronteira de Lisboa com a Amadora, houve expulsões e reocupações, destruições e reconstruções. Primeiro, com o aumento das vias do IC19 e início da construção da CRIL[5], e, mais tarde, com a conclusão do túnel da CRIL[6], os agricultores viram as suas hortas serem destruídas por máquinas e depois voltaram a erguê-las.

Ao ler o artigo de Isabel Castel’Branco e Susana Saraiva (1985), referido anteriormente, deparei-me com um mapa. Esse mapa, baseado em estudos que se realizaram entre 1977 e 1982, identifica aquele preciso lugar como uma área de hortas urbanas, antes de lá passarem as duas autoestradas. Nesse estudo, o espaço ocupado por estas hortas urbanas era maior que o de hoje e em seu redor existiam construções informais. No mapa também se verificava que esta era das maiores zonas pertencentes a uma continuidade de cultivos urbanos, que se erguiam na fronteira do concelho de Lisboa.

Mais tarde, ao juntar este mapa, as histórias dos agricultores, e um estudo de fotografias aéreas e imagens de satélite daquela área, concluí que em 1958[7] este lugar era uma zona rural, com quintas. Em 1968, já vemos ali construções informais, que se misturavam com uma paisagem que se ia urbanizando, mas onde as hortas eram ainda escassas. E, na fotografia de 1986, verifica-se um grande surgimento de hortas urbanas, associadas a áreas de edificação informal, que aumentaram.

Eugénio, um dos agricultores que já ali tinha uma horta na década de 1980, antes do IC19 ser construído, descreveu da seguinte forma as metamorfoses deste lugar:

Isto aqui era tudo barraca. Preto, branco, cigano, tudo. Barracas, daqui até lá. Lá, era onde a gente ia abastecer de água. Tinha ali um chafariz. […] Eu já antigamente fazia horta aqui, desde long time. Fazia horta na altura que eles tinham barracas aí [...] a gente ligava a mangueira e regava uma horta. Depois eles meteram essa estrutura aí, fizeram todas essas estradas para aqui, para ali, para acolá. Isto não tinha estrada. A estrada era campo. A gente chegava aí, montava uns paus, fazia uma barraca para sobreviver […]. [Eugénio, 15-05-2015][8]

Posteriormente, em 1995, vê-se toda essa área demolida e em obras, num alargamento e alteração do troço do IC19. As casas e as hortas desaparecem completamente do mapa. Entre 1995 e 2005 não houve hortas naquele lugar e, entre os que lá estavam e estes novos agricultores, não existe muita relação. Apenas Eugénio é dos tempos antigos.

Com a conclusão do túnel da CRIL, em 2009, as hortas do lado noroeste e sudoeste (lado Amadora) foram arrasadas pelas retroescavadoras e buldózeres. Com o fim das hortas do lado noroeste, muitos agricultores abandonaram a zona, mas outros foram recebidos solidariamente pelos que tinham horta na zona não destruída (lado Lisboa), aumentando e adensando, assim, a área de cultivo dessa banda. Apesar da destruição e intimidação, os agricultores persistiram em continuar com o seu “pedaço” usando formas de resistência discretas:

Depois começámos lá em baixo. […] Eles tentaram pôr a gente fora de lá, mas a gente não [deixou]. Durante a obra da estrada eles chegaram a roçar as batatas, cebolas. A roçar com as máquinas. Aí, de facto, a gente teve uns tempos sem ir lá. Depois, quando eles alinharam a estrada a gente começou outra vez. Aquele terreno ficou baldeado pelas máquinas, cheio de pedras… Eles começaram a dizer à gente que não podíamos fazer [a horta] por causa do caminho… Mas a gente nunca deixou. Às vezes ainda… a gente faz fumarada para fazer o comer e aqueles senhores das estradas, que andam naquelas carrinhas, vêem ter connosco […] Mas nunca nós deixamos de fazer, até agora. [Marcelino, 29-08-2015]

