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Análise Social

Print version ISSN 0003-2573

Anál. Social  no.225 Lisboa Dec. 2017

 

RECENSÕES

ANDRÉ, José Gomes, SANTOS, José Manuel e DIAS, Bruno Peixe (orgs.)

Teorias Políticas Contemporâneas,

Lisboa, Sistema Solar, 2015, 448 pp.

ISBN 9789898618917

Filipe Carreira da Silva*

*Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa. Av. Professor Aníbal de Bettencourt, 9 - 1600-189 Lisboa, Portugal. fcs23@ics.ulisboa.pt


 

Quem procure, por necessidade ou recreação, uma obra em português sobre o panorama atual em teoria política depara-se com um cenário desolador. Para além de algumas traduções de obras francesas datadas e de um ou outro volume mais recente de índole introdutória (v., por exemplo, o Manual de Filosofia Política organizado por João Rosas em 2008 ou o Pensamento Político Contemporâneo de 2004, também de João Rosas, neste caso com João Carlos Espada), a verdade é que o mercado editorial em Portugal peca pela escassez de livros que cumpram a função essencial de apresentar de modo escorreito e competente o que de mais importante tem vindo a ser produzido na área da filosofia ou da teoria política nas últimas décadas.

Teorias Políticas Contemporâneas, um volume coletivo organizado por três académicos portugueses – José Gomes André, José Manuel Santos e Bruno Peixe Dias – visa preencher esta lacuna. Em meu entender, fá-lo com um profissionalismo e competência que são de saudar.

Não significa isto, porém, que se trata de um volume sem falhas. A primeira tem a ver com o critério seguido quanto à seleção dos conteúdos a incluir. Apesar de a obra incluir capítulos sobre autores individuais, grupos de autores, e correntes de pensamento, a única justificação que aparece na “Introdução” a este respeito refere-se aos dois primeiros tipos de capítulos. Nada é dito ao leitor sobre a razão que levou os organizadores a incluírem textos sobre “comunitarismo” ou “federalismo” ao lado de capítulos sobre Luhmann ou Derrida. Mera oportunidade? Necessidade de cobrir temas e questões que o enfoque em autores individuais não permitiria? Não sabemos. O que sabemos é que da leitura do volume como um todo resulta uma sensação de estarmos a consultar uma enciclopédia, em que os temas se sucedem de forma aleatória (neste caso, alfabética), e não um livro propriamente dito, em que um certo fio condutor leva o leitor a percorrer o domínio do saber em questão de modo consistente, claro e justificado.

A segunda falha do volume está, de certo modo, relacionada com esta primeira. Refiro-me ao desequilíbrio entre os capítulos, algo que se faz sentir quer do ponto de vista dos propósitos perseguidos, quer da competência demonstrada em os alcançar. Na sua maioria, os capítulos propõem-se apresentar um panorama geral dos contributos para a filosofia política da obra de um autor de forma fundamentalmente pedagógica: é o caso, por exemplo, do capítulo sobre Jürgen Habermas, Jean-Paul Sartre, John Rawls, ou até o sobre Hannah Arendt. Noutros casos, faz-se luz apenas sobre um contributo específico que um autor terá feito, num registo mais próximo de um artigo de revista científica: um exemplo é o (muito original) capítulo sobre Foucault. Os capítulos sobre correntes de pensamento são de cariz pedagógico e generalista, destoando da qualidade geral do conjunto dos capítulos. O problema deste desequilíbrio é que dificulta a vida ao estudante que procura aqui uma via de entrada neste domínio, ao mesmo tempo que torna o livro menos interessante e útil ao académico profissional. Feitas as críticas, passemos aos elogios, que são mais numerosos e significativos.

Desde logo, o aspeto gráfico da obra. A Sistema Solar está de parabéns pela execução gráfica deste volume, tendo conseguido alcançar um equilíbrio notável entre sobriedade (trata-se, afinal, de um livro técnico) e apelo estético, com capa e contracapa pontuadas com fotografias dos autores tratados.

Em segundo lugar, o conteúdo é uniforme do ponto de vista linguístico, isto apesar de vários dos capítulos serem traduções. O melhor elogio a fazer a este respeito é que não se nota a diferença entre capítulos originalmente escritos em português e as traduções de outras línguas para a nossa.

Em terceiro lugar, o âmbito dos temas tratados é adequado a uma obra deste tipo, cobrindo quer autores anglo-saxónicos, quer da Europa continental, incluindo perspetivas de diversas proveniências ideológicas, metodológicas, epistemológicas e ontológicas. Seria uma crítica fácil apontar exclusões no leque de autores (ou correntes) tratados. Ao invés, parece-me mais justo saudar o esforço de ecletismo dos organizadores. Podermos ser ecléticos é, aliás, uma das (poucas) vantagens da nossa posição de academia periférica: suficientemente próxima dos centros de produção de saber para lá ir beber, suficientemente distante de qualquer um deles para manter uma saudável relação de independência.

Por último, gostava de sublinhar a qualidade dos textos. Não obstante o desequilíbrio comentado acima, a verdade é que os textos aqui reunidos não têm par na produção académica portuguesa. Trata-se, a meu ver, da melhor coleção de textos sobre teoria política contemporânea disponível em português, comparável à maioria dos volumes congéneres publicados em espanhol, italiano, francês ou inglês, com a vantagem acrescida, como também já assinalado, de se tratar de um volume particularmente abrangente e variado nos autores tratados.

O nível geral dos textos aqui reunidos é excecionalmente elevado, demonstrando a vitalidade, qualidade e profissionalismo que a comunidade académica portuguesa alcançou neste domínio do saber, um domínio, saliente-se, praticamente inexistente há poucas décadas.

Como símbolo da produção em teoria e filosofia política contemporânea, Teorias Políticas Contemporâneas tem lugar assegurado nas estantes de qualquer biblioteca académica ou pessoal, merecendo ser consultado amiúde por quem quer que se interesse por pensar o político.

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