Este agricultor fala da relação algo conflituosa que existe entre a empresa que gere o IC19 (responsável pelo espaço onde se inserem as hortas) e os agricultores. Um dia observei um momento de tensão relacionado com essa realidade:

Estava a chegar à horta com dois agricultores e havia um acidente ali mesmo ao lado na via. Um “senhor das estradas” [trabalhador do carro de piquete] aproximou-se de nós e começou a reclamar, dizendo que nós não podíamos estar naquele lugar. Um dos agricultores explicou que estavam ali apenas para “fazer alguma coisa para comer”, não roubavam, nem faziam mal a ninguém. O homem continuou a discutir afirmando que nós para ali chegarmos tínhamos transposto uma via e isso era proibido. Depois calou-se, nós continuámos o caminho e ele seguiu-nos com os olhos reprovadoramente. Quando chegámos à horta fomos para perto da cozinha. Os dois agricultores ficaram silenciosos, atentos ao “carro das estradas”. Esperaram tensos antes de pegarem nas “enxadas”. Uns vinte minutos depois, quando finalmente o carro abalou, os sorrisos voltaram, os agricultores lançaram-se à terra, e eu peguei na câmara e comecei a filmar. [Diário de Campo, 18-01-2016]

Marcelino e Armindo, duas histórias que convergem numa horta

Marcelino e Armindo são dois cabo-verdianos vizinhos na Cova da Moura e que têm hortas no lugar retratado. Partiram ambos da ilha de Santo Antão em épocas diferentes e para lugares distintos, mas as suas vidas convergiram naquela horta.

Marcelino é um imigrante cuja vida lhe correu bem. Nascido em Santo Antão, foi agricultor, estivador, cozinheiro em navios e trabalhador da construção civil. Tem três filhas, uma em Cabo Verde, outra na Suíça e uma em Portugal. Migrou primeiro para a Holanda e depois para Portugal, onde empenhou as suas poupanças numa boa moradia no bairro. É um homem alegre, simpático e acolhedor. Tem 74 anos, é filho de um lugar perto de Porto Novo. Aí cresceu e viveu até emigrar, aos 28 anos. Nascido três anos antes da fome de 1947, da qual ouviu histórias através dos mais velhos, trabalhou desde cedo na agricultura em lugares que arrendava a proprietários. Nos inícios de 1960, quando a chuva faltou, foi morar para São Vicente, onde foi estivador. A estiva durou pouco tempo e rapidamente regressou à sua ilha para trabalhar na terra novamente. Poucos meses antes do 25 de Abril de 1974 viajou para a Holanda onde, em Roterdão, embarcou num barco de mercadorias, trabalhando como cozinheiro. Em 1981, estabeleceu-se definitivamente em Lisboa, onde, desde 1977, tinha vindo a erguer uma casa na Cova da Moura. Em Portugal, trabalhou na construção civil até se reformar. Desde que chegou teve hortas na zona da Buraca:

Ia para as obras, mas aos fins de semana, quando um gajo não trabalhava, fazia qualquer coisa na horta. [Marcelino, 13-08-2015]

Foi quando a crise se instalou na construção, e a empresa onde trabalhava o mandou para casa, que se dedicou mais à agricultura e foi parar, com outros, a este lugar no cruzamento das vias. No que se refere às sociabilidades na horta, Marcelino é um dos mais dinâmicos. Sendo dos mais antigos naquele lugar, é um elo de ligação entre vários agricultores e um dos pilares dos “colegas da horta”. Para Marcelino, a horta permite-lhe produzir alimentos mas é, principalmente, um lugar onde pode conviver, produzir para a casa, para oferecer a familiares e vizinhos e um espaço que lhe permite sair do bairro e não estar parado:

A horta é importante: vou divertir-me na horta, faço uma cebola, batata, ervilha e dou uma ajuda à mulher. […] Eu gosto. A nossa origem de Cabo Verde é agricultura. É um divertimento vindo de origem lá de nossa terra. […] É uma maneira de viver, conviver. [Marcelino, 13-08-2015].

Armindo, o outro agricultor, tem 54 anos e vive numa rua abaixo de Marcelino. Nasceu e viveu em Figueiras, um lugar isolado de Santo Antão, e desde cedo trabalhou na agricultura. Em Cabo Verde, para além da agricultura, trabalhou na construção. Tinha um pequeno terreno, mas cultivava sobretudo em terrenos de outros. Até migrar para Portugal nunca tinha morado fora da sua ilha. Ao contrário da maioria das pessoas da horta, que chegaram entre 1960 e 1980, ele veio mais recentemente, em 2004. É um homem simpático e sorridente, mas reservado. Desde que chegou a Portugal viveu uma imensa precariedade laboral, trabalhando intermitentemente na construção civil ou noutros “biscates” que foram surgindo. Ainda não regressou a Cabo Verde, apesar de ter muita vontade de o fazer. Deixou lá o seu filho e mulher. É um de nove irmãos espalhados pelo mundo: quatro na Cova da Moura, dois em França, um no Luxemburgo, um em Cabo Verde e o mais velho no Senegal.

Armindo conheceu aquelas hortas antes de aí ter também um pedaço seu, nos tempos em que ia lá ajudar um cunhado ou alguém lhe pagava alguma coisa para trabalhar por ali. Há seis anos um “compadre” deu-lhe ali um pedaço, o dinheiro do trabalho já não lhe chegava e ali pelo menos não estava desocupado e produzia alguma coisa:

Quando não tenho trabalho, vou lá divertir-me e faço qualquer coisa para comer. [Armindo, 30-08-2015]

Um dia perguntei-lhe se aquela horta lhe fazia lembrar de alguma forma Santo Antão, e ele respondeu-me que:

Faz lembrar sim, é aquele hábito que a gente tem. A tradição que temos de Cabo Verde a gente não esquece. Nas hortas a gente convive uns com os outros. [Armindo, 30-08-2015]

As hortas como lugares de resistência quotidiana e sociabilidades

No lugar onde se focou a minha pesquisa etnográfica, têm sido as ocupações graduais e coletivas de terrenos a permitir a manutenção do espaço. Estas apropriações dissimuladas são formas de resistência quotidiana que permitem transformar terrenos sem uso em hortas urbanas, onde depois se constroem espaços sociais autónomos. Sobre o processo de ocupação e reocupação do espaço, referiu Marcelino:

Tiraram o terreno da gente. Mas depois a gente continuou a fazer no mesmo sítio. Eles tinham pensado correr com a gente daqui. Mas não conseguiram […] Os brancos dizem que os cabo-verdianos até em cima do mar fazem horta na lata. E é verdade! [Marcelino, 05-10-2014]

A defesa do direito do acesso à terra está também relacionada com a moral dos agricultores cabo-verdianos (Langworthy e Finan, 1997), que por sua vez está integrado na moral económica camponesa (Scott, 1976). Refere o mesmo agricultor que:

A gente chega e pega [o terreno]. Começa a mondar, depois começa a cultivar. […] Se é para ver um terreno à balda, só em palha, mais vale ver aquilo bonito, cultivado. Não é? [Marcelino, 13-08-2015]

Através da ocupação gradual, criam-se espaços sociais autónomos dignificantes, onde se pode trabalhar, produzir, conviver, dar e receber, reafirmar a identidade cabo-verdiana, reproduzir tradições agora transformadas, criar novas formas de sociabilidade e construir um espaço coletivo.

O conjunto de hortas onde se focou a pesquisa, é um “pedaço” na conceptualização de Magnani (2002). Um espaço onde as ligações entre as pessoas que o frequentam são fortes e que evoca laços de pertença. Ali a presença dos agricultores é regular e, em épocas de maior labuta, vão lá quase diariamente. Aos fins de semana, quando a maioria está disponível, juntam-se ali grupos mais numerosos. Fazem-se almoços coletivos e, por vezes, também se convidam pessoas de fora. Este lugar também consegue ser um espaço de maldizer, intrigas ou conflitos entre os seus atores; mas isso não se sobrepõe à solidariedade que ali os mantém. Esta horta não está desconectada das relações que se estabelecem entre os moradores da Cova da Moura; e ela é também um “pedaço” das redes do bairro, permitindo um continuum social entre o bairro e a horta (Varela, 2015).

Nestas hortas são muito frequentes as dádivas de alimentos entre os agricultores, à família ou conhecidos. Um dia, quando descia a Estrada Militar que atravessa o bairro da “Reboleira”, fui apresentado pela primeira vez ao Nola pelo Pedro Diniz (rapper e produtor do bairro). O Nola, um ex-mineiro na Panasqueira nascido no interior de Santiago, mostrou-se disponível para me levar à sua horta. No caminho, uma vizinha assomou-se à porta e chamou-o. Entre piadas, falaram de uns papéis que tinham de tratar. Quando estávamos de saída, ela pediu-lhe umas folhas de couve para um cozinhado que estava a fazer. Continuámos o caminho até à sua horta, hoje demolida, numa das extremidades do bairro. Mostrou-me o lugar, os cultivos que ali fazia e contou-me um pouco da sua história. Combinámos encontrar-nos noutro dia. Na despedida, apanhou umas folhas de couve-galega e deu ao Pedro Diniz, pedindo que as levássemos à vizinha. O Nola seguiu o seu caminho e nós regressámos para dar as folhas de couve. Ela agradeceu, e nós seguimos para junto de outros jovens que estavam lá em cima na esquina.

 

 

Estas dádivas são descritas como muito comuns na sociedade rural cabo-verdiana (Langworthy e Finan, 1997), e estes são processos que provêm de formas de solidariedade e sobrevivência da economia moral do campesinato. Neste caso específico, elas são uma reprodução de relações sociais do mundo rural passado cabo-verdiano, agora transformadas na cidade. Aqui, mais do que ser uma forma de subsistência (visto que a agricultura não é frequentemente a principal fonte de rendimento destas pessoas), as dádivas fortalecem os laços entre as pessoas, possibilitando formas de sociabilidade urbanas distintas.

Outra importante prática nestas hortas é o djunta mon. Esta é uma forma de trabalho coletivo recíproco do mundo rural cabo-verdiano atual e passado, onde um indivíduo entrega a sua mão-de-obra num esforço colectivo agrícola ou de construção, e depois recebe-o de volta num outro momento (Couto, 2001, pp. 141-145). No contexto da diáspora, como por exemplo na Cova da Moura, o djunta mon, já alterado, também permite uma “reafirmação da identidade cabo-verdiana” (Cuberos-Gallardo, 2019). Assim, o djunta mon nas hortas urbanas, para além de disponibilizar mão-de-obra, proporciona importantes redes de sociabilidade, através de convívios, almoços e ajuntamentos com “colegas” da horta e pessoas vindas de fora, como a família, amigos e vizinhos. A descrição do Nola do djunta mon nas hortas é disso exemplo:

O djunta mon é assim. Hoje eu vou ajudar a si, amanhã ajudam-me a mim, depois vamos ajudar outro. Juntamos, três, quatro, cinco pessoas [...] Até ao fim fazemos o trabalho de todos. […] Hoje é meu dia, vem todos [trabalhar] para mim, amanhã vou por outro, depois para outro. Um faz uma “cachupada”, o outro faz feijão. Outro traz carne, assamos. Traz vinho, aguardente. O que bebe sumo traz sumo. [Nola, 5-10-2015]

Estas formas de reciprocidade e entreajuda, no contexto urbano, ganham enorme importância na criação de formas de sociabilidade e redes informais que permitem formas de resistência quotidiana. Assim, estas práticas que se constroem agora na cidade, mesmo tendo um passado rural, constroem-se sobre bases novas, possibilitando formas de sociabilidade e redes de enorme importância no contexto urbano.

As “almoçaradas” nas hortas são também eventos sociais que proporcionam importantes redes de sociabilidade. Por vezes elas conjugam-se no processo de djunta mon, mas normalmente acontecem fora deste. Estas “almoçaradas” evidenciam os fortes laços entre os agricultores e são um fenómeno novo relacionado com as hortas urbanas, pela dimensão de lazer e convívio que nelas existem. Na horta onde a pesquisa etnográfica se focou, as “almoçaradas” acontecem normalmente ao fim de semana, quando há maior disponibilidade. Para elas, também são muitas vezes convidadas pessoas exteriores à horta, como familiares, amigos ou vizinhos, que eventualmente também “dão uma mão” na horta.

Estas “almoçaradas” são planeadas com antecedência; as compras podem fazer-se logo de manhã, em conjunto, mas normalmente cada um traz a sua parte para o cozinhado. E se o ato de comer é coletivo, o de cozinhar também o é. As “almoçaradas” são um momento de conversas, piadas, maldizer, risadas ou discussões. Trabalha-se na agricultura antes e depois do almoço, individualmente, ou com ajuda, mal acaba a refeição há quase sempre um momento de descanso, enquanto o sol ainda é forte.

 

 

Um excerto de entrevista explica bem estas “almoçaradas”:

Na horta você já viu a nossa convivência. Juntamo-nos, fazemos comer, fazemos cachupa, grelhada, peixe ou carne. Por vezes convidamos uns colegas, por vezes vão outros amigos […] É mais ao fim de semana que a gente se junta […] É feio estar lá um colega que não tem comida e a gente sentar para almoçar e não chamar. É muito feio! [Marcelino, 13-08-2015]

As caminhadas entre o bairro e a horta são também um momento de sociabilidade. Se muitas vezes os agricultores vão sozinhos do bairro para a horta, no regresso vão quase sempre em grupos. Nessas caminhadas, normalmente em passo lento, de alfaia e sacos às costas, vai-se conversando. Os passos que se dão conectam a horta ao bairro e ligam esses dois espaços à cidade envolvente. Nesse percurso é frequente encontrar vizinhos e amigos com quem se troca um dedo de conversa ou se bebe um “copo” num café pelo caminho.

Através do djunta mon, almoçaradas, caminhadas, processos de reciprocidade e de dádiva, esta horta permite formas de sociabilidade e de estabelecimento de redes, que ligam os agricultores entre si, ao bairro, à sua comunidade e ao resto da cidade.

Na horta em estudo nascem formas de resistência quotidiana que se contrapõem a processos de opressão ligados à desigualdade económica, racismo e segregação. Ali, a resistência infrapolítica fica evidente: na ocupação/reocupação de terra de forma gradual e coletiva; na apropriação de um espaço marginalizado para cultivar; na construção de barracas “não reguladas”; na criação de redes informais entre as pessoas da horta e do bairro, mediante processos de dádiva, troca ou trabalho coletivo; na criação de um espaço social autónomo, que permite a manutenção da dignidade; ou na reprodução de práticas ancestrais transformadas, que reafirmam a identidade cabo-verdiana no contexto da diáspora.

Esta horta é um espaço coletivo que se impõe através da resistência quotidiana, numa cidade que é desigual e injusta para muitas pessoas que aí vivem. Como refere Scott (1990, p. 199): “cada uma das formas de resistência disfarçada, ou infrapolítica, é uma companheira silenciosa de uma forma “barulhenta” de resistência pública”.[9]

Considerações finais

Defende Henri Lefebvre (2011 [1968], p. 7) que a cidade é fundamental para a reflexão teórica, a ação prática e a imaginação. Nela existem trocas materiais e simbólicas, sobressaindo um espaço comunitário e de anonimato, de vidas distintas, mas também convergentes. Neste sentido, a agricultura urbana é um lugar privilegiado para a análise de processos emergentes de cidadania e de acesso à cidade.

Na AML, as hortas urbanas são um “pedaço” fundamental de subsistência e convivência; surgindo desde há muito junto a bairros autoconstruídos e sociais. Na Amadora, a maioria é cultivada por cabo-verdianos, e em redor de todos os bairros onde exista uma grande comunidade deste arquipélago encontramos agricultura urbana. Aí fortalecem-se redes entre pessoas, comunidade e cidade, construindo-se um continuum social entre hortas e bairros. Estas hortas urbanas - que não são reguladas pelo Estado ou outras autoridades (Cabannes e Raposo, 2013) - são lugares de resistência quotidiana, onde surgem densas sociabilidades. Nestes lugares, muitas vezes usados de forma coletiva, também acontecem reproduções transformadas de antigas práticas rurais cabo-verdianas, como o djunta mon, que possibilitam novas formas de sociabilidade urbana e fortalecimento de uma identidade coletiva.

James C. Scott (1990) refere que as ocupações graduais, apropriações, criação de espaços sociais autónomos e construção de redes informais podem ser interpretadas como formas de resistência quotidiana. Nas hortas urbanas em estudo conseguimos observar diversas destas formas de resistência infrapolítica, como por exemplo: ocupações de terrenos; apropriações dissimuladas do espaço; fortalecimento de redes informais; práticas de solidariedade e trabalho coletivo; reafirmação identitária; e acesso a uma dignidade que lhes é muitas vezes negada.

Contrariando processos de desigualdade e opressão social, as hortas urbanas são companheiras de um esforço coletivo pelo “Direito à Cidade”. E, como defendem Lefebvre (2011 [1968]) e Harvey (2008), este é um importante direito humano e democrático. Nesse sentido, devemos compreender as hortas de cabo-verdianos como espaços de resistência, criatividade e mudança positiva da cidade, sendo uma importante demonstração das múltiplas formas como os cabo-verdianos têm imaginado, criado e transformado a sociedade em Portugal.

 

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Recebido 20-12-2018. Aceite para publicação a 22-04-2020.

 

[1] Obrigado ao Marcelino, Nola, Armindo, “Matchona”, Manuel, Júlio, João Lima, António, Eugénio e Damásio que me abriram os “portões” das suas hortas, casas e vidas. Agradeço também à Flor Neves e Carolina Freitas pela revisão do texto; à Inês Fontes, João Antunes e Sebastião de Almeida pela ajuda nos mapas; e ao Adilson Lamas, Ermelindo Quaresma, Flávio Almada, Jakilson Pereira, Júlia Carolino e Pedro Diniz pela ajuda, ensinamentos e amizade. Este artigo resulta do apoio da Fundação para a Ciência e Tecnologia, no âmbito da bolsa de Doutoramento SFRH/BD/129171/2017.

[2]Reboleira é o nome pelo qual os habitantes do bairro da Estrada Militar do Alto da Damaia se referem ao lugar onde moram. Adotarei no artigo esta terminologia.

[3] Em 1960, Cabo Verde tinha uma população rural de 83,3%, em 1975 de 78,6% e em 1980 de 76,5%. Atualmente, numa rápida urbanização que se iniciou depois dos anos 1990s, apenas 34% vive em meio rural (United Nations, 2015).

[4] O termo “retornado” refere-se às centenas de milhares de pessoas, maioritariamente brancas, que vieram para Portugal como resultado da descolonização em África (Peralta, 2019).

[5] Em 1993, iniciaram-se as obras do túnel da CRIL. No entanto, as obras ficaram paradas durante uma década.

[6] Em 2009, iniciaram-se as obras de conclusão do túnel da CRIL, tendo sido inaugurado em 2011.

[7] Tive acesso às fotografias aéreas militares de 1958, 1968, 1986. Depois, a partir de 1994, existem fotografias de dois em dois anos fornecidas pelos serviços de imagens aéreas da Câmara Municipal da Amadora; utilizei ainda fotografias atuais do Google Earth.

[8] Entrevista realizada no âmbito do projeto de Alexandra do Carmo, “Urbana (as Sementes)” (Carmo, 2016).

[9] Tradução livre do autor.

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